Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá

‘E a ‘Vanity Fair’ furou o ‘Washington Post’.


O jornal ainda resistiu até o início da noite. Bob Woodward e Carl Bernstein insistiam em ‘não negar negando’ -em um ‘non-denial denial’, na ironia dos blogs, ontem, com a expressão que a dupla celebrizou nos anos 70.


No site do ‘WP’, o enunciado do caso durante todo o dia foi ‘Vanity Fair: ex-funcionário do FBI diz ser Garganta Profunda’. Os blogs do próprio ‘WP’ questionavam a revista.


Mas veio a noite e um dos repórteres, que continua no ‘WP’, entregou de vez e virou manchete:


– Woodward confirma que Felt é Garganta Profunda.


A abertura da reportagem, em que o jornal falou de si mesmo na terceira pessoa:


– O ‘Washington Post’ confirmou hoje que W. Mark Felt, ex-número 2 do FBI, era Garganta Profunda, a fonte secreta que deu informações que ajudaram a solucionar o escândalo Watergate e contribuíram para a renúncia do presidente Richard Nixon.


A abertura da reportagem da ‘Vanity Fair’, antes:


– Apesar de três décadas de especulação, a identidade de Garganta Profunda nunca foi revelada. Aos 91, W. Mark Felt admite aquele papel anônimo e histórico. Em exclusiva, John D. O’Connor dá nome e cara a um dos heróis da democracia americana.


Nem tanto, para o ‘WP’. Em sua reportagem:


– Woodward disse que Felt ajudou o ‘Post’ num momento de relações tensas entre Casa Branca e hierarquia do FBI. A invasão de Watergate ocorreu logo após a morte do diretor J. Edgar Hoover -e Felt e outros queriam um veterano do FBI para o lugar. Felt tinha esperança de que seria ele próprio, mas Nixon escolheu um ‘insider’ de seu governo.


Em suma, Felt não é ‘herói’ coisa nenhuma. Não conseguiu um cargo e entregou a cabeça do presidente.


Enfim, fez com Richard Nixon o que sempre se especulou que J. Edgar Hoover, seu ‘mentor’, esteve perto de fazer -ou fez- com John Kennedy.


Mas fica no ar uma dúvida: se W. Mark Felt falasse ao ‘WP’ e não à revista ‘Vanity Fair’, ele não seria herói também para Bob Woodward?


A ECONOMIA DESACELERA


Por falar em cargos e presidentes com problemas, na escalada de manchetes do ‘Jornal da Band’:


– Denúncias de corrupção nos Correios derrubam a aprovação do governo Lula.


Fosse só a CPI e Lula poderia seguir com a conversa de que é onda da oposição. Mas não, na primeira e retumbante manchete do ‘Jornal Nacional’:


– A economia brasileira desacelera.


Para Paulo Skaf, da Fiesp, na Folha Online, ‘o péssimo desempenho se deve às altas taxas de juros’. Para Aloizio Mercadante, na Globo Online, ‘o Banco Central abusou’. São ambos próximos do presidente.


E agora até Lula, segundo o ‘JN’, se ‘preocupa’.


Em risco


O ‘New York Times’ dedicou seu terceiro editorial de ontem ao Brasil. Sob o título ‘A Amazônia em risco’, citou Chico Mendes, Dorothy Stang e Marina Silva, em contraste com a ‘ameaça maior’ -a soja no Mato Grosso do governador Blairo Maggi, novamente dado por vilão. Mas o apelo do ‘NYT’ foi para Lula:


– O carismático presidente do Brasil precisa persuadir a si mesmo e à oligarquia agrícola que a floresta tropical não é uma commodity a ser explorada para lucro privado.


Massivo


O ‘Miami Herald’ noticiou o ‘ataque massivo’ do Brasil ao contrabando na tríplice fronteira, com 4.500 soldados. Como queriam os EUA.


Nova batalha


O presidente do BID confirmou sua saída. E o site do ‘Wall Street Journal’ lançou novo nome na corrida pela vaga, que já tem brasileiro. É o mesmo mexicano que perdeu na OEA, apesar do apoio dos EUA.’



***


‘O que fazer’, copyright Folha de São Paulo, 31/05/05


‘No dizer do ‘Jornal Nacional’, Lula ‘passou o dia avaliando o tamanho da crise’ e ‘o que fazer’.


Pelo jeito, até o fechamento, ele não sabia. Na vaga descrição da Globo:


– Disse aos ministros e líderes que não teme a CPI, mas não quer ver a comissão virar palanque eleitoral. A recomendação é encarar a CPI.


‘Encarar’ não quer dizer grande coisa, mas seja o que for vai ocorrer ‘primeiro na Comissão de Constituição e Justiça’ -e depois ‘vão brigar pelo comando da CPI’.


No Congresso, as coisas pareciam mais claras, por conta do presidente do Senado, Renan Calheiros.


Sem o acordo entre governo e oposição para definir presidente e relator da CPI, ele promete encaminhar a disputa ‘no voto’ e, segundo o ‘JN’:


– O presidente eleito da CPI indica o relator. E o governo tem maioria para ficar com os dois.


Na manchete da Folha Online, escancarando logo o que disse Calheiros:


– Governo pode controlar a CPI dos Correios.


Com ou sem o relator, os partidos de oposição já indicaram representantes e dois nomes garantem a emoção para os próximos meses:


– No PDT, a vaga é de Jefferson Perez. No PSOL, de Heloísa Helena.


Lula ‘passou o dia’ na crise, mas da boca para fora, no ‘Café com o Presidente’, o discurso foi outro. Um trecho na Globo, Jovem Pan etc.:


– Quem tiver torcendo pelo fracasso do Brasil quebra a cara.


Era ‘um recado à oposição’, segundo o ‘JN’.


BOCA X RIVER


‘Lula se confessa’, anunciava um sobretítulo no site do ‘Clarín’, seguido do título ‘Hay que tener bolas para bancar a los argentinos’.


Era a versão em espanhol, feita pela correspondente em São Paulo, de uma frase de Lula citada por Fernando Rodrigues na Folha. Começou então uma longa e hilariante discussão, no mesmo ‘Clarín’ e também no concorrente ‘La Nación’:


– Una posible interpretación es que el término ‘saco’ es vulgar y se podría traducir al español como ‘bolas’… en portugués es una especie de voz popular para ‘paciencia’.


Ah, bom.


E o tema no fim foi atropelado pelo corte de Ronaldo do jogo contra a Argentina, anunciado por Carlos Alberto Parreira. Segundo o ‘JN’, ‘foi uma surpresa’ para o jogador. Do próprio:


– É, ele deixou claro que não seria punição, mas que eu não precisava me apresentar.


De imediato, as páginas iniciais de ‘Clarín’ e ‘La Nación’ destacaram a notícia, com foto, sublinhando que, ‘no último choque, Ronaldo marcou três gols’. E que, para o seu lugar, ‘o técnico convocou Grafite’, aquele mesmo.


Meio a meio


Geraldo Alckmin e José Serra dividiram com régua o programa eleitoral do PSDB, ontem em rede estadual.


Antes mesmo da propaganda, lá estavam os dois, o primeiro ao vivo com José Luiz Datena na Band, o segundo no SPTV. Datena perguntou se Serra ‘pode mudar’ de idéia e sair para presidente. Resposta:


– Não creio que vá mudar, não.


Segunda batalha


Finda a disputa na Organização dos Estados Americanos, EUA e América do Sul iniciam a ‘batalha’ pelo comando do Banco Inter-americano de Desenvolvimento.


Era o que diziam ontem duas reportagens no ‘Financial Times’. De um lado está a candidatura do brasileiro João Sayad. Do outro, a do embaixador colombiano nos EUA, apoiado por Washington.


DO TEXAS


‘O salvador texano da Amazônia’


A agência Reuters mandou correspondente para Santarém. A AP, para Tucurape. Ambos despacharam longas reportagens sobre o desmatamento da Amazônia e o asfaltamento da BR 163, de Cuiabá a Santarém. Um dos títulos:


– Asfalto traz progresso, mas o que mais?


Dias atrás, também sob impacto dos números, a ‘Economist’ fez longo perfil de John Cain Carter, ‘rancheiro americano’ que se estabeleceu no mesmo Mato Grosso do desmatamento. Ele é ‘a força por trás da ONG Aliança da Terra, que quer ser a ponte entre produtores e ambientalistas’, com incentivos comerciais e outros para quem não queimar a floresta.’



INTERNET


Robson Pereira


‘Sua vida na tela do computador ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 1/06/05


‘O bilionário mercado de informações pessoais pela internet ganhou novos personagens nas últimas semanas com o lançamento de uma dupla de peso, ZabaSearch e ZoomInfo, nomes simpáticos para serviços polêmicos e que ainda vão dar muito o que falar. Ambos lidam com um bem valioso no mundo digital: dados pessoais – os seus, os meus, os de qualquer um, vendidos como matéria-prima preciosa para objetivos nem sempre confessáveis.


São os mais recentes, mas não são os únicos nem serão os últimos. Tem mais gente se preparando para entrar num mercado que rende incontáveis batalhas judiciais, dor de cabeça para o cidadão comum e dólares em cascatas para as partes envolvidas. É mais lenha na fogueira que arde desde o início do ano, com a descoberta de que milhões de pessoas de vários países tiveram dados pessoais roubados por quadrilhas especializadas. Em plena era digital, roubo de identidades, é bom que se diga, é o crime de maior crescimento no mundo.


O ZabaSearch (www.zabasearch.com) é uma poderosa ferramenta de buscas de informações pessoais dispersas em centenas de bases de dados espalhadas pela internet. E faz isso com extrema competência. Junta, organiza e entrega de bandeja dossiês completos sobre qualquer um para quem estiver disposto a pagar por isso. Facilita o trabalho de muitos, indivíduos ou empresas, mas expõe perigosamente a privacidade e a segurança física de milhões de pessoas.


O serviço foi lançado oficialmente no início do mês passado em duas versões. A mais simples, gratuita, limita-se a fornecer ‘dados básicos’, como nome, endereço, telefone, e-mail e pouca coisa mais. Quem quer e precisa de informações mais completas tem de pagar por elas. O pacote ‘premium’, por exemplo, inclui relatórios bancário e comercial, eventual ficha criminal, endereços residenciais e do trabalho, números de telefones (mesmo que não estejam na lista da operadora), data de aniversário, licença de motorista, número do seguro social, fotos da família e até da própria casa. Pode ser divertido e útil, desde que não sejam suas as informações expostas ali.


Os criadores do serviço, alegam que os dados disponibilizados pelo ZabaSearch são de domínio público e foram coletados legalmente por agências governamentais, cartórios, tribunais, bolsas de valores ou colocadas à disposição de qualquer um pelo próprio interessado. Entendem as críticas contra a exposição de tantos pessoais na internet, mas acham que o perigo não desaparece simplesmente impedindo serviços como esses. Não deixam de ter razão quanto a isso.


Outro estreante neste mercado é o ZoomInfo (www.zoominfo.com), uma ferramenta que pesquisa e organiza currículos e outras informações sobre pessoas ou empresas. A diferença para os demais serviços do gênero está na possibilidade de se editar os perfis, dando ao usuário a chance de escolher como quer aparecer na internet, seja pelo ‘retoque’ de possíveis informações embaraçosas ou simplesmente destacando algo que possa melhorar a sua imagem no mundo digital. Para os inescrupulosos, vale tudo, até mesmo a inclusão de uma falsa especialização em física quântica.


O serviço já nasceu grande, com mais de 26 milhões de perfis. Alguns sumários, trazem, além da identificação completa, experiência profissional, relacionamentos comerciais e outras informações típicas de um bom currículo. Os responsáveis pelo serviço asseguram que um perfil bem construído no ZoomInfo é capaz de colocar qualquer um nas primeiras posições das ferramentas de busca mais utilizadas na internet.


Assim como o ZabaSearch, o ZoomInfo não possui (ao menos por enquanto) o seu próprio banco de dados e faz uso apenas de informações tornadas disponíveis por diversas fontes públicas. Em princípio, poderiam ser encontradas por qualquer um em serviços de buscas já existentes, como Yahoo, Google ou Lycos, entre outros. Sua principal contribuição, nesse caso, é reunir tais informações e fornecer as ferramentas que permitem a atualização dos dados. O serviço também oferece versões gratuita e paga. Com uma, é claro, conseguem mais e mais combustível para a outra.


LIVROS NO CELULAR


Pode não ser a solução definitiva, mas é um passo à frente na tentativa de se tornar menos desconfortável a leitura de textos na minúscula tela de um celular. Pesquisadores da Sanford University, nos Estados Unidos, desenvolveram uma técnica que funciona como uma espécie de streaming para texto, algo bem comum na distribuição de áudio e vídeos pela internet. Enquanto você lê uma parte do texto, outros pacotes são baixados sem que você perceba.


Com o novo sistema as palavras vão aparecendo uma a uma na tela do celular, enquanto o usuário usa parte da memória neurológica para ‘juntá-las’ e formar as palavras. A velocidade de leitura é controlada pelo próprio usuário. De acordo com os pesquisadores de Sanford, é possível ler de 400 a 500 palavras por minuto com o novo sistema.


Quem testou garante que dá para ler de jornais a livros na minúscula tela do celular, sem o incômodo de usar as teclas do aparelho para subir ou descer o texto ou mesmo virar a página que se está lendo. Desde a semana passada, o serviço está em teste no endereço www. buddybuzz.net, com cerca de 900 artigos, distribuídos todos os dias pelo telefone celular.’



Andre Kischinevsky


‘O fim dos objetos’, copyright O Globo, 31/05/05


‘Comenta-se sobre o uso cada vez maior de dispositivos móveis e em uma firme tendência para o desenvolvimento de palmtops, celulares, livros e computadores cada vez mais leves e portáteis. No entanto, a longo prazo, essa é uma visão equivocada. Apostar na evolução linear dessa tecnologia é um erro. Em menos de vinte anos todos esses equipamentos estarão extintos. Os aparelhos não serão cada vez menores, mais rápidos, leves e coloridos. Eles deixarão de existir.


No futuro, esses dispositivos serão softwares. Serão programas de computador e não máquinas. Para adquirir um novo palmtop, e-book ou relógio vai baixar pela internet um programa. Os novos engenheiros serão programadores e os objetos virtuais dividirão o espaço com objetos físicos. Se você acredita que um e-book do futuro será uma folha de papel eletrônico, repense. Os e-books existirão, mas serão inteiramente virtuais. Serão objetos de software. Assim como os aparelhos de televisão, de som e até mesmo os produtos nas prateleiras do supermercado.


Nas próximas décadas, a interface do mundo virtual será integrada a três de nossos sentidos: visão, audição e, parcialmente, ao tato. No início, usaremos óculos especiais, transparentes, e veremos o mundo com complementos virtuais. Você poderá olhar para uma parede e ver a tela de uma TV ou para sua cabeceira e ver um despertador virtual. Aos poucos, as lentes se tornarão mais integradas ao nosso corpo. O mesmo ocorrerá com fones de ouvido e dispositivos para simular o tato. Você não precisará carregar um computador portátil como conhecemos hoje. Seus sentidos estarão permanentemente conectados à internet.


Imagine-se daqui a vinte anos na sala de embarque de um aeroporto. Seu avião atrasa e você decide fazer compras. Como todo mundo, você está usando minúsculos dispositivos que conectam seus sentidos à Rede, permitindo que você veja, ouça e sinta os objetos virtuais. Fisicamente, a loja é apenas um espaço de circulação. Mas, ao entrar, você decide que tipo de produto deseja comprar e a loja se enche de produtos virtuais. Você interage com os produtos como faria com produtos físicos. Se optar por uma loja de móveis, poderá empurrá-los, virá-los e ver suas etiquetas. Os objetos virtuais reagirão de forma parecida com os tradicionais e você terá uma experiência de compra como numa loja de hoje.


Ao terminar de fazer compras, você decide apreciar quadros. Sendo assinante do canal de arte virtual do Louvre, onde quer que você vá, há quadros do acervo do museu. A administração do aeroporto decidirá o local ideal para posicioná-los, mas são os computadores do Louvre que fornecerão os quadros virtuais para suas lentes. Cada passageiro da sala verá quadros de sua preferência e passageiros sem programação verão quadros do acervo da Infraero, com fotos da história da aviação.


Durante o vôo, o sistema de entretenimento pessoal será substituído por uma simples conexão com a internet. Cada passageiro poderá cuidar de sua programação, ler livros virtuais, ver TV, falar com a família ou usar um micro virtual.


Entretanto, nem tudo se tornará virtual. Apenas alguns de nossos sentidos poderão ser estimulados assim nas próximas duas décadas. Continuaremos precisando comer comida, dormir em camas e viver em casas de verdade. Mas, vendo e ouvindo os objetos virtuais, mudaremos radicalmente nossa interação com o mundo. Você se enfeitará com jóias virtuais, poderá mudar a cor de seu cabelo sem usar uma gota de tintura e encher a casa de porta-retratos virtuais.


Um dos fatores-chave para isso tudo funcionar será a padronização dos objetos virtuais. Se você baixa da internet um novo aparelho de som virtual, todos em sua casa devem poder ouvi-lo. Seria um desastre descobrir que o som é incompatível com os visitantes! Por isso, a criação dos padrões da internet iniciada na década de 70 foi um importante passo para esse futuro em que poderemos dar festas com som alto a qualquer hora sem incomodar os vizinhos – exceto, claro, se os convidados forem barulhentos.


ANDRE KISCHINEVSKY é diretor do Instituto Infnet e professor da Fundação Getulio Vargas.’



Ricardo Westin


‘Internet cria novo tipo de viciado ‘, copyright O Estado de São Paulo, 29/05/05


‘No Orkut, a badalada rede de amizades da internet, uma adolescente abre a discussão: ‘Galera, vocês já foram chamados de doentes por causa do computador?’. A pergunta é encarada com naturalidade. ‘Já, várias vezes’, admite uma garota. ‘Deixo de sair, ver TV e até mesmo dormir’, conta um jovem. ‘Passei o fim de semana todo na internet. Eu tentava parar, mas era mais forte que eu’, relata um internauta. ‘O viciado em droga diz que pára quando quiser, mas nunca consegue. Será esse o nosso caso?’, outro adolescente levanta a hipótese.


Esses cinco internautas estão entre os mais de 600 que fazem parte de uma comunidade do Orkut chamada Viciados em Internet Anônimos. Embora o nome tenha sido propositalmente criado com um quê de exagero e outro de humor, médicos e psicólogos alertam que a comparação feita pelo último adolescente não é nada absurda: assim como as drogas, o álcool e o cigarro, a internet pode causar dependência.


‘Ninguém se torna dependente de uma coisa que não traz prazer. A internet é, sem dúvida, prazerosa e se torna dependência quando passa a preencher uma carência, diminuir a ansiedade, aliviar uma angústia’, diz o psiquiatra André Malbergier, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).


O vício se concentra nos programas de conversa em tempo real, como o MSN Messenger e as salas de bate-papo. Como se pode ‘teclar’ com várias pessoas ao mesmo tempo, não é difícil que o internauta passe horas e horas na frente do computador.


Os especialistas dizem que é cada vez maior o número de pessoas com essa nova queixa, mas ainda é impossível estimar o tamanho do problema. ‘Pouquíssimas pessoas se dizem dependentes porque a internet não tem cara de vício. Ao contrário da droga, que fica escondida, a internet está em casa, no trabalho e até na rua’, diz a psicóloga Maluh Duprat, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).


Os poucos que procuram ajuda podem ser divididos em dois grupos. O primeiro é formado por adolescentes, levados por pais preocupados com as notas baixas na escola e as atitudes anti-sociais. O segundo é composto por adultos que só se dão conta do problema quando o rendimento no trabalho cai por causa das madrugadas na frente do computador ou quando o casamento já está por um fio.


A compulsão pelo computador já foi a causa de episódios trágicos. Nos Estados Unidos, em 1997, a Justiça condenou uma mulher a 2 anos e meio de prisão porque deixava os três filhos pequenos trancados durante horas no quarto para conversar com amigos virtuais. Cinco anos mais tarde, na Coréia do Sul, dois jovens morreram de exaustão depois de passar mais de 48 horas numa LAN house (casa de jogos de computador e internet).


No Brasil, o uso da internet cresce a cada dia. Segundo uma pesquisa Ibope/NetRatings, o Brasil é o país que mais usa a internet no mundo, com 15 horas e 14 minutos por usuário residencial durante o mês de abril – liderança que pertencia ao Japão.


TRATAMENTO


‘O caso é tão parecido com o da droga que o dependente de internet também tem a síndrome da abstinência. Quando tenta diminuir o uso do computador, fica irritadiço e ansioso’, diz o neuropsicólogo Daniel Fuentes, do Hospital das Clínicas da USP.


O tratamento também é semelhante ao que se submete um dependente de droga. Inclui psicoterapia para tentar descobrir que conflitos pessoais levaram à dependência – parte dos viciados em internet, dizem os especialistas, tem extrema dificuldade de relacionamento social. Em muitos casos é preciso tomar remédios que diminuam o impulso pelo computador.


A psiquiatra Norma Martino Magolbo diz que os pais podem ajudar a evitar o problema. ‘Computador não pode ficar no quarto das crianças ou dos adolescentes. Deve ficar num lugar comum da casa, por onde todos passem. Assim fica mais difícil que o filho se feche e se isole.’


Apesar dos riscos da internet, os especialistas lembram que a dependência é exceção. ‘Não podemos transformar a internet no vilão, porque o problema é o uso que nós fazemos dela’, diz Maluh Duprat, da PUC-SP. ‘A internet é um instrumento fundamental. Não dá para viver sem ela.’’



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‘Garoto ficou 13 horas conectado ‘, copyright O Estado de São Paulo, 29/05/05


‘‘Quando eu saio de casa para o trabalho, ele está lá. Eu chego em casa, ele continua lá. Entro no banho, ele está lá. Saio do banho, ele continua no mesmíssimo lugar’, conta a mãe de Pedro (nome fictício), um adolescente paulistano de 14 anos. O ‘lá’ a que ela se refere é o computador da família.


O incômodo com o filho sempre grudado na internet piorou quando as notas no colégio começaram a despencar. ‘Aquilo não era normal’, afirma ela, que resolveu levá-lo a um psicólogo em agosto para descobrir qual era o problema. Diagnóstico: vício em internet.


Pedro chegou a ficar 13 horas seguidas diante do computador, conversando com os 101 amigos que ele diz ter no MSN Messenger (programa de conversa em tempo real) – muitos dos quais nunca conheceu pessoalmente. ‘Foi horrível depois que desliguei o computador naquele dia. Minhas costas começaram a doer muito’, lembra o adolescente.


A mãe não culpa o filho. ‘Eles não podem ficar sozinhos por aí, a cidade é perigosa. Meu marido e eu passamos o dia todo fora. A informática ajuda, é uma espécie de companhia. Mas vira problema quando passa dos limites.’


Na tentativa de vê-lo estudando ou simplesmente brincando no playground do condomínio, ela limitou o acesso ao computador e até cortou a mesada. Mas não teve jeito. ‘A cidade é cheia de LAN houses. A própria escola tem internet. Não tenho como controlar meu filho. Na minha época era diferente. Se havia um programa inadequado na televisão, era só mudar o canal ou desligar. Todo mundo estava junto na frente da TV. Agora é diferente.’


Além das notas do colégio, outro sinal de que havia um certo exagero na internet eram as contas de telefone que chegavam no fim do mês. De R$ 40, saltaram para R$ 150. A internet é propositalmente de conexão discada, e não de banda larga, para que sirva de medida – e freio – do tempo de acesso.


Desde que o problema foi descoberto, Pedro se consulta toda semana com um psicólogo. Ele diz que ainda passa muito tempo na internet, mas já tomou consciência de que é preciso se controlar. ‘Estou começando a ver que tenho como dividir meu tempo. Antes eu dizia para mim mesmo que iria ficar só uma hora na internet, mas acabava ficando o dia inteiro. Agora consigo me controlar um pouco.’


A mãe mal pode esperar pelo momento de ver o filho fora do computador. ‘Se conseguiu passar 13 horas na internet, tenho certeza de que ainda vai ficar pelo menos uma hora lendo um livro.’’



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‘‘Durmo só 5 horas para ficar mais tempo no computador’ ‘, copyright O Estado de São Paulo, 29/05/05


‘Jean Abdalla tem 24 anos e mora em Belo Horizonte. Reconhece que é viciado em internet, embora não encare isso como problema. Ao mesmo tempo que conversava com seus amigos virtuais na noite de anteontem, ele deu a seguinte entrevista por meio do MSN Messenger (programa de comunicação da internet em tempo real).


Você passa quanto tempo por dia na internet?


Já fiquei 17 horas seguidas.


O que você faz?


Fico no MSN Messenger e no Orkut. Quando o papo está bom, o tempo passa muito rápido. Hoje tenho 158 amigos.


Conhece todos pessoalmente?


Não, nem mesmo minha namorada, que é do Paraná. Começamos a conversar em janeiro pela internet. Finalmente vamos nos encontrar nas férias, em julho.


O que você sente depois de passar tanto tempo na internet?


Sinto que interagi com muitas pessoas e que valeu a pena.


Não fica com vontade de se conectar de novo?


Fico louco para entrar. Procuro dormir pouco, quatro ou cinco horas por noite, para ficar mais tempo navegando. Mesmo estando cansado, faço um esforço. Bebo litros de café. Quando acordo, vou logo ligando o computador, antes até de escovar os dentes.


O que as pessoas dizem?


Minha mãe diz que eu vou ficar maluco.’



SOFTWARE LIVRE


Renato Cruz


‘‘Código aberto é mais eficiente’ ‘, copyright O Estado de São Paulo, 29/05/05


‘O programador americano Eric Raymond chega ao Brasil esta semana para promover o software de código aberto, como o sistema operacional Linux. Mas não era software livre? Desde 1998, quando criou a Open Source Initiative, Raymond promove o termo ‘código aberto’ no lugar ‘software livre’, para evitar confusões que a palavra ‘free’ (em inglês, livre ou grátis) pode causar. E, realmente, nos países de língua inglesa, a expressão código aberto venceu, passando a ser mais utilizada. O software de código aberto pode ser modificado e copiado sem pagamento de licença, e resulta de contribuições voluntárias de milhares de programadores em todo o mundo.


Raymond é um dos principais palestrantes do 6.º Fórum Internacional de Software Livre, que acontece de 1 a 4 de junho em Porto Alegre. Ele publicou em 1999 o livro The Cathedral and the Bazaar (O’Reilly, 288 págs.), em que mostra por que o modelo descentralizado de desenvolvimento adotado pelo movimento do código aberto (o bazar, ou feira livre, do título do livro) é melhor que o centralizado das empresas de software proprietário (a catedral). O programador, que representa uma ala menos politizada e mais pragmática do movimento, vem conversar com o público brasileiro sobre a situação do código aberto ao redor do mundo. ‘O modelo vem conquistando uma adoção incrível por organizações privadas e governos’, explicou Raymond, que, além de programador e escritor, é faixa preta de tae kwon do e defensor do direito de porte de armas de fogo por civis. A seguir, os principais trechos da entrevista feita por telefone.


Por que o senhor fundou a Open Source Initiative em 1998?


Porque percebi, naquela época, que a tecnologia de código aberto era claramente superior, mas não nos apresentávamos para o mundo de uma forma muito atraente. Não estávamos fazendo um bom trabalho em explicar o que estávamos fazendo ou porque éramos interessantes. E pensei que poderíamos recomeçar com um novo rótulo para o fenômeno.


Em português, as pessoas podem dizer software livre, que não será confundido com software grátis. Na sua linguagem, não é difícil distinguir ‘free’ como em ‘free speech’ (liberdade de expressão) de ‘free’ como em ‘free beer’ (cerveja grátis). Em inglês, esta distinção é difícil de ser feita. Por causa deste problema com a palavra ‘free’, as pessoas acabavam tendo concepções erradas a respeito do software livre nos países de língua inglesa. Achei que poderíamos vender melhor a idéia não somente com um rótulo diferente, mas desenvolvendo uma nova série de argumentos, mais focados em motivos econômicos e em conseqüências de mercado.


E qual foi o resultado?


Acho que uma grande prova de sucesso foi o volume de participação de empresas no desenvolvimento de software de código aberto, de organizações como a IBM e a HP. Muitas empresas bastante conhecidas do setor de tecnologia hoje entendem que esta é uma maneira de desenvolver tecnologia de muitas formas mais eficiente e mais efetiva que a maneira antiga.


A adoção do código aberto por grandes empresas mudou de alguma forma o modelo descentralizado de desenvolvimento de software?


Acho que a mudança aconteceu em outra direção. O modelo ‘bazar’ mudou a forma como as empresas atuam. É só olhar um anúncio recente: a IBM e seus parceiros no Cell, um processador superpoderoso de nova geração, para imagem de alta definição, anunciaram que vão abrir o esquema de hardware e as bibliotecas de software para o desenvolvimento de código para o processador. Eles fizeram isto especificamente para gerar interesse da comunidade de código aberto. Isto não aconteceria há cinco anos.


Na sua opinião, qual é o modelo de negócios de maior sucesso, gerado a partir de código aberto?


Existem vários que tiveram sucesso. O que tem recebido mais atenção é o de empresas como a Red Hat, que distribuem software de código aberto e se posicionam no mercado como fornecedores em que se pode confiar.


Como o senhor vê a situação de uma empresa como a Microsoft? Qual é o futuro do software proprietário?


Acho que, independentemente da competição com o código aberto, o software proprietário no Brasil enfrenta o problema do valor das licenças. Muitas pessoas vão escolher software de código aberto ou resolver piratear o Windows. De uma forma ou de outra, a Microsoft não ganha dinheiro. É uma história que se repete em vários países ao redor do mundo. Mas, de uma maneira mais geral, a principal diferença entre software fechado e software de código aberto está no fato de que a produção de código aberto é mais eficiente. No sentido em que converte de uma melhor forma trabalho e capital em software que funciona. Com o tempo, a forma mais eficiente de produção sempre vence.


Em que projetos o senhor trabalha hoje?


O principal projeto em que estou trabalhando é chamado GPSD. O sistema monitora um equipamento de GPS (Global Positioning System, ou sistema de posicionamento global) ligado a um computador e oferece informações sobre localização, direção e velocidade. Tenho trabalhado nos últimos meses em um software que recebe as informações, as decodifica e as torna imediatamente disponíveis para aplicações como programas de navegação.


Como o senhor vê o desenvolvimento da indústria global de software nos próximos cinco anos?


A participação do código aberto crescerá continuamente. Veremos muitas aplicações na área da computação e dos eletrônicos que não seriam possíveis sem o modelo de código aberto, porque de outra forma os custos de desenvolvimento seriam altos demais. Por exemplo, existem projetos hoje para a criação de computadores de baixo custo especialmente para o mundo em desenvolvimento, que não seriam possíveis sem o código aberto, pois os preços das licenças de sistemas operacionais proprietários os tornariam proibitivos.’