Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marta Salomon

‘‘O amor leva às alturas’. A legenda, escrita por Marcos, enteado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanha foto do irmão Fábio e da mulher, Adriana, flagrados em agosto em pleno vôo no avião da Presidência. Está na internet.

Dias depois, a página de outro dos filhos do presidente, Luis Cláudio, exibia foto de um lança-foguetes do Exército, o Astros 2. Comentário do caçula de Lula: ‘Olha o lança-foguetes que eu entrei’. Marcos, o mais assíduo dos irmãos na rede, acha graça: ‘Muito louko (sic) esse caminhão do Exército. As chaves estavam no contato?! hehehe’.

São registros da vida familiar do presidente, mantida à distância dos fotógrafos por Lula e a mulher, Marisa, e devassada nos blogs pelos próprios filhos. São dezenas de fotos recentes da intimidade da família presidencial, com acesso liberado na internet.

Em junho, a própria Marisa aparece no blog de Marcos sem maquiagem, comendo com o prato na mão, em pé na cozinha.

Na mesma época, Marcos mostra os pais bebendo na varanda do apartamento em São Bernardo do Campo.

Mas já havia passado o fim de semana quando Sandro, outro filho de Lula, aparece com a mulher, Marlene, descansando. ‘Meu irmão e minha cunhada não estão fazendo porra nenhuma… Em plena segunda feira… Assim não dá!!!’, diz Marcos.

O casal também aparece em viagem de helicóptero e fantasiado, numa festa. ‘Estão parecendo duas Darlenes’, brinca Marcos, numa referência a uma personagem de uma novela, espalhafatosa e obcecada pela fama.

O avião presidencial freqüenta o endereço de Marcos como personagem do poder e da família. Pituka, cadela de Fábio e Adriana e com lacinho na cabeça, passeia a bordo do Boeing. Adriana, em outra cena no mesmo avião, aparece com a seguinte observação: ‘Isso é que é vida’.

Momentos de festa são muitos, segundo o registro do site. Em julho, Fábio integra um trio caipira com amigos da família aparentemente na Granja do Torto. Cantam ‘Marvada Pinga’, comenta Marcos.

Um dos cantores é Wilson, personagem constante nas fotos. Em outro momento, ele aparece apertando as bochechas do presidente. Diz a legenda: ‘Por que você chorou Wilson? Não esperava, né?! É emoção ou será que a cerveja já tinha subido?!’.

Além dos três filhos de Lula e Marisa e do enteado tratado como filho, os blogs também mostram fotos de Lurian, primogênita do presidente, de seus netos e da sogra, Marília, que aparece ‘com um sorriso maravilhoso’.

Cenas do álbum de família de Lula podem ser vistas nos endereços: http://marcos-abcd.fotoblog.uol.com.br/index.html e http://luiscls.fotoblog.uol.com.br/index.html.’



Dora Kramer

‘Inquietantes indenizações’, copyright O Estado de S. Paulo, 29/10/2004

‘Por trás das manifestações de insatisfação dos militares com a reabertura dos debates sobre a repressão política durante o regime autoritário reside uma crescente inquietação com os critérios e os valores das indenizações pagas aos perseguidos pela ditadura.

A última lista divulgada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que analisa os casos e fixa os valores, determinava o pagamento de R$ 47,7 milhões para 76 pessoas; algumas com direito a reembolsos individuais de mais de R$ 1 milhão, chegando a R$ 2,8 milhões. Decisões anteriores também produziram reparações que estão sendo consideradas fora de propósito.

Essa avaliação não é feita apenas nas Forças Armadas nem se sustenta só nas razões de gasto público – aliás, contabilizadas por último no rol das preocupações.

Antes disso, há a disparidade entre as quantias estabelecidas, a ausência de um teto para os cálculos e, principalmente, o fato de ações pautadas por convicções ideológicas acabarem se transformando em oportunidade para fazer um bom negócio em moeda sonante.

Pouca gente trata publicamente do assunto. Fora da área militar e entre gente do, digamos, ‘outro lado’, as pessoas ficam constrangidas, temerosas de que as críticas aos critérios de pagamento sejam confundidas com desaprovação ao princípio de responsabilização do Estado pelas arbitrariedades e crimes cometidos naquele período.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, há algum tempo falou a respeito, defendendo a tese da revisão dos critérios para concessão e cálculo dos ressarcimentos.

No governo essa discussão também permeia de leve o ambiente, mas há quem vocalize com clareza o desconforto. ‘Ter lutado contra a ditadura não pode ser uma forma de ganhar dinheiro’, diz o deputado Paulo Delgado (PT-MG). Ele considera a discussão sobre a abertura dos arquivos secretos da ditadura uma excelente oportunidade de reabrir também a questão das indenizações aos anistiados.

Delgado acha que houve deformação paulatina do princípio que originou a lei aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso – na opinião do deputado de forma atabalhoada e equivocada.

‘O erro começou ali. O Fernando Henrique teve sete ou oito ministros da Justiça; isso comprometeu o acompanhamento da tramitação da lei no Congresso. À época deveríamos pelo menos ter estabelecido um teto de modo a que quem tinha salários mais altos quando demitido não recebesse indenizações equivalentes a ações trabalhistas. Não era esse o espírito da lei das reparações’, diz Delgado.

Afinal, completa, tirando aqueles que foram mutilados e incapacitados de trabalhar, a afronta aos outros foi a mesma: a cassação da liberdade, a agressão da prisão e da tortura. ‘Por que, então, alguns são privilegiados com indenizações milionárias? O garçom perseguido pela ditadura é tão democrata quanto o diretor de estatal, o jornalista ou o piloto na Panair.’

O ponto principal, na sua visão, é a distorção de traduzir em dinheiro a luta por uma causa. ‘Se Nelson Mandela quisesse indenização pelos 30 anos que passou na cadeia, o governo da África do Sul teria de entregar o país a ele. A verdadeira reparação Mandela recebeu quando foi eleito duas vezes presidente e ganhou o Prêmio Nobel.’

Paulo Delgado relaciona o tema dos arquivos secretos com as indenizações porque acha o seguinte: ‘Se os documentos forem abertos, descobriremos novas vítimas e novos crimes. Até mesmo gente que foi prejudicada sem saber e, por isso, não requereu a compensação financeira prevista em lei.’

De outro lado, o deputado pondera que os arquivos podem revelar também desproporção entre a agressão sofrida e a indenização recebida por muita gente. ‘Será inevitável reabrir essa discussão porque uma coisa está ligada à outra’, avalia.

Causa e efeito

O caso do deputado Luciano Zica (PT-SP) – escolhido como exemplo por se tratar de figura pública com mandato popular – ilustra o desvirtuamento do conceito original da reparação. Ele consta na última lista de beneficiários de indenizações, com direito a R$ 1,2 milhão mais R$ 9,4 mil mensais a título de aposentadoria.

Demitido da Petrobrás no governo militar, este seria o valor do salário caso não tivesse sido perseguido. O que não se sabe, porém, é se hoje seria deputado se não tivesse sido exonerado.

Ou seja, a luta contra a ditadura interrompeu sua carreira na Petrobrás, mas o levou a outros caminhos que lhe permitiram obter sucesso profissional. Não tendo sofrido impedimento definitivo em suas atividades físicas e mentais, o deputado pôde prosseguir a vida.

A reparação calcada no ressarcimento dos salários atrasados desde a demissão adquire, realmente, um caráter de ação trabalhista. E que não teria esse valor se Luciano Zica tivesse, nesse meio tempo e por algum outro motivo que não o político, perdido o emprego na estatal.

Atestado

Leal ao amigo Daniel Dantas – alvo da Polícia Federal por envolvimento em espionagem no setor de telefonia -, o senador Antonio Carlos Magalhães assegurou desconhecer ‘falcatruas de Daniel’.

Fiel às próprias convicções, ACM acrescentou: ‘Sou contra espionar outras pessoas, mas ele não é o único a fazer isso no Brasil.’

De fato.’



NYT & BRASIL
Luciana Coelho

‘‘NYT’ coloca sob suspeita programa nuclear do Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 1/11/2004

‘O jornalista norte-americano Larry Rohter, do ‘New York Times’, soou ontem o gongo para mais um round contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Em reportagem sobre o programa nuclear brasileiro, Rohter acusa o país de tentar burlar a legislação internacional motivado por um complexo de inferioridade.

Em maio, o correspondente no Brasil já havia provocado polêmica após a publicação de texto que em afirmava existir uma suposta ‘preocupação do país com o hábito de beber’ de Lula. O governo chegou a cancelar o visto do jornalista, mas depois desistiu.

‘O Brasil sempre quis ser levado a sério como uma potência pelos pesos-pesados, e machuca os brasileiros que líderes mundiais possam confundir seu país com a Bolívia, como fez [o americano] Ronald Reagan, ou desprezar um país tão grande como ‘um país que não pode ser levado a sério’, como fez [o francês] Charles de Gaulle’, escreve Rohter, ao evocar episódios ocorridos, respectivamente, há duas e seis décadas.

O texto, sob o título ‘Se o Brasil quer assustar o mundo, está conseguindo’, cita o país como ‘a terra do futebol e do samba, habitada por gente amigável’, e pergunta: ‘Por que o país se envolveu numa disputa com a Agência Internacional de Energia Atômica, acusada por especialistas americanos e de outros países de violar as leis internacionais e ajudar países desonestos como o Irã e a Coréia do Norte?’.

As negociações sobre a inspeção da AIEA à fábrica brasileira de enriquecimento de urânio em Resende (RJ) prosseguem. No último dia 19, o governo permitiu uma vistoria parcial -o acesso às centrífugas nucleares foi negado, mas uma nova inspeção está sendo debatida. De um lado, o governo alega ter o direito de manter a tecnologia nacional em sigilo e diz que a produção visa o setor energético. De outro, a agência teme que o urânio enriquecido pare nas mãos de quem o use para produzir armas, o que viola o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, assinado pelo Brasil em 1997.

O tema entrou na pauta de discussão americana e foi debatido pelo secretário de Estado, Colin Powell, em recente visita ao Brasil. Em viagem em outubro a Boston, até o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se viu inquirido por investidores sobre o programa nuclear.

O único brasileiro citado no texto de Rohter é o ex-ministro da Ciência e Tecnologia José Goldemberg, que apontou exageros tanto na posição do governo brasileiro como na reação americana. Todos as demais fontes citadas são analistas americanos.

‘O programa nuclear brasileiro já consumiu mais de US$ 1 bilhão, que poderia ser usado para reduzir a pobreza, e o tom de segredo só aumentou as suspeitas da credibilidade e das intenções [do país]’, escreve Rohter.

Outro lado

Por meio de sua assessoria de imprensa, o ministro Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia) informou ontem que só voltará a comentar a questão das inspeções na unidade de Resende depois de receber uma resposta da AIEA -o que deve ocorrer em no máximo 15 dias.

De acordo com o ministério, o Brasil espera carta em que a agência dirá se aceita ou não a proposta brasileira de inspeção.

Parte da decisão da AIEA estará baseada no relatório dos técnicos da agência que visitaram o Brasil em outubro.’



THE INDEPENDENT & BRASIL
Comunique-se

‘‘Independent’ traz nova matéria sobre o Brasil’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/11/2004

‘Vinte dias depois de publicar uma reportagem em que chamava o Rio de cidade da cocaína e da carnificina, o jornal britânico The Independent publicou, nesta segunda-feira (01/11) mais uma polêmica reportagem envolvendo o Brasil. Desta vez, a matéria aborda o uso de trabalho escravo na destruição da floresta amazônica. Com o título ‘As vítimas humanas do desastre da floresta tropical brasileira’, a reportagem afirma que 25 mil homens trabalham como escravos na região amazônica, e que o governo brasileiro aceita esse número.

De acordo com a matéria, essas pessoas ‘são forçadas a destruir milhares de acres de floresta tropical virgem em condições Dickensianas para saldar débitos que não podem ser pagos’ (o escritor inglês Charles Dickens retratou as condições desumanas a que era submetida a classe trabalhadora na Inglaterra no início da Revolução Industrial).

O jornal britânico traz ainda a história de um homem que tentou matar dois de seus empregados no Pará para não precisar pagar três meses de salário e diz que apesar do governo brasileiro negar uma grande quantidade de assassinatos na região, 534 mortes criminosas de trabalhadores foram registrados no sul do Pará de 1971 a 2001, número ‘26 vezes maior que a taxa de homicídio nacional’.

O Independent mostra o esforço do governo de Lula, que lançou um programa de combate ao trabalho escravo, reconhecendo que o programa tem produzido avanços na área. Mas, segundo o jornal inglês, um relatório aprofundado sobre o tema produzido pela Organização Internacional do Trabalho foi mantido em segredo porque afirmaria que os Estados Unidos se beneficiam de trabalho escravo nas florestas brasileiras.

A reportagem diz que depois do assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho que investigavam denúncias de trabalho escravo em Unaí, Minas Gerais, as inspeções foram interrompidas. O jornal afirma também que, segundo grupos anti-escravidão, a nova lei que permitiria ao governo confiscar propriedades em que há trabalho escravo foi bloqueada no congresso pela bancada ruralista.’



SCIENCE & BRASIL
Elio Gaspari

‘O artigo está em inglês? Então está certo’, copyright Folha de S. Paulo, 31/10/2004

‘Há duas semanas saiu na revista americana ‘Science’ um artigo intitulado ‘O quebra-cabeças nuclear brasileiro’. Seus autores, Liz Palmer e Gary Milholin, integram uma organização pacifista que rastreia e combate a proliferação de armas nucleares. Ela se chama ‘Wisconsin Project’ e mora em Washington. O texto do artigo suspeita (com dúvidas) que por trás dos painéis da usina de enriquecimento de urânio de Resende existe um projeto de construção de bombas atômicas. Seis, no palpite.

Salvo o péssimo prontuário nacional em matéria nuclear, com um projeto militar perdulário, inepto e clandestino conduzido no governo do general Figueiredo (1979-1985), nada leva a crer que o atual governo mente quando diz que as instalações de Resende são de paz. O artigo da ‘Science’ foi recebido como produto do rigoroso trabalho de cientistas. Pena, por mais puras que sejam as preocupações do ‘Wisconsin Project’, seu prestígio já foi manipulado pela máquina de propaganda do governo americano. O professor Milholin, seu diretor, foi um incentivador e entusiasta da invasão do Iraque. Pior: associou seu nome a documentos falsos, que continham lorotas. Em 2001, Milholin e o Wisconsin foram usados para lavar um documento onde contava-se que em 1987 o Iraque explodira um artefato nuclear. Uma bomba imunda, com alto grau de radiação. Tinha 3,5 metros e pesava mais de uma tonelada. ‘Isso mostra quem é esse sujeito’, disse Milholin ao ‘The New York Times’, referindo-se a Saddam Hussein.

No chute, os governantes brasileiros já detonaram algo entre US$ 3 bilhões e US$ 6 bilhões em projetos de bombas e mísseis. Como todos os projetos secretos de Brasília explodiram o orçamento nacional. Só.

Sempre que trata dos programas brasileiros, o Wisconsin Project sataniza planos que contrariam o governo americano. Em 1990, ele assegurava que o Brasil estava a um passo de fabricar mísseis capazes de lançar ogivas nucleares. Nessa mesma ocasião a moçada do Wisconsin disse que, de acordo com fontes do governo americano, a Aeronáutica estava enriquecendo urânio com a pureza necessária para a montagem de bombas. Falso. Se esse projeto existiu, estourou a bolsa da Viúva, nada mais.

Em muitos casos o Wisconsin Project ajuda o governo americano a defender os interesses dos Estados Unidos. Tudo bem. O que não faz sentido, é que os brasileiros pensem com a cabeça dos americanos.’