Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mariângela Gallucci

‘Uma decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu que a imprensa tem o dever de informar e fazer críticas, inclusive dirigidas a figuras públicas. No despacho que poderá servir de referência para outras situações semelhantes, o ministro determinou o arquivamento de um pedido de abertura de processo penal contra o presidente do Conselho Administrativo da revista Veja, Roberto Civita, e os jornalistas Marcelo Carneiro e Diogo Mainardi.


O autor do pedido, o advogado Celso Marques de Araújo, alegava que era necessário instaurar o procedimento para apurar suposto crime de subversão contra a segurança nacional. O texto questionado pelo advogado, Quero derrubar Lula, foi publicado na edição de 3 de agosto da revista Veja.


Nas duas primeiras páginas de sua decisão, composta de sete laudas, Mello concluiu que os três jornalistas não têm foro privilegiado no STF, ou seja, não possuem o direito de ser investigados e processados perante o tribunal. Por esse motivo técnico, ele determinou o arquivamento do pedido. Mas o ministro dedicou o restante de seu despacho a considerações sobre a liberdade de imprensa.


Segundo Celso de Mello, os jornalistas exerceram concretamente a liberdade de expressão, prevista na Constituição, ‘que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e exposta em tom contundente e sarcástico, contra quaisquer pessoas ou autoridades’.


‘Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse público e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional.’


O ministro disse que a liberdade de imprensa compreende os direitos de informar, buscar a informação, opinar e criticar.


‘A crítica jornalística traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer parcela de autoridade no âmbito do Estado, pois o interesse social, fundado na necessidade de preservação dos limites ético-jurídicos que devem pautar a prática da função pública, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar os detentores do poder.’


Mello citou decisão na qual o Tribunal de Justiça de São Paulo concluiu que ‘os políticos estão sujeitos de forma especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta não só ao povo em geral larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública da mesma’.


‘O Estado não dispõe de poder algum sobre a palavra, as idéias e as convicções manifestadas pelos profissionais de comunicação’, conclui o ministro Celso de Mello.’]




CRISE POLÍTICA
Marcelo Coelho
 

‘Cenas de suspeitíssima inocência ‘, copyright Folha de S. Paulo, 31/08/05

‘‘Quem são os culpados… quem são os culpados?’ A pergunta é feita pelo senador Aloizio Mercadante, mas não se refere aos responsáveis pela atual crise petista. Estamos ainda na campanha de 2002, e a frase está registrada no documentário ‘Entreatos’, de João Moreira Salles.


Mercadante estava imaginando o que se passaria no comitê de José Serra, uma vez comprovadas as chances mínimas de vitória do candidato tucano naquelas eleições. Ele saboreava a desorientação nas hostes inimigas; no comitê eleitoral de Lula, tudo eram sorrisos naquelas semanas de setembro e outubro de 2002.


Só agora, contando com ironias desse tipo, é que me resolvi a ver em vídeo o filme de João Moreira Salles sobre os bastidores da campanha de Lula. Antes, na fase em que o governo ainda tinha força política, não me interessavam muito as emoções da confraria. Nada do que me foi dito a respeito de ‘Entreatos’ parecia ir além da rotunda banalidade de alguns episódios, logo tornados célebres.


A saber: Palocci receitando não sei que descongestionante nasal para seu líder, sendo ouvido com aprovação por José de Alencar. Lula comendo lanche no avião. Lula de mãozinhas dadas com Marisa. Lula fazendo piadas em portunhol para arreliar Luis Favre.


Com os escândalos do ‘mensalão’, contudo, achei que ‘Entreatos’ poderia ser visto a partir de outra perspectiva, talvez menos basbaque. Pensei em verificar se o rosto de Delúbio Soares flutuava em meio ao mar dos assessores; se, em algum palanque, Valdemar da Costa Neto trocava olhares de entendimento com Zé Dirceu; se alguém aparecia carregando malas pretas.


Não, Delúbio não aparece na fita. Não, Valdemar da Costa Neto não dá os ares de sua graça.


Sim, numa das viagens do candidato aparece um barbudo sorridente, acompanhado de duas malas descomunais. A ironia é que o rapaz, de nome Alfeu, nada tinha a ver com o staff petista. Era um cidadão que, a caminho de Porto Alegre, tinha perdido seu vôo; vê a movimentação, reconhece Lula e o procura apenas para declarar: ‘Pelo menos meu dia não está perdido, uma vez que posso cumprimentá-lo…’


Lula não hesita: convida-o para uma carona, e lá está o brasileiro Alfeu, feliz, no jatinho, sendo entrevistado pela equipe de João Moreira Salles. As pessoas em volta, impressionadas, tomam o rapaz por amigo íntimo do futuro presidente. O caso, admita-se, é ilustrativo da facilidade com que nascem rumores à volta do poder. Sorte que, naquela época, ninguém se preocupava com malas: a do rapaz era tão grande que mal cabia, disseram, no compartimento do jatinho.


O episódio, simpático e meio bobo, como tudo a esta altura, não deixa de ser revelador. Mostra até que ponto reinava ali um clima de cordialidade brasileira e que pressupostos de inocência e de amizade geral, num ambiente de porosidade, improviso e auto-encantamento, caracterizavam aquela campanha.


O único paranóico, o único preocupado na história é José Dirceu. Está registrado seu momento de irritação e antipatia, ao defrontar-se pela primeira vez com a equipe de filmagem do documentário: ‘E esses aí, quem são?’ As pessoas em volta asseguram: o documentarista é de nossa confiança.


José Dirceu não se convence. Lembra de uma fita contendo declarações infelizes de Lula sobre os habitantes de Pelotas; insinua que o documento caiu nas mãos do adversário graças à ajuda de petistas e acrescenta: ‘Se você soubesse o que eu tenho das outras campanhas, você não falaria isso…’


Arapongagens e contra-arapongagens fazem de Zé Dirceu o único personagem claramente desconfiado da turma. Paralelamente, tudo se dá com a mais triunfal explicitude. Comemora-se, logo no começo do filme, o apoio do mega-exportador de laranja e de um vice-presidente da Fiesp, magnata das embalagens, à campanha de Lula.


Embalagens e laranjas sugerem, a esta altura, empresas de marketing e saques em contas-fantasmas. Mas, naquele momento, o que se celebrava era a adesão de tudo e todos.


Numa longa peroração, Lula já descarta a idéia de seguir compromissos históricos do partido. Elogia a capacidade de recuperação do ser humano (referindo-se a Sarney) e declara ter medo de que ‘a máquina institucional’ o conquiste, prendendo-o, portanto, a regras e rituais já definidos.


Que concluir? As frases sobre apoios empresariais explícitos surgem no começo do documentário e desaparecem logo em seguida. Os bastidores políticos da campanha cedem espaço ao que é pura movimentação de camarim; o lado íntimo de Lula se combina maravilhosamente com seu lado midiático, mercadológico -mas é seu papel público e político que se dissolve na conversa mole.


Quem sabe tenha sido assim mesmo que tudo aconteceu: sem tempo para outra coisa a não ser trocar de gravatas, ser fotografado e rememorar casos de São Bernardo, o Lula de ‘Entreatos’ parece não saber nada de concreto com relação às verbas e negócios de campanha.


Mas não por inocência: sua opção, de fato, fora exatamente a de nada saber, a de não ter pruridos no seu propósito de chegar à Presidência. Entre ficar mais 20 ou 30 anos organizando a sociedade para o socialismo, como propunha o MST, e jogar naquela eleição a todo custo, ele próprio explica que sua decisão, junto com José Dirceu e a cúpula do partido, estava tomada. Quem toma essa decisão sabe que o melhor é saber do mínimo possível. Talvez por isso, afinal, Lula esteja sempre festejando a própria ignorância.’



Ana Paula Scinocca


‘Lula critica ‘denúncias levianas’ e pede ao povo cuidado com imprensa’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/08/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem pessoas que ‘levianamente acusam os outros e depois não têm coragem’ de admitir o equívoco – e recomendou ao povo que tenha cuidado com a imprensa. ‘Toda vez que vir uma notícia muito escandalosa, analise-a, leia duas vezes. Veja se tem verdade ali’, ensinou o presidente, diante de 2 mil pessoas, na inauguração das obras de ampliação do Aeroporto de Uberlândia (MG).


‘Eu já cansei de ver no Brasil denúncias e mais denúncias, achincalhamento e, depois, não se prova nada e não acontece nada com quem acusou’, prosseguiu o presidente.


O presidente referiu-se, também, à crise que atinge seu governo e o PT, dizendo que ela é ‘extremamente grave’ e que é preciso ‘ter muita paciência’ e não ‘se deixar levar pelo emocional’. Afirmou que ‘quem está no posto de comando’ não pode falar o que quiser. ‘Temos de contar até dez cada vez que temos de falar alguma coisa, para não causar nenhuma injustiça, nenhum transtorno.’


Na sua fala, quase toda de improviso, ele disse ainda que os ataques à sua ética começaram depois que pesquisas apontaram que ele era ‘imbatível’ em 2006. ‘Então, resolveram me atacar no que nunca deveriam ter me atacado porque quem me conhece sabe como eu sou’, afirmou. ‘Do mesmo jeito que eu agia quando diziam que eu era imbatível, reajo agora, com tranqüilidade de que a gente tem de tomar decisões no momento certo, na hora certa.’


Apesar disso, assegurou que não tem raiva. ‘Não fomos eleitos para ter raiva de quem não gosta de nós. Fomos eleitos para governar para 186 milhões de brasileiros, para quem gosta ou não gosta.’


Nas cobranças que fez à imprensa, Lula mencionou casos de pessoas ‘crucificadas’, como Alceni Guerra, ex-ministro da Saúde do governo Collor, e os donos da Escola de Base, em São Paulo. Alceni foi acusado de superfaturamento na compra de bicicletas para a pasta. ‘Demorou anos para aquele cidadão ser inocentado.’ No caso da Escola de Base, relembrou, ‘o dono foi execrado. Foi destruída a escola e a família, e depois de alguns anos não tinha (nada) absolutamente contra ele. Mas a família já estava destruída.’ Assim, ‘com a mesma justeza’ que os que cometeram erros devem ser punidos, ele diz esperar que inocentes e acusados de forma leviana recebam pedido de desculpas.


Ao lado do governador Aécio Neves, um dos presidenciáveis do PSDB, Lula também falou dos adversários. ‘Os inimigos podem fazer o que quiserem. O Aécio sabe e eu sei que quem está no comando não pode falar o que quer.’


E, voltando a falar de Juscelino Kubitschek, afirmou: ‘Os mais velhos se lembram do que os que hoje me atacam faziam com Juscelino. Tentaram cassá-lo duas vezes, dar golpe de Estado, tentaram matá-lo, inclusive. E Juscelino nunca perdeu a paciência. Passados alguns anos, ele perdeu as eleições, ganhou o Jânio Quadros que, pouco tempo depois, renunciou, denunciando forças ocultas. Depois veio João Goulart, que foi cassado. E eu não falei ainda do Getúlio que, por acusações não provadas, foi levado à morte.’’



Clóvis Rossi


‘Os crimes e os ‘severinos’ ‘, copyright Folha de S. Paulo, 31/08/05


‘Indignado com a pizza gigantesca que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, defende com a maior cara-de-pau? Muito bem. Mas é injusto circunscrever a indignação a Severino. Ele é apenas a cara e o espírito da Câmara dos Deputados, tanto que 300 de seus pares o elegeram presidente.


Elegeram-no porque o mundo político faz tempo perdeu a característica de representar o tal de povo (se é que a teve algum dia) .


Salvo uma dúzia de exceções, os congressistas representam a si próprios e a seus interesses, eleitorais ou, pior ainda, financeiros. Ser deputado/senador tornou-se profissão, cuja finalidade é, na melhor das hipóteses, reeleger-se. No pior dos casos, é fazer negócios. Não raro, sujos.


Tanto é assim que muitos confessaram ter recebido dinheiro de caixa dois, como se fosse banal. Não é, ensina o jurista Ives Gandra: mesmo que o dinheiro não tenha saído dos cofres públicos (o que seria corrupção pura e simples, ainda a ser provada), quem recebeu do PTduto tem que declarar à Receita Federal sob pena de cometer crime contra a ordem tributária (lei 8.137).


É indecoroso, mas Severino fez campanha prometendo, justamente, defender esse mundo como ele é, com suas obscenidades.


Nada mais natural, portanto, que continue agora a defender seus pares, mesmo os réus confessos.


É possível tornar ao menos menor a gigantesca pizza oferecida por Severino? Depende, a rigor, da TV, em especial da Rede Globo (já que os eleitores, salvo uma ou duas exceções, não se mexem mesmo).


Se o ‘Jornal Nacional’ continuar a apimentar com indignação o seu noticiário sobre a crise e sobre a falta de punições, pode abalar os ‘severinos’ que são maioria no Congresso.


Para os jornais indignados, ‘severinos’ nem dão bola, porque sabem que seu eleitorado não os lê. Nem chegam aos grotões, aliás, onde ‘severinos’ são eleitos porque mandam soltar motoristas bêbados.’



JABÁ MÉDICO
Folha de S. Paulo


‘Médico-Propaganda’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 30/08/05


‘A relação promíscua entre médicos e laboratórios já levantou tantas polêmicas que até burocracias tradicionalmente lentas como a do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já baixaram, em 2000, resoluções para disciplinar a matéria. As normas representaram um avanço, mas estão longe de ter solucionado a questão.


Como mostrou reportagem publicada ontem por esta Folha, laboratórios continuam assediando profissionais da saúde e transformando médicos em garotos-propaganda. Fazem-no das mais variadas formas, que vão da oferta de brindes ao pagamento de viagens para congressos. Se as fronteiras entre o que é propaganda legítima e o que configura infração ética já são difíceis de definir, mais complexo é regulamentar a matéria. Implementar de fato as regras, então, torna-se quase uma quimera.


Como se não bastasse, laboratórios são também acusados de tentar manipular a pauta de eventos científicos em favor de seus produtos e de esconder da comunidade acadêmica resultados de testes desfavoráveis.


Reconheça-se que a indústria investe grandes somas para pesquisar e desenvolver um produto, que, muitas vezes, já na fase final de testes, se revela problemático -ocasionando a perda dos recursos aplicados. O laboratório precisa, assim, extrair o maior proveito comercial possível das drogas que chegam ao mercado. É justamente aí que reside o perigo. Mesmo quando o novo fármaco não é tão revolucionário, o laboratório, para reaver o investimento, tenta mostrar o contrário, valendo-se de técnicas normais de propaganda, da sedução direta ao médico e da manipulação de evidências científicas.


Claro que não se pode -nem se deve- negar à indústria o direito de relacionar-se com médicos. É preciso, porém, que esse relacionamento seja melhor acompanhado pelas instâncias responsáveis de modo a fazer valer os limites dentro dos quais ele pode transcorrer legitimamente.’