Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marilena Chaui

‘O projeto histórico moderno apostou na autonomia racional das artes e do saber. Essa aposta foi determinante para o surgimento da figura do artista e do pensador independentes das instituições eclesiástica, estatal e acadêmico-universitária, com autoridade teórica e prática para criticar a ordem vigente.

Assim a autonomia racional propiciou, no século 19, o aparecimento daqueles que, durante o Caso Dreyfus, Zola convocou à cena pública com um nome novo – os intelectuais – e cuja intervenção no espaço público possui duas marcas principais: a defesa de causas universais, isto é, distantes de interesses particulares, e a transgressão da ordem vigente. Essas marcas fizeram com que, no século 20, surgisse a figura do intelectual engajado, ou seja, do intelectual que intervém publicamente se colocando à esquerda no espectro político e tendo como horizonte o ideal de uma sociedade justa e igualitária – a sociedade socialista.

Hoje, os intelectuais não estão silenciosos. Ao contrário, graças aos meios de comunicação e de informação eletrônica, aparecem constantemente na esfera pública. Todavia, o intelectual engajado está quieto, e somos levados a indagar quais as possíveis causas de seu silêncio.

A primeira, certamente, é o refluxo mundial dos ideais socialistas, sob os efeitos do totalitarismo nos países ditos comunistas, do fracasso da glasnost na União Soviética e do recuo da socialdemocracia, com a adoção da chamada ‘terceira via’ ou do ‘capitalismo acrescido de valores socialistas’, como diz o Partido Trabalhista inglês. O retraimento do intelectual engajado ou seu silêncio não é a recusa de falar, mas a impossibilidade de fazê-lo porque lhe falta um pensamento capaz de desvendar e interpretar as contradições que movem o presente e imaginar um porvir.

A segunda causa é o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado, sob os imperativos da nova forma de acumulação do capital, conhecida como neoliberalismo. Esse encolhimento aparece na conversão de direitos econômicos e sociais em serviços definidos pela lógica de mercado, transformando o cidadão de sujeito de direitos em mero consumidor de serviços. Ora, a democracia institui a cidadania como ação de contra-poderes sociais para a criação e garantia de direitos, graças à participação nas lutas políticas. Se os direitos são privatizados em serviços vendidos e comprados como mercadorias, o cerne da democracia é ferido mortalmente e a despolitização da sociedade é uma decorrência necessária.

O recuo da cidadania e a despolitização produzem a substituição do intelectual engajado pela figura do especialista competente, cujo suposto saber lhe confere poder para, em todas as esferas da vida social, dizer aos demais o que devem pensar, sentir, fazer e esperar, dando-lhes um receituário para viver. Sob a ideologia da competência, a política se torna uma técnica de especialistas que anula o espaço público ao destruir um princípio fundamental da democracia: a competência de todos os cidadãos para opinar e julgar politicamente. O intelectual engajado aposta na participação política dos cidadãos. Hoje, porém, essa aposta é desqualificada, pois a ideologia da competência faz crer que há os que entendem de política e os que dela não entendem, devendo silenciar.

A terceira causa é a nova forma de inserção do saber e da tecnologia no modo de produção capitalista: deixaram de ser mero suporte do capital para se converter em forças produtivas, agentes de sua acumulação. Pensadores e técnicos se tornaram agentes econômicos diretos. A economia contemporânea se funda sobre a ciência e a informação, graças ao uso competitivo do conhecimento, da inovação tecnológica e da informação nos processos produtivos. Chega-se mesmo a falar em ‘capital intelectual’ como o principal princípio ativo das companhias. O saber emprega intensamente redes eletrônicas para se produzir e se transformar em tecnologia e submete-se a controles de qualidade segundo os quais deve mostrar sua pertinência social demonstrando sua eficácia econômica.

Além da dependência das universidades e dos centros de pesquisa em relação ao poder econômico, é preciso lembrar que esse poder se baseia na propriedade privada dos conhecimentos e das informações, de sorte que estes se tornam secretos e constituem um campo de competição econômica e militar sem precedentes. Tanto a produção quanto a circulação das informações estão submetidas a imperativos que escapam do controle dos produtores do saber e do controle social e político dos cidadãos.

A nova situação do saber como força produtiva determina a heteronomia do conhecimento e da técnica, que passam a ser determinados por imperativos exteriores ao saber, bem como a heteronomia dos cientistas e técnicos, cujas pesquisas dependem do investimento empresarial. Ora, a autonomia racional era a condição tanto da qualidade do saber como da autoridade do intelectual engajado para criticar a ordem vigente. Perdida a autonomia, que resta senão o silêncio?

A quarta causa é o surgimento da ideologia pós-moderna. Assistimos, hoje, a uma transformação sem precedentes na experiência do espaço e do tempo, designada por David Harvey como a ‘compressão espaço-temporal’, ou seja, o fato de que a fragmentação e a globalização da produção econômica engendram dois fenômenos contrários e simultâneos: de um lado, a fragmentação e dispersão espacial e temporal e, de outro, sob os efeitos das tecnologias eletrônicas e de informação, a compressão do espaço – tudo se passa aqui, sem distâncias, diferenças nem fronteiras – e a compressão do tempo – tudo se passa agora, sem passado e sem futuro. Na verdade, fragmentação e dispersão do espaço e do tempo condicionam sua reunificação sob um espaço indiferenciado e um tempo efêmero, ou sob um espaço que se reduz a uma superfície plana de imagens e sob um tempo que perdeu a profundidade e se reduz ao movimento de imagens velozes e fugazes.

Paul Virilio fala em acronia e atopia, ou a desaparição das unidades sensíveis do tempo e do espaço da percepção, sob os efeitos da revolução eletrônica e informática. A profundidade do tempo e seu poder diferenciador desaparecem sob o poder do instantâneo. Por seu turno, a profundidade de campo, que define o espaço perceptivo, desaparece sob o poder de uma localidade sem lugar e das tecnologias de sobrevôo. Vivemos sob o signo da telepresença e da teleobservação, que impossibilitam diferenciar entre a aparência e o sentido, o virtual e o real, pois tudo nos é imediatamente dado sob a forma da transparência das aparências, apresentadas como evidências. Nossa experiência desconhece qualquer sentido de continuidade e se esgota num presente vivido como instante fugaz.

A experiência social contemporânea suscita um distanciamento crítico por parte do intelectual engajado, cujo silêncio é substituído pela ideologia pós-moderna, comemoração entusiasmada da dispersão e fragmentação do espaço e do tempo, da impossibilidade de distinguir entre aparência e sentido, imagem e realidade. Essa ideologia toma a fragmentação econômica e social como um dado positivo e último, concebendo a sociedade como uma rede de comunicações lingüísticas, uma linguagem composta por uma multiplicidade de diferentes jogos, cujas regras são incomensuráveis, cada jogo entrando em competição com os outros. Ciência, política, economia, filosofia, artes são jogos de linguagem, ‘narrativas’ em disputa.

Do ponto de vista da política, a concepção pós-moderna identifica racionalismo, capitalismo e socialismo: a razão moderna é exercício de poder ou o ideal moderno do saber como dominação da natureza e da sociedade; o capitalismo é a realização desse ideal por meio do mercado; e o socialismo o concretiza por meio da economia planejada. Trata-se, portanto, de refutar o racionalismo, o capitalismo e o socialismo, seja desvendando e combatendo a rede de micropoderes que normalizam capilarmente toda a sociedade, seja se erguendo contra a territorialidade das identidades orgânicas que sufocam o nomadismo das singularidades, seja, enfim, combatendo os investimentos libidinais impostos pelo capitalismo e pelo socialismo, isto é, mudando o conteúdo, a forma e a direção do desejo.

Merleau-Ponty escreveu certa vez que todo mundo gosta que o intelectual seja um revoltado. A revolta agrada porque é sempre bom ouvir que as coisas como estão vão muito mal. Dito e ouvido isso, a má consciência se acalma e toda gente, satisfeita, volta aos seus afazeres.

O quadro que aqui esbocei poderia parecer um grito de revolta contra o mal. No entanto, como intelectual engajada, quero aqui fazer minhas as palavras deste filósofo ao dizer que ‘o mal não é criado por nós nem pelos outros, nasce do tecido que fiamos entre nós e que nos sufoca. Que nova gente, suficientemente rija, será paciente o bastante para refazê-lo verdadeiramente? A conclusão não é a revolta, é a virtù sem qualquer resignação’.’



Sérgio Augusto

‘Menos, pessoal, bem menos…’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/08/05

‘Menos ruído, por exemplo. E menos bulha. Menos sensacionalismo, também. Menos joio (e mais trigo). Menos farisaísmo. Menos exibicionismo. Menos narcisismo. Menos discursos, presidente. Menos lágrimas de crocodilo. Menos tagarelice.

Há promotores falando demais e parlamentares aparecendo além da conta e do decoro. Até o comentarista político Merval Pereira, que ninguém pode acusar de petista, já se incomodou com o comportamento dos ‘garotos’ da CPI dos Correios – ACM Neto e Rodrigo Maia (do PFL) e Eduardo Paes (do PSDB) -, que, na avaliação de políticos veteranos, ‘estão gostando dos holofotes e às vezes vão com muita sede ao pote, especialmente os do PFL’. Ora, direis, vícios de catecúmenos sem juízo e demasiado ambiciosos. Nada disso, discordaria William Faulkner. Inclinações etárias, diria ele, compulsões hormonais.

‘A angústia do mundo’, escreveu Faulkner, ‘é causada por gente entre 20 e 40 anos. As pessoas da minha região que causaram toda a tensão inter-racial – os Milams e os Bryants (no assassinato de Emmet Till) e as gangues de negros que agarraram e estupraram uma mulher branca por vingança, os Hitlers, Napoleões, Lenins – todas essas pessoas que são símbolos da angústia e do sofrimento humanos, todas elas tinham de 20 a 40 anos.’

Claro que os deputados acima citados não se encaixam no implacável perfil traçado pelo autor de O Som e a Fúria, mas não custa notar a coincidência: ACM Neto está com 26 anos, Rodrigo Maia tem 35 e Eduardo Paes, 37 (e a espantosa marca de quatro mudanças de partidos em nove anos de vida – ou volubilidade – parlamentar).

Vocês também, coleguinhas: menos. Certos jornalistas estão abusando do açodamento, da irresponsabilidade e do off, como se o mar de lama em que os Irmãos Metralha do PT nos atolaram exigisse, para combinar, uma imprensa, se não marrom, begezinha. Que cor, aliás, melhor qualificaria o tipo de nota que a colunista social Hildegard Angel dedicou, na sexta-feira da semana passada, ao doleiro Hélio Laniado?

Como é do conhecimento de todos, Laniado, sócio de Toninho da Barcelona, foi preso em Praga pela Interpol sob acusação de remessa ilegal de US$ 1,2 bilhão para o exterior, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Porque considera US$ 1,2 bilhão ‘uma gotinha d’água no escândalo de mais de US$ 30 bilhões do Banestado’, a colunista do Jornal do Brasil teve o desplante de incensar o doleiro playboy e oferecê-lo como um dos solteirões mais cobiçáveis da praça. Assim:

‘Excelente papo, interessado em tudo à sua volta, com boa base cultural, dominando qualquer assunto, Hélio Laniado é daqueles que sabem ser ricos. Gosta e entende de vinho como poucos, demonstra bom gosto para se vestir, sempre de maneira discreta, pratica ginástica regularmente e, além de colecionar mulher bonita, cultiva outros hobbies simpáticos, como, por exemplo, ser DJ de suas próprias festas e das festas dos amigos.’

Hilde inventou o classificado de trambiqueiro.

Também me pareceram de coloração duvidosa as matérias que a imprensa semanal dedicou, no último fim de semana, ao ciclo de palestras ‘O Silêncio dos Intelectuais’, ora em curso em quatro capitais do País. Bolado no ano passado, tendo como inspiração o centenário de Sartre e vetor a atuação do intelectual em crises passadas, como a de Emile Zola no Caso Dreyfus, sua inesperada atualidade não foi fruto de oportunismo da parte de seus organizadores, mas do mero acaso. Seus temas já estavam programados e escritos quando estourou o escândalo do mensalão. Mesmo cientes disso, as semanais se esmeraram em desvirtuar o sentido original do ciclo, para efeito de cobranças que me fizeram lembrar as patrulhas ideológicas de 27 anos atrás.

Que história é essa de que os nossos intelectuais silenciaram diante da crise do PT? ‘Os intelectuais estão falando sem parar. Nos cadernos de idéias, nos cadernos culturais, nas revistas, nas rádios, nas TVs, só tem intelectual falando.’ (Marilena Chaui, em entrevista a O Globo, 24.8.2005.)

É verdade. Para meu gosto, deveriam até falar mais e sem evitar uns mergulhinhos, como pouquíssimos têm ousado, nos escândalos do governo FHC (Sivam, Pasta Rosa, Precatórios, compra de votos em 1997, desvalorização do real, privataria etc.), já que todos concordam com o caráter endêmico da nossa corrupção. Mas nem assim nossos intelectuais ganhariam mais espaço nas revistas semanais, por incômodos e tergiversantes, e também porque elas, infelizmente, preferem encher suas páginas com platitudes, fuxicos e frivolidades de celebridades.

Época desqualificou as palestras a priori, como devaneios acadêmicos, como masturbações mentais de nefelibatas que ‘acham que hoje, no Brasil, existem discussões superiores à crise que pode encerrar o governo Lula e o partido que encarnou o principal projeto de esquerda para o País nos últimos 25 anos’. Existem, sim, e uma delas é a crise de qualidade da imprensa. De mais a mais, o valor de uma discussão não se mede pelo assunto em pauta, e sim pela qualidade das idéias nela dispostas. Mais útil me parece uma palestra sobre os antagônicos conceitos de engajamento político de Sartre e Merleau-Ponty, como a que Chaui fez na abertura do ciclo, do que um debate a mais sobre o chove-não-molha das CPIs.

Cobrou-se até a origem do patrocínio do ciclo (Minc, Petrobras), suposto índice de um evento chapa-branca, que contra o governo Lula não ousaria dizer uma palavra. Leviana avaliação. O governo Lula e as trapalhadas do PT não deixaram de ser espinafrados durante as primeiras palestras e das próximas, na certa, não escaparão. O sociólogo Marcelo Coelho questionou ‘a falsa universalidade do PT’ e sua festiva submissão ao marketismo. O cientista social Chico de Oliveira acusou o PT de ‘partido de gangues’ e desfiou um rosário de críticas ao governo Lula que só não soaram como música aos ouvidos da oposição porque o autor de O Ornitorrinco fala de uma incômoda perspectiva ideológica e aponta a adoção das ‘teses do cardosismo’ como um dos erros fatais do PT.

Nem sequer ao longo das conferências de Chaui a crise do PT foi deixada no freezer. Sutis alusões ao presente, só não percebidas pelas mentes rombudas, enriqueceram seu paralelismo entre Sartre e Merleau-Ponty. Para publicações à cata de declarações bombásticas, nada mais decepcionante do que ouvir uma intelectual falar de forma alusiva (Montesquieu não fez isso?) e reivindicar seu direito ao silêncio enquanto nada de original tem a dizer. Chaui não quer dar opiniões, tão-somente, mas oferecer uma análise à altura de uma pensadora, tarefa que requer serenidade e uma compreensão menos lacunar do que está acontecendo.

Ela, a rigor, não fugiu da raia, não calou o bico. Questionou o ‘erro de timing’ do governo, a escolha de prioridades erradas e as alianças espúrias a que se submeteu. Deixou claro que, enquanto não houver reforma política, ‘continuaremos gritando contra a corrupção e o mau-caratismo dos políticos, mas não resolverá nada’. Falou mais e melhor do que falaria, por exemplo, a atriz Maitê Proença, a ‘filósofa’ de plantão da Época.’



O Estado de S. Paulo

‘Era para ouvir e refletir em casa. Virou o tititi da semana’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/08/05

‘A conferência ‘Intelectual engajado: uma figura em extinção?’, proferida nessa semana no Rio e em São Paulo pela filósofa Marilena Chaui, abriu o ciclo de palestras denominado ‘O Silêncio dos Intelectuais/ Cultura e pensamento em tempos de incertezas’. Organizado pelo escritor Adauto Novaes, o ciclo conta com intervenções de outros pensadores, como os cientistas sociais Francisco de Oliveira, Marcelo Coelho e Renato Janine Ribeiro.

‘O tema que abordamos não foi pensado em função da crise política nacional. Hoje o silêncio da intelectualidade é uma inquietação do mundo, não do Brasil’, adverte Novaes. Mas foi impossível desvincular o geral do particular: a exposição de Marilena, petista de longa data, acabou canalizando manifestações contra o governo e até um comentário irônico do ex-presidente Fernando Henrique, que a aconselhou a voltar ao domínio da filosofia e evitar os comentários políticos.

Pouco ou nada se falou das incursões teóricas da filósofa para diferenciar o intelectual silente do ideólogo de plantão, sempre disposto a falar. Nem da maneira como ela relembrou o embate teórico entre dois filósofos franceses, Jean Paul Sartre (1905-1980) e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), 40 anos atrás, em torno do engajamento dos intelectuais. Na verdade, a conferencista teve de responder pelo seu apoio ao governo Lula. Foi o que a platéia quis saber e o que a imprensa elegeu divulgar. Marilena disse que os chamados ‘intelectuais petistas’ se afastaram do governo Lula em 1º de janeiro de 2003, data da posse presidencial. Ali, segundo ela, definiram-se dois grupos: os que não aceitavam a política econômica anunciada na ‘Carta aos Brasileiros’ e os que aceitaram os rumos traçados, como forma de garantir a governabilidade. Assumiu ter ficado no segundo grupo. Mas desabafou: ‘Fui esquartejada quando, em entrevista para uma revista, cobrei a reforma tributária e a reforma política’. Nesta página, Marilena faz a síntese da conferência que acendeu questionamentos do público, cobranças da imprensa e intrigas da oposição.’



ENTREVISTA / JOEL SILVEIRA
Ivan Carvalho Finotti

‘Profissão: repórter sem mau agouro’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/08/05

‘Joel Silveira começa e termina a entrevista com a mesma frase: ‘Tenho horror ao Rio de Janeiro’. Não deixa de soar como uma vingança tardia. Afinal, foi esse mesmo Joel Silveira que, há mais de 60 anos, saiu do Rio e veio a São Paulo fazer uma reportagem que ridicularizou e traumatizou a burguesia paulistana da época. A matéria chamava-se ‘Eram assim os grã-finos em São Paulo’ e um de seus parágrafos destilava o seguinte: ‘O chá na Jaraguá faz parte do ritual grã-fino. Lili não o dispensa. Zezé e Lelé fazem tudo, adiam tudo, mas não podem perder o chá na Jaraguá. O leitor, geralmente desprevenido, estará pensando, sem dúvida, que a Jaraguá é apenas uma casa de chá. Não. A Jaraguá também é livraria. A intenção era muito boa. Mas me parece que o grã-finismo está estragando o plano. A verdade é que a Jaraguá, que os seus idealizadores planejavam tornar imprescindível no mundo artístico e cultural de São Paulo, é hoje, apenas, mais um ponto de reunião do grã-finismo, um ponto onde Fifi marca encontro com Lelé para falar mal de Zuzu’.

A reportagem (republicada em 2003 no livro A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista, Companhia das Letras), além de chocar os magnatas e os pais de Lili, Zezé e Zuzu, de quebra consagrou o jovem Joel.

Depois dela, Silveira foi apelidado de Víbora e contratado por Assis Chateaubriand, dono de um império de cerca de cem jornais, revistas, rádios e emissoras de TV. Cobriu a 2ª Guerra Mundial (suas crônicas foram reunidas este ano pela Objetiva no livro O Inverno da Guerra)e, na volta, dedicou-se à reportagem política.

Foi quando o sergipano Silveira passou a circular pelo Palácio do Catete, pela Câmara dos Deputados e pelos bares freqüentados por políticos. No Catete, enfrentou Getúlio Vargas.

Na Câmara, conheceu Juscelino Kubitschek ainda deputado, anos antes da Presidência. E, nos bares, bebeu com o recém eleito Jânio Quadros, com donos de jornais, com deputados e colegas. Seus artigos dessa fase estão em A Feijoada Que Derrubou o Governo, lançado no ano passado.

Na semana em que Lula diz que há setores da imprensa que são como aves de mau agouro, e diz ainda que não vai acabar como Getúlio e Jânio, mas terá o mesmo comportamento de Juscelino Kubitschek, é mais do que justo ouvir o velho jornalista. Hoje, quase cego, Joel Silveira não lê mais. Acompanha a crise pela televisão e pela leitura que sua filha lhe faz dos jornais.

Aos 86 anos, 68 deles vividos no Rio, a partir de 1937, recebeu o Aliás em seu apartamento de dois quartos em Copacabana, onde vive com a mulher, Iracema, 84, e cerca de 20 mil livros.

Depois de achincalhar a cidade (‘Virou uma praça de guerra, comandante. Moro cercado dos morros do Pavão e Pavãozinho e toda noite tem tiroteio.’), falou dos presidentes, das crises que cobriu e da imprensa em geral.

Na sexta-feira, Lula disse que alguns jornalistas são aves de mau agouro. O senhor é?

Eu acho que o Lula tem de ser colocado para fora por dizer uma coisa dessas. Ele faz as falcatruas e bota a culpa na imprensa. Ora, a função dos jornalistas é divulgar. Isso é recurso de todo presidente em crise. Ao contrário, se não fosse a imprensa, ninguém teria sabido de nada disso. O Lula está em campanha pela reeleição, mas não vai ganhar. Já está desmoralizado.

Como o senhor avalia a cobertura da imprensa na atual crise?

A imprensa está se saindo de forma excelente. Foi a imprensa, o Estadão,a Folha e as três revistas que começaram a desvendar toda essa barbaridade.

Lula chegou ao poder e se empolgou. Poder corrompe, você sabe disso. E o Lula não estava preparado. E dizer que ele não sabia da corrupção – isso não me entra na cabeça. Claro que ele sabia. O presidente da República não saber o que está acontecendo no Brasil? Não só sabia como era conivente.

Como essa crise vai acabar?

Em impeachment eu não acredito. Agora, que o Lula não vai ser reeleito, isso não vai. Quem acabou com o Lula foi o Zé Dirceu. Esse homem é diabólico. Não deixava ninguém se aproximar, era prepotente, arrogante. Tratava a imprensa com o maior desprezo. Lula era sempre o último a saber. Foi um grande sindicalista. Mas como presidente não podia dar certo.Eu tenho a impressão de que no Palácio do Alvorada só tem uma virgem.

Uma virgem?

A biblioteca. É a única virgem no Planalto. Acho que Lula nunca entrou lá (risos).

Como era feita a reportagem política entre os anos 40 e 60?

A reportagem quase não existia. A maioria do material era transcrição de telegramas das agências internacionais. Não havia cobertura do dia-a-dia da política brasileira, a não ser quando aconteciam casos extraordinários. No meu entender, a imprensa do Brasil hoje é uma das melhores do mundo. Não só no noticiário como na paginação.

E como o senhor arrumava fontes que lhe passassem informação?

Eu tinha muitas fontes porque era cronista político na Câmara dos Deputados. Tinha amigos lá, e eles me informavam. No Catete, eu falava com o general Flores da Cunha, que fumava muito e sempre me jogava um charuto por cima da mesa. Eu tinha um apartamento na cidade, que aluguei para levar as namoradas. O general morava lá, no andar de cima. Ele descia para conversar, às vezes de pijama, com o charuto, contando histórias. Era uma fonte fabulosa, que se encontrava diariamente com o Getúlio. No prédio ainda moravam deputados e senadores, como o Ulisses Guimarães.

Lula disse na quinta que não repetirá Getúlio Vargas, que se suicidou em 1954. O que o senhor acha? O senhor conheceu Getúlio, não?

Tive um único encontro, e foi um desastre. Eu falei com o Lourival Fontes, então chefe da Casa Civil, e insinuei que era para pedir um emprego. Aí o Getúlio me recebeu. No fundo eu queria uma entrevista, e o presidente não estava dando entrevista de jeito nenhum. Foi quatro meses antes do suicídio. Ele me tratou muito bem. ‘Oi, doutor Silveira, que prazer.’ Eu disse que não era doutor, que tinha feito apenas até o segundo ano de Direito. ‘Não, doutor é quem é douto em alguma coisa. E o senhor é douto em jornalismo.’ (risos) A impressão que eu tive do Getúlio era a de um homem distinto, bem vestido, bem penteado, cheirando a lavanda inglesa. E conversamos até ele perguntar o que eu queria. Passei a ele um questionário e perguntei se ele poderia responder àquelas perguntas. Ele jogou o papel de volta e disse: ‘O senhor trate disso com o senhor Lourival’. Levantou e foi embora. Nem estendeu a mão.

E no dia do suicídio de Vargas? Como foi a cobertura ?

Fiz a cobertura. Estava na porta do Palácio do Catete. Corria o boato de que ele ia renunciar. Mas ele se suicidou. Quase matam o Carlos Lacerda, que estava prestes a ser presidente da República. Eu ficava dia e noite na porta do Catete, sentado na calçada. De papel, caneta e máquina de escrever portátil. Não dava para entrar, havia uma barreira de soldados. Tinha de tomar um táxi para levar a matéria para o jornal e voltava. Eu dormia em um restaurante. Havia esse local no Largo do Machado, que se chamava Café Lamas, onde os estudantes se reuniam, ao lado da faculdade de Direito, onde estudei dois anos, bem perto do Catete. Ia lá jantar, juntava duas cadeiras e dormia um pouco. Foram uns dois meses terríveis.

Lula também disse, na quinta, que não fará o que Jânio fez, ou seja, não irá renunciar. Que tal?

Nada a ver. Jânio era meio doido. Eu não gostava do Jânio. Mas depois fiquei amicíssimo. Assim que foi eleito, ele foi fazer uma viagem a Londres num cargueiro de terceira chamado Aragon. Pois um dia o João Dantas, que era o dono do Diário de Notícias, me chamou e disse que o Aragon iria fazer uma escala em Las Palmas, nas Ilhas Canárias. Me mandou para lá de avião. Eu tinha a maior antipatia pelo Jânio. Achava um farsante, aquele negócio de passar talco no ombro para fingir que era caspa. Subi no barco e fiz um bilhete muito sucinto dizendo: ‘Senhor presidente. Estou aqui, enviado pelo João Dantas, do Diário de Notícias. Caso o senhor queira falar comigo, estarei diariamente no bar a partir das 5 horas da tarde’. No primeiro dia, ele não apareceu. No segundo, sim. Era outro Jânio. Bem vestido, bem penteado, elegante. E veio dizendo (Joel faz voz esganiçada): ‘Estás atrasado. Estás atrasado, jornalista!’

Que horas eram?

Pouco depois das 5. Mas o problema é que ele me esperou no bar da primeira classe, onde ele viajava, e eu estava na segunda. ‘Marquei aqui, senhor presidente.’(Faz voz esganiçada) ‘Mas era lá, era lá!’ Aí o homem ficou encantador. Contou histórias, foi de uma elegância… Só não pagava nada. ‘Botas na conta do João Dantas, que é rico!’

E o que vocês bebiam?

Uísque do melhor, só 12 anos. Ele gostava muito do Chivas Regal, mas não bebia Ballantines. E ganhava disparado de mim no copo, ganhava de dez a um. Mas eu nunca vi o Jânio Quadros bêbado, nunca perdeu a lucidez, não ficava com a voz melosa. Tomávamos duas, às vezes mais, garrafas por noite, e nada. Um espanto. Escrevi um livro sobre isso, Viagem com o Presidente Eleito.

E quanto ao Juscelino Kubitschek, de quem Lula acaba de dizer que quer copiar o comportamento?

É ridículo. Juscelino fez Brasília, povoou o meio-oeste. Claro que criou a inflação, mas o que ele gastou o Brasil já ganhou mil vezes de volta.

O senhor também conheceu Juscelino, não é mesmo?

Roubei uma namorada dele, a Osmarina. Juscelino não era presidente ainda; era deputado federal no Rio. As sessões estavam entrando até de madrugada, porque a Câmara estava discutindo a Constituinte. A moça era secretária do Juscelino e, uma madrugada, ela me pediu para levá-la em casa. Eram 3 horas da madrugada e não queria ir sozinha. Chamei um carro e levei. Isso aconteceu várias vezes. Fiquei sabendo que, além de secretária, era namorada. Aí o Juscelino foi eleito governador de Minas, e ela preferiu ficar no Rio comigo. Anos depois, quando Juscelino foi eleito presidente, nos encontramos numa conferência e ele perguntou: ‘Como vai a nossa Osmarina?’ ‘Nossa, não, senhor presidente. Minha.’ (risos) Ele era muito simpático e agradável.

Vocês investigavam a vida privada dos políticos?

De jeito nenhum. Havia decência. O único deputado cassado por falta de decoro que me lembro foi o Barreto Pinto, que era do partido do Getúlio. Caiu porque se deixou fotografar por Jean Manzon de cueca. Manzon tinha prometido fotografar apenas da cintura para cima, e não cumpriu o acordo. Mas a vida privada não era investigada. Isso não é jornalismo. Vale o que se faz no plenário. Eu condeno esse processo. Ninguém tem nada a ver com a vida privada. O que se passa dentro da sua casa é da sua alçada. O lar é inviolável. Quem fazia isso era a Gestapo.

Que crítica faria à imprensa hoje?

O erro principal, não só no Brasil, que tem acontecido algumas vezes nessa crise atual é manchetar uma acusação às vezes infundada. E, quando o jornal, revista ou emissora verifica que errou, a respostinha sai desse tamaninho, ó. Isso é um erro.

E o senhor? Admitia erros?

Mais ou menos. O maior fracasso da minha vida foi com o Hemingway, mas eu só contei a verdade bem depois. Foi assim. Estou em Paris com o Samuel Wainer. Eu já sabia que o Hemingway estava na cidade, mas não contei ao Samuel porque ele ia me chatear até eu fazer uma reportagem. E eu não queria trabalhar. Mas aí o Samuel viu uma notinha num jornal. ‘Sabe quem está aqui?’ ‘Não.’ ‘O Hemingway!’ ‘O Hemingway está aqui?’ ‘É. Ele vai todo dia às 11 horas da manhã num bistrozinho. Toma o endereço e vai lá fazer uma entrevista com ele.’ Ai, meu Deus do Céu, o que vou perguntar para o Hemingway?

O senhor falava inglês?

Não, mas ele falava muito bem espanhol e francês. Aí cheguei lá às 9 da manhã e comecei a beber, para tomar coragem.

O quê?

Conhaque.

Às 9 da manhã?

É. Ele chegou às 11. Quando eu vi aquele gigante, de dois metros… Puxa, ele nem falava com o garçom. Só fazia assim, com a mão, e já chegavam as coisas. De repente me veio uma coisa na cabeça: ele gosta muito de safári. Resolvi perguntar o que ele acharia de fazer um safári na Amazônia. Fui ao banheiro antes e, quando voltei, ele tinha ido embora. Caminhei para o hotel pensando no que ia dizer para o Samuel. Cheguei lá e soltei: ‘Samuel, você é o jornalista mais desinformado do mundo! O Hemingway está na Espanha, Samuel. Foi há dois dias para a Espanha!’ Foi a saída que arrumei para o meu grande fracasso. Porque, mesmo que o Hemingway me desse uma bofetada, já era assunto. Qualquer coisa era assunto em se tratando de Hemingway.

O senhor foi próximo de vários donos de jornal, não é?

De alguns. O Orlando Dantas, do Diário de Notícias, toda tarde me chamava: ‘Seis horas lá, hein?’ ‘Lá’ era o bar do Hotel Serrador. Ele bebia bem e não me deixava pagar. Pagava sempre. Mas não dava gorjeta a garçom, de jeito nenhum. Eu que dava escondido. Tenho ainda uma boa história com o Adolpho Bloch. Um dia ele me mandou a Jerusalém e disse: ‘Vá ao Muro das Lamentações, escreve um pedido e coloca lá, que ele vai ser realizado’. Quando eu voltei, ele perguntou: ‘O que você pediu?’ ‘Aumento, doutor Adolpho. Pedi aumento.’ Aí ele virou para o secretário, desolado: ‘Dê aumento a ele, dê aumento a ele’ (risos).

E como funcionava a censura?

Na época do Estado Novo, a imprensa não tinha liberdade nenhuma. Era controlado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. O DIP detinha o direito da importação do papel. E só dava papel e bobina aos jornais que fossem a favor do Estado Novo. Aos que não eram, ‘ah, não temos, o estoque esgotou’.

Foi a censura que ocasionou as grandes reportagens de comportamento, hoje chamadas de jornalismo literário?

Talvez. Em Diretrizes eu fazia grandes reportagens, mas às vezes fazia umas entrevistas, e foi por causa de uma delas, com Monteiro Lobato, que a revista foi fechada pelo governo. Havia muito tempo que o Lourival Fontes queria fechar a Diretrizes. Mas não podia, porque a Embaixada americana ficou muito amiga da revista. E a todo escritor famoso que passava por aqui a Embaixada pedia que desse entrevista à Diretrizes. Aí o Samuel Wainer botava para quebrar. O Lourival não ia ter o topete de censurar uma entrevista com John dos Passos, por exemplo. Ficava uma fera, mas a entrevista saía.

Porque ele era americano?

Sim. E certo dia o Samuel pediu que eu fosse a São Paulo fazer uma entrevista com o Monteiro Lobato, que morava num chalezinho no Pacaembu. Era sobre literatura, Sítio do Picapau Amarelo, essas coisas. Mas o Lobato tinha horror ao Getúlio, já havia sido preso duas vezes, e quando comecei a perguntar sobre os livros ele disse: ‘Jornalista, vamos deixar isso de lado. Vamos falar mesmo é de política’. E esculhambou o Getúlio. O título veio de uma frase dele: ‘O voto deve sair do fogo como a fumaça da fogueira’. O Samuel leu: ‘Ô diabo. Vai ser uma bomba, mas vamos publicar’. No dia seguinte não pudemos nem entrar na redação para tirar nossas coisas. Foi aí que fui para os Associados.

O senhor foi pedir emprego?

Isso mesmo. Eu fui ao Virgílio de Melo Franco, que trabalhava com Chateaubriand. Eu tinha publicado a reportagem dos grãfinos em São Paulo, que teve uma enorme repercussão. Foi a primeira vez que a Diretrizes tirou duas edições. Normalmente vendia uns 30 mil exemplares. Com essa reportagem vendeu 120 mil. O Chatô, depois que a leu, dizia: ‘Virgilinho, me traga essa víbora para cá. Me traga essa víbora’. E, quando fui pedir o emprego, o Virgilinho, que era muito imperativo, disse: ‘Não. Você já está empregado’. Me pegou pelo braço, entrou no carro e ordenou ao motorista: ‘Sacadura Cabral’. Subimos ao gabinete do Chatô, ele me empurrou pelas costas e anunciou: ‘Está aqui a víbora que você me pediu’. Fiquei apalermado. Nunca havia visto Chateaubriand, mas não gostava de sua maneira de agir. ‘Senhor Silveira, o senhor é um homem terrível, senhor Silveira. O senhor é uma víbora, senhor Silveira! O senhor é uma víbora!’

E com o senhor acabou cobrindo a 2ª Guerra Mundial?

Já nos Associados, escrevi uma reportagem chamada ‘O Clube das Vitórias-Régias’. Era um grupo de senhoras grã-finas que se reunia toda semana num clube português aqui no Rio. Era dirigido pela Iveta Ribeiro, uma integralista. Umas recitavam, outras levavam bolinho, entende? Aí eu comecei a freqüentar, mas não sabia que uma das vitórias-régias era amiga do Chatô, casada com o dono da SulAmérica, que dava muito dinheiro aos Associados. Ele ficou bravo. ‘O senhor é víbora, senhor Silveira. O senhor atacou a Dona Rosalina, senhor Silveira! Dona Rosalina é uma dama, senhor Silveira!’ Disse que não poderia saber e que o Carlos Lacerda, que era meu diretor, é que tinha me mandado fazer a reportagem. Tentei pedir demissão. ‘Não, senhor, senhor Silveira. O senhor pensa que é assim, senhor Silveira? Aperta a mão, pede desculpa e vai embora? Não, senhor! Senta aí, senhor Silveira. O senhor vai receber um corretivo. Vai para a Itália matar alemão.’ (risos) Foi assim que eu acabei na 2ª Guerra.

Foi um golpe do Lacerda?

Foi. Três repórteres queriam ir: o Lacerda, o David Nasser e o Edgar Morel. Eu era muito jovem, 26 anos, jamais tinha pensado nisso. E o Lacerda, para me botar longe, me pediu aquela reportagem contra as vitórias-régias. Mas não deu certo!

O que marcou nessa cobertura?

Havia na FEB (Força Expedicionária Brasileira) um sargento chamado Wolf, que fazia patrulhas para localizar o inimigo. Eu fui com ele, mas em determinado momento ele disse: ‘Daqui você não passa. Tem muito alemão pela frente’. Imediatamente uma rajada de metralhadora matou Wolf e mais dois soldados. E pouco antes da patrulha ele tinha me chamado e dito: ‘Correspondente, quer me fazer um favor? Escreva aí um bilhetinho para minhas filhas. Diga que papai vai bem e qualquer dia desses está voltando para lhes dar um beijo’. Escrevi uma crônica, que saiu em várias antologias, chamada ‘Eu vi morrer o sargento Wolf’.

Mudou a cobertura de guerra?

Hoje você pode cobrir uma guerra como a do Iraque no seu quarto de hotel. Você está vendo pela TV ou pelo computador, tal o volume de informações. Antigamente, não. Você tinha de estar junto com os soldados, no meio, você era outro pracinha. Os correspondentes tinham o título de capitão para ter hospedagem, imunidade e pedir entrevistas a generais etc. Fui capitão de araque por 11 meses.

Obrigado pela entrevista.

Eu é que agradeço, comandante. Já te disse que tenho horror ao Rio de Janeiro?’