Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mariana Ceratti

‘O Superior Tribunal Federal suspendeu no final da semana passada uma lei gaúcha que dava prioridade ao software livre nas licitações e contratos públicos envolvendo micros, servidores e outros equipamentos de informática. O negócio é o seguinte, minha gente: no final de 2003, o Partido da Frente Liberal (PFL) entrou no STF com a chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). A Adin é um recurso que pode ser usado por qualquer partido político, a qualquer momento em que ele julgar que determinada lei fere o interesse público e a Constituição.

O relator da ação, o ministro Carlos Ayres Britto, suspendeu a lei porque viu alguns problemas sérios nela. O primeiro deles é o fato de que cabe à União (e não ao estado do Rio Grande do Sul) a produção de leis e normas sobre licitação. Além disso, a prioridade dada ao software livre seria capaz de diminuir ou acabar com a competição entre os interessados em participar da licitação. E, pela Constituição, todos os interessados em uma compra ou contrato público merecem tratamento igual.

O texto completo está no site do STF (www.stf.gov.br), inclusive com as etapas do processo (ADI 3059). Acessa lá.Não vou questionar aqui a decisão pura e simples do Tribunal. O que surpreende é o seguinte: uma coisa comum de se ver em licitações de tecnologia de qualquer tipo, de qualquer órgão público, são condições pré-estabelecidas para a compra de equipamentos, softwares, serviços. Já vi muito edital pedindo computador com sistema Windows (e não outro). Processadores e outras peças com a tecnologia que só um fabricante tem. Tudo isso, de certa forma, não é um jeito de limitar a concorrência, de (indiretamente) dar privilégio a apenas uma das partes interessadas?

Se a lei que dá prioridade ao software livre é inconstitucional, que se faça então o que é determinado pelas nossas normas. O que não pode é adotar a velha prática do ‘dois pesos, duas medidas’ – e ignorar outros fatos que são igualmente gritantes. E que, talvez, também possam estar erradas.’



INTERNET
Marijô Zilveti

‘Sites usam artimanhas para levar ao erro’, copyright Folha de S. Paulo, 21/04/04

‘O uso de nomes conhecidos para induzir o internauta ao erro é uma estratégia usada há alguns anos na rede. Um dos mais famosos é o endereço da Casa Branca -White House, em inglês, a sede da Presidência dos EUA.

Se você digitar, por exemplo, www.whitehouse.org, irá direto a uma página que critica a política do presidente dos EUA, George W. Bush. Já www.whitehouse.com é um site de pornografia. O site correto da Casa Branca é www.whitehouse.gov.

O portal oficial do governo dos EUA é www.firstgov.gov, com links para os Poderes Executivo e Judiciário, por exemplo. Já o endereço www.usdept-arttech.net é um grande deboche. Intitulado US Department of Art & Technology, faz apologia ao ‘acesso global ao processo artístico em uma sociedade cibernética em crescimento’.

Se quiser ir à página oficial da Receita Federal, não esqueça de escrever corretamente o endereço www.receita.fazenda.gov.br. Se digitar www.receita.com, vai cair em um portal, em inglês, com links para várias seções.

Há quem se aproveite de erros de digitação de internautas que buscam sites de empresas, criando páginas que fazem alusão a marcas conhecidas. Se digitasse ‘i’ no lugar de ‘y’ ao entrar em algum site da Disney, o usuário podia cair em um site de conteúdo pornográfico.

No mês passado, John Zuccarini, 56, foi condenado a dois anos e meio de prisão, nos EUA, por haver registrado sites que, digitados erroneamente, desviavam o internauta que queria chegar ao portal da Disney, por exemplo.

Zuccarini também havia registrado domínios com nome similar à marca de lingerie Victoria’s Secret. Ele foi o primeiro a ser condenado sob a nova lei Trust in Domain Names Act.

Em 2002, Zuccarini registrou 40 variações do nome da cantora Britney Spears. Naquele ano, ele foi multado em US$ 1,9 milhão.

Em inglês, o termo ‘typosquatter’ é designado para quem registra domínios baseados em erros de digitação. O internauta, em vez de digitar www.amazon.com para chegar à livraria on-line, troca o ‘n’ por ‘m’ e cairia em site falso.

Falha transforma site falso

Em dezembro do ano passado, uma falha do navegador Internet Explorer, segundo noticiou o site news.com.com/2100-7355-5119440.html, permitia que sites falsos parecessem reais. O defeito, descoberto pela empresa de segurança Secunia, permitia que hackers usassem uma técnica para que um endereço falso tivesse a mesma aparência de um endereço oficial.

Com apenas um ‘s’ a mais no endereço, o site www.afiliass.info faz uma paródia à página de registros de domínios nos EUA www.afilias.info.

Em The Galactic Core Gazette (my.core.com/~carhart), o internauta encontra tópicos relacionados à pseudociência.

Uso indevido de marcas

No Brasil, há alguns anos, o endereço www.aol.com.br levava a um site paranaense. O provedor America Online entrou com processo na Justiça e conseguiu os direitos sobre o domínio.

Outra empresa que resgatou seu domínio (www.telesp.com.br) foi a operadora de telefonia fixa Telefônica. O site havia sido registrado por alguém que utilizava o endereço para fazer queixas da empresa. A Telesp era a marca conhecida por ser o nome antigo da operadora em São Paulo.’



Ethevaldo Siqueira

‘A internet pulverizou a paranóia do FDT’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/04/04

‘Até o final dos anos 1980, FDT era a sigla em português para ‘fluxo de dados transfronteira’ – que, em inglês, correspondia a ‘transborder data flow’ (TDF). O conceito envolvia, essencialmente, a transferência ou passagem de um país para outro de dados, conhecimentos, filmes, programas de TV, informações econômicas ou quaisquer outras formas de comunicação. Nos anos 1980, as grandes preocupações de governos, instituições militares e políticos com o FDT variavam da segurança nacional à economia, passando pela preservação da identidade cultural, propaganda ideológica, indução ao consumo e mudança de hábitos sociais.

Apocalípticos – Entre 1980 e 1984, em que reinava soberana a Secretaria Especial de Informática (SEI), ouvi centenas de palestras e seminários focalizando o FDT com cores dramáticas, apresentando-o como uma espécie de apocalipse político, econômico e cultural. Muitos anos antes, na Conferência Internacional de Radiodifusão realizada no Rio de Janeiro em 1973, um dos participantes europeus, apoiado pelos soviéticos, levantou a hipótese assustadora de os norte-americanos utilizarem a comunicação via satélite para convidar cada habitante da Terra a beber Coca-Cola.

Nos anos 1970, especialistas em segurança nacional e contra-informação defendiam a teoria de que ‘a pior dominação do mundo moderno não é a dos países invadidos por tanques e soldados, mas a dominação da mente de um povo, pelo monopólio da informação, obtida por essa espécie de lavagem cerebral cotidiana que as agências internacionais acabam fazendo diariamente em todos os países em desenvolvimento’.

Contradição – Esses mesmos especialistas, tão preocupados com o impacto e os efeitos da informação internacional, suprema ironia, aplaudiam ou, na melhor das hipóteses, se calavam diante da censura imposta à imprensa brasileira pelo regime militar, em especial aquela que prevaleceu aqui nos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, cortando todas as notícias sobre tortura, corrupção no governo, conspirações ou qualquer crítica à ditadura.

Pesquisadores mostravam estatísticas terríveis, comprovando que quase 80% da informação difundida globalmente por essas agências de notícias eram originadas nos Estados Unidos e meia dúzia de países industrializados, seus aliados. Por outras palavras, a comunicação mundial não era de mão dupla, mas praticamente unidirecional, de meia dúzia de países do Primeiro Mundo para o resto (‘the rest of us’).

Por volta de 1982, com a disseminação das antenas parabólicas para recepção via satélite por todo o Brasil, houve até quem propusesse a censura aos programas de TV internacionais pelo Dentel (o antigo Departamento Nacional de Telecomunicações). A Embratel chegou a propor a cobrança de uma taxa de recepção dos donos dessas parabólicas que recebiam sinais de TV difundidos via satélite Brasilsat. Mas só não levou avante a idéia maluca porque não descobriu nenhum meio prático para cobrar a taxa nem fiscalizar cada usuário. Imagine que, com liberdade total, o Brasil tem hoje mais de 15 milhões de antenas parabólicas para TV aberta.

PhD em FDT – Conheci uma pesquisadora brasileira que se preparava em 1991 para defender na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) tese de doutoramento sobre FDT e que, numa viagem a Roma, chegou a arrematar todos os livros e publicações desse tema da biblioteca do antigo Escritório Internacional de Informática (IBI, na sigla em inglês, International Bureau of Informatics), organismo das Nações Unidas instalado na capital italiana e fechado por volta de 1990. Radiante, a moça voltou a São Paulo com mais de 500 livros, talvez a maior coleção de obras sobre FDT do mundo.

Três anos depois, a pesquisadora desistia do tema de sua tese porque o próprio conceito de FDT havia perdido atualidade, em obsolescência acelerada, pulverizado pela chegada da internet.

O temor do livre fluxo de informações levou a antiga União Soviética a controlar o uso de computadores pessoais e a bloquear as ligações telefônicas internacionais DDI, obrigando a identificação de cada usuário.

Outros países tem tentado, como sabemos, sem sucesso, censurar até a internet.

Qual é o perigo? – É evidente que a massa de informações que inunda nossos meios de comunicação, inclusive a internet, não é neutra nem inofensiva. Na Web, mais de 40% do conteúdo é formado por verdadeiro lixo da comunicação, incluindo pornografia, pedofilia ou propaganda racista e nazista. Recebo por dia centenas de mensagens indesejáveis, maliciosas, cheias de vírus, do tipo spam, ao abrir meus e-mails diários.

Não é a pluralidade da informação que nos ameaça, mas os abusos isolados, verdadeiros casos de polícia. A maior defesa de que dispomos contra o monopólio da opinião e da informação está na liberdade, na força de nossas comunicações, na diversidade democrática, no debate, na discussão, na inclusão digital – e nunca na censura, na ditadura, no controle da informação, no monólogo autoritário, nas barreiras xenófobas e demais políticas públicas desse gênero.

Nos últimos dez anos, a tecnologia mandou o FDT para o espaço. Eis a grande lição que a internet nos deu em apenas uma década. Vale a pena voltar ao tema no futuro.’