Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No Mínimo

STAR TRECK, 40 ANOS
Pedro Doria

Quatro décadas de ‘Jornada’, 28/09/06

“Em setembro de 1966, a rede de TV norte-americana NBC levou ao ar o primeiro episódio de ‘Star Trek – Jornada nas Estrelas’. Quarenta anos depois, a série de ficção científica foi sucedida por outras cinco séries que totalizam 726 episódios, dez filmes de longa-metragem e incontáveis romances. O número abissal de fãs, dos mais ardorosos aos até pacatos, inclui gente como o físico britânico Stephen Hawking, o escritor já morto Arthur C. Clarke e o candidato ao governo de São Paulo José Serra.

E há um motivo, evidentemente, para a permanência de ‘Jornada nas Estrelas’: foi uma série revolucionária por vários ângulos, muitos deles já esquecidos. Apesar disso, o público inicialmente não acompanhou. ‘Star Trek’ era tão diferente do que havia na televisão de há 40 anos que não durou muito. A série original ficou apenas três anos no ar, sendo que no último já catapultada pela baixa audiência para o horário morto da grade, às 22h de sexta-feira. Por incrível que pareça, ‘Star Trek’ é mais um fenômeno dos anos 70 do que dos 60.

Fundamentalmente, a série é cria de Eugene Wesley Roddenbery, que morreu em 1991 aos 70 anos. Aviador veterano da Segunda Guerra, Gene Roddenbery seguiu carreira como piloto da PanAm e, depois, como policial em Los Angeles. Nos anos 50, arriscou-se como escritor de roteiros para televisão e trabalhou em séries de sucesso como ‘Além da Imaginação’ e ‘Dr. Kildare’. E debaixo do braço, por quase cinco anos, tentou vender de emissora em emissora seu projeto de ficção científica.

Ficção científica era um problema: não pegava. Os sucessos da TV eram westerns ou coisas contemporâneas. Se o cinema atacava vez por outra com futurismos, esta era especialidade do cinema B, não das grandes produções, passadas na Antigüidade ou no período medieval. Se a garotada até procurava revistas em quadrinhos com discos voadores e planetas distantes, eles não pareciam formar um público grande o bastante para justificar o investimento num programa caro. Não era à toa que o mote do pré-roteiro de Roddenbery explicava sua idéia como ‘uma corrida de diligências para as estrelas’.

Mas eram tempos pós-Sputnik, também, e o governo norte-americano estava engajado na corrida espacial. Resgatar o clima de Flash Gordon e Buck Rogers que fora popular nos anos 30 podia ser uma boa idéia. Assim nasceu ‘Jornada nas Estrelas’.

Os uniformes da tripulação tinham cores vivas: camisas amarelo-douradas para os oficiais de comando, azuis para os de ciência, vermelhas para os envolvidos com operações. Onde fosse possível encaixar algum brilho, como as insígnias purpurinadas ao peito, eles o faziam. As bebidas tinham tons artificiais e translúcidos que só vieram para as prateleiras dos supermercados muito depois: azuis, verdes, vermelhos, ocres. A NBC, deslumbrada com o potencial da TV a cores, queria mostrar do que era capaz e este foi um de seus objetivos com ‘Star Trek’. O tipo de coisa que passa em branco para quem assiste hoje.

Outras soluções habituais na ficção científica de hoje, como o teletransporte, vieram por conta do orçamento. Não havia dinheiro para produzir uma seqüência de pouso e decolagem em cada planeta por onde passava a nave USS Enterprise, então que fizessem a viagem doutra forma. Sequer passava pela cabeça de qualquer um a idéia de comunicação pessoal e portátil sem fio: mas os primeiros aparelhos celulares foram inspirados nos comunicadores de ‘Star Trek’, com flip e tudo.

‘Star Trek’ era ainda mais radical: no meio da Guerra Fria e com a batalha pelo fim da segregação racial no sul dos EUA ainda em curso, o conceito de Gene Roddenbery é que no futuro a humanidade já teria se livrado do que entendia como primitivismos. A tripulação contava com o Sr. Sulu, um japonês; a tenente Uhura, uma mulher negra que ocupava cargo de chefia; o Sr. Tchekov, russo que homenageava no nome o grande dramaturgo.

Mais que isso: a missão da Enterprise lhe fora dada pela Federação de Planetas, uma grande confederação de mundos, espécie de ONU ideal que tinha mais ou menos a mesma logomarca e agia em escala galáctica. Uma missão pacífica de exploração em que a única norma inquebrável é a de que ninguém tem o direito de interferir nos processos de outros mundos.

Regra sagrada que existia apenas para ser quebrada a toda hora, evidentemente.

Não era apenas multiétnica a tripulação; incluía outras espécies, como o meio vulcano, meio humano Sr. Spock. ‘Star Trek’ jamais teve, em nenhuma das séries subseqüentes, personagem mais popular e instantaneamente reconhecível, com sua pele esverdeada, as sobrancelhas inclinadas e as orelhas pontudas. Por pouco ele não houve. Os executivos da emissora tinham certeza de que Spock seria mal recebido porque com aquelas sobrancelhas, aquelas orelhas – Spock parecia o diabo.

E todas as tramas eram montadas da mesma forma: o capitão James T. Kirk tinha ganas de agir, um homem impulsivo e bem-humorado; o médico de bordo, dr. Leonard McCoy, sempre ponderando pela sensibilidade, procurando o lado razoável, tendo por contraponto o chefe de ciências – e este é o nome dele – Spock S’chn T’gai, com sua lógica rigorosa e impecável. Uma hora Kirk seguia os conselhos de um, outra de outro, quando não simplesmente decidia o que fazer seguindo o próprio temperamento intempestivo.

A audiência era tão ruim em princípios de 1968, em meio à segunda temporada, que a NBC anunciou o cancelamento da série. Jamais uma emissora recebeu tantas cartas de fãs pedindo que reconsiderasse. Tratava-se de um fenômeno novo: embora a massa não fosse à TV, quem ligava o aparelho se envolvia profundamente com o futuro utópico criado por Roddenbery. Se envolvia o suficiente para promover uma campanha de cartas. Aquilo já era caro aos fãs.

Porque no futuro de Roddenbery a paz não era apenas razoável: os povos inimigos da Federação, klingons e romulanos, eram sempre vistos com uma certa estupefação. O seu não querer a paz mas sim a guerra soava como barbárie. Até ‘Star Trek’, a boa ficção científica era rara na TV ou no cinema – exceções como os filmes ‘O dia em que a Terra parou’ e ‘O planeta proibido’ contam-se nos dedos; mas havia boa literatura, e Arthur C. Clarke era só o nome mais conhecido.

O próprio Clarke, autor entre outros de ‘2001’, foi um consultor da série. Mas os roteiristas escolhidos por Roddenbery não vinham apenas de outras séries de TV, eram também romancistas conhecidos do gênero, como Harlan Ellison, parceiro eventual de Isaac Assimov, e Theodore Sturgeon.

Após o cancelamento definitivo, em 1969, ‘Star Trek’ começou seu longo caminho para o sucesso. O esquecimento nunca houve. Os rolos de filme enlatados, vendidos em pacotes a preço razoável para pequenas emissoras de todo o país que os usavam para preencher a grade, eram repetidos e repetidos. Gene Roddenbery, assim como os atores William Shatner (Kirk) e Leonard Nimoy (Spock), se viram em princípios dos anos 70 primeiro com dificuldades financeiras e então, conforme a década chegava à metade, com convites e mais convites para falar sobre ‘Star Trek’ em conferências.

Ninguém se cansava de ver a série. A Paramount, grande estúdio de cinema que tinha o projeto de lançar uma rede de TV, encomendou então uma segunda série com tantos dos atores que participaram da original quanto Roddenbery conseguisse arregimentar. Para todos, foi frustrante quando Nimoy recusou o convite: ele ainda tentava uma carreira como ator de papéis variados, embora seu personagem tivesse sido tão marcante que era impossível vê-lo como outro que não Spock.

O canal não veio e o projeto da série transformou-se num filme. Quem o dirigiu foi Robert Wise, que, entre feitos como ‘West side story’ e ‘A noviça rebelde’, tinha apenas uma ficção científica no currículo: ‘O dia em que a Terra parou’. E para um único filme, tiveram Spock.

Mas não foi apenas um único filme para liquidar com o assunto: vieram outros. E outros. E uma série em desenho animado. E ‘A nova geração’. E ‘Voyager’. E ‘Deep space nine’. E ‘Enterprise’. A missão de cinco anos da Enterprise para buscar novos mundos e novas civilizações, para ir com bravura onde nenhum homem jamais foi antes rendeu e rende há 40 anos este mês.”



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