Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Estado de S. Paulo


LULA vs. MÍDIA
Paulo Moreira Leite


Lula descumpre promessa de ‘cansar’ jornalistas de entrevistas


‘Mais de um mês depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não
começou a cumprir a promessa feita após a reeleição de que os jornalistas iriam
‘se cansar de tantas entrevistas coletivas’ – resposta a uma cobrança que
percorreu boa parte de seu mandato. Até pelo aspecto solene, esses eventos são
vistos como a forma clássica de um governante prestar contas à sociedade. Muitas
vezes por isso mesmo, as coletivas costumam ser evitadas por ocupantes do
Planalto, num país onde as relações entre governo e imprensa dependem de atos de
vontade e inclinações pessoais de quem está no poder.


Fora do governo depois de ter sido assessor de Lula durante dois anos de
mandato, o jornalista Ricardo Kotscho admite: ‘O governo teve dois problemas de
relacionamento no primeiro mandato. Um com o Congresso, o outro com a imprensa.
As relações com o Congresso estão melhorando. Mas não vejo o menor sinal de
progresso nas relações com a imprensa’. Numa declaração que dá uma idéia do
tamanho do problema, Kotscho afirma: ‘Não me pergunte como resolver isso. Passei
dois anos no Planalto e não consegui fazer nada. Se soubesse, teria feito’.


Esse convívio tenso produziu, digamos, acidentes e tragédias. Responsável por
um dos três mais altos faturamentos da TV Record, o apresentador Boris Casoy
está convencido de que teve seu contrato com a emissora rompido em dezembro de
2005 – 11 meses antes do prazo fixado – em função de pressões do Planalto. A
rotina de Casoy nos três anos de governo Lula foi uma composição de episódios
preocupantes. Convocado a Brasília, um executivo da empresa recebeu o extrato de
uma conta do apresentador das mãos de políticos ligados ao governo – prova de
que seu sigilo bancário fora quebrado.


Um político ligado à Igreja Universal, proprietária da Record, costumava
responder com segurança aos comentários de que a empresa deveria zelar pela
independência de seu noticiário: ‘Não interessa. Eles são governo e nós temos
interesses’. Numa reunião em Brasília, um executivo da área comercial foi
informado de que a emissora poderia desistir de seus pleitos para novos planos
de publicidade ‘porque não se podia fazer nada enquanto Boris estivesse lá’. A
direção da TV Record foi procurada para comentar esses episódios, mas não deu
resposta aos pedidos de entrevista.


Embora admita que seria impossível provar esses relatos, Boris Casoy lembra
que revelam um ambiente de hostilidade à imprensa. ‘O presidente Lula tem uma
visão distorcida’, diz. ‘As críticas são vistas como hostilidade até pessoal,
quando não por engajamento político oposicionista.’


Em palavras próprias de quem já esteve nos dois lados do balcão, o colunista
Cláudio Humberto, o porta-voz ‘bateu-levou’ de Fernando Collor, lembra que ‘a
relação entre governo e imprensa tem de ser tensa. Se tudo estiver bem para os
dois lados é que alguma coisa está errada’.


Ainda assim, o caso do governo Lula envolve particularidades. Ao longo do
primeiro mandato, o PT produziu a maior coleção de atos jurídicos registrados
pela revista Veja desde a democratização. No final de 2005 o partido entrou com
uma ação por danos morais em função de oito capas da revista, acusadas de
alimentar ‘uma campanha para denegrir a imagem do partido’. Em 2006, três
jornalistas foram chamados a prestar depoimento numa investigação em que a
Polícia Federal procurava descobrir a fonte de uma reportagem sobre uma possível
operação para livrar Freud Godoy, amigo de Lula, na ação para a compra do dossiê
Vedoin. Ao longo do ano, uma duzia de ações foram acumuladas contra a revista.
‘Esse volume mostra que querem produzir ameaças econômicas em função de altos
custos de indenizações e mesmo de acompanhamento de processos’, afirma o
advogado Djair Rosa, há duas décadas na área. Toda pessoa que se considere
vítima de um erro de imprensa tem o direito de bater às portas da Justiça. ‘Mas
é estranho que um partido político resolva abrir processos que envolvem o
direito de opinião’, afirma Djair.


Perseguido por repórteres que chegaram até a cantar o slogan ‘Lula-lá’
durante a campanha, Fernando Collor evitava coletivas, mas aceitava pedidos de
entrevistas individuais. Numa das raras coletivas, a repórter Sonia Carneiro,
que hoje é assessora no Planalto, fez uma pergunta que todos gostariam de fazer,
mas que causou alvoroço: perguntou se o presidente, cada vez mais magro, fora
contaminado pelo vírus da aids.


Fernando Henrique não gostava de coletivas nem de entrevistas de gravador
ligado. Preferia receber jornalistas para conversas informais, onde suas
declarações eram publicadas na forma de ‘falou a um amigo’ ou ‘disse a um
interlocutor’. Era uma forma de garantir o controle da conversa e de negociar
cada palavra publicada. Mesmo assim, a palavra do presidente circulava pelo País
e era possível fazer questionamentos pontuais.


Durante o governo FHC surgiu a expressão ‘denuncismo’, para abafar
investigações que não agradavam ao Planalto. Em 2000, o programa Opinião
Nacional, da TV Cultura, fez uma entrevista com João Pedro Stédile, líder do
MST. A entrevista não foi exibida na TV Nacional, de Brasília, e na Educativa,
do Rio de Janeiro, ligadas ao governo federal.


Existem duas verdades conhecidas na convivência entre todos os presidentes e
a imprensa. A primeira é que os presidentes se consideram no legítimo direito de
receber elogios e consideram toda crítica, em princípio, injusta.


A segunda é que detestam notícias sobre sua vida privada, em especial sobre
familiares. Numa decisão que mudou para sempre suas relações com a mídia, Lula
tentou expulsar o correspondente americano Larry Rohter por causa das
referências a seu pai e não pelas insinuações em torno de seu gosto por bebidas
alcoólicas. Hoje, nada o incomoda mais do que as reportagens sobre a empresa de
Lulinha. Seus assessores perguntam aos repórteres se filhos de outros
presidentes receberam tratamento semelhante. É uma questão sem resposta, pois
não se conhece outro caso em que uma prestadora de serviço público tornou-se
sócia do filho do presidente.’


***


Ascensão ao poder mudou relação com a imprensa


‘Contato cordial dos tempos de oposição deu lugar à desconfiança, que não é
uma exclusividade petista


Paulo Markun, apresentador do programa Roda Viva, da TV Cultura, emissora
comandada pelo governo do PSDB paulista, diz que ‘se tornou senso comum dizer
que o PT quer controlar a imprensa’. ‘Exagero. Eles querem a imprensa a seu
favor, como todo mundo. O problema é o método’, completa. ‘No governo de
Fernando Henrique, os contatos do presidente com a imprensa eram regulares e
freqüentes. No governo Lula, a relação é atabalhoada.’


Markun acha que os jornais têm razão em cobrar mais transparência do governo
Lula, mas diz que nem sempre são transparentes quanto a seus próprios
interesses. ‘Nesse caso, muitas vezes dão pouca cobertura à visão contrária’,
afirma.


Para Carlos Augusto Schroeder, diretor-geral da Central Globo de Jornalismo,
‘o governo tem uma relação de desconfiança’. ‘Sempre imagina que temos uma
segunda intenção quando fazemos uma reportagem.’ Na sua visão, o Planalto quer
que a imprensa ouça o seu lado, mas não compreende o lado da imprensa, ‘que é
apurar e apontar o que não está certo’.


No livro Viagens com o Presidente, os repórteres Eduardo Scolese e Leonencio
Nossa lembram que a maioria dos presidentes gosta de cultivar relações
privilegiadas com a direção dos meios de comunicação, dando prioridade a
conversas com colunistas de prestígio e profissionais em posição de mando. Pela
paradoxal descrição de Scolese e Nossa, ‘o governo petista representa um período
de liberdade para os jornalistas’. Eles dizem que os repórteres não se sentem
ameaçados de, cedo ou tarde, terem suas cabeças pedidas pelo governo à direção
dos veículos de comunicação, já que Lula trata repórteres, editores e patrões da
mídia sem privilégios. A desinformação é geral: ‘Todos são nivelados por
baixo’.


‘O presidente Lula nunca me pediu para não dar uma notícia. Nem insinuou.
Mais de uma vez, o presidente disse: ‘Se é verdade, tem de dar’, conta o
jornalista Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás.


As dificuldades de Lula para estabelecer uma política saudável com a imprensa
tem uma dupla raiz. O governo nunca contou com uma política clara de comunicação
para a sociedade, o que tornava impossível ter relação produtiva com a
mídia.


A biografia de Lula mostra que ele manteve boa relação com a mídia quando
precisava dela – na oposição -, mas que a descartou no governo. Um assessor
relata: ‘Quando lhe pediam entrevistas , Lula lembrava as pesquisas favoráveis e
perguntava: ‘Você acha que eu preciso da imprensa?’. Essa opção pelo discurso
sem contraditório faz parte do figurino de vários tipos de político, inclusive
do que governa acima das instituições por julgar ter ‘relação direta com a
população’, como o próprio Lula disse certa vez.


Três de seus auxiliares estão convencidos de que o convívio do governo com a
imprensa foi envenenado pelos serviços do jornalista Bernardo Kucinski, assessor
do Planalto que fazia análises de jornais e críticas ao próprio governo, de onde
saiu em julho. ‘Depois de ler essas coisas, o próprio presidente já vinha
queimado para qualquer conversa’, diz um assessor. Kucinski alega que essa
versão é uma ‘bobagem’, mas está enganado. Inspirados por textos que ele
distribuía desde a campanha eleitoral, assessores do governo preferiam o
confronto com a ‘imprensa burguesa’ a informar a população.


‘Como muitos presidentes, Lula não tem tempo para ler jornais nem ver TV e
acompanha a imprensa por clipes e relatórios de assessores’, observa o
jornalista Boris Casoy. Nos últimos dias, Lula não perde chance de dar
entrevistas, mesmo curtas. Os assessores dizem que a mudança começou. Depois da
coletiva, ainda sem data, o presidente terá quatro anos para mostrar que estão
certos.’


OESP PREMIADO
O Estado de S. Paulo


‘Estado’ vence prêmio de qualidade gráfica


‘Pela sexta vez – e quarta consecutiva -, o Estado foi o vencedor do Prêmio
de Excelência Gráfica Fernando Pini na categoria Jornais.


O prêmio foi criado em 1991 pela Associação Brasileira da Indústria Gráfica
(Abigraf) e Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica (ABTG) com o objetivo de
estimular trabalhos que incorporem tecnologia e qualidade de impressão aliadas à
produtividade.


‘O Fernando Pini é o Oscar da indústria gráfica brasileira e um dos mais
respeitados prêmios gráficos da América Latina’, diz Odair Bertoni, diretor
industrial do Estado. ‘Trata-se do reconhecimento da qualidade técnica do nosso
produto e do credenciamento junto ao mercado publicitário.’


O Estado concorreu com 19 edições. A premiada foi publicada em 4 de setembro.
Os jornais Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde, O Liberal e O Globo foram os
outros finalistas na categoria.


A 16ª edição do prêmio contou com 1.522 inscrições de 166 empresas que
concorreram em 57 categorias. A comissão que avaliou os trabalhos levou em
consideração tanto a parte técnica quanto a criativa.


Entre os finalistas, de 12 Estados, São Paulo registrou a maior participação,
com 70% dos candidatos (196). Em segundo lugar ficou o Paraná, com 25
candidatos. Rio ficou com 18 e Pernambuco, 15.


A cerimônia de entrega do prêmio foi na segunda-feira à noite, no espaço Expo
Barra Funda.’


CAPOTE CONVIDA
Sérgio Augusto


Bye, Bye, Beautiful People


‘O senhor do universo. Era assim que Truman Capote se sentia no primeiro
semestre de 1966. Seu último livro, In Cold Blood (A Sangue Frio), continuava
liderando todas as listas de best sellers. Jornais, revistas, televisões,
emissoras de rádio, clubes e universidades não o deixavam em paz. Procurado,
perseguido, adulado, seu nome freqüentava todas as rodas – e ele, qualquer
ambiente, preferencialmente os mais grã-finos e badalados. Com a mídia e a alta
sociedade a seus pés, o ex-menino pobre e carente de Nova Orleans poderia ter-se
dado por satisfeito. Mas não se deu. Ser o centro das atenções ainda era pouco
para ele. Seu toque de Midas, seu narcisismo e sua megalomania exigiam novos
desafios.


‘Estou pensando em relançar A Christmas Memory numa edição especial’,
anunciou a uma jornalista, que pasma ficou ao saber do resto: a nova edição
custaria U$ 5, quase o preço, na época, de um livro novo de capa dura com mais
de 200 páginas. A Christmas Memory, além de velho uns 10 anos, tinha apenas 45
páginas. Capote entrara em alfa, delirava. No verão daquele ano, a alucinação
suprema: uma festa de arromba, para acabar com todas as outras festas de
arromba. Em Nova York, para ofuscar os maiores bailes de sua história. O da
posse de George Washington, em 1789? Fichinha, perto do que Capote, salivando de
prazer, corvejava à beira da piscina da editora Eleanor Friede, nos Hamptons. A
homenagem de gala ao general Lafayette, em 1824? Ninguém se lembraria mais dela
se o afetado darling do jet set internacional concretizasse o seu capricho.


‘Numa noite, não só redistribuiria aos amigos pavões todos os anos de
diversão que lhe haviam proporcionado como também satisfaria um grande desejo
acalentado grande parte de sua vida’, escreveu o biógrafo Gerald Clarke. Nenhum
notável deste mundo poderia faltar. Mais que uma festa, seria uma demonstração
de poder. E de controle absoluto. A começar pela lista de convidados, só de
amigos e pessoas conhecidas do anfitrião. Nada de acompanhantes: convites
nominais e intransferíveis. Solteiros, obrigatoriamente sozinhos. Se o marido
era chato, ele e a esposa dançavam, e vice-versa.


Eleanor ponderou: ‘Metade das solteiras não irão sozinhas, mesmo informadas
de que haverá um monte de homens solteiros dando sopa.’ Capote não se abalou.
Pequenos jantares preliminares, por conta de meia dúzia de solidários e abonados
casais, serviriam de teste para se ver quem combinava com quem. Os solteiros e
desacompanhados estavam salvos. O produtor Leland Hayward e sra. encarregaram-se
de filtrar e combinar a turma do show business. A química entre os socialites
foi testada chez Kaye e Joe Meehan, o casal número um de Wall Street.


Com o mesmo cuidado dispensado à escolha das palavras em seus escritos,
Capote foi montando o elenco da festa, à base de duplas com alguma rima entre
si: a poeta Marianne Moore e a escultora Marella Agnelli (mulher do magnata
italiano Gianni Agnelli), Henry Ford e Henry Fonda, o político Sargent Shriver e
o pintor John Sargent, Frank Sinatra e o jornalista Walter Lippman, o compositor
Irving Berlin e o ensaísta Isaiah Berlin. Cortou de cara o presidente Lyndon
Johnson, que, além de chato, inundaria o salão de agentes de segurança. Sua
filha, Lynda Bird Johnson, contudo, entrou, para fazer pendant com as idosas
filhas de dois outros ex-presidentes, Theodore Roosevelt e Harry Truman.


Havia, ainda, príncipes e princesas, duques e duquesas, lordes e marqueses,
totalizando 500 nomes, que, até o dia da festa, chegariam a 540. ‘Parecia uma
relação de condenados à guilhotina’, pilheriou o escritor Leo Lerman. Outro
convidado, Jerome Robbins, o coreógrafo de West Side Story, foi mais específico:
‘A Guarda Vermelha faria picadinho dessa gente toda.’ Comparações com o último
baile em Versailles, antes da Revolução Francesa, também foram feitas. Se algum
brasileiro estivesse presente, dificilmente não se lembraria do último baile da
Ilha Fiscal.


Ninguém ousou perguntar a Capote se uma extravagância daquela magnitude não
seria um insulto aos que estavam morrendo, dos dois lados, na guerra do Vietnã,
e a todos os cadáveres do romance que multiplicara a fama e a conta bancária do
escritor. Ninguém tampouco perguntou-lhe se a data escolhida – 28 de novembro –
não seria uma descortesia com as festas da independência do Panamá e de quatro
colônias francesas na África (Chad, República do Congo, Gabão e Mauritânia),
talvez porque nenhum dos convidados, nem sequer Lillian Hellman, Norman Mailer e
o historiador Arthur Schlesinger Jr., soubesse dessas coincidências.


Antecipando-se a eventuais cobranças, Capote procurou desvincular o baile do
sucesso de A Sangue Frio e realizá-lo sem os excessos ostentatórios dos velhos e
novos-ricos. Nada do suntuoso fácil, irremediavelmente cafona. Nada de cascatas
de camarões, chafarizes de champanhe e cisnes em largos artificiais. Mas teria
de ser no único salão de baile bonito que restava em Nova York, o do Hotel
Plaza. E, o toque chique: um bal masqué. À meia-noite, todos tirariam suas
máscaras, revelando suas identidades, e começariam a dançar. Sentia-se o próprio
Próspero, o shakespeariano mágico de A Tempestade, controlando todos à sua
volta.


Estalo complementar: um bal masqué em preto e branco. A inspiração veio da
seqüência ambientada em Ascot, que Cecil Beaton imaginara e criara para o
musical My Fair Lady. Não era, diga-se, uma idéia original. Vincente Minnelli a
tivera, 15 anos antes, para o baile à fantasia de Sinfonia de Paris. Em 1964,
Lenny e Dominick Dunne haviam organizado algo parecido, em sua mansão de Los
Angeles, com Capote entre os convidados.


Para arrefecer um pouco as críticas à sua egolatria, o anfitrião do bal
masqué decidiu transformá-lo numa homenagem a uma mulher que fosse muito rica e
poderosa, mas de low profile e sem ambições competitivas. Katharine Graham,
herdeira do império jornalístico formado pelo jornal Washington Post e a revista
Newsweek, venceu sem concorrentes. Ela relutou, a princípio, o insólito preito,
mas acabou caindo na lábia do escritor. Feia, tímida, insegura e solitária (o
marido se matara três anos antes), nada elegante e encostando nos 50, era a
presa perfeita. Arvorando-se de seu tutor, Capote a levara para um cruzeiro pela
costa da Turquia, no iate dos Agnelli, no verão anterior. No baile do Plaza, ele
seria mais do que um tutor para ela; seria o seu Pigmaleão.


Nos últimos dias de outubro, os convites, escritos à mão, foram
distribuídos.


Em Homenagem à sra. Katharine Graham,


Truman Capote


Solicita o prazer de sua companhia


No Baile Branco e Preto


No domingo, dia 28 de novembro,


às 22 horas,


No Grande Salão de Bailes do Plaza


RSPV


Srta. Elizabeth Davis


46 Park Avenue,


Nova York


Traje


Cavalheiros: smoking e máscara negra


Senhoras: vestido branco ou preto; máscara branca; leque.


Houve até quem ameaçasse suicidar-se por não ter sido convidado. A atriz Ina
Claire telefonou de São Francisco, implorando um convite; Capote foi inflexível.
A legendária Tallulah Bankhead só conseguiu dobrá-lo depois de chorar todas as
suas misérias, que eram numerosas e imensas. A muitos, o anfitrião mentiu, pondo
a culpa nos correios.


A imprensa não parava de jogar lenha na fogueira das vaidades. ‘A sociedade
geralmente blasé desta cidade bate suas asas como um bando de gansos pela festa
não tão privé, para 500 pessoas, oferecida por Truman Capote’, ironizava o
Washington Post, o jornal da homenageada, dias antes do tão esperado domingo.
‘Será um happening de proporções históricas’, prometia um colunista do Daily
News. Nem a exitosa estréia na Broadway, uma semana antes, do musical Cabaré
conseguira monopolizar tanto as conversas dos nova-iorquinos. Dos empresários e
grãfinas da Quinta Avenida aos intelectuais do West Side, sem exclusão de
ascensoristas, porteiros, taxistas e vendedores de pretzels e castanhas.


‘Vocês estão indo pra festa do Truman, não?’, indagou o motorista de táxi, ao
ver a plumagem no chapéu da mulher do colunista Herb Caen, do San Francisco
Chronicle. Isso na vinda do aeroporto para Manhattan. Quando o casal Caen saiu
do hotel rumo à festa, o porteiro do Regency comentou: ‘Esta cidade está cheia
de malucos. Tem gente andando de preto e branco por aí que nem vai à festa do
Truman.’


Os designers Halston e Adolfo quase enlouqueceram de tanto produzir e provar
máscaras. As de Halston, mais caras, custavam US$ 600. O dono da festa
vangloriou-se de possuir a mais barata, dessas de Halloween: apenas 39 cents. A
da atriz Candice Bergen ostentava duas imensas orelhas de coelho. A de Sinatra,
bigodes de gato. A princesa Pignatelli preferiu desenhar a sua no rosto. Houve
quem usasse peles em torno dos olhos ou simplesmente nada sobre o rosto. Marella
Agnelli e a matriarca Rose Kennedy optaram por elaborados enfeites de cabeça com
plumas. O decorador Billy Baldwin encomendou na Tiffany’s uma cabeça de
unicórnio dourada. O fotógrafo negro Gordon Parks também foi sem máscara, para
que todos vissem sua cor. ‘Afinal, eu vim aqui para tornar o baile realmente
preto e branco’, explicou-se ao chegar.


Na entrada do Plaza, um circo de câmeras e curiosos. Dentro, quatro bares e
450 garrafas de champanhe Taittinger para animar os circunstantes. Às nove e
meia, Capote e Kaye Graham saborearam um caviarzinho e postaram-se à porta do
salão, ao lado de um arauto de fraque branco, que anunciava a chegada dos vips:
‘O marajá e a marani de Jaipur!’ O bufê seria servido à meia-noite. Frango
desfiado (o prato favorito do anfitrião no Oak Room Bar do Plaza), espaguete à
bolonhesa (para respingar molho de tomate nos imaculados e reluzentes vestidos
das madames), ovos mexidos, pastéis e tortas; café. Embalando os pés-de-valsa, a
orquestra de Peter Duchin, só com músicas de Irving Berlin. Custo total da
extravagância: US$ 16 mil, uma pechincha, ainda mais porque podiam ser abatidos
do imposto de renda.


Caen reclamou: a festa não decolara, os grupos não se misturaram, a turma da
Costa Oeste sentira-se deslocada, Hollywood e Broadway não se confraternizaram.
Sinatra, enfarado, não demorou muito para arrastar Mia Farrow até o indefectível
bar Jilly’s, onde fazia ponto em Nova York. Harold Prince, produtor de Cabaré,
ficou apenas meia hora e usou como desculpa para dar o fora o clichê da
Revolução Francesa. ‘Ela me veio à cabeça, com aquelas carroças a caminho do
patíbulo, e eu confesso que me senti incomodado.’


O grande sucesso da noite foi a dança de Lauren Bacall com Jerome Robbins, ao
som de Top Hat. Quando os dois entraram na pista, o resto chispou para os
cantos, para desimpedir, assistir e aplaudir. Depois, todos retomaram o salão,
inclusive a atriz que acabaria levando para a cama um segurança que confundira
com um convidado. Sentado a noite inteira, Norman Mailer bateu boca com Pat
Lawford (mulher de Peter, irmã de John Kennedy), quase brigou com McGeorge Burdy
por causa do Vietnã, rompeu com Lillian Hellman por ter entrado na discussão, e
terminou a festa papeando com Tallulah, que acabara de conhecer.


Nos jornais do dia seguinte, hipérboles a granel: ‘A festa da década!’; ‘A
festa do século!’; ‘Uma loucura!’ E críticas de variada procedência. Pete
Hamill, colunista do New York Post e escort de Jacqueline Kennedy (que não quis
ir), espinafrou o baile, contrastando-o com a guerra no Vietnã. Em carta à
revista Time, um soldado anunciou que se recusaria, doravante, a proteger ‘essa
gentalha gorda, letárgica e inútil’. O que prometia ser o apogeu do Beautiful
People tornou-se, também, o seu nadir. Capote não tinha idéia de que o mundo ao
qual tanto quis pertencer, e no qual se firmara como meneur du jeu e bufão, era
vazio e sem sentido. Sua ingrata vingança, 10 anos depois, com as fofocas,
indiscrições e maledicências de La Côte Basque 1965 e Answered Prayers, só
produziu, a rigor, uma vítima: ele próprio. Seu sortilégios caíram por terra,
como os de Próspero, no final da Tempestade.’


FELTRINELLI, EDITOR…
Paulo Roberto Pires


Feltrinelli, o aristocrata subversivo


‘Com quanta ousadia se faz um grande editor? A resposta de Giangiacomo
Feltrinelli certamente não caberia neste suplemento dominical. Mal cabe, aliás,
nas 388 páginas da Feltrinelli – Editor, Aristocrata e Subversivo (Conrad, R$
53) Personagem que parece saído de ficção, nasceu em 1926, como indica o título
de sua biografia, num filme de Luchino Visconti, como herdeiro de uma das
maiores fortunas da Itália no século passado. Morreu 46 anos depois como um
trágico protagonista do cinema político de Marco Bellocchio, explodindo-se num
atentado terrorista fracassado promovido pelos GAP (Gruppi di Azione
Partigiana), dos quais foi membro e financiador. Entre o esplendor da
aristocracia italiana e o soturno destino da luta armada, viveu como editor
personagem que, como se sabe, não costuma dar filme ou romance. Mas que, neste
caso, resultou num grande livro, que prende como romance, informa como
reportagem e faz refletir como ensaio.


E uma das maiores qualidades desta biografia reside no que poderia ser seu
maior defeito: o autor, Carlos Feltrinelli, é filho do protagonista. Hoje tem 44
anos e lidera o sólido império editorial que herdou; em 1972, quando a imprensa
italiana abria manchetes para o destino trágico de um dos maiores editores do
país, era um garoto e já se acostumara a ter notícias de Giangiacomo, caído na
clandestinidade, através de bilhetes cifrados e encontros fugidios. É, portanto,
uma discreta dor que pontua esta narrativa estranha, singularmente equilibrada
quando relata os arroubos de genialidade e insanidade de uma personalidade que,
definitivamente, não era para principiantes.


Para Feltrinelli, livro era a Revolução continuada por outros meios. Como o
Joaquim Nabuco que, entre os escravos da família, descobre-se abolicionista, o
filho do industrial Carlo Feltrinelli percebeu, na convivência com os empregados
dos pais, que a condição de explorador e explorado não só não é destino como,
teoricamente, pode ser modificada. Jovem e inflamado num país ressecado pela 2ª
Guerra, passou à militância formal e ostensiva e, já aí, começou a transformar
em papel sua esfuziante energia revolucionária, criando uma biblioteca que seria
depositária, em livros e documentos, da história dos movimentos sociais de todo
o mundo. Não bastava insurgir-se, pensava, era preciso identificar de onde vinha
a revolta e que caminhos ela poderia apontar.


Entre 1949 e 1955, aprendeu tudo o que tinha de aprender do métier editando
uma coleção de livros populares promovida por um jornal milanês. Desta
experiência, partiu para vôo próprio. Iniciou a Feltrinelli com dois títulos: O
Flagelo da Suástica, de Lord Russel de Liverpool, e a Autobiografia do líder
político indiano Nehru. As escolhas não eram fortuitas: apontavam uma linha
editorial precisa, a luta antifascista e a abertura do mundo para os países
emergentes e as formas alternativas de luta política. Ao contrário do que
poderia parecer, não incorria no erro fatal do jovem editor, o de confundir a
estante de casa, formada única e exclusivamente por suas preferências, com o
catálogo: as escolhas tinham eco no ‘ar do tempo’ e, também, eram amparadas por
sólido raciocínio comercial. Para aquela equipe pioneira da Feltrinelli, não
havia chão firme: o patrão às vezes era ‘companheiro’ e, muitas outras, o
companheiro investia-se das prerrogativas de patrão.


Se já é raro unir tino comercial com convicção ideológica, imagine aliar a
isso sensibilidade literária. Foi graças a esta mistura improvável que
Feltrinelli decidiu publicar, contra a vontade dos dirigentes soviéticos – e,
portanto, do partido a que pertencia – um certo Doutor Jivago. O mundo deve a
ele este romance, cujos originais foram contrabandeados de Moscou por uma rede
de amigos do Partido. Com Boris Pasternak manteve uma dupla correspondência:
cartas em francês falavam da necessidade de publicar, urgentemente, o livro no
Ocidente; outras, protocolares, davam aos censores que as leriam sinais de que
era preciso obedecer ao Partido. Feltrinelli não apenas botou o livro no mundo
como zelou para que seu autor recebesse por ele num país que abolira os direitos
autorais.


Os dirigentes do Partido espumavam de ódio na mesma proporção em que o livro
virava febre – nos três primeiros anos depois do lançamento, em 1957, o livro
ultrapassava os 150 mil exemplares, enormidade num mundo que nem sonhava com
best sellers globalizados como O Código Da Vinci ou Harry Potter. Muito
aborrecimento ainda estava por vir para o Partido: o indisciplinado editor
também decidiu, contra o bom senso ‘revolucionário’, publicar em 1958 o único
livro de um autor recém-morto recusado pela tradicional editora Mondadori e
desprezado por Elio Vittorini. Explica-se: o escritor neo-realista realmente
veria pouca graça, por contrária a seu credo estético e ideológico, na meditação
de um certo Tomasi de Lampedusa sobre os intestinos da aristocracia italiana.
Anotem aí: também devemos O Leopardo a Giangiacomo.


Difícil, dificílima, essa a luta contra obscuridade num tempo em que, como
anota ironicamente Carlo Feltrinelli, ‘os livros ainda eram livros’. Em 1962,
imprimiu em italiano e estocou fora da Itália o Trópico de Câncer, de Henry
Miller. Fez constar no livro uma advertência: ‘Edição exclusivamente destinada
ao mercado externo’, tudo para burlar a pudicícia da censura. Sua própria equipe
‘contrabandeava’ os livros para o país e cuidava para que fossem vendidos fora
da cadeia de livrarias que também possuía. Um guarda de fronteira, ao ver o
porta-malas de um carro abarrotado, viu ali mau agouro: ‘Quantos livros sobre
câncer!’


O catálogo da Feltrinelli nos anos 1960 estava para a Itália como os que
Jorge Zahar e Ênio Silveira montaram por aqui, na mesma época, na Zahar e na
Civilização Brasileira: o melhor do pensamento político, do ensaio e da
literatura, enfim, do que era necessário para informar, pensar a urgência do
presente e, também, a permanência da reflexão. Idealismo, não esqueçamos, sempre
acompanhado de eficiência comercial. Pois Feltrinelli também inovava na forma de
vender livros: happennings nas livrarias e a venda, ao lado de sérios volumes,
de gadgets – igualzinho se faz hoje no mundo todo.


Em 1964, mobiliza mais uma vez a convicção ideológica e o olho editorial:
embarca para Cuba levando na mala US$ 25 mil de adiantamento (igualmente
irrisórios para os padrões atuais) para um novo autor, Fidel Castro Ruiz, e,
também, os originais do livro ‘prontos’. Como se tornaria praxe, a celebridade
em questão ajeita aqui e ali, matiza e retoca originais preparados por ghost
writers. Os dois se entendem maravilhosamente bem – há um foto, curiosíssima, em
que jogam basquete juntos -, conversam animadamente em várias sessões, mas entre
idas e vindas, o livro jamais fica pronto. Mais um volume para aquele catálogo
de projetos abortados que todo editor mantém, às vezes nem tão secretamente.


Num texto citado generosamente por Carlo Feltrinelli, e que vale reproduzir
aqui mais longamente, nosso personagem define-se com perfeição: ‘Mesmo desejando
a fortuna econômica de minha editora, não posso deixar de lembrar que ela nasceu
especialmente de uma miragem, de uma intenção (…) persigo uma ‘Fortuna’ no
segundo sentido. (…) Um editor pode modificar o mundo? Dificilmente: um editor
não pode nem mudar de editor. Pode modificar o mundo dos livros? Pode publicar
alguns livros que farão parte do mundo dos livros e que o mudam com a própria
presença. Essa afirmação pode parecer formal e não corresponde plenamente àquilo
que penso: minha miragem, aquilo que considero o maior fator da tal ‘Fortuna’
que mencionei é o livro que mexe com as pessoas, o livro que salta no ar, o
livro que ‘faz’ alguma coisa às pessoas que o lêem, o livro que tem o ‘ouvido
receptivo’ e colhe e transmite mensagens talvez misteriosas, mas sacrossantas, o
livro que na embrulhada da história cotidiana escuta a última nota, aquela que
perdura depois que cessam os ruídos não-essenciais…’


Carlo Feltrinelli vive num mundo de livros mais próximo do descrito por André
Schiffrin em O Negócio dos Livros, também lançado por aqui: grandes corporações
multinacionais, concentração, pragmatismo acachapante, fenômenos globais de
vendas e marketing. Nada disso trava as memórias que tem do pai, pois o
aristocrata e subversivo não por um acaso entraria para a história como editor –
e isso pela percepção que teve de sua atividade, desde sempre uma síntese
improvável de sonho e realidade dura, utopia e pragmatismo. Bertolt Brecht, que
não é citado no livro, escreveu sobre a necessidade de conciliar os contrários.
Feltrinelli certamente o leu: ‘Duas almas moram no teu peito humano,/ nas
entranhas tuas./ Evita o insano/ esforço da escolha:/ precisa das duas.’


Paulo Roberto Pires é gerente editorial da Ediouro/Agir’


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


Proibido para menores


‘Atenção leitores! Não se enganem com as imagens inocentes. Apesar de falar
sobre desenhos animados, esta reportagem é proibida para crianças. Termos
chulos, situações politicamente incorretas, escatologia e sexo – ou a falta dele
– são parte dos ingredientes das animações para adultos. O conteúdo de algumas
atrações é tão pesado que até mobilizou o Ministério Público. Recentemente o
Cartoon Network foi obrigado a deixar mais claro para o público que seu bloco
Adult Swim tem classificação etária de 18 anos. Em 2000, quando esteve em cartaz
nos cinemas brasileiros, o longa-metragem animado South Park – que, entre outros
absurdos, mostrava um romance entre Saddam Hussein e o diabo – ganhou censura 14
anos.


Atualmente, existem dezenas de animações direcionadas para o público mais
maduro. São produções que exigem irreverência de quem as assiste. O Cartoon
Network é o maior representante do segmento, com seu Adult Swim. A aposta deu
tão certo que o canal está investindo em animações locais. O projeto com
cartunistas brasileiros terá uma terceira temporada e até o DJ Thaíde será
personagem de uma atração que está em fase de pós-produção.


No Brasil, o Adult Swim completou um ano. O bloco chegou sem fazer alarde e
se propagou com a propaganda boca-a-boca. Há somente dois patrocinadores e
telespectadores fiéis – sim, quem assiste ao bloco uma vez não consegue mais
parar. ‘Estamos orgulhosos do bloco, mas não temos tantos recursos’, diz Hernán
La Greca, diretor de Criação de Cartoon Network Latin America. Ele conta que a
audiência do bloco no Brasil é a mais alta entre os países latinos. E sem
publicidade. ‘É algo que os amigos comentam e passam adiante’, fala o
vice-presidente do canal na América Latina, Barry Koch.


O bloco prima por colocar no ar boas animações e ter um visual atraente para
o público adulto. Até os patrocinadores entram na onda e a publicidade é criada
pela equipe do Cartoon. A marca do bloco são as vinhetas. Em uma tela preta,
letras brancas dão recados divertidos aos telespectadores. ‘O Adult tem uma cara
meio de que feito em casa, mas por uma cara que faz melhor do que você’, conta
Manoela Muraro, gerente de criação do Cartoon Network Latin America. Para os fãs
do canal, acabou o mistério: é Manoela quem cria os promos que conversam com o
telespectador. Sua equipe tem cinco pessoas que bolam cerca de 40 promos
semanais em português e em espanhol.


‘Para escrever as vinhetas e responder aos e-mails, pensamos: ‘Se o Adult
Swim fosse uma pessoa, o que ele diria?’ Respondemos como se fosse o canal
falando’, conta Manoela, que diz receber muitos e-mails de fãs. ‘Nem dá para
responder a todos. Sempre recebemos e-mails pedindo animê e sexo. Para o animê,
mandamos ver o Toonami (bloco de desenhos japoneses do Cartoon) e, para sexo,
respondemos que se ele souber onde tem, que avise.’


Para Manoela, os desenhos para adultos fazem sucesso porque ‘você pode
assistir sem sentir culpa, pois são shows como quaisquer outros, mas animados.’
A culpa vem do fato de que, depois de Walt Disney, instituiu-se a animação como
atração para crianças. ‘O desenho nasceu para adultos e permite mais do que uma
série, pois pode ser mais irreverente, com piadas mais abertas’, diz La Greca.
Ele comenta que nos EUA, o Adult Swim vende mais do que o Cartoon Network e que
ganha em audiência dos talk shows de David Letterman e de Jay Leno.


O Adult Swim vai ao ar de sexta a domingo, das 23 às 5 horas, e conta com
títulos como Harvey – o Advogado, Aqua Teen, Os Universitários, Os Oblongs, O
Show de Brak, Space Ghost Costa a Costa, Frango Robô e Laboratório Submarino
2021.


Celebridades em 2D


Os Simpsons e South Park foram os primeiros desenhos a chegar ao Brasil com
situações que colocavam celebridades e políticos em situações constrangedoras. A
última grande polêmica em South Park foi o episódio que satirizava Tom Cruise. O
ator até conseguiu impedir que o capítulo fosse exibido na Inglaterra, mas muita
gente viu e riu do ator em 2D. Trancado no armário, Cruise ouvia o apelo da
população e até de Nicole Kidman: ‘Saia do armário!’. No fim, quem tenta ajudar
o ator a sair do armário é John Travolta – que vez ou outra tem sua sexualidade
posta em questão.


‘Quem não gosta de ver sacanagem com ídolos pop em animação?’, pergunta a
coordenadora de Programação do canal VH1 do Brasil, Juliana Costantino.
‘Animação é uma maneira mais delicada de mostrar e lidar com situações polêmicas
e grotescas do dia-a-dia’, fala. O VH1 comprou South Park e está exibindo a
primeira temporada aos domingos, às 22 horas. O canal exibe ainda Ren&Stimpy
– versão para adultos e bem gay – aos domingos, às 23 horas; e o VH1 Ilustrado
(quartas, às 20 horas), que brinca com celebridades.


No Multishow, a audiência também aprova as animações. O canal, que já exibiu
Os Simpsons, Dr. Katz e Striperella – animação de Pamela Anderson -, entre
outras, também tem South Park e leva ao ar as temporadas recentes aos sábados,
às 21h45. ‘Animação adulta tem espaço’, fala o diretor do canal, Wilson Cunha.
‘Desenho não é só para criança, mas o mercado às vezes custa a acordar para
algumas coisas.’ Cunha destaca o bom humor dessas atrações. ‘Animação adulta
acaba sendo politicamente incorreta porque o humor é assim. Politicamente
correto é bom nas relações sociais e não na piada.’ O canal exibe ainda Casa
Animada, aos sábados, às 23h15, com personagens populares como super-heróis
completamente distorcidos.


‘Não Perturbe’


A Fox aposta em outra vertente. Desde Os Simpsons, o canal exibe desenhos com
sacadas adultas, mas que criança pode assistir sem maiores problemas – é só
torcer para que seu filho não se transforme em um Bart Simpson. Hoje, as
atrações estão no bloco Não Perturbe, que reúne títulos como Futurama e Uma
Família da Pesada. ‘Começamos com Os Simpsons e fomos trazendo mais desenhos
nessa linha, criticando a sociedade americana’, fala a diretora de Programação
da Fox, Kátia Murgel. ‘Vimos que tem um público aficionado por desenhos de
adultos e que poderíamos criar um bloco e, não só isso, criar uma identidade
para esse bloco.’


A Fox também adapta a propaganda de seus anunciantes para ficar com a cara do
Não Perturbe. ‘Teve uma época em que a programação passou deitada (com a imagem
virada) e a gente pediu até permissão aos anunciantes para deitar os anúncios
também’, lembra a diretora. Ela diz que a audiência do bloco é ‘expressiva’ e
‘significativa’. O bloco vai ao ar às segundas e às terças, a partir das 23h.


Como o leitor pôde perceber, audiência para cartoons adultos existe e, se
você ainda não viu, vale a pena experimentar. Como definiu Kátia Murgel,
assistir a essas atrações ‘é um momento só seu, uma coisa de ‘me deixe em paz!’
Só uma ressalva: vista a camisa do politicamente incorreto antes de se
aventurar.’


***


DJ Thaíde vira boneco de massinha


‘O DJ Thaíde virou boneco de massinha e será o mestre-de-cerimônias da
animação Guerra do Vinil – Batalha de DJs, que o Cartoon Network colocará no ar
no ano que vem no Adult Swim, seu bloco de animações para adultos. A atração
terá como cenário a periferia de São Paulo, onde um DJ iniciante batalha para
mostrar seu talento. Seu antagonista é um DJ já renomado, famoso e rico. Thaíde
ouve falar do novo DJ da área e propõe um desafio musical entre eles. A trilha
sonora é assinada por André Abujamra.


O gerente de Patrocínios e Promoções do Cartoon Network, Daniel Conti, conta
que o projeto já está em fase de pós-produção e será editado em quatro
episódios. Guerra do Vinil é uma parceria do Cartoon com os produtores Daniel
Greco e Rafael Terpin, que fizeram excursões à periferia paulistana para criar
as história. As filmagens da minissérie animada acabam esta semana. ‘Foram
produzidos 4 segundos de filme por dia, com técnica de massinha e filmagem
quadro-a-quadro em alta definição’, conta Conti.


O gerente do Cartoon explica que esse trabalho é um marco para a indústria de
animação nacional, pois ‘foi feito a partir de uma técnica de stop motion
desenvolvida no Brasil e tem um tipo de iluminação e de cenografia que também
são inéditas no País.’


Todo esse know-how poderá ser utilizado em um projeto cultural para as
comunidades carentes. ‘Estamos considerando essa possibilidade de ensinar jovens
em oficinas de animação para formar profissionais’, fala Conti.


Guerra do Vinil foi produzido com apoio da Ancine, que já está envolvida com
outro projeto do Cartoon, que envolve cartunistas brasileiros. Quem está à
frente das animações de nomes como Adão, Laerte, Glauco e Angeli é o animador
Daniel Messias, que tem parceria com o Cartoon desde 2000, quando produziu uma
série comemorativa dos 500 anos do descobrimento do Brasil.


Messias já fez duas temporadas de animações de cartunistas. Agora está
iniciando uma série de Los 3 Amigos. ‘Estamos fazendo as storyboards e testando
a animação’, adianta o animador. Serão 14 episódios de 2 minutos cada um, com
nexo entre eles, como em uma série. ‘Será um tipo de Os Simpsons, mas em
miniatura, até porque ainda não dá para fazer animação assim no Brasil. O
animador prevê que o trabalho todo estará pronto em agosto ou setembro do ano
que vem.


Para Messias, o Brasil tem uma grande oferta de mão-de-obra em animação, mas
ainda não há bons roteiristas de séries animadas. ‘A parte mecânica já temos,
falta roteirista. Acho que não amadurecemos ainda para a produção’, fala o
animador. Sua crítica é em relação ao mercado de animação no Brasil, que ainda
não é ativa. ‘Público já existe, não há condições de ter mercado porque sai mais
caro produzir do que comprar direitos de exibição de animações já prontas.’


Por isso que, para ele, a busca do Cartoon Network por produção local é
necessária, porque é grande a perspectiva da animação no País. ‘A oferta de
mão-de-obra é grande e não há espaço na publicidade para absorver tanta gente’,
afirma. ‘Nos EUA, todos os grandes estúdios produzem para TV. Esse é o grande
mercado.’’


Leila Reis


A Record aprendeu


‘Os fãs de novelas não podem se queixar. Se quiserem, podem passar o dia
mergulhados em alegrias e dores de amores, brigas, reconciliações e intrigas
envolvendo terceiros. Entre inéditas e reprises, a TV brasileira tem hoje nada
menos do que 14 novelas espalhadas pela grade da rede aberta.


O vigor desse segmento deve ser creditado em grande parte ao empenho da
Record que, ao contrário da vacilante concorrência extra-Globo, está
demonstrando firmeza no propósito em firmar-se como produtora de
teledramaturgia. Seguindo explicitamente a fórmula da líder, a Record está
bancando a produção de três novelas simultaneamente – Alta Estação, Bicho do
Mato e Vidas Opostas – dando todos sinais de continuar no jogo mesmo se os
resultados no Ibope não vierem tão rápido como toda emissora quer.


Vidas Opostas, escrita por Marcílio Moraes e dirigida por Alexandre Avancini,
que substitui Cidadão Brasileiro, de Lauro César Muniz, é a novela mais madura
de sua linha de produção. Tem uma direção de atores segura, é bem iluminada
(sempre um problema fora dos estúdios da Globo), figurinos e cenários adequados,
diálogos melhor trabalhados e tomadas externas caprichadas.


Rezando pela cartilha de que novela tem que começar fora do Brasil, Vidas
Opostas começa em Portugal, com belas imagens aéreas do Cabo da Roca, em
Cascais, que o protagonista Miguel (Léo Rosa) escala. A câmera passeia por
castelos com a poderosa Ísis Campobelo (Lucinha Lins), viúva, mãe de Miguel e
presidente do império empresarial da família, e por paisagens deslumbrantes da
orla portuguesa.


O cuidado na captação de imagens também se repete no Rio, onde a trama
desenrola-se totalmente depois dos capítulos iniciais. Mas o que impressionou
foram as cenas de invasão do morro por uma facção criminosa adversária dos donos
do tráfico local. A guerra tem ritmo de filme e uma sofisticada série de
seqüências. Não parece ser por acaso que Sovaco, chefão do crime no morro, seja
interpretado por Leandro Firmino, o Zé Pequeno do filme Cidade de Deus,
referência a que Vidas Opostas remete imediatamente. O interior das casas da
favela é um pouco arrumado demais (no estilo Globo), mas as cenas externas foram
perfeitas para provocar a tensão necessária.


A trilha sonora, calcada no repertório de Chico Buarque, é boa. E o elenco,
apesar de heterogêneo, funciona, porque os atores mais jovens são apoiados por
um time experiente: Cecil THIRÉ, Jussara Freire, Kito Junqueira, Tássia Camargo,
Marcelo Serrado, Lucinha Lins, entre outros.


A história, como tantas outras nacionais, mexicanas ou hollywoodianas, trata
do romance (quase) impossível entre o milionário Miguel (herdeiro do império) e
a favelada Joana (Maytê Piragibe). Esse Romeu e sua Julieta vão sofrer muito até
casarem-se (alguém tem dúvida?) no último capítulo, mas até lá… O início foi
bom. Vidas Opostas estreou com 16 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo),
mas foi perdendo gente pelo caminho e na quarta-feira caiu para 10. Nada
desesperador, porque essa audiência mantém o desempenho da faixa de horário –
Cidadão Brasileiro variou em torno desse número durante sua trajetória.


Interessante é olhar para o impacto no telespectador de diversas regiões na
primeira semana da novela. Porto Alegre e Belo Horizonte torceram o nariz
registrando 7 e 9 pontos no Ibope, respectivamente. Mas o Nordeste adorou: no
Recife, a novela marcou 16 pontos de média e em Salvador, 19. No Rio, onde a
trama é ambientada e a conflagração nos morros é rotina no noticiário, Vidas
Opostas registrou média de 15 na primeira semana.’


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