Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Matinas Suzuki Jr.

‘No dia 17 de fevereiro de 1925, uma terça-feira, os habitantes daquela que viria a ser a Capital do Século 20 praticamente não notaram a chegada aos quiosques de uma nova publicação. O primeiro número de uma revista que pretendia refletir o novo sentimento de cosmopolitismo e modernidade (‘esta revista não será editada para a velha senhora de Dubuque’, dizia seu prospecto de lançamento) flopou. Três meses depois, no dia 8 de maio, diante da dificuldade da revista em decolar, os dois sócios proprietários resolveram fechá-la antes do verão americano começar. No dia seguinte, empolgados pelo champagne que bebiam no casamento de um amigo comum, os dois concordaram que a revista não poderia morrer. Naquele tempo, aconteciam coisas importantes nos casamentos.


Hoje, a revista The New Yorker é um caso raríssimo de publicação que conserva quase intacta as suas fórmulas editoriais originais, estabelecidas pelo fundador e editor Harold Wallace Ross. A cidade de Nova York mudou muito, a mídia mudou muito, as pessoas mudaram muito e até a New Yorker mudou muito ao longo do século passado, mas o eterno encantamento sofisticado e um tanto blasé da revista parece advir de certo elixir da eterna juventude que tem como essência aquelas idéias editoriais do topetudo Ross. A preservação cuidadosa de certos detalhes por mais de quatro mil edições semanais é, na aparente gratuidade e na espantosa permanência, reveladora de uma força editorial interior poucas vezes vista na indústria da comunicação impressa. Desde que o artista Rea Irvin criou a figura do dândi de monóculo observando uma borboleta para a primeira capa da revista (o dândi da ilustração ganharia ‘vida’ própria ao longo das décadas, passando a ser um personagem conhecido na revista como Eustaque Tilley), as capas da New Yorker não têm chamadas, apenas ilustrações; e, mesmo com toda evolução tecnológica dos sistemas de impressão de revistas, suas capas até hoje preservam uma tarja de alto a baixo, na lateral esquerda, como uma espécie de defesa para eventuais imprecisões na mancha de impressão ou na encadernação.


Mas não foram apenas os detalhes que fizeram da New Yorker uma longeva fórmula editorial: seus textos jornalísticos – ela também publica prosa de ficção e poesia – atingiram tal substância que muitos deles sobreviveram aos fatos relatados e estão bem vivos décadas após a aparição original nas páginas da revista. The New Yorker tem mais autores e textos escolhidos para a série dos cem mais importantes trabalhos jornalísticos do século 20, escolhidos pela Universidade de Nova York, do que qualquer outro veículo. Ela é uma das responsáveis pela consolidação do ‘jornalismo literário’ ou da ‘literatura de não-ficção’, como o gênero é chamado nos EUA.


Humor fundamental


Colecionar cartoons da New Yorker tornou-se uma coqueluche de leitores intelectualizados (o humor era fundamental nas idéias editoriais de Harold Ross; em seu livro The Years With Ross, James Thurber conta que, durante o período sisudo do Macartismo, Ross incitava seus colaboradores a continuarem escrevendo peças de humor para a revista). A idéia – concebida em 1924! – que o despertar de uma metrópole como Nova York abria espaço para uma publicação semanal com roteiros de teatro, cinema, musicais, concertos, exposições, eventos esportivos etc., foi, ao longo dos anos, ficando cada vez mais certa. The New Yorker ajudou ainda a fixar pelo menos duas outras formas bastante difíceis de fazer (que dirá fazer bem feito!) jornalismo, o ‘perfil’ – reza a lenda que o próprio termo teria sido fixado por uma seção da revista, Profiles – e o ‘essay’, que é um misto da nossa crônica bem brasileira com uma colher de sopa de reportagem e uma colher de chá de reflexão filosófica (qualquer que seja a definição deste último gênero, E.B.White – o rei do estilo e um dos pilares da New Yorker – era um craque nele.)


Pois bem, todas as vírgulas escritas por Truman Capote, Dorothy Parker, Edmund Wilson, John Cheever, Joseph Mitchell, John Hersey, J.D.Salinger, Lillian Ross, Mary McCarthy, John Updike, Hannah Arendt, Woody Allen e outros autores não menos clássicos, desde o primeiro número, todos os cartoons sobre cães, gatos e golfe, todas as seções The Talk of the Town, todas as correspondências de Washington escritas por um dos grandes jornalistas políticos de todos os tempos, Richard Rovere, todas as críticas de cinema escritas por Pauline Kael, todas as fotos de Richard Avedon (publicadas depois que Tina Brown passou a ser a editora), todos os textos sobre o boxe escritos pelo fofo Joe Liebling, cada capa ilustrada por Saul Steinberg, enfim, as cerca de meio milhão de páginas de puro refinamento editorial que saíram em 4.109 edições encontram-se, na diagramação original, em uma caixa contendo oito DVD-ROMs da revista das revistas. A caixa pode ser comprada pela internet no site da própria revista e custa US$ 100,00, sem as despesas de remessa para o Brasil. É o tipo da coisa ideal para se levar para uma ilha deserta (desde que o computador possa ir junto).


O que não é visível nesta floresta encantada digital de milhares e milhares de páginas é justamente a arte da edição – talvez a maior contribuição da New Yorker para a história do jornalismo – que, do backstage, do fosso escondido da orquestra, regia esse oceano de palavras e traços que fizeram da revista o sonho papável de todo jornalista com pretensão literária e de todo escritor com veleidades jornalísticas que viveram nos últimos 80 anos. Harold Ross era o homem de uma fórmula editorial só, mas que fórmula! Ele não ambicionava tornar-se, como a maior parte de seus colegas que tiveram sucesso na esfera do publishing, um magnata de conglomerado de mídia ou ser um homem de imprensa com o poder de influenciar governos. Seu reino limitava-se ao quarteirão da Rua 43 entre a redação da revista e, logo ali em frente, o hotel Algonquim (onde se iniciou, na famosa Mesa Redonda, no ritmo dissoluto da era do jazz nova-iorquino e onde viveu em seus últimos dias). Sua determinação era simplesmente levar a arte de editar à perfeição.


Não deixa de ser curioso que as duas revistas que fizeram o século 20, The New Yorker e Time, nasceram, na mesma época, no mesmo edifício do número 25, na Rua 45, no lado Oeste. Alguns anos depois, Henry Luce, o fundador da Time, e Ross duelaram em público por meio das páginas de suas publicações. Em 1934, a Fortune, de Luce, publicou uma reportagem de 18 páginas sobre a New Yorker que incomodou muito Ross. Ela não estava assinada, mas foi escrita por Ralph Ingersoll, que fôra uma espécie de secretário de redação de Ross. Este respondeu com um perfil de Luce, feito por Wolcott Gibbs, publicado na New Yorker, em 1936. Luce tentou impedir a publicação de seu perfil alegando a Ross que ele era inteiramente malicioso. ‘Você pôs o dedo na ferida – respondeu Ross. Eu acredito na malícia’.


Curioso também é que o homem que encontrou a maneira de traduzir em forma de revista o cosmopolitismo e o sentimento de sofisticação afetada da capital do século 20 não passava de um caipira, um filho de mineiro nada requintado, nascido em Aspen, Colorado; o talk of the town dizia que Ross era conhecido por ter perguntado se Moby Dick era a baleia ou o homem e por nunca ter lido um livro (há evidências, contudo, que ele lia alguma coisa: Brendan Gill, que trabalhou na The New Yorker por cerca de 60 anos, dizia que ele leu um livro de sociologia escrito por Herbert Spencer; Thurber conta que ele discutia as séries de mistério, melodrama e coragem que saiam na revista True Detective com a mãe dele, Thurber).


O legado de Ross


Harold Ross, contudo, era um leitor e comentador rigoroso de manuscritos e textos publicados em sua revista. Desses comentários e sugestões não escapavam nem os mais respeitados de seus colaboradores. David Remnick, o atual editor da New Yorker costuma dizer que as cartas e os memorandos de Ross foram a sua principal escola de jornalismo. Stanley Walker, o editor do The New York Herald Tribune e um dos mais influentes jornalistas da cidade nas primeiras décadas do século passado, escreveu em seu valioso livro City Editor, de 1934: ‘Este semanário (The New Yorker) é produto do gênio peculiar de Harold Ross, um repórter veterano que, antes de se interessar por revistas, trabalhou em jornais em várias partes do país. Ele dá a impressão ilusória de ser um desmiolado. Na verdade, ele é um sagaz mercador de notícias. Ele publica a seção Profiles, que às vezes é um modelo da arte de fazer biografias. (…) Sobretudo, a New Yorker é admiravelmente conscienciosa na checagem dos fatos e em pegar detalhes relevantes’.


Harold Ross era fanático pela precisão factual – e o sistema de checagem da sua revista ficou famoso como um dos mais eficazes da história da imprensa. Como tudo vira mito na New Yorker, até a revisora da revista por 54 anos Eleanor Gould Packard tornou-se uma pequena celebridade do mundo lítero-jornalístico nova-iorquino, sendo considerada a autoridade em lógica, sintaxe, gramática, fluência, pontuação, vocabulário e outras questões ligadas à escrita. Richard Rovere, que admirava a paixão de Ross pelo jornalismo acurado e pela precisão das expressões, dizia que adorava passar horas no escritório de Ross enquanto ele editava os artigos dele (Rovere). Certa vez, lembra o correspondente em Washington da New Yorker, Ross implicou com uma frase que mencionava o ‘horário’ de um elevador. ‘Eu sou especialista em elevadores. Você ainda não havia nascido quando eu comecei a estudá-los, e, por Deus, eu nunca ouvi falar em ‘horário’ de um elevador. Isso soa verdadeiramente ridículo’, disse Ross a Rovere.


Ross teve a habilidade para escolher William Shawn como o seu sucessor. Discretíssimo (Brendan Gill afirmava que ele era um dos mais misteriosos homens da cidade), deu continuidade à arte de editar e permitiu que a New Yorker amadurecesse, sem perder o wit e o humor. Shawn passou a ser o editor que todo jornalista/escritor gostaria de ter. Ele era politicamente mais liberal do que Ross e deu consciência social à revista. Sob seu comando, a New Yorker publicou algumas de suas peças mais famosas como a reportagem sobre os efeitos da bomba atômica em Hiroshima, feito por John Hersey, ou o relato de A Sangue Frio, de Truman Capote (tem gente que afirma que, por sinal, Shawn teria se arrependido de ter publicado o texto de Capote). Na década de 60, The New Yorker era a mais bem sucedida revista dos EUA, chegando a vender cerca de seis mil páginas de publicidade em alguns anos.


Não se pode, contudo, dizer que Shawn foi apenas venerado pelos adeptos do jornalismo literário. Tom Wolfe, em dois artigos para a revista dominical do Herald Tribune, de Nova York, em 65, esculhambou a publicação criada por Harold Ross e, deixando lívido os colaboradores da New Yorker, chamou Shawn de ‘mumificador’. Wolfe também insinuava haver excesso de intimidade entre Bill Shawn e Lillian Ross (na redação da New Yorker, todos procuravam evitar demonstrar que sabiam do caso entre o editor e a sua repórter; três décadas depois, a própria Lillian Ross se encarregaria de escrever um depoimento sobre o triângulo amoroso – uma vez que Shawn nunca deixou a sua mulher, Cecille).


Sobrevivendo à Newhouse


Quando, em 1985, um dos imperadores da mídia americana, S.I. Newhouse, comprou o controle acionário da revista por US$ 170 milhões, houve um medo real de que as idéias editorias de Ross pudessem se perder. Um bizarro abaixo-assinado passado entre editores e colaboradores foi enviado ao novo editor Robert Gottlieb, pedindo patética e inutilmente, para ele não assumir o cargo de Bill Shawn. Mas Gottlieb mal esquentou a sua cadeira. Newhouse colocou em seu lugar a britânica inteligente e carreirista Tina Brown, que havia revivido a Vanity Fair. Iconoclasta e herege frente aos olhos dos tradicionalista, Brown também trouxe uma nova energia para a New Yorker. Além de introduzir fotos, textos mais curtos e a cobertura sobre temas mais mundanos, ela deixou a revista mais quente. Entre as suas grandes conquistas, uma tinha significado especial: conseguiu trazer Lillian Ross de volta à revista (Ross rompera com a New Yorker desde a demissão de Bill Shawn). Mas a publicação, que havia começado a perder prestígio e dinheiro na década de 70, ainda não havia se recuperado economicamente.


Em 1999, assume um editor da nova geração, David Remnick, que havia feito um grande trabalho como correspondente na União Soviética e escrito um ótimo livro sobre Mohammad Ali. Mais do que Tina Brown, ele tinha consciência do peso da grande tradição que teria de carregar. Diferentemente de Ross e Shawn, ele costuma escrever constantemente para a revista que edita; mas, mesmo quebrando esse silêncio que os antepassados cultivavam, ele quer reencontrar o elo com a fórmula editorial que fez a reputação da dupla inicial de editores da New Yorker. Há uma clara reverência ao passado da publicação nas várias antologias de melhores peças de jornalismo, ficção e humor da revista que Remnick vem editando. E o lançamento desta caixa com os oito DVD-ROMs contendo todas as páginas da revista, deste baú digital de relíquias impressas, é a homenagem suprema que Remnick faz àqueles que foram os mestres da arte de editar.


Harold Ross costumava dizer que uma revista é 80% sorte. Os outros 20%, ele fez como ninguém.’




PLAMEGATE
Dorrit Harazim


‘A implosão do governo Bush’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/10/05


‘O presidente George W. Bush que desembarca na quinta-feira em Mar del Plata para participar da IV Cúpula das Américas é uma miniatura do estadista que pretendeu ser. Em apenas 12 meses encolheu à sua estatura real. E a visita relâmpago que fará ao Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva no próximo fim de semana marcará o encontro de dois presidentes sitiados – difícil saber qual dos dois está mais enroscado no emaranhado de crises e intrigas palacianas.


A semana marca o primeiro aniversário da triunfal reeleição de Bush à Casa Branca. Mas não há o que comemorar. Nem com quem. Karl Rove, o homem que há 20 anos lhe serve de estrela guia na política e planejou cada etapa de sua ascensão ao poder, tornou-se um dilema maior do que Zé Dirceu para o presidente Lula. Embora ainda não indiciado pelo promotor especial Patrick J. Fitzgerald no caso do vazamento da identidade de uma agente da CIA – considerado crime federal nos Estados Unidos -, Rove está ferido. Sua onipresença ao lado do pupilo/presidente, como vice-chefe de gabinete da Casa Branca, tornou-se duvidosa. E não há mais espaço para erros na combalida administração de George W. Bush.


O tamanho de Rove na biografia política do presidente americano é duplamente curioso quando se levam em conta suas origens. Neto de trabalhador braçal do Meio-Oeste, nasceu na América pobre – sua mãe chegou a morar num barraco de papelão prensado. Sempre que lhe perguntam quando começou a obsessão em se tornar um operador da política e do poder, responde com a data do próprio nascimento: 25 de dezembro de 1950. Também acredita já ter nascido republicano. Enquanto os jovens de sua geração protestavam contra a Guerra do Vietnã e experimentavam a vida nos tons dos anos 60, o jovem Karl se interessava por Richard Nixon e pela guerra fria. ‘Eu era um nerd. Nunca aprendi a tocar violão ou cantar as garotas da época’, explica.


Autodidata ferrenho e leitor compulsivo de compêndios de história americana, acabou arrumando emprego na Partido Republicano – seção Jovens. Tinha 22 anos quando desembarcou no Texas. Um dia lhe pediram para levar uma chave de carro ao filho de um líder partidário local que estudava em Harvard. Rove lembra com precisão o que viu: ‘O carro era um AMC Gremlin cor pastel, com bancos de couro azul’. As chaves eram para George W. Bush, ainda em sua fase playboy. ‘Ele tinha uma imensa dose de carisma – andar descontraído, botas de caubói e jaqueta de aviador, sorriso cativante. Carisma, em suma.’ Em suma, também, tudo o que o rechonchudo republicano do Meio-Oeste não tinha.


Quinze anos depois, foi George W. quem lhe entregou as chaves de sua primeira campanha eleitoral – queria ser governador do Texas. Àquela altura Karl Rove já tinha virado a política texana de ponta-cabeça, comandando a eleição e posterior reeleição de um republicano, Bill Clemens, em terras que há cem anos votavam em democratas. Como? Antecipando a emergência de uma direita cristã ainda silenciosa e transformando em ciência exata o ainda tímido recurso de falar com o eleitor através de mala direta. Obsessivo, metódico e detalhista, montou uma máquina de arrecadar fundos 24 horas ao dia, permitindo-lhe dirigir campanhas milionárias. Vale lembrar que o Texas, se fosse país independente, seria a 11ª economia mundial.


Foi com essas credenciais, e a de operador político que joga bruto e sujo, que Karl Rove arregaçou as mangas pelo filho mais velho do ex-presidente George H. Bush, o qual acabara de ser derrotado por Bill Clinton. As credenciais de Bush júnior, além do sobrenome e o que dele deriva, eram nulas na arena política – dono do Texas Rangers, o time de beisebol mais popular do Estado, o jovem Bush passava os dias treinando obsessivamente para maratonas. Karl Rove analisou seu desempenho nas corridas e gostou do que viu. Eram energia e disciplina em abundância para quem tinha fama de desocupado. Decidiu fazer de George W. Bush seu troféu definitivo. Deu certo.


‘Para Karl, o homem do plano’, escreveu o recém-eleito governador Bush na foto da primeira vitória, em 1992. ‘E aqui está ele, o Arquiteto’, anunciou o presidente reeleito em novembro de 2004, na celebração de arromba televisionada para o mundo inteiro. Foi Boy Genius, apelido de Rove em Washington e título do melhor livro sobre criador e criatura, de autoria de Lou Dubose, quem percebeu o potencial de Laura Bush como cabo eleitoral do marido. Foi Rove quem driblou a dificuldade de Bush em dominar detalhes, mantendo-o longe da imprensa e em comunicação direta com o público. Nunca permitiu que mais de quatro temas fizessem parte da agenda do candidato.


Vale registrar que o principal arquiteto da cruzada religiosa que elegeu Bush para purificar a América jamais freqüentou uma igreja. Ninguém rezava na família Rove. ‘Jamais encontrei a fé’, explica apenas. Mérito seu e do cristão-novo Bush – cujo diálogo íntimo e profundo com Deus se tornou parte de sua presidência – que essa abissal diferença entre ambos não os tenha impedido de chegar juntos à Casa Branca.


É a partir da guerra total ao terror, desencadeada por George Bush em resposta aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001, que a figura de Karl Rove começa a se eclipsar deliberadamente do noticiário. ‘Não trabalho com inteligência’, passou a repetir quando indagado sobre o tema mais nevrálgico do governo Bush.


É possível que o arguto Rove tenha conseguido se manter a distância da política de guerra que já causou 2 mil mortes entre os soldados americanos no Iraque. Mas os 22 meses de investigação sigilosa a cargo do promotor especial Patrick Fitzgerald indicam que Rove pode ter cometido um escorregão fatal para o cargo que ocupa atualmente. Enquanto foi chefe de campanha, sempre jogou duro e quem o subestimou se arrependeu. Costumava igualar política a guerra e considerava todo adversário um inimigo a ser abatido. Para tanto, recorria a expedientes da era Nixon, só que sem deixar impressões digitais.


O rol de golpes baixos incluiu desde a instalação de uma escuta telefônica no próprio gabinete, atribuindo-a ao campo adversário, até a criação de páginas eletrônicas repletas de rumores estapafúrdios sobre outros candidatos. No caso específico do senador republicano John McCain, por exemplo, que disputava com Bush a indicação republicana a candidato presidencial, veiculou-se a ‘informação’ de que ele tivera um filho com uma norte-vietnamita e por isso recebera tratamento privilegiado durante seus cinco anos de prisão em Hanói.


No caso Plame, porém, a investigação adquire outro patamar e já resultou no indiciamento e renúncia de I. Lewis Libby, chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, por perjúrio, obstrução da Justiça e falso testemunho. Nessa primeira rodada Karl Rove ficou de fora. Mas Bush sabe que já não pode contar nem com seu Boy Genius – também ele encolheu.’




Sérgio Augusto


‘Umas dizem sim, outras dizem não’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/10/05


‘Seguindo o conselho do presidente Lula, tentei deixar o pessimismo no vaso sanitário. Na hora do discurso, o presidente trocou as bolas (pessimismo por otimismo), lapsus linguae a que todos estamos sujeitos – ele talvez mais ainda, por ter a língua presa -, mas era mesmo o pessimismo que ele nos recomendou excretar, dar a descarga e ‘sair para a rua pensando coisas boas’.


Antes de sair para a rua, fui procurar coisas boas em que pensar. Nos jornais só deparei com notícias e comentários que quase me impeliram de volta ao banheiro para seguir à risca o lapsus linguae do presidente. Como ser otimista depois de constatar que muitos dos derrotados pelo referendo das armas persistiam em dividir os brasileiros em virtuosos e malévolos, em vitoriosos e derrotados? O único vencedor da inoportuna e inócua consulta popular de domingo passado foi o medo. E desse ninguém se livra com movimentos peristálticos.


E viva o não. Foi o advérbio do ano. Para o bem e para o mal. Os franceses disseram não à Constituição da União Européia. Os brasileiros disseram não ao desarmamento da população. Os envolvidos no valerioduto negaram (e continuam negando) tudo. Harriet Miers afinal disse não ao convite do presidente Bush para assumir uma vaga na Suprema Corte.


Certo, algumas negativas merecem o mesmo destino que Lula quer dar ao pessimismo; outras, porém, merecem a nossa mais alta estima e consideração – mesmo aquelas que alguns, olhando por ângulo diferente, tomam por um sim. Tem gente que vai morrer achando que o não sufragado há uma semana foi um sim à violência. Ora, dependendo do ponto de vista, nem Molly Bloom disse sim. No monólogo que fecha Ulisses, ela de fato diz ‘sim’, mas no fundo negando, dizendo não, não e não ao romance tradicional.


O não tem partes com a proibição, a coerção e pavores que tais, mas também é uma das manifestações mais comuns de rebeldia e dissensão, sinônimo de basta, um repto a outras e nefastas negativas. Meio século atrás, uma costureira negra do Alabama, Rosa Parks, disse não ao segregacionismo e tornou-se uma heroína indiscutível não apenas da história americana, mas de todo o mundo civilizado. Já Fafá de Belém disse sim ao Planalto e foi cantar parabéns para o presidente, crente de que era (ou podia ser) Marilyn e fazer de Lula um sucedâneo de Kennedy. A deputada Ângela Guadagnin também disse sim, só que ao José Dirceu, adiando a cassação do deputado.


Será demasiado injusto dividir as mulheres em duas categorias: as que dizem sim e as que dizem não?


Morta na segunda-feira, com 92 anos de idade, Rosa Parks tinha 42 quando, ao recusar-se a ceder seu assento num ônibus a um passageiro branco, em 1º de dezembro de 1955, acendeu sem querer o rastilho do movimento pelos direitos civis nos EUA. Naquela época, os negros do Alabama só podiam sentar-se na parte traseira dos ônibus. Doze anos antes, Rosa fora expulsa de um ônibus por sentar-se onde não devia. Cansada das humilhações diárias, resolveu rebelar-se. Pegou um ônibus praticamente vazio, acomodou-se num assento reservado aos brancos e, ao ser ameaçada de tudo pelo motorista, engrossou: ‘Daqui não saio’. E de lá só saiu presa.


Condenada por violar uma lei absolutamente iníqua, foi parar no xadrez. Em represália, os negros da cidade boicotaram os ônibus durante 381 dias e recorreram à Suprema Corte, exigindo o fim da segregação. Esse corajoso ato de desobediência civil emocionou o país e fez de um jovem pastor de 26 anos, chamado Martin Luther King Jr., um dos mais ativos líderes políticos da América e de Rosa Parks um dos mais expressivos símbolos da luta contra o racismo.


Maureen Dowd diz não a torto e a direito, principalmente para o presidente Bush e sua coterie. É a minha musa jornalística. Em sua coluna de sábado passado no New York Times, Dowd, que além de escrever como uma deusa é uma gata, soltou o verbo pra cima de sua colega de redação, Judith (Judy) Miller, aquela que sempre disse sim às mentiras da Casa Branca sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque e às politicagens dos neoconservadores que doutrinam Bush e entregaram a espiã da CIA Valerie Plame. Judy engoliu calada a espinafração e a cúpula do NYT, injuriada com a repórter, lavou as mãos, se é que não brindou a descompostura com champanhe.


A coluna virou o talk of the town da paróquia jornalística. Não a vi traduzida em jornais daqui, que ainda preferem os comentários da falange conservadora do NYT (Thomas L. Friedman, David Brooks) a Dowd, Paul Krugman e Frank Rich. Pena. Quem não a leu perdeu uma edificante lição de coragem, ironia e implacabilidade.


O prazer de ler Dowd na íntegra custa agora US$ 49,90 por ano, que é quanto o NYT passou a cobrar por alguns textos da edição impressa. Aposto como vários leitores on-line, até então indecisos, desembolsaram às pressas os US$ 49,90 para saber o que vinha depois do bombástico título da coluna – ‘Woman of mass destruction’ (Mulher de destruição em massa) – e de sua frase de abertura: ‘Sempre gostei de Judy Miller. Freqüentemente me ponho a imaginar o que Waugh ou Thackeray teria feito da Becky Sharp do Quarto Poder’.


Dowd já entrou matando.


Waugh é Evelyn Waugh, satirista britânico que no romance Furo! (The Scoop), publicado em 1938, inventou um correspondente de guerra por acaso, William Boot, enviado para cobrir um conflito num país africano parecido com a Etiópia de Selassié. Boot fazia qualquer negócio para obter um furo, atropelando e burlando seus colegas de profissão. William Thackeray, outro britânico, criou Becky Sharp no clássico Vanity Fair, lançado em 1847. Sharp é o mais célebre protótipo vitoriano da mulher cínica, egocêntrica e manipuladora.


Nos parágrafos seguintes, as razões da diatribe. Dowd até aprecia a ‘frenética intensidade’ da colega, sua capacidade de trabalho, e é só. Quando Dowd cobria a Casa Branca, no primeiro governo Bush, Judy Miller, que trocara a sucursal de Washington pela redação em Nova York, apareceu de repente numa coletiva de Bush e fez com Dowd o que aquele motorista do Alabama por duas vezes fizera com Rosa Parks. Com mais delicadeza, é claro. Miller aproximou-se de Dowd e sussurrou-lhe ao ouvido: ‘Acho que eu é que deveria estar sentada na cadeira reservada ao Times’. Dowd ficou tão chocada com a desfaçatez beckysharpiana da colega que apenas riu da situação e foi cobrir a coletiva em pé, no fundo da sala.


Esse ilustrativo episódio dá bem a medida do temperamento e do modus operandi de Miller, que, segundo Dowd, ‘sempre ignorou limites’ e jamais encontrou no jornal quem lhe pusesse ‘uma coleira’. Sempre à solta, de conluio com o lobista iraquiano Ahmad Chalabi levou o NYT a avalizar a tese das armas de destruição em massa, desmoralizando o jornal e afetando a confiança dos leitores.


A frase final da coluna é ainda mais contundente que a primeira: ‘Judy disse ao Times que pretende escrever um livro e voltar à redação, onde espera cobrir ‘as mesmas coisas que sempre cobri – ameaças à nossa nação’. Se isso acontecer, a instituição mais ameaçada seria o jornal que o leitor tem nas mãos’. Puro Waugh.’




Rebecca Carr


‘O jornalismo de Washington vai a julgamento’, copyright The New York Times, 30/10/05


‘A Casa Branca não é a única instituição em julgamento no caso do vazamento de informação sobre a CIA. O jornalismo de Washington também está na berlinda.


O indiciamento de Lewis ‘Scooter’ Libby, chefe de gabinete do vice-presidente, concentra-se no fato de ele ter contado a três jornalistas sobre a mulher de Joseph Wilson, após este criticar o presidente George W. Bush. Matthew Cooper, da ‘Time’; Judith Miller, do ‘New York Times’; e Tim Russert, da NBC News, devem ser convocados como testemunhas se Libby for a julgamento, colocando os padrões de reportagem de Washington sob os holofotes.


– É verdade que o jornalismo está em julgamento – disse Jane Kirtley, professora de ética na mídia da Universidade de Minnesota.


A investigação revelou o ‘jogo do vazamento’. Enquanto muitos vazamentos em Washington resultam de um trabalho cuidadoso de cavar a informação, freqüentemente funcionários do governo liberam dados sensíveis, algumas vezes confidenciais, a repórteres dos principais veículos de comunicação. Às vezes, isso promove um ponto de vista ou ataca o do adversário.


Repórteres participam do jogo ao receber a informação e publicá-la. Às vezes falham em garantir acesso a outra perspectiva, segundo especialistas. Isso cria a desconfiança dos leitores.


– Esta investigação tem demonstrado como as relações são incestuosas entre jornalistas e suas fontes – disse Kirtley.


Isso mostra como promessas de anonimato nem sempre servem ao público e como jornalistas precisam estar atentos para não serem usados por fontes para promover suas causas.


Caso já afeta forma como jornalistas e fontes agem


Em 2003, o promotor Patrick Fitzgerald começou a investigar se alguém no governo Bush havia revelado a identidade da ex-agente da CIA Valerie Plame, numa retaliação a Wilson. O ex-embaixador caíra em desgraça ao revelar que eram poucos os indícios de que Saddam Hussein tentara comprar urânio do Níger para armas de destruição em massa. O documento de indiciamento diz que Libby mentiu a agentes do FBI na investigação, cometeu perjúrio diante do grande júri e obstruiu a Justiça. ‘Libby supostamente mentiu sobre o que discutiu sobre Valerie Plame Wilson em conversas’ com Cooper, Miller e Russert.


As investigações já afetam a forma como repórteres obtêm as notícias. As fontes estão mais reticentes sobre o que vão contar e os jornalistas, mais cautelosos em usar fontes anônimas.


Chamar jornalistas a testemunhar diante de um grande júri e possivelmente num julgamento expõe a falta de proteção legal a repórteres para proteger suas fontes confidenciais.


– O que mais me preocupa é que este caso se baseia em conversas com jornalistas – disse Lucy Dalglish, diretora-executiva do Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa. – Temo que isso se torne um novo meio de agir dos promotores. Intime repórteres e preencha a folha de queixa criminal.’




Elisabeth Bumiller e Eric Schmitt


‘Crise ressalta influência de Cheney no governo’, copyright The New York Times / O Estado de S. Paulo, 31/10/05


‘O nome do vice-presidente Dick Cheney só aparece em três breves menções no indiciamento de 22 páginas que acusa seu chefe de gabinete, I. Lewis Libby Jr., de mentir aos investigadores e induzir ao erro um júri no caso de vazamento da CIA. Mas, na sua linguagem clara e fria, revela como o setor de Cheney no governo mirou agressivamente suas baterias contra Saddam Hussein e depois lutou para desacreditar os críticos da guerra contra Iraque.


Agora, o documento levanta uma questão fundamental: qual a extensão do dano colateral que isso causou a Cheney? Muitos republicanos dizem que Cheney, que já estava politicamente enfraquecido por causa de sua participação na preparação das justificativas para a guerra, poderá ser mais prejudicado ainda se for obrigado a testemunhar. No mínimo, dizem eles, o setor dele no governo ficará temporariamente abalado com a renúncia de Libby, que controlava tanto os assuntos externos como domésticos numa época em que a equipe da vice-presidência tem servido como um importante braço do Executivo.


Os aliados de Cheney observaram que não há sinais no indiciamento de que o mais poderoso vice-presidente da história americana, com enorme influência em todas as áreas importantes da política do governo, tenha feito algo errado. Eles dizem, também, que Libby, cujo papel foi reduzido no ano passado, depois que a secretária de Estado, Condoleezza Rice, tornou-se mais poderosa, e as investigações de vazamento cobraram seu preço, poderá ser rapidamente substituído por um nome da grande lista.


O indiciamento contra Libby, conhecido como Scooter (Motoneta), alega que o escritório do vice-presidente era o centro de um esforço concentrado para obter informações sobre os principais críticos da política de Bush no Iraque.


A questão maior, disseram os republicanos, é o prestígio de Cheney com a população.


Christie Whitman, uma amiga de longa data da família Bush que criticou a Casa Branca e a ala direita republicana num livro recente, disse que não espera que a relação pessoal do presidente com Cheney mude. Não obstante, acrescentou ela, acredita que, se surgirem mais informações sobre o envolvimento de Cheney no vazamento ‘e se isso ficar pairando e se aproximar mais do vice-presidente, ele talvez se afaste do cargo, mas isso seria num caso extremo’.’




Iuri Dantas


‘Assessor de Cheney é indiciado no Plamegate’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/05


‘O presidente George W. Bush sofreu ontem uma das mais sérias derrotas de sua gestão. Aceitou a demissão do assessor da Casa Branca Lewis Libby, indiciado pelo promotor especial Patrick Fitzgerald no caso de vazamento da identidade de uma agente da CIA.


O caso é complicado e envolve as razões pelas quais Bush desencadeou a Guerra do Iraque.


Depois de 22 meses de investigações, o promotor decidiu manter o caso em aberto e ainda pode indiciar Karl Rove, o mais importante assessor do presidente.


Libby ocupava três cargos de confiança na Presidência. Era assessor do próprio Bush, chefe-de-gabinete do vice-presidente Dick Cheney e ainda seu assessor de segurança nacional. É conhecido em Washington como o ‘alter ego’ de Dick Cheney.


O promotor especial indiciou formalmente Libby por perjúrio (mentir em uma corte sob juramento de dizer a verdade), falsa instrução (por ter deliberadamente mentido a policiais) e obstrução da Justiça. Ele responderá a esses três crimes em processo.


Libby foi o informante da repórter Judith Miller, do ‘New York Times’, que permaneceu presa por 85 dias por se recusar a contar em juízo quem lhe passou a informação de que Valerie Plame trabalhava para a CIA.


Plame é casada com o ex-embaixador Edmund Wilson, encarregado de verificar em 2002, no Níger, se aquele país africano fornecia urânio para o Iraque de Saddam Hussein.


Wilson descobriu que a história do urânio não tinha fundamentos. Relatou suas informações à CIA. Mas o fato acabou caindo nos ouvidos da imprensa.


Bush ficou furioso. Perdia um dos argumentos para ir à guerra, o de que o Iraque era um perigo porque possuia um projeto nuclear para a produção da bomba.


De modo implícito, a promotoria acredita que, para se vingar de Wilson, a Casa Branca abriu a verdadeira identidade profissional da mulher dele, Valerie Plame, o que queimou a carreira dela.


Em comunicado divulgado ontem, Cheney defendeu seu ex-assessor e disse que seria ‘injusto’ comentar as acusações contra ele porque o processo ainda não terminou. ‘Scooter Libby [seu apelido] é um dos mais capazes e talentosos indivíduos que conheci. Ele deu muitos anos de sua vida para o serviço público e tem servido incansavelmente e com grande distinção’, afirmou.


O próprio Bush se manifestou por meio de comunicado. ‘A investigação do promotor especial Fitzgerald e os procedimentos legais em curso são sérios, e agora o processo vai para uma nova fase. Em nosso sistema, todo indivíduo é presumido inocente e tem direito a um processo e um julgamento justo’, disse.


Procurando evitar a imagem de paralisia que ataca todo governo sob forte crise política, Bush disse ainda que continuará seu trabalho, durante a investigação. ‘Enquanto estamos todos entristecidos com as notícias de hoje, permanecemos totalmente focados nos muitos assuntos e oportunidades que este país enfrenta. Tenho um trabalho a fazer, como também têm as pessoas que trabalham na Casa Branca’, disse antes de embarcar para Camp David, para o final de semana.


Em entrevista coletiva, Fitzgerald negou agir de forma parcial e disse, sem explicitar detalhes, que a investigação descobriu danos para toda a sociedade norte-americana. Ele ainda insistiu que as supostas mentiras de Libby impediram a Promotoria de descobrir a verdade.


A investigação de Fitzgerald começou em 2003, quando Robert Novak, cuja coluna é publicada por dezenas de jornais dos EUA, divulgou a identidade de Plame. Iniciadas as apurações, a cada dia novos fragmentos de informações indicavam uma retaliação da Casa Branca contra Wilson.


As informações de Wilson, de que a suspeita do urânio do Níger não passava de uma farsa, acabaram sendo publicadas pelo ‘New York Times’.’




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‘Ex-assessor é tido como mentor da Guerra do Iraque’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/05


‘Lewis ‘Scooter’ Libby, 55, é visto por muitos em Washington como o alter ego do vice-presidente dos EUA, Dick Cheney -de quem era chefe-de-gabinete-, e também como a eminência parda da Casa Branca. Ele é considerado o arquiteto-chefe da invasão e da ocupação do Iraque.


Sua influência sobre Cheney lhe deu grande poder, já que o vice-presidente é tido como um dos mais poderosos da história em seu cargo. Brincava-se na Casa Branca que Libby era ‘o Cheney de Cheney’.


Advogado formado pela Universidade de Columbia, Libby se especializou em política exterior quanto trabalhou anteriormente nos departamentos da Defesa e de Estado. O apelido Scooter (que significa patinete em inglês) foi dado pelo pai -Libby costumava andar com o brinquedo de um lado para o outro quando criança.


O ex-chefe-de-gabinete também possui dotes de escritor. Publicou um romance em 1996 intitulado ‘The Apprentice’ (o aprendiz). A obra era passada no Japão de 1903 e ganhou aclamação da crítica.


A relação com Cheney começou quando o atual vice-presidente era secretário da Defesa de George Bush pai, e Libby era funcionário do Pentágono. À época dos ataques do 11 de Setembro, os dois estavam juntos quando Cheney teve de se refugiar em um local secreto.


Antes da Guerra do Iraque, foi responsável pela preparação de um extenso documento defendendo o ataque contra Saddam Hussein em que alegava que o ex-ditador tinha armas de destruição em massa -defesa que causou atritos com o então secretário de Estado, Colin Powell. Com sua tese aceita, Libby formou com Cheney um dos principais vértices do política de segurança nacional da administração Bush.’




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‘Governo Bush vai ‘implodir’, diz Bernstein’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/05


‘Com o indiciamento e a renúncia de Lewis Libby, chefe-de-gabinete do vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, complicando mais o governo de George W. Bush no quadro dos prováveis implicados no vazamento do nome da agente Valerie Plame, o repórter Carl Bernstein encontrou paralelos entre o caso da revelação da identidade da agente da CIA e o Watergate. Mais, ele vê a ‘implosão’ do governo Bush a caminho.


Bernstein, repórter do ‘Washington Post’ que, junto com seu colega Bob Woodward, desvendou o Watergate, caso de espionagem dos democratas pelos republicanos e o esquema de acobertamento desse crime que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, nos anos 70, afirmou, porém, que esses pontos paralelos devem ser vistos com cautela.


As principais semelhanças estão no modo como as duas investigações ajudaram a expor uma extensa cadeia de corrupção na Casa Branca, disse Bernstein à jornalista Joe Strupp, do ‘Editor & Publisher’, uma publicação americana especializada em jornalismo.


‘Nós estamos obviamente assistindo -e a imprensa está começando a documentar- à implosão da uma Presidência’, afirmou Carl Bernstein. ‘Quão destrutiva essa implosão será, no fim, ainda não sabemos’.


Artigo de Jay Salomon publicado no ‘Wall Street Journal’ antes do indiciamento e da renúncia de Libby dava mais argumentos para sustentar a tese de Bernstein. De acordo com o texto, ‘Disputa Pré-Guerra [do Iraque] Está na Rota do Vazamento de Informação’, fazendo menção ao estopim do caso da revelação da identidade da agente Plame, ‘alguns membros do aparato da inteligência prevêem que qualquer primeiro indiciamento vai se transformar numa bola de neve de investigações sobre a manipulação de informações da inteligência pela Casa Branca e pelo Pentágono’.


Corrupção


O jornal ‘Los Angeles Times’ lembra, em reportagem da jornalista Faye Fiore, que o caso Plame confirma duas tendências ao longo da história dos EUA: os membros do segundo escalão do governo sempre pagam mais caro nos escândalos de corrupção, e o partido que mais reclama da corrupção de seus adversários políticos ‘cedo ou tarde se vê pego envolto na mesma sujeira’.


Em outro artigo, o ‘Los Angeles Times’ afirma que a renúncia de Libby ‘representa uma baixa significativa no círculo de confiança da administração Bush’. Para o jornal da Califórnia, apesar de o principal assessor político de Bush, Karl Rove, ‘mais poderoso’, não haver sido indiciado, Lewis Libby ‘tinha uma participação mais direta nas decisões no âmbito da segurança nacional que em boa medida definiram o atual governo’.


Para o ‘New York Times’, as acusações contra o chefe-de-gabinete de Dick Cheney ‘não chegam a ser uma surpresa’. Mas o periódico nova-iorquino afirma que o indiciamento de Libby, mais o de Tom DeLay -acusado de conspiração criminosa num esquema de lavagem de dinheiro- já fizeram com que os estrategistas do Partido Democrata proclamassem corrupta a atual gestão republicana da Casa Branca. Para o ‘Times’, ‘os republicanos terão um pesadelo político se as acusações contra o sr. Libby não se resolverem -ou se resolverem contra ele- antes das eleições legislativas de 2006’.’




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‘Fitzgerald tem fama de apolítico e de ‘workaholic’’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/05


‘Conhecido pela fama de ‘workaholic’ e por manter distância de colorações políticas, o promotor especial Patrick Fitzgerald, 44, se destacou pela atuação em ações contra terroristas, mafiosos e políticos.


Nascido no bairro do Brooklin, em Nova York, filho de pais irlandeses, Fitzgerald se formou em Harvard e foi designado promotor especial do Departamento da Justiça em 2001, na cidade de Chicago. Antes havia sido promotor-assistente em Nova York.


No Estado de Illinois, ele está envolvido em dois grandes processos: um contra o ex-governador George Ryan (republicano) e outro contra assessores do prefeito de Chicago, Richard Daley (democrata).


Segundo a revista ‘The Economist’, quando estava em Nova York, o promotor quis mudar seu registro eleitoral de ‘independente’ para ‘sem filiação’ ao descobrir que havia um partido político denominado Independentes.


Os casos célebres em que Fitzgerald atuou foram a condenação do xeque Omar Abdel Rahman pelos atentados de 1993 na garagem subterrânea do World Trade Center, o processo pelos ataques às embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia em 1998 e a condenação do mafioso John Gambino -que incluiu até a apresentação no tribunal de uma testemunha trazida da Sicília.


Em entrevista ao jornal ‘The Washington Post’, o promotor comparou sua dedicação ao beisebol: ‘Quanto você é o lançador, e você acha que fez um lançamento perfeito, não importa que o juiz diga que o lance não valeu; você sabe que foi perfeito. Você inicia o caso. Você não entra no tribunal com medo de que o juiz não vá concordar com algo que você diz ou que o advogado de defesa vá chamá-lo de obstinado’. Com agências internacionais’




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‘Rove também é conhecido como ‘Cérebro de Bush’’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/05


‘‘Garoto Gênio’ e ‘Cérebro de Bush’ são alguns dos apelidos pelos quais é conhecido Karl Rove, mais importante assessor da Casa Branca e a figura mais próxima politicamente do presidente George W. Bush.


Tema de dois livros e um documentário, o papel de Rove, 54, vem sendo esquadrinhado desde a proeminência de Bush filho no cenário político. A relação com o presidente data de 1977, quando o conselheiro se mudou para o Texas para trabalhar com Bush pai.


Rove foi fundamental para eleger George W. Bush governador do Texas por duas vezes e ajudou a lançar as bases da atual estrutura do Partido Republicano no Estado. Analistas vêem Bush-Rove como uma dupla improvável. Rove se enquadra mais no perfil ‘nerd’, que desembarcou em Washington carregando centenas de livros, destoando das características do presidente.


Seus detratores afirmam que ele se apóia em qualquer estratégia possível para atingir seus objetivos. Na campanha para o governo do Texas, em 1986, Rove denunciou que havia sido plantada uma escuta telefônica em seu escritório. Os adversários democratas acusaram-no de tentar uma armação para desestabilizar a campanha.


O ex-presidente Bill Clinton, em uma entrevista, classificou Rove de ‘brilhante estrategista político, que provou ser brilhantemente eficiente ao destruir os democratas’.


Na atual gestão Bush, Rove atuou como responsável pela definição de estratégias para ‘vender’ a Guerra do Iraque ao público. O assessor foi alvo de uma tira cômica polêmica neste ano em que o autor desenha Bush chamando Rove de ‘flor de merda’ -uma expressão texana que designa uma flor nascida de excrementos e seu apelido na Casa Branca. Com agências internacionais’




O Estado de S. Paulo


‘Bush perde confiança na equipe’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05


‘O indiciamento do chefe de gabinete do vice-presidente americano, Dick Cheney, e o possível envolvimento de outros assessores do governo no caso da revelação da identidade de uma agente secreta da CIA devem deixar marcas profundas na Casa Branca. Segundo a edição da revista Time que chegou ontem às bancas dos EUA, a confiança do presidente George W. Bush em seus principais conselheiros – incluindo Cheney – está em queda livre. Citando ‘um alto funcionário da Casa Branca’, a revista destaca que Bush já não confia totalmente em três das pessoas que mais ouvia: Cheney, o assessor político Karl Rove e o chefe do gabinete presidencial, Andrew Card.


A revista sugere que Bush tem manejado os últimos problemas num ambiente mais ou menos típico dos presidentes em segundo mandato: de equipes cansadas, idéias emperradas e com as fumaças do poder cada vez mais tóxicas.


A confiança em Cheney, que foi também conselheiro do George Bush pai durante sua presidência, ficou abalada com o indiciamento – seguido da renúncia – de I. Lewis Scooter Libby no caso do vazamento para a imprensa da agente da CIA Valerie Plame. O mesmo caso envolve Rove, ainda sob investigação do júri de instrução chefiado pelo promotor federal Patrick Fitzgerald. Já Card teve o prestígio reduzido por causa da reação da Casa Branca à passagem do furacão Katrina, no fim de agosto, e, principalmente, na atuação dele no episódio da nomeação e posterior desistência da advogada Harriet Miers para o cargo de juíza da Suprema Corte.


‘Todas as relações pessoais do presidente, exceto a dele com a primeira-dama Laura Bush, foram abaladas recentemente’, disse um funcionário à revista. A única assessora importante da Casa Branca que não perdeu prestígio com Bush é a secretária de Estado, Condoleezza Rice – que não lhe pode ser muito útil em termos de política interna.


‘Bush valoriza acima de tudo a lealdade’, prossegue a fonte da Time. E os principais conselheiros do presidente não se destacaram pela boa atuação na última semana, qualificada de ‘infernal’ pela revista.


EXIGÊNCIA DE DESCULPAS


O líder democrata no Senado, Harry Reid, disse ontem que Bush e Cheney devem desculpas ao país pelas ações de seus assessores Rove e Libby no caso de vazamento de informações. Ele acrescentou que Rove deveria renunciar ou ser demitido por seu envolvimento no caso.’




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‘Libby deve alegar esquecimento’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/10/05


‘Os advogados de Lewis Scooter Libby, ex-chefe de gabinete do vice-presidente americano, Dick Cheney, deverão recorrer na defesa dele perante a Justiça a uma tradicional estratégia quando o réu envolvido num escândalo é uma renomada personalidade: o esquecimento. Não se pode esperar que um funcionário categorizado do governo, imerso em seus importantes afazeres, possa lembrar-se de detalhes de conversas mantidas muito tempo atrás, argumentarão eles.


‘Causa-nos angústia o fato de que (o juiz) não tenha levado em consideração que o senhor Libby possa ter se esquecido de muitos aspectos do caso ao acusá-lo de declarações falsas’, lamentou o advogado Joseph Tate.


Libby foi acusado pelo promotor Patrick Fitzgerald de ter mentido várias vezes no caso da agente Valerie Plame que teve suas funções na CIA revelada publicamente. O juiz apresentou cinco denúncias contra o homem de confiança de Cheney, que em razão disso renunciou a seu cargo: uma de obstrução à Justiça, duas de perjúrio e duas de falso testemunho.


O nome da agente foi publicado num artigo de jornal em 2003, numa flagrante violação das leis federais. O marido de Valerie, o ex-diplomata Joseph Wilson, classificou a revelação da função da mulher dele de ‘ato de vingança da Casa Branca’. Wilson havia acusado o governo de ter forjado pretextos para invadir o Iraque.


O vazamento da identidade dela teria sido obra de Libby, que, segundo apurou o jornal The New York Times, teria recebido a informação de seu chefe, Cheney.


Segundo o juiz Fitzgerald, Libby disse ao FBI que ficou sabendo do cargo de Valerie pelo jornalista Tim Russert, da NBC. E depois comentou o fato com outros repórteres sem saber, ao certo, se a mulher de Wilson era uma espiã. ‘Essas afirmações dele eram falsas’, assegurou o juiz, ressaltando que Libby já havia conversado com diversos jornalistas sobre o caso antes de ter falado com Russert. ‘Quanto a Russert, nunca disse nada sobre Plame a Libby’, destacou o juiz.


Curiosamente, Fitzgerald não acusou o ex-assessor de Cheney pelo vazamento do nome da agente, o verdadeiro motivo das investigações de dois anos do júri de instrução. O juiz recusou-se a comentar esse fato.’




Veja


‘Mentiras em massa’, copyright Veja, 2/11/05


‘Numa história fenomenalmente complicada, alguns fatos são claros no caso que envolve Judith Miller, repórter-estrela do jornal The New York Times, e a encrenca em que membros do governo americano se meteram ao revelar a jornalistas, de maneira ilegal, a identidade de uma agente da CIA. Miller ocultou informações importantes, distorceu fatos e simplesmente mentiu à direção do jornal quanto a sua participação. Constrangeu colegas, humilhou seus superiores e colocou em posição embaraçosa aqueles que, de boa-fé, porém mal informados, lhe manifestaram apoio. Por isso, de pseudo-heroína da liberdade de imprensa, a mulher que passou 85 dias presa em defesa do direito de não revelar o nome do integrante do governo que lhe contara a identidade da agente (o agora enrascado assessor presidencial Lewis Libby), saiu da cadeia diretamente para a ignomínia.


Recebida gentilmente na porta da prisão por Arthur Sulzberger Jr., editor e representante da família que tem tinta do Times no sangue há quatro gerações, Miller foi desconstruída em poucos dias. Uma reportagem do próprio jornal recapitulou seus erros. Na origem de tudo, estão as matérias que escreveu antes e durante a invasão do Iraque. Disposta a dar o grande furo da época – a prova das armas de destruição em massa que o governo Bush atribuía ao regime de Saddam Hussein -, ela várias vezes anunciou a descoberta iminente do que se revelou inexistente. Quando o jornal fez um mea-culpa sobre os erros cometidos na cobertura, Miller empurrou a responsabilidade com a barriga. ‘Os analistas, os especialistas e os jornalistas que cobriram a questão das armas de destruição em massa – todos nós erramos. Se suas fontes erram, você erra’, alegou, para fúria de inúmeros colegas – é claro que jornalistas podem ser enganados por informantes mal-intencionados, mas faz parte de seu trabalho justamente detectar as armadilhas. As armas da discórdia também estão por trás do caso que agora incomoda simultaneamente o governo Bush e o Times: Libby, o assessor presidencial, disse a Miller e a outros jornalistas que o homem que havia contestado publicamente um dos braços da campanha anti-Saddam era casado com uma agente da CIA, Valerie Plame. O objetivo provável era desacreditá-lo. Miller não publicou nada a respeito no jornal (Por quê? Diz que ofereceu a matéria e a editora a rejeitou; mentira, proclama a editora). Quando o caso passou a ser investigado, foi intimada a declinar sua fonte. Recusou-se, no que parecia ser uma atitude nobre – enquanto mantinha nebulosas negociações com Libby via advogado e dava informações enganosas à direção do jornal. Presa por desacato à Justiça, ganhou aura de mártir para a direção do jornal, que lhe dedicou nada menos que quinze editoriais de apoio. Já os colegas se dividiam em duas turmas: os que, descrentes da natureza humana, achavam que estava usando a cadeia para reabilitar sua carreira e os que torciam para que não saísse de lá. No fim, a direção do Times fez a autocrítica com base na pedra fundamental do jornalismo: buscar a verdade, doa a quem doer. Nem que seja em si mesmo.’