Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo


VENEZUELA
Lourival Sant’Anna


Golpe dá a Chávez aparência democrática


‘O golpe em Honduras oferece ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e aos países que gravitam a seu redor a chance de apresentar-se como defensores da democracia e como vítimas de uma ‘oligarquia autoritária’. Por outro lado, lança luz sobre os métodos usados por Chávez para cooptar seus aliados, sob o guarda-chuva da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). E suscita perguntas sobre até onde o presidente venezuelano pretende ir com a projeção de sua liderança no continente.


‘Esse golpe deu visibilidade, força e um verniz mais democrático aos governos da Alba ante os olhos do mundo’, analisa Franklin Ramírez, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em Quito. ‘Ele permite aos governantes, sobretudo de Venezuela, Bolívia e Equador, apontá-lo como ameaças a seus governos e como alerta sobre os perigos da polarização. Eles podem dizer: ?Essa é a forma como a direita está reagindo. Os golpes não são coisa do passado.?’


Desde abril de 2002, quando ele próprio foi vítima de um golpe, Chávez não tinha uma oportunidade como essa. Nos últimos anos, sua imagem tem sido associada não à defesa, mas a ataques contra a democracia representativa, a independência dos poderes e a liberdade de imprensa. Ramírez observa que a reação unânime contra o golpe na comunidade internacional tem o efeito ‘paradoxal’ de ‘reforçar a legitimidade do modelo mais plebiscitário’ de democracia, cujas ‘mudanças forçam a legalidade e recorrem mais à legitimidade’.


A rejeição ao golpe pelo presidente dos EUA, Barack Obama, e por outros governos que não se alinham com o chavismo, como o do Brasil, amorteceu esse impacto. ‘É claro que o golpe tende a reforçar Chávez como estadista contra oligarquias que tentam manter o poder a qualquer custo’, reconhece Peter Hakim, do centro de estudos Diálogo Interamericano, de Washington. ‘Por outro lado, a reação dos EUA, Canadá, Colômbia, Brasil, México e Chile restringe os jogos que Chávez pode fazer.’


MILITARES


Na Venezuela, onde os passos de Chávez são seguidos mais de perto, o episódio de Honduras chama atenção para a estratégia regional do presidente venezuelano. ‘Agora se vê com mais clareza que a Alba não é só um acordo econômico, mas também uma aliança de caráter político-militar’, observa Carlos Romero, cientista político da Universidade Central da Venezuela. Romero lembra o apelo que Chávez dirigiu, no dia 25, aos ‘soldados hondurenhos’para que obedecessem a Zelaya e ‘ao povo’. Depois, ameaçou enviar tropas a Honduras.


O confronto de Zelaya com as Forças Armadas hondurenhas se agravou quando o presidente ordenou à Força Aérea que liberasse um avião venezuelano que pousou no país carregado de material – panfletos, cédulas, tinta e máquinas de votação – para a realização da consulta popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte. Tanto a Força Aérea quanto o Exército – encarregado da logística de eleições em Honduras – recusaram-se a levar adiante a consulta, que havia sido vetada pelo Congresso e pela Justiça. Zelaya destituiu o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Romeo Vásquez, e acabou preso e extraditado para a Costa Rica.


‘Não resta dúvida de que o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela apoiou a realização da consulta’, diz Romero. Ele acrescenta que foi detectada, em Honduras, assim como ocorre noutros países da Alba, a presença de venezuelanos militantes chavistas e integrantes das Missões, que executam projetos sociais na Venezuela. ‘Eles se dedicam a atividades políticas.’


Zelaya, um político de centro-direita, realizou sua guinada ideológica e selou sua adesão à Alba em 2007. O chamariz foi a Petrocaribe, o programa venezuelano de fornecimento de petróleo a preços subsidiados para os países da América Central, do qual Honduras tornou-se o 17º membro.


Os participantes podem adquirir até 180 mil barris de petróleo por dia com pagamento parcelado em 25 anos, a juros de 1% ao ano, ou em produtos agrícolas. Alguns países, como Cuba, revendem o excedente no mercado, como forma de captar divisas.


RESPALDO


Um novo aeroporto está sendo construído em Honduras com financiamento de US$ 12,5 milhões da Petrocaribe. Numa grande cerimônia, em fevereiro, Zelaya recebeu da Venezuela 100 tratores, 65 arados, 25 semeadoras e 15 pulverizadoras.


Esse tipo de ajuda espalha-se por todos os países da Alba – que inclui Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba, Antígua e Barbuda, Dominica e São Vicente e Granadinas. No dia 26, por exemplo, o presidente Evo Morales entregou a prefeitos do Departamento de La Paz 170 ambulâncias doadas pelo governo venezuelano. ‘Por meio da Petrocaribe e da Alba, Chávez obtém apoio e aceitação de sua ingerência em assuntos de outros países’, constata o cientista político Herbert Hoeneke, da Universidade Simón Bolívar, de Caracas.


Embora não pertença à Alba, a Argentina é outro país que tem aceitado ajuda venezuelana – desde a compra de bilhões em títulos de sua dívida até a obscura doação de US$ 800 mil para a campanha de Cristina Kirchner, há dois anos – e retribuído com gestos políticos. Cristina foi um dos presidentes, ao lado de Rafael Correa, do Equador, e Daniel Ortega, da Nicarágua, que se ofereceram para acompanhar Zelaya em sua pretendida volta a Honduras.


O súbito engajamento de Cristina – saída de uma derrota eleitoral e às voltas com uma epidemia de gripe suína – na política hemisférica poderia ser visto como uma distração de seus problemas internos. Mas a atitude não é malvista. ‘A proximidade da Argentina com os países da Alba pode ter influído nisso, mas não acho que se deva criticar o gesto’, apóia Aníbal Jozami, da Fundação Foro do Sul, de Buenos Aires. ‘Foi correto opor-se a um golpe tão brutal, tão carnavalesco.’


A reação de Chávez e de seu bloco colocou-os do mesmo lado do presidente americano, Barack Obama. Mas isso não significa necessariamente que conduzirá a uma aproximação. ‘Depende da conduta de Chávez’, avalia Romero. ‘Se ele considerar que os EUA estão frágeis e há condições de aprofundar a Alba e de promover sua revolução na América Latina, essa lua de mel vai durar pouco.’


Hakim também é cético. ‘O apelo de Chávez vem de seu confronto com os EUA. E há problemas reais, como a democracia, a liberdade de imprensa, as relações com o Irã, a compra de armas e o apoio a guerrilhas, como a da Colômbia’, diz o analista americano. ‘Os EUA não terão boas relações com a Venezuela enquanto ela for governada por Chávez.’’


 


TELEVISÃO
Rama Lakshmi


Índia tem reality show casamenteiro


‘Em um vídeo de dois minutos que a TV exibiu no mês passado, Amit Daruka, de 29 anos, e seus pais faziam a lista dos atributos da mulher ideal – ela deveria ser alta, de pele clara, respeitar os mais velhos, ser da mesma etnia e horóscopo de Daruka e estar disposta a trabalhar no negócio de roupas da família. O vídeo mostrou também Daruka jantando em casa com os pais, orando com a mãe e divertindo-se com os amigos. Os anfitriões do programa conversaram com a família e pediram às espectadoras interessadas que enviassem mensagens de texto. Bem-vindos à forma mais recente da tradição milenar do casamento arranjado na Índia.


Informações sobre possíveis candidatas já não são trazidas por tias da família. Nas duas últimas décadas, à medida que as comunidades indianas se fragmentavam e as famílias se dispersavam, as pessoas dispostas a casar passaram a usar outros meios, como anúncios em jornal, agências de casamento e internet.. Agora, a florescente indústria da televisão da Índia pretende assumir o papel de casamenteira, ampliando o universo de casamentos arranjados com três reality shows.


‘Meus pais procuram uma mulher para mim há quatro anos’, disse Daruka. ‘A TV é um veículo transparente. Você tem como avaliar a compatibilidade da pessoa observando sua linguagem corporal, o tom da voz e a casa onde mora.’


A Star TV, de propriedade de Rupert Murdoch, realizou pesquisas de audiência que revelaram duas importantes questões que irritam as famílias indianas: a educação dos filhos e o casamento das filhas. O canal, que até pouco tempo exibia novelas em que predominavam brigas de família e intrigas entre mães e noras, decidiu ajudar os telespectadores a arranjar casamentos. No mês passado, lançou Star Vivaah, ou ‘Casamento na Star’.


GRANDE SALTO


‘Nosso programa é o YouTube dos casamentos arranjados’, disse Rasika Tyagi, vice-presidente de programação da emissora, que define o show como ‘um grande salto em comparação às quatro linhas de um classificado de jornal’. No Star Vivaah, disse ela, os telespectadores podem ver as casas dos possíveis cônjuges – às vezes leva meses para as famílias trocarem fotos dos possíveis genros e noras. ‘Reduzimos a duração do processo e fazemos com que eles tenham a possibilidade de tomar a decisão.’


Os criadores do show resolveram apresentar, nos primeiros episódios, apenas engenheiros, médicos e administradores de empresas para que os espectadores não o vissem como uma plataforma para pessoas fracassadas.


O maior serviço prestado pelo programa é fazer as perguntas que uma jovem e sua família têm medo de fazer. ‘O mercado dos casamentos arranjados, na maioria das vezes, desfavorece a família da mulher, que se encontra sempre em posição inferior. A família teme que o jovem possa desistir se os parentes fizerem perguntas delicadas’, disse Rasika. ‘Fazemos todas as perguntas que ela gostaria de fazer, mas não tem coragem, sobre emprego, renda e o número de filhos que o candidato quer.’


O show preocupa-se em não conturbar a situação social, invocando todos os clichês de casamentos arranjados, com exceção do dote, prática proibida, mas sempre dominante. Os homens querem mulheres ‘simples’, que vistam sari e sejam capazes de avaliar as exigências da carreira e das famílias.


Querem uma mulher que siga a moda, mas também que observe as tradições culturais. As mulheres aparecem trabalhando em escritórios e dirigindo carros, mas também lavando o arroz e revelando detalhes do horóscopo, da casta e do clã.


Recentemente, a equipe da Star TV entrevistou a família de Rachna Dalal, jovem de 25 anos que pilota jatos, ganha US$ 4,5 mil mensais a bordo de um Boeing 737 e mora sozinha em Nova Délhi. ‘Quero casar com um piloto capaz de entender meu horário de trabalho’, disse Rachna. ‘Além disso, não quero morar com a família e nem toleraria que alguém perguntasse pelo dote.’


O irmão pintou uma imagem mais modesta dela. ‘Ela pode ser uma boa mulher indiana’, disse Manoj Dalal. ‘Faz todo o serviço doméstico, cozinha bem e respeita os mais velhos. E queremos um homem da nossa casta para que seus parentes não boicotem o casamento.’


Para retratar Rachna seguindo a carreira, a tradição e a moderna vida urbana, a equipe da TV a mostrou em seu uniforme de piloto, exercitando-se na esteira, dirigindo e tendo aulas de salsa, mas também trajando uma roupa indiana tradicional, preparando o chá e servindo-o com biscoitos para a família.


O canal enfrenta apenas um problema com seu novo show: muitas vezes, parceiros perfeitos nos casamentos arranjados só tornam o programa de TV uma chateação. ‘Queremos prestar um serviço de utilidade, mas quanto mais perfeitos são os casais, menos o show consegue entreter’, disse Rasika. ‘Preciso descobrir se meu emprego é bancar a casamenteira ou divertir as pessoas.’’


 


LITERATURA
Lúcia Guimarães


A sombra de Salinger


‘Eles foram chegando e se acomodando no fundo da mesa do café parisiense. Emma Bovary magérrima, fumando muito. Jean Valjean com as botas enlamaçadas. Elizabeth Bennet, exausta depois de cruzar o canal, não dava o menor sinal de orgulho ou preconceito. O Príncipe de Salina, Don Fabrizio Corbera, chegou furioso com o siciliano que anda faturando uma fortuna vendendo camisetas com o brasão do Leopardo, pelo site eBay. O grupo então discutiu a pauta da Sociedade de Proteção ao Personagem Literário e examinou um pedido de Holden Caulfield para ser admitido como sócio.


A cena, apesar de imaginária – protagonizada por personagens de Flaubert, Victor Hugo, Jane Austen, Lampedusa e Jerome David Salinger -, traria alguma justiça poética a certas criaturas de papel e letra que não conseguem dormir em paz. Quando Jorge Luis Borges disse que a narrativa literária repousava em não mais do que quatro temas, não estava sugerindo que aspirantes a romancistas se tornassem Macunaímas com preguiça de gestar seus próprios personagens. Mas, um momento: se é que Homero existiu, quem se levantaria em sua defesa, caso ele, denunciando apropriação de seu herói, reaparecesse para pedir a queima de todos os exemplares de Ulisses, de James Joyce?


A decisão de uma juíza federal de Nova York, Deborah Batts, tomada na última semana, ameaça trazer fama a um autor obscuro, residente em Gothenburg, na Suécia. Fredrik Colting, vulgo J.D. California, responde de lá, por e-mail, a perguntas que lhe faço declarando-se ‘absolutamente chocado’. Explico. É fim de tarde em Manhattan e a tal juíza federal acaba de conceder a injunção pedida pelos advogados do escritor J. D. Salinger para impedir a publicação nos EUA de 60 Years Later: Coming Through the Rye, o romance em que o sueco, de 33 anos, decide continuar a saga do lendário Holden Caulfield, protagonista de A Catcher in the Rye (1951) – no Brasil, O Apanhador no Campo de Centeio, obra-chave da literatura norte-americana do século 20. O livro de Colting já saiu na Inglaterra, não foi contestado e parece ter atraído um silêncio crítico ensurdecedor.


O recluso e brigão Salinger – um nova-iorquino que há mais de 50 anos (hoje tem 90) vive escondido na cidadezinha de Cornish, North Hampshire – está surdo e se recupera de uma fratura na bacia. Por seus advogados, que se recusam a fazer declarações à imprensa, acusou Colting de escrever uma ‘sequência desautorizada’, cópia pura e simples de sua obra mais conhecida. O novo livro põe em cena um certo Senhor C., criado por um autor ‘Salinger’, aos 76 anos, fugindo de uma casa de repouso e vivendo nova aventura em Nova York, nos mesmos locais visitados pelo adolescente Caulfield.


‘Qual é o próximo passo? Vão queimar livros nos Estados Unidos?’, pergunta Colting, quando indago sobre a sua reação. O autor sueco diz que não quer parecer um jeca ingênuo, mas, em toda a sua vida, nunca conheceu alguém que tivesse sido processado. Ah, a virgindade de uma cultura não litigiosa! Aqui, se eu escorregar na calçada, sou capaz de receber não só a mão estendida de um estranho como também seu cartão para o caso de querer processar a cidade a fim de obter indenização pelo tombo.


A juíza nova-iorquina alegou que o livro de Colting não é ‘paródia’ nem ‘exame’ do Apanhador; seria algo como ‘apropriação indébita’. Contudo, o advogado Lloyd Jassin, especialista em copyright literário e coautor de The Copyright Permission and Libel Handbook, acha que a juíza foi longe demais. Ele suspeita que a decisão possa ser revertida no apelo que foi imediatamente apresentado pelos advogados de Fredrik Colting. ‘A decisão foi prematura’, diz Jassin. ‘A juíza não é crítica literária; o caso devia ter ido a julgamento.’ Ele explica que, num tribunal, o conceito de fair use, a citação razoável de uma obra, teria sido testado. ‘A decisão reflete a ideia de que a prevenção é melhor do que a cura’, ele continua. ‘No entanto, onde está a evidência de que o livro de Colting causaria ?dano irreparável? a Salinger?’ Jassin argumenta que O Apanhador é uma obra estabelecida: ‘Com todo respeito e admiração que tenho por Salinger, é difícil acreditar que ele esteja escrevendo sua própria sequência da narrativa do personagem. As vendas do romance original seriam afetadas?’ O advogado lamenta que uma questão de ‘controle criativo’ – já que Salinger não estava reclamando royalties da possível venda da obra de Colting – tenha prevalecido sobre o conceito de copyright.


Fredrik Colting revela ao Estado que leu O Apanhador pela primeira vez aos 15 anos, gostou muito, mas diz que nunca foi seu livro favorito. ‘Acho que é um Frankenstein moderno, na medida em que o personagem se torna maior do que o criador. Eu penso no Holden como um rebelde mas, às vezes, também penso: o que há de extraordinário num adolescente mimado de 16 anos?’ Além de não ser jeca, o sueco não parece afligido por qualquer tipo de insegurança. ‘Acho que o meu livro tem uma história mais criativa e original do que a do Apanhador’, avalia.. Entretanto, ao fim de sua análise, Colting conclui que O Apanhador ‘é um grande romance!’ O sueco nega que tenha sido movido por interesses comerciais: ‘Dei meu corpo e alma para este projeto’, reclama. Ele lamenta que J.D. Salinger não tenha lido seu romance e considera a ação legal o resultado da infantilidade de advogados.


Pergunto se ele havia lido a paródia O Apanhador na Casa de Repouso, do escritor Teddy Wayne, publicada pela revista literária McSweeney?s em abril de 2008. Colting responde – e acredito na sua sinceridade – que não sabe do que estou falando, nunca ouviu falar da paródia de Wayne. Teddy Wayne, que está para lançar seu primeiro romance, escreveu um artigo muito engraçado no Huffington Post, um jornal da web, acusando Fredrik Colting de plagiar sua paródia, embora acredite que possa ser apenas coincidência. Em O Apanhador na Casa de Repouso, Wayne também dá à luz um Holden Caulfield que foge pela cidade, mas é recapturado e obrigado a assistir à premiação dos Emmys para a TV diurna (a programação dominada por telenovelas nos EUA), uma praga para ele comparável aos reality shows.


No texto do Huffington Post, em que usa uma linguagem semelhante à de Salinger para xingar Fredrik Colting, Teddy Wayne diz que não foi processado por seu Caulfield reencarnado porque ‘ninguém lê nada online’. Quando telefono para a casa de Wayne, ele reage com humor ao que se pode revelar um plágio descarado. Seu agente acaba de lhe avisar que um episódio recente da famosa série de TV CSI copia, com detalhes, sua narrativa Sindergarten, publicada na revista Radar, em 2007. A história segue adolescentes de uma escola particular de Nova York em suas experiências com drogas. Os detalhes da trama são tão semelhantes que Wayne pode produzir não uma paródia, mas uma queixa judicial para valer. Ele lembra, contudo, descontraído, que a prática de usar personagens conhecidos para exercitar a imaginação literária amadora é estimulada em sites como fanfiction.net, no qual fãs e aspirantes se encontram para conversar e fazer postings de ficção que não serão comercializados como obras originais.


Agora, imagine se Pedrinho reaparecesse aos 90 anos, na varanda de um parque de safári que tivesse fundado com a herança que recebera de Dona Benta… E lá, entre outros personagens, surgisse o neto do rinoceronte Quindim, tristonho, envelhecendo numa jaula, alheio às câmeras dos turistas. O que aconteceria? Alguns personagens não nasceram para envelhecer. Assim como as leis de copyright não foram criadas para serem simples escudos de proprietários de direitos autorais.’


 


Jennifer Schuessler


Cuide da sua vida, Holden Caulfield


‘Até a Justiça americana dar a palavra final sobre a proibição da edição de 60 Years Later: Coming Through the Rye nos Estados Unidos, os fãs de Salinger serão poupados da perspectiva de ver o adolescente alienado Holden Caulfield como um velho esquisito e solitário que foge de um asilo e sua amada irmã, Phoebe, uma viciada em drogas à beira da demência. Mas Holden pode ter problemas maiores do que os insultos de parodistas irreverentes e outros ‘charlatães’, como diria o personagem. Mesmo que Salinger procure manter o controle de suas mais famosas criações, há sinais de que Holden possa estar perdendo o seu domínio sobre a garotada.


O Apanhador no Campo de Centeio ainda é leitura básica nos currículos da escola secundária americana, amado por professores que o leram e releram na juventude. O problema são os jovens de hoje. Os professores dizem que os adolescentes já não gostam de Holden Caulfield como eles próprios gostavam. Se antes, falar a verdade era um ato corajoso, atualmente, para muitos, é uma coisa ‘bizarra’, ‘imatura’.


‘O adolescente alienado perdeu muito da sua novidade’, diz Ariel Levenson, professora de Inglês na Dalton School, que fica na região abastada de Manhattan, território de Holden. E ela acrescenta que mesmo os estudantes que gostam do livro tendem a achar a sua linguagem – como o uso de ‘phony’ (charlatão), ou ‘her hands were lousy with rocks’ (suas mãos estavam cheias de pedras preciosas) e os implacáveis ‘Goddams’ (malditos) – dissonante e antiquada.


‘Holden Caulfield deveria ser o adolescente que poderia servir de paradigma para tudo, mas na verdade nós nem falamos dessa maneira nem sobre essas coisas’, diz Levenson, resumindo a resposta típica dos atuais adolescentes. Ela diz que na escola pública onde leciona ‘muitos estudantes comentam que não se entristessem com aquele menino rico que tem um fim de semana livre em Nova York’. Julie Johnson, que durante três décadas deu aulas sobre Salinger na New Trier High School, em Winnetka, Illinois, cita reações similares. ‘A passividade de Holden é exasperante e desconcertante para muitos estudantes da atualidade. Em geral, eles não têm muita simpatia por anti-heróis alienados; eles estão mais preocupados em se distinguir na sociedade como ela é, em vez de tentar mudá-la.’


Naturalmente, Holden sempre teve os seus detratores. Harcourt Brace, editora que recebeu em primeira mão os originais de O Apanhador no Campo de Centeio, rejeitou-os dizendo que não estava muito claro se Holden era um louco. Mais tarde, críticos como Joan Didion e George Steiner ridicularizaram a sua superficialidade moral e a ‘capacidade de se relacionar’.


Holden, porém, conquistou os jovens, especialmente os da década de 60, que se consideravam ‘filhinhos de papai’ rebeldes, segundo o crítico de cultura Morris Dickstein. ‘O ceticismo, a crença da pureza da alma frente a uma cultura brega e vulgar teve sucesso na geração da contracultura e pós-contracultura’, diz Dickstein, que leciona no Graduate Center da Universidade da Cidade de Nova York. Hoje, ‘não diria que temos uma cultura juvenil mais crédula; seria mais uma cultura de associação, de unidade’.


A cultura hoje também é mais competitiva. Os adolescentes parecem mais interessados em entrar em Harvard do que em ser expulsos de Pencey Prep. Os jovens, com sua compulsão pelas mensagens de texto e o metabolismo cultural popular hiperativo, ficam mais entusiasmados com Harry Potter do que com a equipe de esgrima de Pencey. Parece que os heróis da cultura popular hoje são os ‘nerds’ que conquistam o mundo – como Harry Potter – e não os fracassados que o rejeitam.


Talvez Holden não se sentisse tão solitário se tivesse crescido no mundo atual. Afinal, Salinger escreveu sua história bem antes de surgirem esses enormes complexos de entretenimento cultural multibilionários, projetados para atender ao gosto dos adolescentes modernos. Hoje, os adultos podem lamentar o fato de que filmes violentos e comédias idiotas de sexo tomaram conta dos cinemas, contudo, os adolescentes no passado viam-se isolados entre coisas adultas e divertimentos infantis.


Para alguns críticos, Holden é atualmente menos popular e a culpa é da nossa própria impaciência com a ideia de uma busca eterna por uma identidade e o sentido das coisas que o personagem representa. Barbara Feinberg, especialista em literatura infantil que acompanhou inúmeras discussões em classe sobre o romance de Salinger, refere-se a um artigo sobre um fracassado que adorava Holden, publicado no jornal Onion e intitulado Busca pelo Eu Termina Depois de 38 Anos. Diz ela: ‘Holden é uma espécie de vítima da tendência que existe, hoje, de se usar abordagens cada vez mais mecanicistas para compreender o comportamento humano.’ E prossegue: ‘Comparado com os anos 50, não existe muito espaço para o adolescente ir em busca da intuição, da empatia, dos mistérios do inconsciente e da libertação possível que pode nascer do diálogo com outra pessoa.’ Barbara lembrou-se de um garoto de 15 anos, de Long Island, que lhe disse: ‘Todos da minha classe odeiam Holden. Eu só queria dizer a ele: ?Cale a boca e tome o seu Prozac.?’’


 


GRAVADOR
Verissimo


Entrevista


‘Meu caro: recebi a revista com minha entrevista, que você não quis fazer por e-mail, como eu tinha sugerido, nem com um gravador, como seria prudente. Confiou na sua memória e nas suas anotações e o resultado aí está. Começando já na primeira pergunta, sobre o meu método de trabalho.


Reconheço que não falo com muita clareza, mas definitivamente não, repito não, disse que antes de começar a escrever traçava uns miúdos, o que pode dar a entender que me preparo para o trabalho atacando sexualmente crianças portuguesas. O que eu disse foi que amiúde faço traços no papel, esperando que venha a inspiração. Também não sei de onde você tirou que só escrevo descalço e ouvindo Mozart.


Em outra pergunta, sobre o começo da minha carreira e as leituras que me influenciaram , onde está ‘corcundas libertários’ deveria ser ‘concursos literários’, e onde se lê ‘Frei Beto’ deveria ser ‘Flaubert’. Não me lembro exatamente o que disse sobre o Machado de Assis mas tenho certeza que não o chamei de ‘prótese motora’. Talvez fosse algo como ‘protomoderno’. Só saberíamos ao certo se você tivesse gravado!


Outra coisa. Sua pergunta sobre escritores brasileiros meus contemporâneos. Se eu for processado – e no caso do Paulo Coelho certamente serei, depois do que você botou na minha boca sobre ele – farei o possível para que você seja responsabilizado criminalmente. Não entendo como a expressão ‘fenômeno cultural’, a respeito dos novos autores da era da informática, possa ter saído como ‘fedor monumental’. Vou ter que telefonar para vários escritores amigos meus para desmentir o que está na entrevista, antes que mandem me bater.


Você também ouviu errado o nome da minha mulher. Ela ainda não leu a entrevista, mas fatalmente me perguntará sobre essa Lidia que, segundo você, é minha companheira e musa há tantos anos. Vai querer saber onde eu a mantenho escondida.


Meus dados biográficos também saíram errado. Eu não disse que fui adotado com um ano e pouco. Disse que nasci sem cabelo e por isso fui apelidado de ‘Coco’. Na infância não gostava de andar pelado na rua. Gostava de jogar peladas na rua. E não consigo imaginar o que eu falei que levou você a escrever que na adolescência fui sequestrado por um casal de ciganos e levado para a Romênia. Eu deveria ter adivinhado que você entendera errado quando antes de escrever me perguntou se o certo era ‘Romênia’ ou ‘Rumênia’. Também não sei como o senador Heráclito Fortes entrou na minha lista de atores favoritos.


Por fim: eu disse que minha cor preferida era o vermelho. Saiu ‘azul’. Foi o que mais doeu.’


 


ECAD
Renato Machado e Vitor Hugo Brandalise


Direito autoral cobrado agora ‘no varejo’


‘Dependendo do lugar, da hora e dos ouvintes, um aparelho de som ligado é um potencial infrator da lei de direitos autorais. E o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) apertou a fiscalização para o pagamento pela execução das obras, até mesmo com ações judiciais. Entre 2005 e 2008, houve um aumento de 443% na arrecadação com processos (passou de R$ 19,9 milhões para R$ 108,1 milhões). Só que o foco mudou. Se antes as ações eram voltadas para emissoras de rádio e televisão, os alvos também passaram a ser pessoas comuns, em seus locais de trabalho e no dia de seu casamento.


O Ecad vem adotando uma nova política que prioriza a cobrança no ‘varejo’ – quer dizer que, cada vez mais, os fiscais estão nas ruas, em bares, restaurantes, lojas, salões de beleza, escolas e festas realizadas em clubes e bufês, mesmo que sejam eventos particulares.


‘Com a falta de cooperação de emissoras de rádio e TV, decidimos focar no segmento dos pequenos usuários. É um ?jeitinho brasileiro? de fazer a cobrança’, defende Samuel Fahel, gerente jurídico da instituição. ‘Mas o Ecad não é vilão, apenas cobra pela utilização de um bem como qualquer outro, patrimônio criado por gente que depende do que lhe é de direito para sobreviver.’


A quantidade de ações judiciais iniciadas pelo Ecad até junho deste ano já corresponde a praticamente o total de todo o ano passado. A maioria ainda é contra emissoras de rádio (1.036). No entanto, aparecem na sequência os processos contra bares e restaurantes (386) e contra hotéis e motéis (198).


O principal motivo de discórdia, no entanto, está na categoria ‘outros’, que engloba ações para o recebimento de direitos autorais, por exemplo, de estabelecimentos comerciais que usam música para entreter os clientes, de escolas que realizam festas juninas e de noivos que dão festas de casamento. Foram 2.473 desse tipo entre janeiro e junho, ante 2.754 de todo o ano passado.


‘O direito autoral é sempre devido quando tiver lucro envolvido’, diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em direito autoral Rui Camargo Viana. Ele acrescenta que o trabalho intelectual deve ser remunerado, mas é preciso analisar se há vantagem econômica em jogo. ‘Temos de trabalhar sempre com a lógica do razoável. Um casamento obviamente não visa ao lucro, mas uma festa junina em que a entrada é cobrada é diferente.’


As sentenças sobre o tema, no entanto, mostram que há opiniões divergentes no judiciário. Em Minas Gerais, uma academia foi condenada a pagar direitos autorais pelas músicas tocadas nas aulas. No Rio Grande do Sul, foi decidido o contrário. Pela festa de casamento, um casal do interior paulista ganhou o direito de não pagar a taxa; outro, do Espírito Santo, não teve a mesma sorte.’


 


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