Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá


‘No meio da tarde, entram os canais de notícias:


– Mais uma rebelião.


Depois, na primeira manchete do Jornal da Record:


-Mais uma rebelião.


E do Jornal Nacional:


– A violência repetida.


Já nem é notícia, mas rotina. Só a persistência contra o horror explica as manchetes nos telejornais e sites.


A Folha Online detalhou a crueza do motim, com ‘três reféns’ e um ferido ‘a facadas’. O estopim da rebelião, tal a rotina, foi prosaico:


– O clima piorou porque, durante uma revista, foi danificado o artesanato produzido para o Dia das Mães.


Na ‘temporada de rebeliões’, o governador Geraldo Alckmin foi a Brasília, para articulações. De volta, reclamou ao SPTV que ‘tem muita gente para criticar e pouca para ajudar’.


Não era, mas bem que podia ser referência ao presidente da Febem, Alexandre de Moraes, que também foi a Brasília para as articulações.


Segundo a Jovem Pan, ‘PFL e PSDB se aliaram a Severino e aprovaram seus apadrinhados aos conselhos de Justiça e do Ministério Público’.


O JN ecoou que eles ‘se uniram a Severino’ e emplacaram o presidente da Febem e o ‘apadrinhado de Severino’. E agora vão ambos, explicou, ‘fiscalizar o Judiciário’.


Aliás, pelo relato do SPTV, ‘Alexandre ainda não sabe’ se vai continuar na Febem ou se dedicar só ao ‘controle externo do Judiciário’.


AFRO-ARGENTINOS


O site do ‘Clarín’ voltou ontem ao futebol, mas manteve o conflito Brasil/Argentina. Após a extensa cobertura sobre racismo no caso Grafite, o assunto agora era o técnico argentino do Corinthians, jogado ‘contra as cordas’. Em destaque, a enquete:


– Fazem bem os argentinos ao escolher como destino o futebol brasileiro?


Para 81% dos internautas, ‘não’.


Com o caso Grafite, o novo correspondente do ‘Washington Post’ na América Latina, Monte Reel, baixou em Buenos Aires atrás de ‘um dos maiores mistérios do país’: onde foram parar os 30% de negros que havia na cidade no século 19. As ‘hipóteses’ falam em febre amarela, Guerra do Paraguai, mas o ‘WP’, lembrando que a Argentina não levanta ‘ascendência africana no censo há mais de século’, descobriu:


– Os resultados parciais de uma pesquisa sobre quantos argentinos se dizem negros, somados à análise de amostras de DNA para detectar ancestrais africanos nos que se dizem brancos, sugerem que os afro-argentinos não sumiram: eles se esvaíram na mistura de raças e se perderam na demografia.


Em suma, ‘10% são em parte descendentes de negros mas não têm idéia disso’.


‘Estar juntos’


Vem Severino e, após encontro com Lula, diz à TV:


– Há uma consciência, entre ele e eu, de que nós temos que estar juntos.


Ato contínuo, o ‘apadrinhado’ de Severino rompe acordo e fecha com a oposição. E mais, na Globo News:


– Severino indicou a relatoria do salário mínimo para o PFL, que deve sugerir aumento superior ao do governo.


‘Vamos ajudar’


Tem mais. Após encontros com Lula, Michel Temer convocou a direção do PMDB ‘de um dia para o outro’, segundo o governista Renan Calheiros, e aprovou sua permanência como presidente. E saiu dizendo aos canais de notícias:


– Não houve apunhalamento nenhum. Não significa que nós vamos fazer oposição radical aqui, pelo contrário, vamos ajudar o governo.


‘FIQUEM TRANQÜILOS’


Antes que termine a semana, registre-se que o ‘La Vanguardia’, de Barcelona, traduzido no UOL, cobriu a despedida de d. Pedro Casaldáliga em São Félix do Araguaia. Dele, no ‘adeus emocionado’:


– Quando vou embora? Fiquem tranqüilos, o velho bispo fica até seu enterro.


E saiu a elogiar o sucessor, um franciscano.’



FSP ABSOLVIDA


Folha de S. Paulo


‘Em 2002, jornal identificou vítima como criminoso’, copyright Folha de S. Paulo, 6/05/05


‘A Folha foi absolvida pela Justiça em uma ação cível por danos morais movida pelos familiares de José Alves de Lima, 49. Lima foi morto por uma bala perdida durante tiroteio entre vigilantes de um carro-forte e assaltantes, em 18 de dezembro de 2002, na estação de trem da Lapa, na zona oeste de São Paulo.


A decisão é de primeira instância e a família de Lima já entrou com recurso, que está sendo analisado pelo Tribunal de Justiça.


Em reportagem do jornal ‘Agora’, reproduzida pela Folha no dia seguinte ao do tiroteio, Lima foi apresentado como sendo um dos assaltantes mortos. Na verdade, ele passava pelo local no momento do tiroteio e foi atingido.


O jornal ganhou a ação em primeira instância, pois a família de Lima entrou com a ação após expirar o prazo de 90 dias estipulado na Lei de Imprensa.


A informação de que Lima era um dos ladrões mortos partiu de policiais que estavam na delegacia. Mas, segundo o BO nº 9260/ 2002, registrado na mesma delegacia, Lima consta como vítima. Além dele, morreram o vigilante Elias Teodósio Gomes e o assaltante Edson Batista Moraes.


No relatório do investigador José Arnaldo Alves Vieira, que estava de plantão no hospital da Lapa -onde as vítimas fatais foram atendidas-, Lima foi identificado como um dos ladrões.


No relatório de Vieira consta que foram ‘três vítimas fatais’. O vigilante Elias Teodósio Gomes e o assaltante Edson Batista Moraes são identificados inicialmente. O policial descreve a terceira vítima como ‘desconhecido, branco, 40 anos de idade, trajando camisa branca, calça jeans, sapato marrom. (ladrão)’. No último parágrafo do histórico do relatório, o investigador afirma que o ‘nome do elemento que figura como 3ª vítima é José Alves de Lima’.


O processo criminal sobre o tiroteio tramita na Justiça, no 5º Tribunal do Júri.’



60 ANOS DA 2ª GUERRA


Arthur Dapieve


‘Últimos momentos’, copyright O Globo, 6/05/05


‘Comemora-se domingo o 60 aniversário do Dia V-E, o da vitória aliada na Europa, com a rendição incondicional da Alemanha nazista. A data motiva a estréia, hoje, em circuito nacional, de um polêmico filme alemão, ‘A queda! Os últimos dias de Hitler’ (‘Der Untergang’, 2004), dirigido por Oliver Hirschbiegel e estrelado por Bruno Ganz.


A polêmica é sadia mas, creio, se dá em torno de uma falsa questão: segundo uma facção da crítica, a assombrosa incorporação de Ganz por Hitler, ao humanizar o ditador, atrai a compaixão do espectador. Equívoco imediato desta acusação: só alguém na mais perfeita ignorância do mal que Hitler e seus acólitos fizeram poderia sentir dó.


O filme não omite nada. Embora passado nos últimos 19 dias do Terceiro Reich, embora ambientado em Berlim, em torno do bunkerde Hitler, ‘A queda’ (vou-nos poupar do ponto de exclamação) fala do ódio misantropo, do desprezo pelos eslavos, do extermínio dos judeus. Os 50 milhões de mortos da Segunda Guerra estão ali, vagando entre as ruínas.


Os nazistas de ‘A queda’ repetem, arrogantes, que não se deve sentir compaixão pelos fracos, pelos inferiores. No caso em tela, porém, são eles próprios os fracos e os inferiores, é deles que não podemos sentir pena. Pois a queda do título brasileiro – o original Untergang significa ‘ocaso’ – tem um sentido moral, além do histórico.


Quanto à humanização do Führer , vegetariano, abstêmio, não-fumante, amante de pastores alemães e crianças arianas, ela é fiel aos fatos e necessária. Se Hitler fosse um monstro, nada teríamos a aprender com ele. Seu mal seria neutralizado, banido do gênero humano, e não teríamos mais que nos preocuparmos com o seu ressurgimento, sob a mesma ou sob outras faces. Portanto, crer no Hitler monstro é o melhor que podemos fazer por suas viúvas, que estão aí, como atestam as manifestações anti-semitas sempre que se lembra Auschwitz. Como se o Holocausto dissesse respeito somente aos judeus.


Para os cristãos, sem a face humana, as boas novas de Jesus estariam perdidas. Para todos nós, sem a face humana, a mensagem apocalíptica de Hitler tornaria-se indecifrável. Também nesse sentido, Hitler é um anticristo. Entretanto, sendo ele humano, não é o único. Outros existiram, outros virão. ‘A queda’ deixa isso claro. Diferentemente do que diz o subtítulo nacional, o filme não cobre ‘os últimos dias de Hitler’ apenas, mas também os oito subseqüentes, que vão do seu suicídio, a 30 de abril de 1945, à rendição da Alemanha.


Tal período de sobrevivência do Terceiro Reich a Hitler é uma prova eloqüente de que ele não estava só. ‘Não forçamos o povo alemão a nada’, diz seu sucessor, o ministro da Propaganda, Goebbels (Ulrich Matthes). O diretor Hirschbiegel povoa o filme de personagens, como a filicida Sra. Goebbels (Dorinna Harfouch), a secretária-narradora Traudl Junge (Alexandra Maria Lara) e o jovem hitlerista Peter Kranz (Donevan Gunia), que ilustram a complexa trama de lealdade e fanatismo do Volk , cúmplice de sua desgraça.


Passados 60 anos do suicídio de Hitler, às vezes se tem a impressão de que todos os alemães vivos entre 1933 e 1945 eram antinazistas. Isso torna assistir a ‘A queda’ ainda mais importante. Como seria importante a tradução, no Brasil, do livro ‘La vie à en mourir – Lettres de fusillés 1941-1944’ (Tallandier Éditions, 2003, 368 páginas, 21 euros).


Como a França de hoje também pode nos sugerir que todos os cidadãos foram membros da Resistência na época da Ocupação alemã, o livro é um perturbador lembrete de que alguns cidadãos de fato foram membros da Resistência – e pagaram com a vida por isso. Ele é composto de 120 cartas selecionadas e comentadas pelo historiador Guy Krivopissko. Quando as escreveram, sem tremer, frisam alguns, os autores estavam a instantes de serem fuzilados ou pelos alemães ou pelo governo colaboracionista de Vichy.


Vê-se logo que ‘La vie à en mourir’ e ‘A queda’ têm isso em comum: tratam de últimos momentos. Os dos resistentes franceses são verdadeiramente comoventes, a tal ponto que a leitura sistemática do livro se revela insuportável. É coisa para ser lida aos poucos, meio ao acaso, a partir do prefácio emocionado de François Marcot. ‘Essas cartas figuram entre os mais fortes testemunhos que a escrita humana nos legou. (…) Essas últimas cartas se dirigem a nós porque elas narram a vida desses homens e dessas mulheres, que se encontravam então face à morte, palavras de homens sobre a vida do homem.’


Tão tocantes nas cartas quanto os patrióticos ‘Vive la France!’ são as preocupações com os sobreviventes: não chore por mim, arranje um outro bom homem como marido, entregue meus pertences a fulano, não brigue com sua irmã, diga a nossos filhos quem fui. Soam como as palavras do sindicalista comunista Henri Barthélemy, fuzilado pelos alemães a 22 de outubro de 1941, no campo de Choisel, endereçadas à sua companheira:


‘Minha querida Yvonne, esta carta é a minha última. Eu vou morrer com 29 camaradas. Tenho apenas alguns instantes por viver. Guardo até o fim uma boa lembrança de ti. Tem coragem. Eu tenho. Nós combatemos pela boa causa. Ela triunfará. Eu te beijo. Meus melhores pensamentos para todos os amigos. Adeus, Yvonne. Adeus, Barthélemy.’


Hitler nos fala, ainda hoje, de desespero. Os resistentes franceses, de esperança.’