Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Estado de S. Paulo

ELEIÇÕES 2006
Patrícia Cançado

Corrupção vira foco de campanhas

‘Agosto é conhecido por ser o mês da racionalidade no Brasil. O dinheiro está curto porque acabou de ser torrado nas férias de julho e mais da metade do ano já foi embora. Ou seja: é hora de encarar a realidade. Esse sentimento parece ter contaminado até a publicidade. Neste mês, a grife Fórum e o canal MTV estréiam duas campanhas contra a corrupção e a falta de ética no País com um discurso que no passado recente era dos partidos de oposição.

A campanha da Fórum faz parte de um movimento maior iniciado pela grife há quatro anos, quando foram lançadas camisetas ‘pedindo’ fé, respeito, honestidade, esperança e luta. Desta vez, porém, a mensagem é bem mais engajada. Num dos cinco anúncios, por exemplo, há um modelo cortando, com tesoura de jardineiro, o nariz de Pinóquio de homens engravatados e carregados de mala de dinheiro. Não há como não ligar a cena ao escândalo do mensalão.

Num outro, o sabão em pó é colocado numa urna, numa referência explícita à faxina. Numa terceira peça, uma modelo joga pequenos bonecos de uma caixa (onde se lê CPI) numa lata de lixo. Do lado de fora da lata, restam poucos bonecos. A mensagem é clara: a moça em questão está separando o joio do trigo.

Com essas imagens, não foi preciso dizer muito. A única referência à Fórum são os modelos magros e bonitos usando calças jeans. O objetivo da Fórum não é fazer panfletagem. A grife evita a todo custo associar a campanha às eleições de outubro. Mas a ligação é inevitável a três meses do pleito. ‘Não é uma campanha política, é uma campanha de ética e de atitude. Não há nenhuma referência aos políticos’, diz Vicente de Mello, vice-presidente da Fórum.

A campanha não irá para a TV. Ficará em outdoors, nas vitrines de lojas da grife e será veiculada em jornais e revistas de grande circulação até o fim deste ano. A Fórum investiu R$ 2 milhões na campanha.

O canal MTV foi mais radical. Não hesitou em escancarar a sua indignação com os políticos do País. A primeira parte da campanha entrou no ar na última semana de julho e criou polêmica no blog do prefeito do Rio, César Maia. Ele acusou a rede de TV de incentivar o voto nulo.

INDIGNAÇÃO

O slogan da campanha é provocativo. Pede que os eleitores preparem ovos, tomates e a pontaria para votar nessa eleição. ‘Nosso objetivo não era incentivar o voto nulo. Quisemos dar uma porrada inicial, mas parece que o César Maia vestiu a carapuça’, diz Zico Goes, diretor de programação da MTV.

‘A gente quer fomentar a indignação, mostrar que não basta votar. É preciso votar com raiva’, diz.

Na sexta-feira passada, o canal colocou mais lenha na fogueira ao inserir a segunda propaganda da série, desta vez contra o ‘político nulo’. ‘Isso já estava planejado, mas antecipamos a campanha por causa da polêmica’, diz Goes.

A provocação não acabará aí. A MTV inventou um horário político próprio só com músicas de protesto para ir ao ar logo após o horário político obrigatório da TV.

As propagandas entram em circulação num momento de descrença provavelmente nunca antes visto no País. O governo Lula já é apontado como um dos mais corruptos da história. O mesmo se pode dizer do atual Congresso. A última pesquisa CNI/Ibope, divulgada na sexta-feira passada, captou bem esse clima. Os votos brancos e nulos somaram 9%, o equivalente a 11 milhões de brasileiros.

Nesse mesmo período, no ano de 2002, a pesquisa do Ibope registrou um porcentual de 5% para votos brancos e nulos. ‘O clima de indignação está claro em todas as pesquisas de opinião’, diz o cientista político Ricardo Guedes, do Instituto Sensus. ‘A esquerda simbolizava no imaginário social a ruptura, o último reduto da ética. Há uma frustração com toda a classe política’.

Essa não é a primeira vez que a publicidade se pauta pela política. A diferença é que essas duas campanhas chegam com um tom mais agressivo, discurso que até então pertencia aos partidos de oposição . ‘A campanhas, sem dúvida, estão sintonizadas com o sentimento geral da população. Há um tom mais amargo nelas’, afirma Paulo Nassar, professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo.

‘Os manifestantes que quebraram o Congresso não usavam calça Fórum, mas pensavam da mesma maneira. As campanhas são um espelho da sociedade, são feitas para um público também transgressor.’

Nassar compara as duas campanhas à série de crônicas políticas feitas pelo Garoto Bombril no passado. Segundo ele, o tom dos anúncios era mais caricatural e menos indignado. O Garoto já fez sátiras ao casal Celso e Nicéa Pitta e Fernando Henrique e Ruth Cardoso. O criador da campanha, o publicitário Washington Olivetto, avisa: ‘Nós, fatalmente, faremos alguma peça política nesta eleição.’ Para ele, o que não falta são bons personagens. ‘A gente só não usou a deputada que dançou no Congresso e o caseiro porque o Garoto Bombril ainda não tinha voltado ao ar.’ A patrulha só começou.’



FIDEL DOENTE
O Estado de S. Paulo

Jornalistas denunciam restrições

‘Para organizações, Cuba dificulta acesso e atrapalha cobertura na ilha

A organização Repórteres sem Fronteira (RSF) e o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) pediram ontem que as autoridades cubanas permitam a entrada ‘sem restrições’ de jornalistas no país. Segundo a RSF, o governo cubano, ‘acostumado a vigiar a imprensa estrangeira, reforçou o controle do acesso à ilha’ após o anúncio do afastamento temporário de Fidel Castro do poder, na segunda-feira.

O representante da CPJ disse que o comitê está preocupado com notícias de que Cuba está recusando vistos a jornalistas. Mais de 20 repórteres foram expulsos ou não puderam entrar no país por estarem trabalhando sem o visto necessário, segundo funcionários do ministério cubano das Relações Exteriores. Os funcionários defenderam ontem a posição do governo cubano dizendo que ‘quem viola as disposições legais (para conseguir o visto de trabalho de jornalista), intencionalmente ou por desconhecimento, tem vetada a entrada no país, um direito soberano do Estado de Cuba’. Na quinta-feira, um funcionário do centro de imprensa internacional em Havana disse que ‘não se pode fazer jornalismo com visto de turista’. O trâmite para se conseguir o visto especial é de 21 dias.

Para as entidades de jornalistas, porém, está havendo um abuso do governo cubano para evitar a cobertura da situação na ilha. ‘Parece que o regime quer evitar que haja muitos jornalistas na ilha no atual contexto, cheio de incertezas’, acusou a RSF, que qualificou a situação de ‘lamentável’.

Mais de 150 repórteres de todo o mundo pediram vistos de imprensa desde a noite de segunda-feira até sexta, segundo fontes oficiais.

Repórteres Sem Fronteiras manifestou também preocupação com os jornalistas independentes, que teriam sido ameaçados indiretamente por altos oficiais do Exército. Segundo a RSF, houve um pedido para que eles ‘não gerem desordens’.

EFE, REUTERS E AFP’



JORNALISTAS NA FLIP
Daniel Piza

A pioneira, o viajante e o polêmico

‘São três jornalistas muito diferentes. Pertencem a gerações diferentes, tratam de temas diferentes e optam por abordagens diferentes. A americana Lillian Ross, de 78 anos, é uma das mais famosas autoras da revista The New Yorker, e seus perfis de artistas como Hemingway e John Huston no início dos anos 50 marcaram uma geração. O inglês Christopher Hitchens, de 57 anos, é mais propriamente jornalista de opinião, um crítico político e cultural que escreve em revistas como Vanity Fair e Slate. E o americano Philip Gourevitch, de 45 anos, editor da Paris Review, passou a ser admirado como correspondente da New Yorker em conflitos pós-coloniais como o de Ruanda, no final dos anos 90.

Muitas coisas aproximam os três. Primeiro, eles são convidados da Feira Literária de Paraty, que começa na quarta, e participam de mesas-redondas: Lillian Ross e Philip Gourevitch falam sobre ‘a arte da reportagem’ (sexta, 17h); Christopher Hitchens, ao lado de Fernando Gabeira, fala sobre posicionamento político dos jornalistas (sábado, 15h). Segundo, claro, são grandes jornalistas de língua inglesa. Terceiro, têm muito interesse em literatura, da qual extraem recursos para seu estilo jornalístico.

Nas entrevistas que cada um concedeu ao Estado, eles discutem o papel do jornalismo e a importância de combinar respeito aos fatos e ponto de vista. Lillian Ross, pioneira da fusão moderna entre ficção e não-ficção, diz que essa é uma tradição de centenas de anos e critica autores como Truman Capote e Tom Wolfe por desrespeito aos fatos e excesso de autopromoção. Gourevitch, o viajante, diz que os repórteres devem ser objetivos, não neutros, e que para relatar fatos também é relevante que o autor opine. E Hitchens, o polêmico polemista, destaca a importância de contestar o senso comum e de ‘viver sem ilusões’.

Cada um a seu modo, eles mostram que o jornalismo escrito – em qualquer suporte e periodicidade – continua vivo, ao contrário dos boatos.

‘Grandes repórteres amam os fatos’

A jornalista americana Lillian Ross critica Truman Capote e Tom Wolfe e exalta a tradição da revista The New Yorker

Daniel Piza

A jornalista americana Lillian Ross, de 78 anos, não chegou a inventar nada. Como ela mesma diz na entrevista abaixo, feita por e-mail, a tradição de repórteres-escritores tem centenas de anos. Mesmo na revista que a consagrou, The New Yorker, ela admirou o trabalho de um autor como Joseph Mitchell (O Segredo de Joe Gould). Mas seu perfil de Hemingway e seu livro Filme, sobre filmagens de John Huston, são considerados pontos de inflexão para o jornalismo literário moderno. De alguns de seus ‘seguidores’ como Truman Capote, porém, ela não tem coisas muito favoráveis a dizer:

Em que momento a sra. percebeu que deveria contar a história da filmagem de John Huston como uma narrativa de diálogos e descrição, à maneira de um romance?

De forma muito natural – a melhor forma. Eu tinha acabado de escrever um longo perfil de Ernest Hemingway para The New Yorker, mostrando-o em ação durante uma breve visita a Nova York. Eu tinha enorme admiração por ele e fiquei contente ao descobrir seu humor maravilhoso. Ninguém mais na Terra, até então ou depois, escrevia como Hemingway ou falava como Hemingway. Enquanto a escrevia, descobri uma maneira excitante de contar uma história usando os ótimos diálogos para fazer andar a ação e os personagens. Quando fui a Hollywood, convidada por John Huston para acompanhar as filmagens de A Glória de um Covarde, descobri que havia quatro grandes personagens ali, escrevi para meu editor, William Shawn, e lhe disse que os sentia como personagens ‘de romance’. Disse que queria escrever a história na forma ficcional. Tudo parecia estar ali só para mim. À medida que o tempo passou, a forma e a substância do livro passaram a ser mais compreendidas e apreciadas.

Li que a sra. teria dito a Truman Capote que, em suas matérias, não tentasse dizer o que as pessoas pensam ou sentem. Isso não continua a ocorrer?

Ainda acho que nenhum repórter factual sabe o que alguém pensa ou sente. Um escritor de ficção tem a liberdade de determinar os pensamentos e sentimentos de uma pessoa. Um escritor factual demonstra possíveis pensamentos e sentimentos interiores revelando a ação e revelando o diálogo. Cabe ao leitor decidir quais emoções e pensamentos devem ser esses. Eu disse isso a Truman Capote, a Norman Mailer e a todos com quem discuti o tema.

Capote e Mailer disputavam a condição de pioneiro do ‘romance de não-ficção’, mas a sra. surgiu antes, não?

Escritores que batalham pelo título de inventor ou pioneiro são em geral talentos medíocres à procura de publicidade, autopromoção e dinheiro. Escritores focados em seu trabalho deixam que o trabalho fale por eles. Capote tinha charme e energia e uma determinação desesperada de obter fama e fortuna. Ele me perguntava sobre minha escrita e sugava tudo que eu falasse. Eu o via na TV e escutava minhas próprias palavras. Mas ele nunca realmente entendeu o que é esse gênero. Shawn, que o encorajou a ir para Kansas fazer a reportagem, ficou horrorizado com toda sua autopromoção e, ao final, com o resultado ‘literário’. Ele sempre lamentou por Capote e achou que ele deveria terminar logo o material, mas diria que se arrependeu de publicar A Sangue Frio. Capote atingiu fama e fortuna, mas o resto de sua vida foi um desastre, e nunca mais conseguiu escrever nada. Morreu tragicamente, sem dinheiro, doente e solitário.

Gay Talese sempre reconhece a influência da sra. Qual é sua opinião sobre o ‘novo jornalismo’ dele, Tom Wolfe e os demais?

Gay Talese é um sujeito muito bacana. Sempre foi generoso ao expressar sua admiração por outros escritores. Quando começou a escrever, foi bastante influenciado por meu perfil de Hemingway. Mas escreveu um perfil do diretor Joshua Logan e escreveu o que Logan estaria ‘sentindo’ e ‘pensando’. Desde então, acho que ele trabalhou muito como escritor, mas não o tenho lido. Tom Wolfe, acho, tem um enorme talento de repórter, mas acredito que se desviou do caminho por causa de sua inclinação para a publicidade e o dinheiro. Foi parte de uma onda de curta duração de estrelas autoconsagradas de um auto-intitulado ‘novo jornalismo’. Não havia nada de novo nele, afora a irresponsabilidade de grande parte do material.

Quem são seus repórteres favoritos na atualidade? Jornalismo de revista ainda pode ter o peso que já teve há 40 ou 50 anos?

Grandes repórteres-escritores não surgiram só no século 20. São parte de uma tradição que tem centenas de anos. Henry Mayhew, Daniel Defoe e Ivan Turgueniev gostariam de escrever para a New Yorker. Todos esses escritores amavam fatos. Não tinham motivos adicionais, nenhum interesse em criar uma sensação ou fazer sucesso popular. Meus repórteres favoritos da atualidade estão todos na New Yorker. Trabalham nessa tradição. Por causa da televisão, combinada com a onipresente necessidade de propaganda, há mais complicações ainda. Mesmo na New Yorker, os autores caem às vezes no jogo da promoção. Mas um escritor que ama seu trabalho é ainda tão livre quanto antes para seguir seus princípios. Grandes textos, quer estejam no papel quer no computador, sempre serão reverenciados.

E.B. White, James Thurber, A.J. Liebling… Dos grandes autores da New Yorker, de qual a sra. sente mais falta?

Faltou citar Joseph Mitchell. Eu o admirava muito. Mas aprendi com todos eles.



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‘É preciso tentar viver sem ilusões’

‘O polemista e polêmico Christopher Hitchens defende a invasão do Iraque como forma de reação da ‘civilização’

Christopher Hitchens, na Califórnia, atende ao telefone em português: ‘Bom dia.’ Ele fala português? Não, mas gostaria. Leu Jorge Amado, embora não tenha gostado muito. Mas leu Os Maias, de Eça de Queiroz, e gostou bastante. ‘Tenho vergonha de nunca ter lido Camões’, confessa. O pai, da Marinha, esteve no Rio e gostou bastante. Hitchens também viaja muito e está ansioso para conhecer a cidade, além de Paraty.

Esse jornalista inglês radicado nos EUA, 57 anos, é o representante moderno da crítica cultural polêmica, uma espécie de herdeiro menos brilhante de nomes como Bernard Shaw, George Orwell – seu ídolo – e H.L. Mencken. Também é uma prova de que críticos culturais que são independentes e conectam temas diversos – política, literatura, artes, comportamento – continuam a ser muito lidos. Os livros de Hitchens, que é colaborador de revistas como Vanity Fair e Slate, desafiam mitos como a Madre Teresa de Calcutá e, como no caso de Cartas a um Jovem Contestador, lançado no Brasil neste ano, pregam que os iniciantes façam o mesmo.

A recente conversão ideológica de Hitchens, porém, tem chamado mais atenção. Socialista mesmo depois da queda do muro de Berlim, ele deu uma guinada por causa dos atentados de 11 de setembro de 2001. Na entrevista abaixo, ele defende a invasão do Iraque em nome de ‘defender a civilização’.

O sr. nota que os contestadores sempre foram associados à idéia de utopia. Precisa ser sempre assim?

Oscar Wilde dizia que um mapa de um mundo sem utopia não vale nem a pena olhar. Tenho simpatia pela idéia de utopia. Mas acho que é preciso tentar viver sem ilusões. Fui socialista até recentemente e meu impulso é o contrário; mas então percebi que a história não tem um fim e o futuro não será necessariamente melhor que o passado.

O sr. diz que ainda acredita na explicação materialista da história. Marx, por exemplo, dizia que o motor dela era a luta de classes. Não é reducionismo?

É sim. O que acho é que uma explicação da história sem sua evolução material é impossível. Ela é necessária, embora não suficiente. O problema da teoria marxista é que fizeram dela mais do que ela pode. É perigoso usá-la para explicar romances ou pinturas, por exemplo.

Qual a linha que separa o contestador do mero agente provocador?

O provocador apenas quer ser diferente, quer falar o que os outros não falam para chamar atenção. Não gosto disso. Mas há temas que não recebem contestação a sério, como Madre Teresa e Henry Kissinger, e me senti ‘escolhido’ por esses temas. Mas também tenho livros de admiração, sobre pessoas que aprovo e aprecio, como George Orwell e Thomas Jefferson.

Em seu livro sobre Orwell, o sr. diz que ele não pode ser roubado nem pela direita anticomunista nem pela esquerda anticapitalista. O que ele diria sobre a queda dos regimes socialistas?

Em geral não se deve imaginar o que as pessoas mortas diriam sobre assuntos atuais. Mas, nesse caso, ele disse explicitamente que o sistema soviético, por ser ineficiente e brutal, teria de reformar a si mesmo e que, não podendo fazer isso, entraria em colapso. Foi brilhante. E ele viu isso apenas lendo a imprensa comunista. Orwell tinha um equipamento mental relativamente comum, mas era tão honesto e perspicaz que enxergou o que outros não enxergavam.

E quanto à lista de comunistas que entregou às autoridades?

Não eram propriamente autoridades, era o Departamento de Propaganda. Pediram a ele que apontasse pessoas da esquerda que poderiam falar contra o regime soviético, e ele listou aquelas que não poderiam ser convencidas.

O sr. disse que não gosta da pintura cristã. Mas ela não teve uma importância cultural ao representar figuras que outras religiões proíbem?

Não sei. Acho que a pintura devocional é kitsch, exagerada. Prefiro o judaísmo, que não tenta converter as pessoas, exceto os próprios judeus. Mesmo se eu acreditasse num redentor, não seria católico. Acho obsceno.

O sr. apoiou a invasão do Iraque pelos EUA. Conflitos como o atual entre Israel e Líbano não mostram que ela só fez aumentar o radicalismo?

O ódio contra os EUA já era enorme. Contra os EUA, não; contra o Ocidente, a democracia, o secularismo. Não vejo razões para ficar sem fazer nada. Se não podemos resistir, então vamos nos render de uma vez. Note que os EUA não estão fazendo nada contra Irã e Síria.

Mas o sr. escreveu que nacionalismo e fé são forças nocivas. Bush não é exatamente uma expressão disso?

Se eu fosse Bush, não diria que o 11 de setembro foi um ataque à América, mas à civilização. Essa é a limitação de Bush. Mas é melhor que nada. Coexistir ou compactuar com esses terroristas é impossível e indesejável.

Qual sua opinião sobre blogs e jornalismo na Internet em geral?

Acho bom para o jornalismo. Ele fica muito mais rápido. É como fazer comentário no rádio ou na TV; não é preciso esperar dias até que seja lido. E jovens autores podem ser publicados com mais facilidade, correr os riscos e ser descobertos por veículos maiores.’



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‘Devemos ser objetivos, não neutros’

‘Para Philip Gourevitch, a maior virtude de um jornalista é saber ver

Philip Gourevitch, de 45 anos, é um repórter-viajante. Já esteve em numerosos países, especialmente ex-colônias, cobrindo guerras como a do Congo ou desastres como o tsunami. O melhor exemplo de seu trabalho está no livro Gostaríamos de Informá-lo de Que amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, um relato esclarecedor sobre Ruanda, agora sendo relançado em edição de bolso. É também autor de um livro sobre um assassinato em Nova York, Um Caso Arquivado.

Gourevitch também escreve sobre literatura – tem um ensaio conhecido sobre V.S. Naipaul, autor de Uma Casa para o Sr. Biswas -, é ficcionista e, há um ano, edita a revista The Paris Review, famosa pelas longas entrevistas históricas com escritores. Durante dez anos, trabalhou na New Yorker, mas não se considera um jornalista especialmente alinhado com a tradição da revista. Na entrevista a seguir, feita por telefone, ele fala sobre os desafios de descrever a situação em Ruanda, diz que o ‘novo jornalismo’ está velho e elogia blogs do tipo informativo e pontual.

O sr. esteve em Ruanda depois do livro e o que achou?

Estive em 2000, dois anos depois, mas fiquei apenas uma semana. Estava a caminho do Congo para cobrir a guerra para The New Yorker. Pelo que leio, desde então há melhores perspectivas, principalmente na saúde e na economia. Mas a democracia depende de instituições para que sobreviva às trocas de poder. E formar instituições pede planejamento e tempo.

Quais foram as grandes dificuldades para mostrar que aquela não era apenas uma guerra entre tutsis e hutus?

O desafio do repórter é sempre olhar com clareza. A guerra em Ruanda sempre foi descrita como uma guerra tribal, religiosa, mas era também uma guerra de sucessões políticas. As pessoas diziam que uma solução era impossível, impensável, o que é quase o mesmo que dizer para esquecer Ruanda. Meu trabalho foi incomodar essa visão. Foi tentar entender melhor o que estava se passando, sem fingir que era simples. Não era ‘o caos’, no sentido que as pessoas usam essa expressão. Havia uma lógica insana por trás do genocídio, uma espécie de loucura organizada, uma poderosa passividade. Quis comunicar isso em meu livro. Não quis ser um contestador, mas chamar a atenção para o problema. Para isso, levei uma dúzia de livros sobre história e política, mas só os li depois que olhei, depois que experimentei a situação. Um jornalista não deve ser neutro, mas deve ser objetivo, livre de preconceitos. E deve opinar sobre fatos, que é de onde vem sua credibilidade.

Qual é sua opinião sobre celebridades que fazem campanha pela África?

Tenho sentimentos misturados. Há riscos nesse humanitarismo das celebridades, que em geral é melhor para elas do que para a população, que é tolo e autocongratulatório. Em Ruanda, os responsáveis pelo genocídio foram levados por essas entidades para um campo de refugiados na fronteira e lá causaram outra guerra. Mas há médicos que fazem trabalhos admiráveis, por exemplo. Bono (Vox, líder do U2) me parece bem-sucedido em sua luta pelo perdão da dívida de países do Terceiro Mundo.

Lillian Ross é muito crítica do chamado ‘novo jornalismo’ de Tom Wolfe e de autores como Truman Capote, que nem sempre respeitam os fatos. E o sr.?

O novo jornalismo está velho agora. Está datado. O estilo de Capote também me parece maneirista, envelhecido. É literatura baseada em reportagem, como os romancistas sempre fizeram. Mas não acho que seja mentiroso ou enganador; é antes hiperbólico e satírico. Lembra mais uma caricatura de Daumier do que um romance de Balzac, e por isso mesmo é muito divertido. E foi liberador para muita gente. O problema é quando o autor manipula os fatos em causa própria. Não-ficção tem de ser fiel aos fatos, aos documentos.

Quais seus jornalistas preferidos? O que acha do jornalismo de George Orwell e Ryszard Kapuscinsky?

Gosto de alguns que escrevem na New Yorker, como Janet Malcolm e John McPhee, embora eu não tivesse lido muita coisa da revista antes de ir trabalhar lá. Lillian Ross certamente fez grandes perfis, como o de Hemingway. De Orwell, acho textos como Atirando num Elefante muito bons. Kapuscinsky, a meu ver, é mais um escritor de crônicas de viagem, muito perspicaz, com muito talento para a escrita. Nem sempre é confiável. No final de O Imperador, por exemplo, ele simplesmente inverte o desfecho da história.

O sr. está há um ano como editor da Paris Review, que já teve uma época de ouro com as entrevistas de grandes escritores. Acha possível retomá-la?

Com certeza absoluta. Na verdade, já conseguimos dobrar a circulação, investindo apenas na qualidade. Estamos revelando talentos, em especial na não-ficção, que tem ganhado mais espaço hoje em dia. Demos boas histórias, como a do prisioneiro que quase morreu afogado com o Katrina (furacão que devastou New Orleans no ano passado). E entrevistas com Salman Rushdie, Joan Didion e muitos outros.

O que acha do jornalismo que vem surgindo nos blogs e na internet em geral?

Os blogs são muito úteis, porque são rápidos e dão acesso a muita informação. Gosto daqueles que fazem links com boas fontes e comentários curtos, pontuais. O jornalismo diário em papel tem sido ameaçado pelo on line, mas são os próprios grupos como o New York Times que os têm feito da melhor forma. Já o jornalismo de revistas, semanais ou mensais, só tem aumentado, porque ali o leitor pode ler com mais calma. Vejo tudo isso como uma soma. Tem muito lixo, é verdade, mas você tem de filtrar, como faz com livros e jornais também.’



FOTOJORNALISMO
Ana Paula Lacerda e Juca Varella

FotoRepórter vai à Photo Image

‘O Projeto FotoRepórter, ação pioneira de jornalismo cidadão no Brasil, criado pelo Grupo Estado no passado, terá uma estande de 50 metros quadrados na Photo Image Brazil, a maior feira latino-americana de imagem, a partir de terça-feira.

Três aparelhos de TV de plasma mostrarão uma edição das melhores das mais de 13 mil imagens recebidas desde o início do projeto, enviadas por mais de 6 mil FotoRepórteres espalhados por todos os Estados brasileiros e em mais de 20 países. Os participantes da feira serão incentivados a fotografar o evento e suas fotos também serão expostas.

O FotoRepórter surgiu ‘seguindo uma tendência mundial de canalizar material jornalístico produzido por amadores para as páginas de jornais, agregando mais informação ao leitor’, explica Wilson Pedrosa, editor de fotografia do Estado. É uma inteiração inédita, que tira o cidadão da passividade e lhe dá a oportunidade de exercitar a cidadania, informando acontecimentos e fazendo denuncias por meio das fotos enviadas ao jornal.

O avanço das máquinas digitais, celulares com câmeras e facilidade de envio de imagens via internet favorece a tendência. Nos atentados ocorridos no ano passado no metrô de Londres, as fotos que circularam nas primeiras páginas dos jornais do mundo todo foram feitas por passageiros. Em casos como esse, o flagrante vale mais do que a qualidade da imagem.

Outro exemplo aconteceu no casamento do jogador de futebol Ronaldo com a modelo e apresentadora de TV Daniela Cicarelli. Um dos garçons sacou o seu celular e conseguiu fazer uma das poucas fotos da famosa festa no castelo francês.

Algumas situações publicadas pelo Estado merecem destaque. Um passageiro de um vôo de Curitiba a São Paulo estranhou a turbulência na viagem. Ao descer, percebeu que o avião havia perdido o ‘nariz’.

Num outro caso, em São Paulo, no Bairro da Lapa, um jovem de 19 anos ouviu barulho de helicóptero se aproximando e uma forte explosão. Com sua câmera digital, fotografou a cena segundos depois. No show do U2 em São Paulo, o cantor Bono Vox chamou ao palco uma fã com celular. Ela fez uma foto e tornou-se celebridade na internet, além de ter a foto publicada no Estado.

TECNOLOGIA

O mercado de fotografia cresceu 20% no mundo este ano, puxado pela tecnologia digital. ‘Já são oferecidas câmeras supercompactas de 8 megapixels e cartões de memória de 8 gigabytes’, comenta Duda Escobar, diretora da Alcântara Machado, organizadora do evento. ‘Há cinco anos, as melhores câmeras tinham 2 megapixels de resolução e as pessoas achavam o máximo.’ Com os 8 megapixels de hoje, é possível ampliar uma foto a até 40 centímetros de largura sem perder definição. Já existem 22 milhões de câmeras digitais no Brasil. ‘Muitas pessoas estão comprando a segunda ou terceira câmera,’ diz Duda. Segundo pesquisas, essas pessoas já procuram por produtos com 6 ou mais megapixels.

‘O sistema de Fotos analógicas acabou e o método convencional hoje é o digital’, diz. ‘Os que reclamam que a tecnologia diminuiu o comércio nas lojas de foto são os que não se modernizaram’.

Haverá uma área do evento destinada somente a impressão de fotos – segundo a organização da feira, de cada dez fotos digitais, quatro vão para o papel. ‘Os serviços de impressão estão cada vez mais rápidos, maiores e com mais qualidade’, diz Duda. ‘Às vezes não é nem necessário usar um computador, basta ligar a câmera na impressora por meio de um cabo e as fotos saem na hora.’

Ela diz que apenas o serviço de revelação pela internet cresceu 17% no ano passado. ‘Isso sem contar as pessoas que levam as fotos até a loja pessoalmente.’

Na feira, serão apresentados também novos modelos de quiosque de auto-serviço de revelação digital, para que o próprio cliente edite e imprima suas fotos. Além das novidades, os visitantes poderão conferir, na feira, a maior câmera fotográfica móvel do mundo, montada no baú de um caminhão Volkswagen, modelo Constellation, com 7,5 m de comprimento. A Photo Image Brazil funcionará de 8 a 11 de agosto, no Centro de Exposições Imigrantes, em São Paulo. Os organizadores esperam a visita de 25 mil compradores. A expectativa é de R$ 70 milhões a R$ 80 milhões em vendas, sem contar os negócios posteriores decorrentes da feira.’



TV DIGITAL
Eduardo Kattah

TV digital dá vida nova ao pólo industrial de Santa Rita do Sapucaí

‘A corrida pelas fatias do bilionário mercado brasileiro de TV digital já é intensa na pequena Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas, sede do chamado Vale da Eletrônica, que reúne 115 empresas de base tecnológica. O negócio TV digital é realidade na cidade há cerca de dois anos, quando começaram os primeiros estudos para o desenvolvimento de produtos e componentes necessários para instalação do novo padrão de transmissão no País.

O município, com 35 mil habitantes, é talvez a localidade nacional onde a perspectiva de empregos e investimentos por trás do salto tecnológico é mais contundente.

O período de até dez anos estipulado para a convivência entre os sistemas analógico e digital tornou o sep top box – um receptor que converte o sinal digital para o televisor analógico convencional – o ‘grande filão’ do primeiro momento da TV digital no Brasil. Outra grande oportunidade para as indústrias está na fabricação de transmissores digitais e links de microondas. Produtos que estão em fase de testes no Vale da Eletrônica.

‘O pólo tecnológico de Santa Rita do Sapucaí já está preparado para suportar a fabricação dos componentes para o Sistema Brasileiro de TV Digital’, assegura Adonias Costa da Silveira, coordenador do projeto de TV digital do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), com sede no município.

Pesquisadores e líderes empresariais salientam, contudo, que a participação da indústria nacional nesse gigantesco mercado ainda vai depender de como o modelo nipo-brasileiro será normatizado e da oferta de incentivos para os investimentos produtivos.

O governo optou pelo padrão japonês (ISDB), mas determinou a incorporação de inovações tecnológicas nacionais. O decreto presidencial assinado no fim do mês passado estipulou prazo de 18 meses para a operação. No caso dos conversores, o temor é que, sem incentivos fiscais, toda a produção fique concentrada na Zona Franca de Manaus.

A Phihong FIC, maior empresa de Santa Rita do Sapucaí, ganhou concorrência para a digitalização da planta TVA no Rio e já prepara a instalação de uma linha de montagem de sep top box. O produto foi desenvolvido pela STB – em parceria com o Inatel -, empresa fundada há três anos na cidade, já com foco no mercado da ‘TV do futuro’.

‘Estamos praticamente empatando ou pagando para produzir. Mas o objetivo é ganhar a experiência industrial e logística para no ano que vem a gente estar pronto para o começo da demanda de transmissão digital em TV aberta’, disse o presidente da Phihong, Luciano Lamoglia.

LEI DE INFORMÁTICA

Ele reivindica a inclusão do conversor na Lei de Informática, o que permitiria a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e viabilizaria sua fabricação fora do parque industrial do Amazonas.

‘Solicitamos que, pelo menos no sep top box, a indústria em todo País consiga participar. Incluir o produto na Lei de Informática não elimina a produção em Manaus’, afirma Lamoglia.

Trata-se de ‘algo altamente desejável’, faz coro Silveira. ‘É a saída para as empresas aqui do Sudeste.’ O coordenador do Inatel afirma que o sep top box possui ‘um grande conteúdo de software’ o que justificaria sua inclusão na lei. ‘É como um computador embarcado.’

O carro-chefe da produção da Phihong atualmente são as baterias e os carregadores de celulares. Mas Lamoglia lembra que o mercado de telefonia móvel, que nos últimos anos apresentou grande expansão, já está atingindo a marca de 100 milhões de usuários e chegando à saturação. ‘Continua tendo um mercado de reposição, que é bastante interessante, mas você passa a não ter mais o mercado de novos usuários, que representava 20 milhões quase todo ano’, salienta.

A aposta na TV digital é tanta que ele vislumbra a possibilidade de triplicar o atual número de empregados – 2,5 mil – num prazo de quatro anos. ‘Hoje você tem cerca de 115 milhões de TVs analógicas no País. Em faturamento, isso representa um mercado três a quatro vezes maior do que o mercado de celular’, diz Lamoglia.

AMPLIAÇÃO

A empresa já reservou áreas no entorno de sua sede principal para ampliar a planta industrial. Com quatro unidades em Santa Rita, a Phihong faturou R$ 210 milhões no ano passado. A realidade na região, porém, é de médias e pequenas empresas. As 115 indústrias de base tecnológica empregam cerca de 7,2 mil pessoas. A previsão de faturamento em 2006 é de R$ 680 milhões, contra R$ 465 milhões em 2004.

A produção do conversor e dos transmissores digitais deverá, de imediato, elevar em 20% o faturamento do pólo e gerar mais 2,5 mil postos de trabalho, acredita Roberto de Souza Pinto, presidente do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindvel).

Marcos Vinícius Borges, de 45 anos, já pode ser considerado um beneficiário da nova onda de desenvolvimento que se anuncia. Natural de São José dos Campos, no interior de São Paulo, e ex-bancário, ele trabalhava na prefeitura de Itajubá, também no sul de Minas, quando foi arregimentado para assumir a função de gerente de produção da STB. Já se considera inteirado com o mundo da alta tecnologia e cursa uma faculdade à distância. ‘Minha escola está sendo aqui. Santa Rita está dando muita oportunidade, até para quem já passou dos 40.’’



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Empresa fundada em 77 exporta para 40 países

‘Os quatro sócios da Linear Equipamentos Eletrônicos, empresa pioneira do Vale da Eletrônica, já esfregam as mãos diante da oportunidade de negócios com a TV digital. Fundada em 1977 por cinco ex-alunos do Inatel – dando início à uma trajetória comum na constituição das indústrias de Santa Rita do Sapucaí -, a empresa é considerada a maior fabricante de transmissores de TV da América Latina, tendo produzido e instalado mais de 28 mil equipamentos em 40 países.

‘Nós nos especializamos em transmissão de televisão desde o começo’, conta o diretor Comercial, Robinson Gaudino Caputo, de 54 anos. Ele conta que as pesquisas na área digital começaram há quatro anos.

Desde o início de 2005, a Linear exporta transmissores digitais com o padrão americano para Estados Unidos e México. Um escritório foi aberto em Chicago. Em abril deste ano, apresentou o primeiro produto no padrão japonês produzido no Vale da Eletrônica. ‘Desenvolvemos um transmissor no padrão ISDB, que está pronto, mas não podemos colocar em fabricação porque a norma não foi definida’, disse a engenheira de Produtos da empresa, Vanessa Lima.

Quando começou a se falar da adoção da TV digital no Brasil existia em Santa Rita do Sapucaí a expectativa de que o governo ia optar por um padrão nacional. A primeira transmissão digital em TV aberta no País foi feita em janeiro de 2005, do laboratório da Linear até um aparelho de alta definição no Inatel. Na década estimada para a transição do sistema analógico para o digital, Gaudino estima um mercado de US$ 500 milhões somente na área de transmissores.

A STB também já desenvolveu um transmissor, em parceria com a Universidade Mackenzie. ‘Estamos preparados para o padrão japonês, sem problema’, afirma o diretor Industrial, Flávio Ricardo Brito.’



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Cidade trocou produção de café por tecnologia

‘A origem do Vale da Eletrônica está no ensino, combinado a uma cultura empreendedora. Casada com o diplomata Antônio Moreira de Abreu, Luiza Rennó Moreira, conhecida como Sinhá Moreira, viveu no Japão no período anterior à 2ª Guerra Mundial e voltou ao Brasil, no fim dos anos 50, com a disposição de iniciar um processo avançado de educação, baseado na crença de que o mundo giraria em torno da eletrônica. De tradicional família do sul de Minas e sobrinha do ex-presidente Delfim Moreira, ela fundou a Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa (ETE), a primeira do gênero na América Latina.

Pouco depois, em 1965, foi criado o Inatel, que ofereceu o primeiro curso superior em telecomunicações no Brasil. Em 1971, veio a Faculdade de Administração e Informática (FAI). Boa parte dos empresários que comandam as indústrias locais são ex-alunos das instituições.

Situada na região que é a maior produtora de café do Brasil, Santa Rita construiu a sua indústria a partir da base educacional. A maior parte do esforço para criar o pólo se deu a partir da década de 90. Havia 10 empresas de base tecnológica na cidade em 1980. No fim da década, eram 17 e, em 1999, 48 empresas. ‘Já temos 115 empresas’, diz o presidente do Sindvel, Roberto de Souza Pinto.

Emoldurada por morros tomados de pés de café, a cidade do sul de Minas conserva a arquitetura colonial, que convive com os novos empreendimentos comerciais. Os prédios são raros, mas há muitas construções em andamento.

Embora a cafeicultura continue sendo uma importante atividade, o município hoje é conhecido pelo sucesso do pólo de eletrônica. É comum encontrar nas linhas de produção trabalhadores que recentemente deixaram a lavoura.

A prefeitura está concluindo obras em uma área que receberá um condomínio que abrigará 20 indústrias de base tecnológica. Há ainda um projeto de construção de um parque tecnológico. A cidade possui também duas incubadoras, uma ligada à prefeitura e outra ao Inatel .

Segundo Pinto, a velocidade com que as empresas da região têm se adequado à inovação tecnológica tem garantido espaço no mercado. Ele ressalta a ‘padronização da qualidade’. ‘Quase metade das empresas de Santa Rita tem ISO 9000.’

Engenheiro eletricista com ênfase em telecomunicações, formado em 1975 no Inatel, tendo feito curso técnico no ETE, Robinson Gaudino Caputo, da Linear, se surpreende com o crescimento do Vale da Eletrônica. ‘Não imaginava que pudéssemos exportar para tantos países. Lá fora acham que o Brasil não tem tecnologia.’’



CÓDIGO DA VINCI
Luís Fernando Verissimo

Heresias

‘Sou uma das dezessete pessoas no mundo que não leram O Código Da Vinci. Mas vi o filme. Já me disseram que deveria ter sido o contrário, pois o filme – que merece aquele semielogio que se faz quando nenhum outro cabe: ‘é bem feito’ – não passa de um resumo rápido do livro. Mas se o filme não é bom, é extraordinário num sentido que não recebeu a devida atenção, a não ser por alguns setores da própria Igreja. Pela primeira vez se vê na tela, superproduzida, com orçamento alto, ator famoso, circuito de luxo e promoção de primeira, uma blasfêmia.

A heresia impressa é atenuada pela característica de reflexão privada de um livro – mesmo de um hiperbesteseller – e, afinal, no caso trata-se apenas de um mote intrigante para tocar a trama. A literatura tem esta licença que o cinema, um veículo de reflexão coletiva, não tem. A tradição do cinemão comercial é de respeito e exaltação à religião dominante no Ocidente, desde os primeiros filmes bíblicos. Certamente sem se dar conta disso, O Código Da Vinci é um dos mais revolucionários filmes jamais feitos – pelo menos por Hollywood. Ele diz que a história da Igreja Católica é baseada numa mentira. Especulações sobre vidas alternativas de Cristo como as do Pasolini e do Scorcese, por exemplo, desagradavam a ortodoxia mas eram liberdades artísticas perdoáveis. E, mesmo, não eram filmes para grande público. O Código da Vinci diz para o grande público que a Igreja Católica é uma conspiração contra a verdade.

Não se deve esperar que o O Código da Vinci inaugure um gênero, o de arrasa-mistificações, ainda mais que seus produtores não têm feito outra coisa desde o seu lançamento senão garantir que o filme não é o que é. Mas é certo que não teremos mais filmes como aqueles de antigamente em que a Hedy Lamarr era a Dalila, o Victor Mature era o Sansão, Deus estava no céu e os heréticos aprendiam sua dura lição. O último filme bíblico que apareceu foi o do Mel Gibbons, que ao contrário de blasfemo pretendia ser uma reconstituição literal do martírio e da crucificação do Cristo em toda a sua crueza, inclusive enfatizando a razão primordial da ortodoxia cristã para demonizar os judeus. Não dá para imaginar como seria uma versão revisionista de Sansão e Dalila (Sansão e Dalilo?) mas qualquer tipo de heresia é preferível à ortodoxia mentirosa e intolerante.

E a Audrey Tautou como descendente direta de Cristo me parece perfeitamente plausível.’



TELEVISÃO
Leila Rios

Temperatura baixa

‘Por mais que os telejornais se esforcem, o clima eleitoral ainda não se instalou no País. A agenda dos candidatos à Presidência da República tornou-se obrigatória em todos os noticiários. Dos mais famosos aos desconhecidos, todos aparecem puxando cordões de correligionários (geralmente candidatos a algum cargo) por ruas centrais, feiras-livres, bairros da periferia. Enfim, surgem em lugares em que podem exibir para as câmeras a sua popularidade por meio de apertos de mãos e afagos em criancinhas. E, em algum momento, fazer um pit-stop para recitar no microfone algum item de sua plataforma.

De certa maneira, a TV antecipa por conta própria o horário eleitoral obrigatório que, por lei, abre a temporada no dia 15. A cobertura que se tem visto tem sido tão burocrática quanto o discurso dos candidatos à Presidência e aos governos estaduais. Isso talvez explique a apatia do telespectador ao assunto eleição.

O melhor exemplo vem do SBT. Nem mesmo a primeira entrevista do presidente Lula na condição de candidato foi capaz de agregar audiência ao SBT Brasil, de Ana Paula Padrão. O principal noticiário da rede de Silvio Santos marcou a mesma média de 5 pontos no Ibope de todos os dias.

Que as emissoras estão engajadas na cobertura que se aproxima não há a menor dúvida. Reflexo do momento democrático ou não, o fato é que até as nanicas se candidataram e vão realizar debates entre os majoritários. Globo, Bandeirantes, Record e até a Gazeta têm datas reservadas nas agendas dos presidenciáveis e governáveis.

A Band saiu com um anúncio provocativo quando a Globo colocou seu ônibus na estrada para levantar in loco os principais problemas nacionais. Puxou sua folha corrida de cobertura e escreveu literalmente: ‘A Band construiu uma história de isenção, credibilidade e imparcialidade. Para chegar lá, não bastam ônibus ou barco.’

A Record convocou sua ‘Fátima Bernardes’, a apresentadora Adriana Araújo, para rodar o Brasil colhendo reportagens dentro dos temas emprego, segurança, saúde, etc. As matérias estão previstas para irem ao ar quando começar a propaganda eleitoral.

Essa história de tematização parece ser a tônica deste ano. O Canal Livre Eleições (segunda, na Band) escolheu a corrupção para iniciar a série que manterá até o final da campanha.

Informar ao máximo o brasileiro sobre os que se propõem a dirigir seus destinos faz parte da missão da televisão e ela deve se mobilizar inteiramente para cumprir isso.Também tem de se levar em conta que é realmente difícil encontrar novas alternativas para tratar de um assunto tão desgastado. O ônibus da Globo – o pivô do incômodo na concorrência – é uma tentativa interessante. Em especial, porque vai trazer para o vídeo rincões que geralmente só aparecem por motivo de tragédia ou curiosidade.

Apesar de tudo isso, a temperatura do lado de cá do vídeo não é a mesma. Por desencanto (pela enxurrada de denúncias que vem testemunhando há mais de um ano) ou apatia (por achar que a farinha de todos os sacos são da mesma qualidade), o público não está entrando no clima.

Talvez esteja guardando seu entusiasmo para quando a campanha esquentar. Sabem que, mais dia, menos dia, começa a batalha em que os candidatos arremessarão pedras, uns contra o telhado dos outros.’

Cristina Padiglione

A vice por um fio

‘O SBT pode até bater o pé pelo segundo lugar, mas aquele velho slogan, o tal do campeão absoluto da vice-liderança, já era. O relatório consolidado do Ibope em julho indica que o segundo lugar está por um fio. Na contagem do dia todo, a diferença com a Record é mínima: 8,1 ante 6,2 pontos. Em 2005, no mesmo mês de julho, esse placar era de 9,5 a 4,7. O canal de Silvio Santos caiu 15% e o de Edir Macedo subiu 31% na faixa das 7 da manhã à 0 h.

Na subdivisão da programação em manhã, tarde e noite, o SBT só bate a Record na primeira: das 7 h às 11h59 tem 7 pontos, ante 3,4 da outra. Na faixa noturna, dona dos intervalos mais caros, o SBT fecha julho em desvantagem: 8,5 pontos, ante 9,9 da Record. Pode não parecer muito, mas, a considerar que o placar em julho de 2005 era de 12,4 a 6,8 – a favor do SBT – a tendência de queda é gritante.

Do jornalismo à teledramaturgia, sobra competência aos subalternos de Silvio Santos e falta planejamento ao patrão. Inofensiva em outros tempos, essa fraqueza do dono do baú em remexer na programação à toa enfrenta hoje alguém que não se acanha em clonar a Globo para avançar. É Edir Macedo que vem aí.

entre-linhas

O SBT desmentiu rapidinho que Dado Dolabella e Bianca Castanho tenham se desentendido durante as gravações de Cristal. Houve quem jurasse que os protagonistas da novela tenham se estranhado no set.

A Globo reúne em São Paulo, nos dias 14 e 15, representantes de suas 121 afiliadas para falar de projetos regionais para 2006 e 2007.

Por falar em Globo: está prevista para 20 de novembro a estréia de Pé na Jaca, próxima novela das 7.

Assim como fez em Prova de Amor, a Record já renovou o contrato de parte do elenco de Cidadão Brasileiro por prazos longos. A maioria dos atores está fechando com a emissora por quatro anos.

Atenta à ampla divulgação de O Aprendiz, amanhã à noite, na Record, a Globo começou a bombar a programação desde anteontem com chamadas do Fantástico.

E Silvio Santos, na contramão, resolveu lançar amanhã, de surpresa, claro, o game show Topa ou não Topa, bem às 20h30, horário do Aprendiz.

A BBC Brasil fez uma série de reportagens sobre as condições de brasileiros no trabalho doméstico, no Brasil e em países desenvolvidos, como Japão, Portugal e Estados Unidos. As cenas vão ao ar via Band News e Jornal da Band, a partir de segunda-feira, até 12 de agosto. A série também estará nas rádios Eldorado e CBN.’



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