Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No Mínimo

INTERNET
Ricardo Calil

YouTube e o fim da inocência, 10/10/06

‘Até a semana passada, o YouTube era uma brincadeira. Divertida, imensamente popular e levada a sério pela maioria de seus praticantes. Ainda assim, uma brincadeira. Nesta semana, o jogo mudou. Perdeu a inocência. Deixou de ser uma daquelas coisas que, como diz a propaganda de cartão de crédito, não tem preço.

Como se noticiou ontem, o site de compartilhamento de vídeos acaba de ser vendido pela espetacular soma de US$ 1,65 bilhão ao Google, o gigante das buscas na internet. Na segunda-feira, ver um vídeo no YouTube era uma forma de partilhar imagens, talvez ideais, em uma comunidade global independente. Hoje, significa que você se tornou cliente de um negócio corporativo bilionário.

E o aspectos mais surpreendente na notícia da venda do YouTube nem é tanto a cifra. Mas o fato de que o site de compartilhamento de vídeos levou apenas um ano para chegar a esse valor – pouco mais de 12 meses entre o nascimento e a precoce maturidade.

Outro dia, o bilionário norte-americano Mark Cuban disse que qualquer um que pagasse US$ 1 bilhão pelo YouTube seria um idiota. Ele devia saber do que está falando, pois fez fortuna vendendo seus empreendimentos tecnológicos para outras empresas.

Mas será difícil encontrar alguém que use esse termo para se referir a Larry Page e Sergey Brin, criadores do Google, exemplo maior de sucesso da internet. Ou aos donos da Microsoft e da Viacom, outras empresas que participaram do leilão para comprar o YouTube e lançaram o preço do site ao espaço.

Ao depreciar o valor do YouTube, Cuban chamou atenção para dois problemas do site. Primeiro, o fato de que ele pode se transformar em uma bomba de efeito retardado por problemas de direitos autorais, já que 99% do conteúdo do site é oferecido sem autorização legal.

Como Page e Brin não são idiotas, eles já começaram a atacar o problema. Um dia antes de sua venda, o YouTube fechou contratos para oferecer vídeos dos catálogos da Sony, Universal e CBS. A empresa já negocia acordos similares com outras empresas.

O objetivo é evitar o efeito Napster – o site de compartilhamento de música que virou fenômeno com a mesma velocidade em que entrou em decadência por prolemas de direitos autorais.

O segundo problema a que Cuban se referia é de solução mais difícil: não existe nenhuma garantia de que o YouTube possa se tornar um negócio rentável.

A dupla do Google enxergou o óbvio potencial do YouTube: 649 milhões de acessos e 30,5 milhões de visitantes únicos em julho passado (contra respectivamente 60 milhões e 7,5 milhões do GoogleVideo, o serviço similar da companhia).

Mas ainda não há uma fórmula aprovada para fazer dinheiro com vídeos na internet, já que as experiências de propaganda nesse formato ainda são incipientes e pouco lucrativas. Esse será a principal questão que Brin e Page terão que enfrentar em seu novo empreendimento.

No aspecto conceitual, o casamento entre Google e YouTube é perfeito porque complementar. O primeiro tem uma série de ferramentas excepcionais, a começar pela busca, mas seu ponto fraco é justamente a parte de comunidade (exceção feita ao Orkut no Brasil), considerado hoje o principal filão da rede. Já o segundo virou, ao lado do MySpace, o principal símbolo do espírito comunitário da rede, mas poderia melhorar algumas funcionalidades.

Há outra vantagem na parceria. As duas empresas têm uma ótima imagem junto ao povo da internet, portanto sua integração tem tudo para ser bem recebida pelos principais interessados.

Mesmo sendo hoje uma corporação bilionária, o Google ainda é visto como uma empresa bacana e uma marca querida – o mesmo não pode ser dito, por exemplo, da News Corporation, o conglomerado de mídia do reacionário Rupert Murdoch, que comprou o MySpace.

O gigante das buscas conseguiu dar uma face mais amigável ao capitalismo contemporâneo, ao oferecer excelentes serviços sem cobrar por eles e ao se manter como o melhor em sua área há mais de cinco anos – uma eternidade para os padrões da internet.

Hoje dá imaginar a vida sem Coca-Cola ou McDonalds, para citar dois velhos símbolos do imperialismo americano. Mas é virtualmente impossível pensar em um cotidiano sem o Google, para quem vive da ou na internet.

No caso do YouTube, esse é o maior desafio da companhia: torná-lo imprescindível por um longo tempo, não deixar que ele se torne mais uma febre passageira da rede. Se daqui a cinco anos as pessoas ainda digitarem automaticamente o endereço do site na hora de ver vídeos, como fazem com o Google para buscas, o US$ 1,65 bilhão terá sido bem gasto.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Carta Capital

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