Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Merval Pereira

‘O critérios éticos do deputado Roberto Jefferson continuam elásticos como seu estômago antes da operação, que lhe curou a obesidade mórbida mas não aplacou seu apetite. Mas não apenas ele tem flexibilidade moral, como se pode ver todos os dias nas sessões CPI, ou nas diversas comissões que analisam a ética na Câmara. É espantoso como se admitem mentiras com a maior desfaçatez. O próprio deputado, misto de acusado e acusador, já declarou que mentiu ao negar, da tribuna, um acordo em dinheiro com o PT que agora garante ter feito.

O ex-presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) Lídio Duarte e o ex-chefe de departamento dos Correios Mauricio Marinho, indicados pelo PTB para os cargos, negaram nada menos que declarações gravadas e filmadas.

Marinho, um ‘petequeiro’ segundo curiosa definição de Roberto Jefferson, assumiu a pecha de boquirroto e falastrão e, com a cara mais deslavada do mundo, garantiu que mentiu sobre sua participação em um amplo esquema de corrupção que estaria instalado nos Correios, sob a coordenação do deputado.

Já Lídio Duarte, que se queixara a um repórter da exigência ‘constrangedora’ de Jefferson de arrancar R$ 400 mil por mês do IRB para o PTB, ao saber que a conversa fora gravada, simplesmente disse que mentira ao repórter.

Também a maioria dos deputados e senadores membros da CPI dos Correios tremeu e se acovardou com a ameaça de Roberto Jefferson de provar que suas prestações de contas são tão mentirosas quanto as dele próprio. E preferiu fazer elogios ao acusado de decoro parlamentar, alguns chegando a dizer que ele estava prestando um grande serviço ao país ao denunciar os esquemas de financiamento de campanhas políticas.

Tudo nesse vergonhoso episódio parece levar à conclusão de que, se fosse possível, as coisas ficariam por isso mesmo, deixando claro para a opinião pública que todos são iguais entre si e, por isso, não há culpados, apenas uma legislação eleitoral impossível de ser cumprida. Como Jefferson quer demonstrar.

O próprio governo, ao tentar confundir as investigações com supostas culpas passadas do governo tucano, joga para igualar seus acusadores de hoje aos seus malfeitos, como se um erro justificasse outro. E como se não tivesse sido eleito para mudar hábitos e costumes políticos.

Participei na quinta-feira de um debate no GLOBO, em comemoração aos 80 anos de fundação do jornal, onde discutimos, o ex-assessor de imprensa de Lula Ricardo Kotsho, o colunista Jorge Bastos Moreno, o editor executivo do jornal, Luiz Mineiro, e eu, o relacionamento do governo com a imprensa. E um comentário de minha amiga Tereza Cruvinel no programa do Jô Soares mereceu nossa atenção.

Segundo ela, se ficar provado que existe mesmo o mensalão, terá sido a maior ‘barriga’ da imprensa brasileira dos últimos tempos. ‘Barriga’ é o nosso jargão para uma notícia errada ou uma falha de informação.

Discordei da afirmação de Tereza, ainda mais porque se ‘barriga’ houvesse, a maior teria sido a do esquema de corrupção do governo Collor, pois também naquela ocasião a imprensa, apesar de ouvir muitos boatos sobre a atuação de PC Farias, não publicou nada até que o irmão do presidente assumisse as acusações. A não ser que se prove, como o especialista no assunto Roberto Jefferson afirma, que esse esquema do PT é muito maior que o do PC.

Um esquema daquela magnitude – como o que parece ter sido montado agora -, ainda mais envolvendo diretamente o próprio presidente da República, não poderia ser denunciado sem que alguém de dentro, com a credibilidade dos cúmplices, transformasse os boatos em verdade.

Nesse caso do PT, com mais razão ainda. Quem, em sã consciência, mesmo não gostando do PT, poderia supor que o governo de Lula um dia estaria sendo acuado por denúncias de corrupção, e ainda por cima vindas exatamente de um deputado como Roberto Jefferson, conhecido defensor de Collor?

Denúncias e boatos sobre desvios petistas, e mesmo sobre o mensalão, eram ouvidos nos corredores do Congresso em Brasília, alguns antes mesmo da eleição. O acordo feito com o PL para que José Alencar viesse a ser o vice da chapa de Lula foi fechado na undécima hora, e os boatos diziam que o PT, já representado naquela negociação por Delúbio Soares, e Alencar tiveram que assumir o ‘financiamento’ de vários candidatos do PL, para consegui-lo.

Mas tudo parecia inverossímil até que alguém ‘de dentro’, avalizado pelo próprio presidente Lula, assumisse formalmente as acusações, sem provas, mas com detalhes que vão se confirmando a cada dia. Ainda hoje parece impossível que o governo do partido que tinha a ética na política como sua marca registrada esteja envolvido em esquema tão corrompido. E por isso a figura de Lula está sendo preservada, até mesmo pelos partidos oposicionistas, que misturam uma verdadeira vontade de manter o equilíbrio institucional com a satisfação mal disfarçada de destruir um mito político adversário.

Talvez a explicação para tudo o que parece ter acontecido esteja em uma frase relembrada por Jorge Bastos Moreno nesse mesmo debate. Lembrou ele que, logo após as denúncias contra o assessor do Gabinete Civil Waldomiro Diniz, flagrado apanhando propina do bicheiro Carlos Cachoeira para si e supostamente para campanhas políticas, o presidente do PT José Genoino cunhou a seguinte frase: ‘O erro pela causa o presidente aceita. O erro em causa própria, não’.

Este é um exemplo clássico de critério ético elástico, que gera um movimento descontrolado. Tudo pode ter começado ‘pela causa’, o que não justifica nada, e terminado em ‘causa própria’.’



Paulo França

‘O ministro Vidigal e o estado nazista’, copyright Direto da Redação (www.diretodaredacao.com), 4/07/05

‘Curiosa a insistência da repórter Florência Costa, da IstoÉ, em querer atribuir ao presidente Lula o ‘quase estado nazista’ declarado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, na matéria desta semana. E ele, a cada investida da repórter neste sentido, a desmentia. Não sou, nem de longe, petista, mas vejo a imprensa brasileira desesperada atrás de manchetes que façam aumentar suas vendas minguadas.

Graças à Internet, a maior invenção da comunicação depois da prensa de Gutenberg, muitos sites de jornalistas e cientistas políticos livres revelam que grande parte da imprensa brasileira está vendida. Revistas, jornais, rádios e tevês a soldo de partidos políticos. Quase todos também recebem seus ‘mensalões’. A IstoÉ mesmo acabou de ser acusada disso em relação à Schincariol. Veja, Folha e Estado de SP são claramente anti-Lula e pró FHC, ou anti PT e pró PSDB. Não deve ser pelos lindos olhos dos tucanos. O Jornal do Brasil é um nojo! Faz juízo de valor contra o Governo federal até em chamadinhas de primeira página em que é obrigado a reconhecer o bom desempenho na economia do país.

A população lê as manchetes, sim, comenta a corrupção dos políticos, mas também fala do interesse deste ou daquele jornal ou tevê no assunto. ‘Cada um fala uma coisa’, é a voz corrente nas ruas. Apregoar-se em bastião da moralidade com essas suspeitas de dinheiro por baixo dos panos. Tsc, tsc..! Quanto ao ‘quase estado nazista’, que apavora o ministro Vidigal, parece ser uma espécie de reclamação pública da categoria dos advogados à quantidade deles que a PF vem metendo no xadrez. Posam de bons moços, engravatados e arrogantes, no entanto, têm os pés sujos de lama. Tem advogado metido em tudo que é sujeira nesse país, e quando são descobertos e levados algemados à delegacia, reclamam! Ora, por que o pé-de-chinelo pode e o ‘doutor’ não? Aliás, nunca se viu tanto advogado, juiz e desembargador em cana. A sociedade está adorando!

Pelo andar da carruagem, é possível que jornalistas e donos de veículos de comunicação, que fazem da profissão e do meio uma forma de ganhar poder e dinheiro de forma imoral, acabem se juntando aos ‘doutores’ na cela. Tem um repórter de uma certa revista envolvido com um certo vigaristão e uma secretariazinha quase lá. Aí essa imprensa de balcão vai alardear: ‘Nem nos piores momentos da ditadura isso aconteceu!!!’

Como acabar com a corrupção se muitos que se dizem contra se beneficiam dela? Lembra a história do juiz de uma cidade do interior que de dia mandava prender as prostitutas e à noite as soltava, pois precisava delas em proveito próprio. Hipocrisia, Brasil!!!!!’



Florência Costa

‘‘Estamos vivendo um estado nazista’’, copyright IstoÉ, 6/07/05

‘Presidente do Superior Tribunal de Justiça desde abril do ano passado, Edson Vidigal, que também é jornalista, dá um grito de alerta: o Estado democrático de direito no Brasil está ameaçado. O alvo da preocupação do ministro do STJ – último degrau no Poder Judiciário para questões não constitucionais – são as recentes operações da Polícia Federal, com a invasão de seus agentes a escritórios de advocacia, onde recolhem documentos e computadores e até usam algemas em situações que muitos consideram desnecessárias. As investigações são pedidas pelo Ministério Público (MP) ao Poder Judiciário, que autoriza e desencadeia a ação da PF. Vidigal cobra mais cautela de todos e alerta para a utilização exacerbada e até ilegal de grampos telefônicos. Muitas vezes, o conteúdo dessas gravações é usado na fabricação de dossiês que são objeto de chantagem. Segundo ele, o Estado está perdendo o controle, e as idéias fascistas estão ganhando corpo.

ISTOÉ – Em operações recentes, agentes da PF têm invadido escritórios de advocacia. Há quem compare essas ações ao que acontecia no Estado Novo e na ditadura militar. Como o sr. vê essa situação?

Edson Vidigal – Estou preocupado porque o que estamos assistindo no Brasil nos induz à perplexidade. Não seria demais admitir que estamos a largos passos de um Estado nazista. O que eu vejo de mais perigoso é que esse totalitarismo já escapou ao controle do próprio Estado. Deveríamos estar em um Estado de direito democrático. Mas, aos poucos, o Estado está perdendo controle sobre ações nefastas, perigosas do crime organizado, que ao mesmo tempo se infiltra com idéias fascistas nas ações dos próprios agentes públicos.

ISTOÉ – O sr. está se referindo especificamente às ações da PF?

Vidigal – A PF não age por conta própria. Ela é apenas um instrumento do Estado a serviço do Poder Judiciário induzida pelo Ministério Público. É preciso que alguns agentes do MP procurem agir com mais cuidado nas requisições que fazem. E é necessário mais precaução por parte de alguns coleguinhas da magistratura ao aferir essas requisições. É temerário simplesmente deferir todo e qualquer pedido sem determinar a sua motivação, sem ver se esses terão eficácia para a investigação. Infelizmente, no Brasil nós começamos tudo pelo fim. Interceptação telefônica e quebra de sigilo bancário são providências extraordinárias que a lei defere em último caso, como checagem da prova testemunhal ou material. Mas estamos observando uma ação muito abusiva com relação a isso não só por parte do Estado, mas de setores privados organizados a serviço da chantagem e do crime. Isso é muito preocupante porque vemos que muitos direitos garantidos pela Constituição, pelo Estado democrático de direito, não estão sendo respeitados.

ISTOÉ – Com relação ao grampo telefônico, cada vez mais disseminado, há a utilização do conteúdo dessas informações para se realizar chantagens?

Vidigal – A chantagem do grampo acontece assim: por exemplo, um camarada da empresa telefônica que sabe chegar na linha recebe dinheiro por fora e faz o grampo. Tem muita gente ganhando dinheiro no Brasil com isso. Há também os grupos mais organizados que não precisam necessariamente das empresas telefônicas para ter acesso às linhas. Hoje, a coisa está mais sofisticada. Implantam-se aparelhos receptores, câmaras. Certa vez liguei para o dr. Tancredo Neves porque eu tinha uma informação para passar. Ele pediu que eu fosse correndo à casa dele. Eu até argumentei: ‘Mas, dr. Tancrredo, eu estou na Asa Norte. Preciso ir aí na Asa Sul (no plano piloto, em Brasília)?’ Aí ele me lembrou que tinha sido ministro da Justiça do Getúlio Vargas e desde então havia visto o que era possível fazer com o telefone: ‘Telefone é para marcar encontro.’ Anteontem (sexta-feira 24) estive com um juiz em São Paulo que me contou que estava sendo seguido e grampeado. Ele estava com um amigo no restaurante e de repente percebeu um flash. Olhou para trás e viu que uns homens o estavam seguindo, filmando e fotografando. Que Estado de direito democrático é esse?

ISTOÉ – O presidente Lula não é um democrata?

Vidigal – Isso não depende apenas da vontade pessoal de quem quer que esteja na Presidência da República. É o sistema. No regime militar havia o sistema, a linha dura, a linha mole. Isso me lembra o filme Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, em que há um personagem, uma figura oculta que manda em Alecrim, província do Estado de Eldorado, e comanda as operações de repressão. Podemos chamar isso novamente de sistema: não quer dizer uma coisa organizada, sob comando de um só. O Estado está se desorganizando no seu tecido, na sua burocracia. Isso começa a prejudicar a cidadania. A sociedade civil tem que se unir. Estamos vivendo uma nova e disfarçada ditadura. Estamos caminhando a passos largos para um sofisticado Estado nazi-fascista. E não vai precisar ter ditador com bigodinho. Não vai precisar ter as tropas SS (da elite do Exército nazista) desfilando porque isso tudo está aí infiltrado contra os direitos do cidadão, que são a honra, a privacidade, a liberdade. Os cidadãos têm o direito ao contraditório, o direito ao devido processo legal. Não podemos assistir a isso de uma forma passiva. Temos que nos indignar. A sociedade tem que cobrar isso porque o Estado está escapulindo ao seu controle.

ISTOÉ – Mas quando um juiz autoriza quebra de sigilo passa a ser uma ação legal. Na ditadura você recorria ao bispo se fosse o caso, hoje você recorre a quem?

Vidigal – Hoje precisamos recorrer ao Estado de direito, ao Judiciário. Precisamos cobrar e animar os nossos juízes para que eles não tenham medo. Que juiz hoje tem coragem de indeferir um pedido de quebra de sigilo bancário ou pedido de prisão? Logo que ele assume uma posição dessas ele passa a ser suspeito. Eu conheço magistrados da área penal que estão migrando para a área cível porque já não suportam as suspeitas que são levantadas contra eles. Isso é perigoso, um Estado de direito em que os magistrados já têm medo de decidir. Precisamos de segurança jurídica.

ISTOÉ – Essas investigações oficializadas também viram subproduto para dossiês?

Vidigal – Sim, porque se transformam em matéria-prima para dossiês. Eu tenho informações, mas preciso comprovar isso, de que existem escritórios especializados em elaboração de dossiês com o objetivo de chantagear as pessoas. Só espalhar o boato destrói um pouco a credibilidade, especialmente se a pessoa é um agente público, exerce uma função de autoridade, ou se é um profissional respeitado.

ISTOÉ – A sociedade tem a percepção de que a corrupção e a impunidade são muito grandes. Esse tipo de ação acaba tendo aprovação popular diante dessa circunstância, não?

Vidigal – Nós não vamos responder à perplexidade da sociedade admitindo abusos, ações perversas contra os direitos constitucionais das pessoas. Quando o Estado de direito democrático assegura o direito à defesa do acusado, não é para que ele, comprovadamente culpado, seja inocentado. É para que ele possa ter o direito a pena justa, se ele for culpado. Para que ele não pague nem menos nem mais. É direito de todo acusado ser julgado presumidamente inocente até o trânsito final da sentença condenatória. No Brasil, hoje, nós começamos a ver uma inversão: todo cidadão é em princípio culpado. Todos somos suspeitos.

ISTOÉ – Esse processo o sr. vem detectando há tempos?

Vidigal – Sim. Estamos precisando fortalecer o Estado de direito, que passa inicialmente pela moralização dos costumes políticos. Nós precisamos de uma faxina. Não é cassar dois ou três. É botar para fora, escorraçar 50, 60, 80, quantos ali estejam no exercício indevido de um mandato obtido de alguma forma malandra. É preciso que nós canalizemos esse momento de indignação da sociedade, não contra o regime, mas para fortalecê-lo, enfrentando a impunidade. O Congresso Nacional está desafiado porque no ponto a que chegamos hoje a opinião pública se coloca contra o Legislativo, já desconfia do Judiciário. Amanhã não vai mais confiar no Poder Executivo. Meu Deus do céu, para onde nós iremos? Então, esse aqui é um grito de alerta que vem de uma geração que já conheceu o que é uma ditadura.

ISTOÉ – Não é incoerente dizer que o País precisa de uma faxina e, ao mesmo tempo, que há desmando em relação à limpeza que está sendo feita pela PF?

Vidigal – Não. Estou sustentando que tudo há que ser feito dentro dos princípios e das garantias constitucionais. E que quem abusou de poderes possa responder criminalmente.

ISTOÉ – Podemos chegar a um impasse político, uma crise envolvendo as instituições, os poderes da República?

Vidigal – Se o presidente Lula não fosse um democrata, nós teríamos todo um caldo preparado para uma chavização, uma fujimorização. Ou seja, o descrédito e a desmoralização das instituições. Então, é por isso que temos de correr na frente e salvar o crédito e a moral das instituições, botando para correr também os amorais, os imorais, os desonestos, os indecentes, os que estão querendo achar que a vida pública é um grande meretrício.

ISTOÉ – Durante os escândalos Collor se falava que o Brasil estava se depurando. A gente não evoluiu nada?

Vidigal – Não evoluiu nada porque nós cuidamos só de pessoas, não da estrutura, que continua a mesma: comissão de orçamento, emenda parlamentar. Tem que investigar isso tudo. Eu vejo que está tudo muito frágil. As pessoas em Brasília estão muito acomodadas. É preciso ouvir o País.

ISTOÉ – O sr. concorda com o argumento do PT de que haveria uma tentativa de golpe das elites?

Vidigal – Não. O que temos são grupos criminosos organizados. Já estão falando até que essa grana do mensalão está vindo de paraísos fiscais, né?

ISTOÉ – Então, evitar esse tipo de coisa não depende da figura do presidente?

Vidigal – Não, o presidente precisa ser líder. O País precisa de um projeto de nação e precisa de um líder que possa conduzi-lo com firmeza.

ISTOÉ – O sr. acha que o presidente Lula tem exercido esse papel?

Vidigal – Na minha avaliação pessoal, com todas as dificuldades que as condições sociais, políticas e as deficiências do mundo circundante impõem, ele tem se esforçado. Mas não dá para ficar só em Brasília.

ISTOÉ – Ele viaja bastante.

Vidigal – Eu também. Tenho viajado muito pelo Brasil e percebo que cada vez que eu saio pensando que a solução que está na minha cabeça é a ideal eu volto com outra. Então é importante andar, ouvir, ouvir críticas, ser tolerante às críticas.

ISTOÉ – Ele está muito fechado?

Vidigal – Não, o sistema de governo é que é muito fechado, o Executivo.

ISTOÉ – Mas o Judiciário também não é muito fechado?

Vidigal – O Judiciário já foi muito fechado e menos transparente. Hoje está mais aberto. As providências indicadas pela reforma do Judiciário dão pequenos passos à frente. É melhor do que se fossem passos para trás.

ISTOÉ – Agora se fala em reforma política, que a cada crise vem à tona. Mas a reforma atual não é um arremedo?

Vidigal – Um arremedo e um casuísmo porque não dá resposta. Essas questões teriam que ser mais debatidas pela sociedade. Não podemos fazer uma democracia para alguns. Temos que ir à raiz de tudo, que é o financiamento da campanha eleitoral. Cada partido que ganha a eleição tem o seu mala-preta.

ISTOÉ – O sr. defende o financiamento público das campanhas?

Vidigal – Não apóio o financiamento público porque ele será uma mentira. Um país que tem um orçamento contingenciado, que tem pouco para manter o custeio da máquina, que não tem quase nada para investimento, vai poder tirar R$ 7 por eleitor, para depois dividir pelos partidos políticos? Que partidos são esses? O importante é que não fiquemos na mesmice, achando que tudo deve ficar como está.’



Carlos Heitor Cony

‘Tempo de supositórios’, copyright Folha de S. Paulo, 4/07/05

‘Depois da roda e da pólvora, a maior descoberta do gênio humano deve ser creditada à mídia do nosso tempo. Não chega a ser um supositório como queria o romancista Campos de Carvalho, mas coisa parecida: o adjetivo ‘suposto’. Serve para livrar a cara de qualquer comunicador de rádio, TV ou jornal. Ele se obriga a comunicar o que julga ser necessário, mas tira o corpo fora, apelando não para o supositório, mas para o suposto, tornando a comunicação uma suposição.

Detalhes mais simples, como a queda de um armário na casa do deputado Roberto Jefferson, transformam-se numa suposição com receio de possível desmentido ou processo penal. Ao mesmo tempo, o adjetivo ‘suposto’ absolve a mídia da acusação que lhe é feita: a de crucificar supostos inocentes ou supostos criminosos até que a Justiça, em instância final, dê uma sentença que geralmente é a soma de várias suposições.

No limite, teremos a previsão do tempo comunicada com a possibilidade de estar errada e aí teremos a suposição de chuvas e trovoadas para o dia seguinte, supondo que haja um dia seguinte, pois nada é certo neste mundo -e Machado de Assis garantia que ‘tudo é possível’, o que era uma afirmação, não uma suposição.

Outros tempos, sem dúvida, os de Machado. Curiosamente, ele criou uma suposição que até hoje é discutida nos meios acadêmicos: Capitu traiu ou não traiu o marido? Em momento algum ele falou em suposto adultério, deixando a suposição para a posteridade. Mestre é para essas coisas.

O mais engraçado é que o uso do ‘suposto’ tem o mesmo efeito devastador da coisa afirmada. Se eu acusar o Roberto Jefferson de saber onde estão os ossos de Dana de Teffé, posso ser processado. Se comunicar à plebe que ele supostamente sabe onde estão os supostos ossos de Dana de Teffé, estarei comprometendo de igual forma o deputado e os ossos, que -estes sim- são uma suposição.’