Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Marta Salomon

‘O arquiteto Oscar Niemeyer pôde observar, por fotos levadas ao Rio de Janeiro dias atrás, o ritmo acelerado com que foram erguidos os cinco pavimentos sobre pilotis de mais uma de suas obras, cuja inauguração deve ser antecipada para o final deste ano.

Por trás dos tapumes, o prédio da Biblioteca Nacional já é notável na paisagem de Brasília. Falta agora o recheio: os livros.

Por ora, a única certeza no acervo são 7.000 revistas em quadrinhos reunidas na gibiteca da cidade, além de cerca de 3.000 livros sobre pintura, gravura e escultura, folhetos, uma pequena coleção de textos teatrais de autores brasileiros, e uma videoteca ‘incipiente’ com 50 vídeos, na descrição da bibliotecária responsável pelas obras, hoje abrigadas no Espaço Cultural Renato Russo.

É pouco comparado aos 100 mil volumes para os quais o prédio foi projetado na prancheta de Niemeyer. Pouco também perto das 60 mil peças que deram origem à Biblioteca Nacional, quase 200 anos atrás, trazidas de Portugal pouco tempo depois que a família real se transferiu para o Brasil, fugida das tropas do general Napoleão Bonaparte.

‘Há bastante esforço pela frente para que haja um acervo’, avalia o secretário de Cultura do Distrito Federal, Pedro Bório. O governo do Distrito Federal, que calcula ter investido R$ 37,7 milhões até agora no prédio, prepara-se para desembolsar mais R$ 4 milhões para terminar a obra, mas não há ainda previsão de verbas para a compra de livros. ‘A biblioteca não é um produto acabado, é como se fosse um ser vivo’, anima-se o secretário.

A transferência de pelo menos parte do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro foi descartada logo no início das negociações com a ‘irmã’ mais velha, dois anos atrás.

No final de janeiro, essas negociações se aproximaram de um acordo de parceria, uma espécie de consultoria ‘privilegiada’ para a ocupação do espaço e montagem do acervo, relata o presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago.

‘Não se cogita transferir acervos, a não ser no caso de exposições, e mais adiante, mesmo porque no prédio de Brasília só caberiam 10% das obras da Biblioteca Nacional’, insiste Lago. Não houve objeção, no entanto, a que o mesmo nome fosse adotado em Brasília. ‘São irmãs’, disse.

A principal orientação de Lago é que a Biblioteca Nacional em Brasília recorra ao mesmo expediente que fez crescer os acervos da irmã desde que um alvará de 1805 determinou a entrega de um exemplar de todo material impresso em Portugal e no Brasil à Biblioteca Nacional. Eram as chamadas ‘propinas’, origem do depósito legal, em vigor até hoje.

Em dezembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a nova lei do depósito legal, para substituir um decreto de 1907. A expectativa é que na regulamentação dessa lei, o presidente Lula garanta a doação de um segundo exemplar de cada obra impressa no país à Biblioteca Nacional em Brasília.

‘São editados de 30 mil a 40 mil livros por ano [no Brasil]. Depois de um ano, a biblioteca terá suprido lacunas em uma série de áreas e, daqui a dez, 15 ou 20 anos, haveria um acervo significativo’, calcula Pedro Corrêa do Lago.

Ele também descarta a transferência para o prédio do arquiteto Oscar Niemeyer dos livros da Biblioteca Demonstrativa de Brasília, um apêndice da Biblioteca Nacional na capital.

Como os resultados do depósito legal demorariam a preencher as prateleiras da nova biblioteca, o secretário Pedro Bório investe em doações centradas em dois temas principais, que explorariam vocações da capital, para dar uma marca à obra: arquitetura, incluindo plantas da construção da cidade, e livros sobre o Brasil produzidos no exterior.’



RECORDE PERNAMBUCANO
Letícia Lins

‘O cachaçólogo do Guinness’, copyright O Globo, 6/2/05

‘O comerciante José Moisés de Moura não é ‘pinguço’ (cachaceiro, no linguajar pernambucano), mas adora uma cachaça. Para ele a única bebida alcoólica genuinamente brasileira não é objeto de consumo em bar, mas sim cultura e história — principalmente nas mensagens de seus rótulos.

Moura é colecionador da bebida — o maior do mundo, segundo a edição histórica comemorativa do cinqüentenário do Livro Guinness dos Recordes. Ele tem 6.850 garrafas da aguardente brasileira, guardadas em um museu fundado por ele na cidade de Lagoa do Carro, a 61 quilômetros de Recife. O colecionador não bebe e detesta ser chamado de cachaceiro.

— Não sou cachaceiro, sou cachaçólogo. Nunca bebi. Não gosto de bebida nenhuma, nem uísque, nem cerveja, nem pinga — diz Moura, de 52 anos.

Ele acredita que o Brasil, somando as extintas e as ainda no mercado, já produziu cerca de 22 mil marcas da bebida. A Monjopina foi a primeira industrializada e data de 1756. A coleção começou em 1986, quando, em viagem a Brasília, Moura se deparou na estrada com 30 marcas diferentes de cachaça. Começou a comprar e não parou mais. Em 1999, com 3.648 garrafas, entrou no Guinness, desbancando o mineiro Orcolino Custódio de Almeida, recordista na edição de 1995. Moura diz que muitas cachaças são alusivas a datas:

— Temos a Caninha Pelé, lançada em 1970, quando o Brasil foi tricampeão. Soube que Pelé não queria ter seu nome associado a bebida alcoólica e obrigou o produtor a tirar seu nome da marca.

De acordo com os rótulos, o colecionador dividiu as cachaças em temas como mulheres, ritmos, santos, índios e tribos, nomes, gozações, datas, futebol, e formas de pedir a bebida (como ‘Lapada’ ou ‘Cipoada’ e ‘Quebra-jejum’), entre outros.

O museu exibe também ditos populares sobre a bebida, do tipo: ‘O sonho do bebum é virar gênio para dormir dentro da garrafa’.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Boa resposta’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 3/2/05

‘Exemplo eterno de entrevista gravada bem conduzida, melhor transcrita e habilmente editada é esta que dormitava em nossos arquivos, porém despertou por força da barulheira deste Carnaval. Saiu no caderno Dinheiro, da Folha de S. Paulo, e o excerto nos foi enviado pelo considerado Marcelo Bicarato, aqui da vizinha Guaratinguetá, onde, segundo consta, festeja-se o mais animado desfile de escolas de samba do Brasil.

O repórter conversava com o presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, e lhe fez a seguinte e quilométrica pergunta:

— O senhor sempre falou da importância da transparência, da credibilidade, para a Bolsa se desenvolver. Daí acontece um caso como o da Petrobras [quando a informação sobre o aumento das reservas de gás natural na bacia de Santos foi passada a investidores em conferência via internet, sem divulgação ampla]. Há agora o acordo entre o BNDES e a AES [em que foi renegociada dívida de US$ 1,2 bilhão da Eletropaulo], que a CVM vai investigar porque as ações da Eletropaulo subiram muito na véspera. Não acha que esses acontecimentos podem abalar a imagem da Bolsa?

Aí, Magliano tomou fôlego e respondeu:

— Não, não abala, não. Não abala.

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Certeza

Como vocês sabem, esta deu nos jornais do mundo inteiro:

Casa de Bonner é assaltada; apresentador reage e é ferido

Por meio da assessoria de imprensa da Central Globo de Comunicação, o dono da casa emitiu uma nota sobre o assalto:

Por volta das duas da madrugada desta terça-feira, um homem armado invadiu nossa residência, surpreendendo-nos no momento em que dormíamos. Ele exigia dólares, reais e ouro. Depois de informarmos que só tínhamos jóias em casa, ajudei o assaltante a recolher o que lhe interessava. Passados cerca de 45 minutos sob a mira de uma pistola, desesperado com o que poderia ocorrer com minha família, contrariei todas as recomendações de autoridades policiais –em que verdadeiramente sempre acreditei. Num momento de distração do assaltante, tentei desarmá-lo. Não consegui. Após um princípio de luta, sofri uma contusão no cotovelo direito.

Janistraquis fez um muxoxo:

‘Considerado, o bandido tinha absoluta certeza de que não havia armas na casa do rapaz, pois o casal é politicamente corretíssimo; se fosse aqui, o cara iria pensar duas vezes antes de invadir o sítio; afinal, todos acreditam que temos até metralhadoras e não temos nada, né mesmo?’

Verdade. Não temos armas, nem jóias, nem dólares e até o real anda em falta. Porém, os bandidos teriam, se por aqui aparecessem, a única coisa capaz de nos salvar: a dúvida.

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Indispensável

Inúmeros e considerados leitores, tantos que não se pode nomeá-los aqui, enviaram o título que saiu no site do UOL:

Neta de Reza Pahlevi recebe ultimado da família.

Instado a se manifestar, meu secretário solta o verbo: ‘Embora a palavra tenha sido corretamente grafada no corpo do texto, tá na cara que um redator escreveu a materinha e outro perpetrou o título. Este confunde a declaração final e irrevogável, como explica o dicionário, com aquilo que se levou a termo; acabado, concluído, finalizado, segundo o mesmo Pai dos Burros.’

Taí uma verdade: o bom dicionário é tão indispensável quanto a Veja.

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Ludopédio

Diretor de nossa sucursal mineira, o considerado Camilo Viana despacha de Belo Horizonte:

O futebol, nossa crônica paixão, está mais interessante nas frases que no desempenho do, digamos, ludopédio.

Esta é do meu Cruzeiro:

Jogo em Campinas, precedido de forte ‘ toró ‘, verdadeiro dilúvio. O juiz insiste em iniciar a partida. Os craques no meio do aguaceiro, sua senhoria joga a moedinha pra cima, olha quem favoreceu e pergunta ao Fred, atacante do Cruzeiro:

— Você ganhou. De que lado quer jogar?

E o Fred, lampeiro:

— Do lado da correnteza, seu juiz.

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Boa Esperança

O pessoal não perdoa nada mesmo. Em recente viagem a São Paulo, nosso considerado leitor Esdras Bello da Silveira foi comprar umas canetas na nova loja Kalunga, vizinha do Colégio São Luís, na Avenida Paulista. Ali, presentearam-no com um exemplar da tradicionalíssima revista/catálogo que a rede distribui mensalmente a seus clientes e leu, na entrevista feita com o educador Rubem Alves, intitulada O Cavaleiro da Boa Esperança:

— Como foi sua infância?

— Nasci na cidade de Nossa Senhora das Dores de Boa Esperança, no Sul de Minas, mais conhecida como Dores. De repente o pessoal se deu conta de que o nome Dores era muito feio e pasou a usar Boa Esperança. A cidade inspirou uma das canções mais bonitas da história da música brasileira escrita por Lamartine Babo: Terra da Boa Esperança.

Revoltado, Esdras protestou: ‘Nenhum repórter precisa ser cinqüentão como eu para saber que o imortal samba-canção de Lamartine se chama SERRA da Boa Esperança; basta não ser tão descuidado!’

É mesmo. Janistraquis, que aprecia as coisas bem claras, pede para que se transcreva aqui a primeira estrofe:

Serra da Boa Esperança esperança que encerra

No coração do Brasil um punhado de terra

No coração de quem vai, no coração de quem vem

Serra da Boa Esperança meu último bem

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Hora certa

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no DF, de cujo janelão aberto para a Esplanada dos Ministérios deu pra ver o tsunami de FHC a engolfar o presidente Lula, Roldão, dizíamos, não perdeu a esperança de ver o Correio Braziliense acertar a hora certa, se é que me entendem. Escreveu o mestre:

O Correio não é cuidadoso na informação diária das horas do nascente e do poente. Conforme o redator de plantão o jornal publica horas diferentes. Um deles consulta a tabela correta, o outro não sei onde colhe os dados.

Vejamos:

No dia 23 de janeiro último, domingo, os dados estavam certos. Nascente às 6h56 e poente às 19h50.

No dia 25/1, terça-feira, horas erradas. Nascente às 6h30 e poente às 19h24.

Nos dias 30 e 31 de janeiro, domingo e segunda, certo. Nascente às 7h00 e poente às 19h49.

Nos dias 1º e 2 de fevereiro, terça e quarta, errado. Nascente às 6h30 e poente às 19h24.

Essa hora de verão deixa todo o mundo louco!

Janistraquis, que dorme tarde e acorda tarde, não tem opinião formada acerca de tão inusitada questão.

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Nota dez

O melhor texto da semana nasceu do raciocínio sempre límpido e claro de quem merece confiança, que é Clóvis Rossi, neste artigo na Folha de S. Paulo:

Reagir é preciso

(…) Títulos de ontem dos tablóides britânicos, com o exagero habitual: ‘You can kill a burglar’ (você pode matar um ladrão).

O título refere-se a novas orientações do governo britânico sobre como lidar com invasores de sua casa. No limite, está autorizado matá-los, mas há o risco de processo judicial se for usada ‘força muito excessiva’.

Nas recomendações sobre não reagir, que é o padrão no Brasil, e nas novas orientações da polícia britânica está o abismo entre a civilização e a barbárie.

No Brasil, aceitamos a barbárie, na forma de nunca reagir mesmo quando você está dentro da lei e corre risco, assim como sua família.

No fundo, é a confissão das autoridades de que são incapazes de conter a criminalidade, e o melhor que podem fazer é evitar mais mortes em troca do abandono do direito de legítima defesa. Ou, posto de outra forma, aceita-se a lei da selva.

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Errei, sim!

‘TECENDO LOAS – Titulinho no caderno de Economia do Estadão: Ventilador de teto agora tem controle eletrônico. O texto contava, todavia, outra história: ‘Um produto no mercado há cem anos, consumido por 80% das famílias brasileiras, a Maizena está sendo alvo de campanha publicitária para reforçar sua imagem(…)’. E foi por aí afora, tecendo loas ao amido de milho. Considerei que, por ser a velha Maizena, o Estadão havia simplesmente engrossado; Janistraquis foi mais perverso: ‘Considerado, a julgar pelo título, o jornal jogou foi a Maizena no ventilador…’ (agosto de 1992)’



LÍNGUA PORTUGUESA

Deonísio da Silva


"Como Se Aprendia Português", copyright Jornal do Brasil, 7/02/05 "Era impressionante o lastro intelectual proporcionado aos adolescentes no ensino da língua portuguesa até 1971. Textos de Euclides da Cunha, Rui Barbosa e José de Alencar eram apresentados logo nas primeiras aulas da terceira série do ginásio, equivalente, depois da Reforma, à sétima série do ensino fundamental.


Veja-se o exemplo do livro Português para o Ginásio. Nele, o professor José Cretella Júnior apresentava um programa de dividido em três partes: leitura, gramática, exercícios.


Nas primeiras páginas, utilizando um excerto de Coelho Neto, intitulado Mandamentos Cívicos, o aluno aprendia as seguintes novas palavras: mandamento, culto, impulsionar, pugnar, arrogância, afrontar, sussurrar, cochichar, rebuço, reverter, sobranceiro.


Imaginemos que o mesmo texto fosse apresentado aos jovens que hoje chegam ao referido estágio de sua formação (sétima série). A maioria deles sofre os terríveis malefícios de uma insólita redução vocabular, principal atrapalho para a futura redação que serão obrigados a fazer no vestibular.


Talvez os referidos autores e textos não sejam hoje os mais indicados para as primeiras aulas de estágio semelhante, mas vejamos como professores e alunos eram orientados a ensinar e a aprender. Depois de leitura, vinha a explicação do vocabulário desconhecido. A seguir, os comentários. Como Coelho Neto, parafraseando os dez mandamentos, fez um texto em dez pontos, substituindo-os por similares cívicos, o professor informava que Moisés, antes do Êxodo, recebera o Decálogo, que servira de referência ao escritor. E como se tratasse de aula de português, o professor explicava que no primeiro mandamento – ‘honra a Deus sobre todas as coisas’- o sujeito é ‘tu’, e está oculto, o predicado é ‘honra a Deus’, a forma verbal ‘honra’ é de verbo transitivo direto, e o ‘objeto direto’ é ‘Deus’.


A seguir, citando bibliografia adicional, a lição de gramática tinha continuação: ‘às vezes é importante o uso de preposição antes do objeto direto a fim de destruir a ambigüidade (duplo sentido) da frase’. E vinham exemplos em que o ‘a’ é indispensável para evitá-la: ‘assassinou o escravo o patrão’; ‘feriu a fera a caçadora’; ‘ama o povo o bom rei’; ‘matou César Bruto’. As frases podem ter duas interpretações, caso não seja colocado o ‘a’ antes do objeto direto, com exceção da última, em que o conhecimento da História desfaz a ambigüidade. Afinal, sabemos que foi Bruto quem matou César, e não César quem matou Bruto.


Ainda nos comentários, explicava o sétimo mandamento que Coelho Neto inventara (‘previne-te na mocidade economizando para a velhice, que assim prepararás de dia a lâmpada que te há de alumiar à noite’), fazendo a etimologia do verbo economizar, que é resultado da junção de ‘oicos’ (casa) e ‘nomos’( ordem, norma, lei, costume). E nos exercícios, começando pela Unidade I, dava nove definições de conjunção, entre as quais duas de João Ribeiro e uma de Silveira Bueno, solicitando ao aluno que, guiado pelo professor, comparasse as definições, fazendo os seguintes exercícios: 1) observar o que há de comum, entre elas; 2) eliminar as palavras supérfluas; 3) deduzir uma definição mais clara, mais precisa, depois das duas operações anteriores; 4) aplicar a definição obtida a vários exemplos, para testar sua eficácia.


Concluía com dados biográficos do primeiro escritor apresentado e sugeria para redação o tema ‘as viagens instruem tanto quanto os livros’. A seguir, vinham textos de Castro Alves, Rui Barbosa, Euclides da Cunha e José de Alencar


Essa era a primeira lição. Poucos cursos superiores alcançam tal qualidade atualmente. E estamos falando do antigo ginásio!"