Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo


COLETIVA


Patrícia Campos Mello


‘Você deve ter falado com minha mulher’, brinca anfitrião


‘A informalidade brasileira contagiou a Casa Branca e um encontro que deveria durar uma hora e vinte se estendeu por quase duas horas. ‘Desculpe por dar uma resposta tão comprida’, disse Obama no início da entrevista coletiva. Mal sabia ele o que o esperava. ‘Não tem problema, na América Latina não nos assustamos com quem fala muito, todos falamos muito’, avisou Lula.


O clima foi marcado por piadas e descontração, ainda que Obama parecesse um pouco angustiado com as respostas mais alongadas de Lula.


A visita do ex-presidente George W. Bush ao Brasil, em 2007, ficou marcada pela frase infeliz de Lula: ‘Chegamos ao ponto G de nossa relação’. Desta vez, a gafe marcante foi a do ‘pepino’. ‘Digo ao povo do Brasil que estou rezando mais para Obama do que para mim mesmo, porque com apenas 40 dias de mandato, ele já pegou um pepino desses’, disse Lula, diante de risadas gerais, em pleno Salão Oval. ‘Você deve ter falado com a minha mulher ultimamente’, brincou Obama.


Na entrevista coletiva, o presidente americano saiu do protocolo e continuou respondendo a perguntas de repórteres brasileiros. A entrevista foi chamada de ‘maratona de 34 minutos de oportunidade para fotografias’ pela equipe de jornalistas setoristas da Casa Branca, o ‘White House Corps’. Obama disse que não vê a hora de ir para o Brasil. Perguntado sobre datas, afirmou: ‘Não sei, mas porque eu cresci no Havaí, acho que é muito importante eu ir pelo menos ao Rio, onde ouvi dizer que as praias são lindas.’


E a visita pode começar por Manaus, como dizem os boatos? ‘Adoraria viajar para a Amazônia, mas tenho impressão de que o Partido Republicano adoraria que eu fosse para a selva e talvez me perdesse por lá’, brincou, em uma referência ao presidente Teddy Roosevelt, que quase morreu em uma malsucedida expedição à Amazônia, em 1912. Informado por uma repórter de que as pessoas no Brasil gostam muito dele, Obama disse. ‘É, ouvi dizer que tenho alguns amigos no Brasil’, respondeu. ‘E eu podia ser brasileiro, absolutamente’, disse referindo-se a sua herança mestiça.


Lula ganhou de Obama uma ‘Constitution Box’, uma caixa decorativa em cujo redor há trechos da Constituição americana. O brasileiro deu a Obama um prisma de pedras brasileiras. Na hora de se despedir, o americano pegou nos ombros de Lula e o sacudiu de leve, sorrindo, antes de o presidente brasileiro entrar em uma limusine.’


 


 


INTERNET


Renata Miranda


EUA investem em defesa cibernética


‘Depois de autorizar o envio de mais de 17 mil soldados para o Afeganistão e anunciar a retirada de todas as tropas de combate americanas do Iraque até agosto do ano que vem, o presidente dos EUA, Barack Obama, resolveu atacar em outro front: a internet. Preocupado em tornar mais seguras as redes públicas e privadas do país, Obama incluiu na proposta de orçamento para 2010 um financiamento de US$ 355 milhões para a manutenção do setor – essencial para a economia e para a defesa dos EUA.


Especialistas vêm alertando há anos contra um ‘Pearl Harbor eletrônico’, um ‘11 de Setembro digital’ ou um ‘Cibergedom’. ‘A decisão do presidente de injetar mais dinheiro para a segurança na internet é importante porque um ataque às redes americanas poderia causar danos semelhantes aos de armas de destruição em massa’, disse ao Estado, por telefone, Ravi Sandhu, diretor do Instituto para a Segurança Cibernética da Universidade do Texas, em San Antonio.


Um ataque de grandes proporções poderia fazer com que informações detalhadas sobre planos militares vazassem para as mãos de grupos ou Estados inimigos, debilitando as estratégias do Exército, além de poder causar o bloqueio de dados bancários e interferir na bolsa de valores. Sistemas de transporte e de saúde também poderiam entrar em colapso ao serem violados em um ataque.


Expressões como ciberguerra e ciberataque já causam calafrios aos serviços de inteligência de vários países. Governos ocidentais, EUA à frente, estão convencidos de que seus inimigos nesse novo campo de batalha estão no Leste, como estavam na Guerra Fria – mais especificamente, Rússia e China. Um relatório apresentado ao Congresso americano no fim do ano passado concluiu que a China está expandindo ‘agressivamente’ sua capacidade de guerra virtual e em breve poderá possuir uma ‘vantagem assimétrica’. Segundo o relatório, ‘essas vantagens reduziriam a superioridade dos EUA em guerras convencionais’.


Em junho de 2007, os EUA acusaram a China de ter invadido redes de computadores dos Departamentos de Estado, Comércio e Defesa, roubando arquivos. Aos chineses também foram atribuídas invasões eletrônicas de agências governamentais da França, Alemanha, Coreia do Sul, Taiwan, além de empresas britânicas – entre elas, a Rolls-Royce.


O ataque cibernético mais devastador que se tem notícia contra um país também ocorreu em 2007 e atingiu a Estônia. Bancos, agências governamentais e até o site do governo ficaram desconectados por vários dias. Autoridades locais suspeitaram que o ataque veio da vizinha Rússia, porque a Estônia estava enredada em sérias disputas diplomáticas com Moscou na época. Rússia e China argumentam que esses ataques foram realizados por hackers, e não pelo governo. Israel, Índia, Paquistão e EUA também foram acusados de promover ataques como esses.


EFEITOS COLATERAIS


Funcionários do governo dos EUA e de empresas privadas estão cada vez mais preocupados com os efeitos colaterais que um ataque em grande escala contra as redes de computadores pode causar.


Em 2007, um relatório do Departamento de Segurança Interna indicou que os sistemas do Pentágono haviam sofrido pelo menos 80 mil tentativas de ataque naquele ano. Uma simulação feita por Washington em dezembro também mostrou que os EUA não estão preparados para se defender de um grande ataque virtual.


‘A ameaça contra redes federais de tecnologia da informação é real, séria e crescente’, afirmou o governo no relatório da proposta orçamentária.


Além dos US$ 355 milhões destinados ao Departamento de Segurança Interna, Washington afirmou que destinaria ‘fundos substanciais’ para a proteger as redes no Programa Nacional de Inteligência. Parte do financiamento irá para a Agência de Segurança Nacional – órgão responsável por operações de espionagem eletrônica. No fim do mês passado, o diretor de Inteligência Nacional, almirante Dennis Blair, disse ao Congresso que a agência assumirá ‘um papel maior’ na área de proteção na internet.


‘A infraestrutura do país é um alvo óbvio para esses ataques’, disse Randy Grubb, diretor do Instituto de Pesquisa para a Segurança Cibernética da Universidade Armstrong Atlantic, no Estado da Geórgia. ‘A exploração de setores específicos por algum inimigo poderia dar informações privilegiadas referentes ao Exército e à economia dos EUA.’


Para o pesquisador Alexander Melikishvili, do Centro James Martin para Estudos da Não-Proliferação, na Califórnia, os resultados de um ataque cibernético dependem da integração das estruturas críticas do país à internet. ‘Quanto mais uma nação estiver integrada tecnologicamente, mais destruidor pode ser um ataque desses’, afirmou o analista. ‘Hackers poderiam obter dados delicados do governo referentes a tecnologias avançadas e programas de defesa futuros.’


De acordo com especialistas da área, os ataques contra as redes de informação podem ser perpetrados por um infinito número de grupos que vão desde jovens hackers até grupos terroristas e Estados inimigos.


‘Em ataques como esses, porém, é mais importante como a invasão é feita do que quem a realizou’, afirmou Grubb. ‘Uma única pessoa pode causar mais danos do que um grupo equipado com as tecnologias mais avançadas disponíveis no mercado.’’


 


 


Roberto Simon


Risco da ciberjihad foi exagerado


‘Seja para assistir a um ataque a ‘infieis’ filmado no Iraque, opinar sobre o último discurso de Bin Laden, financiar grupos ou aprender a fazer explosivos a partir de materiais caseiros, jihadistas ao redor do mundo encontraram na internet um poderoso instrumento. O terror no ciberespaço, porém, está cercado de mitos infundados. Segundo concluiu um estudo do King?s College, de Londres, governos ocidentais superdimensionaram o papel da rede virtual no terrorismo islâmico e acabaram por adotar políticas ‘simplistas, caras e contraproducentes’ no combate à jihad online.


A curta história da internet e a tendência de buscar soluções imediatas na luta ao terror explicam parte da má avaliação. ‘Há pouquíssimas evidências de que a rede tenha determinado decisões e ações de jihadistas’, disse ao Estado Tim Stevens, um dos autores do estudo.


Em quase todos os últimos atentados, a internet esteve presente em pelo menos uma das etapas de preparação – doutrinamento, recrutamento, coleta de informação e planejamento da ação. ‘Entretanto, celulares, telefones fixos, sistemas postais e carros também foram fundamentais’, explica Stevens. A falta de regulação do ciberespaço e um ‘pânico moral’ da sociedade diante da nova tecnologia teriam levado Estados a limitar o escopo de sua ação, concluiu o estudo.


Cerca de 40 países já adotaram medidas técnicas – filtros, bloqueios e censura – para conter jihadistas. ‘Nas democracias é mais difícil fazer isso’, afirmou Stevens. Abertos ou não, ‘governos desejam uma solução simples e técnica, mas o problema está no mundo real, não no virtual’, disse.


Na internet, ainda que a sofisticação e o espaço do jihadismo sejam crescentes, a maior parte dos analistas considera que os militantes estão longe de conseguir provocar um ‘11 de Setembro virtual’.


?CENTRO DE MÍDIA?


Autoproclamada ‘a vanguarda islâmica’, a Al-Qaeda foi a primeira organização a adotar uma estratégia e entender os potenciais da rede. O foco, porém, foi a comunicação, não os ciberataques. Para isso, o grupo criou o Al-Sahab, espécie de ‘centro de mídia’, que chegou a postar um vídeo a cada três dias no auge da guerra do Iraque.


O ideólogo da nova comunicação teria sido Abu Musab al-Zarqawi, líder da Al-Qaeda no Iraque morto pelos EUA em 2006. Preso na Jordânia nos anos 90, ele fizera um boletim que, fora da prisão, era transcrito na internet por membros de seu grupo. Na rede, os textos ganharam o mundo – e ele, a fama. Quando foi ao Iraque combater os EUA, em 2003, o ex-presidiário levou uma nova arma: uma câmera de vídeo, nova etapa na divulgação de suas ações.


Mas nem a Al-Qaeda está imune a ciberataques. Recentemente, um de seus portais, o Al-Neda, foi tomado por hackers. Links com títulos islâmicos foram substituídos por material pornográfico – um deles, ‘Martírio: o caminho para a imortalidade’, virou ‘Lola: faço coisas que sua mulher não faz’. Simpatizantes da Al-Qaeda e alguns especialistas têm a mesma suspeita: ciberagressores a serviço de Washington.’


 


 


Mariana Barbosa


Publicação de livro entra na era virtual


‘A revolução de costumes provocada pela internet – que transformou a indústria fonográfica – está chegando ao mercado editorial e invertendo a relação de poder entre editoras e escritores. Nos Estados Unidos, enquanto o bilionário mercado de livros está estagnado, o segmento chamado de ‘autopublicação’ ou ‘impressão sob demanda’, visto com um certo desdém pelas editoras tradicionais, não para de crescer. Atualmente, 78% dos títulos novos são de editoras que trabalham com autopublicação, segundo a Publishers Marketing Association.


Confirmando a teoria da ‘cauda longa’, de Chris Anderson, essas editoras lucram com a venda de tiragens menores de um número maior de autores. Nesse modelo, praticamente não existe rejeição. São as editoras que buscam seus autores, colocando na internet anúncios de ‘publique seu livro’.


No Brasil, por exemplo, a pequena Editorama, que tem um ano de vida, já conta com 120 títulos. É o autor quem banca a publicação e a editora fornece o suporte editorial (revisão, edição, design, registro no ISBN, impressão). A primeira tiragem é inteira do autor – que muitas vezes consegue ter lucro (ver ao lado).


Se no passado o autor que bancava sua publicação encontrava dificuldades para distribuir seus livros, com a internet esse problema desaparece. A maior parte dessas editoras tem parcerias com grandes livrarias virtuais, como a Livraria Cultura, no Brasil.


Há outra grande vantagem: o livro nunca se esgota. Permanece num arquivo digital e pode ser impresso de acordo com a demanda, eliminando a necessidade de estoques. ‘Somos procurados por muita gente que quer republicar um livro feito com outra editora, que não se interessa por fazer uma nova tiragem’, conta o publisher Henrique Volpi, sócio da Editorama, primeira editora brasileira a firmar um acordo de vendas no modelo de impressão sob demanda com a BookSurge, subsidiária da Amazon.


A partir da semana que vem, três títulos da editora poderão ser comprados no site da Amazon. Até agosto, esse número deve subir para 50. A Amazon não manterá estoques. Os livros serão impressos nos Estados Unidos de acordo com a demanda.


Adquirida pela Amazon em 2005, a BookSurge é filha do boom da autopublicação. Foi fundada em 2000 por um grupo de escritores cansados da rejeição das grandes editoras e que buscavam melhores condições para se publicar e vender livros. Hoje, a empresa ainda oferece serviço de autopublicação e concentra todos os negócios de impressão. Há dois anos, firmou um acordo com grandes editoras, como HarperCollins, Pearson, Oxford University Press, entre outras, para imprimir sob demanda e vender no site da Amazon todos os seus títulos ativos e fora de catálogo.


Enquanto no Brasil esse mercado é nascente, ainda com poucas editoras, nos Estados Unidos já há dezenas. Algumas dedicam-se a publicar livros de maiores pretensões literárias, com serviços de edição e revisão. Mas o grosso desse mercado é a a publicação de livros cujo alcance não vai muito além do próprio autor e seus familiares – segmento que nos EUA é chamado de ‘Vanity Press’, ou ‘editora de vaidades’.


O mais popular dos sites de autopublicação é o Lulu.com, que permite materializar qualquer tipo de livro – romances, catálogos, livro de receitas, álbuns de foto -, além de CDs e DVDs. O usuário faz tudo pela internet, escolhe entre alguns modelos padrões de diagramação e de capa e, em poucos dias, recebe o produto em casa, na quantidade que desejar. O site possui ainda uma loja virtual onde a criação de todos os seus clientes pode ser adquirida, dentro do sistema de impressão sob demanda.


O modelo de autopublicação tem sido muito procurado por autores que não têm acesso a grandes editoras e também por mestres e doutores interessados em publicar suas teses. Outro grande filão é o de livros técnicos e científicos escritos por professores, médicos, advogados, engenheiros, que costumam dar aulas ou palestras. ‘Esses profissionais, que vendem os próprios livros em palestras, estão vendo que ganham muito mais na autopublicação do que em uma edição tradicional’, explica João Scortecci, escritor e empresário que está nesse mercado de autopublicação há quase 30 anos. Com serviços de edição, gráfica e comercialização, o grupo Scortecci fatura R$ 5 milhões.


Ele diz que esse mercado mudou radicalmente nos últimos cinco anos. ‘Havia muito preconceito, mas hoje os autores estão vendo que eles têm muito a ganhar.’ Na opinião dele, além da evolução tecnológica das impressoras, esse mercado vem sendo impulsionado por uma mudança de comportamento. ‘Com essa onda de blogs, tem muita gente exercitando a escrita e querendo transformar seus diários, suas experiências, em livros.’


Scortecci reconhece que o preconceito contra a autopublicação ainda não acabou, mas rebate exibindo alguns prêmios literários importantes: melhor livro de poesia da Academia Brasileira de Letras em 2008, com ‘Discurso Urbano’, de Izacyl Guimarães Ferreira, e melhor romance da Fundação Biblioteca Nacional, em 2007, com ‘O Tempo Físico’, de Idalina Azevedo da Silva.’


 


 


INVESTIMENTOS


O Estado de S. Paulo


‘Estado’ publica coluna para o investidor


‘O Estado passa a publicar às segundas-feiras, no caderno de Economia, uma página com informações sobre investimentos pessoais, acompanhando a demanda crescente por notícias e dados nessa área.


A página será produzida pela Agência Estado, que é líder na cobertura jornalística dos mercados financeiros no País.


Se a crise internacional preocupa, por outro lado, o horizonte de previsibilidade para a inflação e de provável redução continuada dos juros abre oportunidades para os investidores, veteranos ou estreantes.


O brasileiro hoje pode ir além da poupança e do dólar no momento de decidir uma estratégia de investimento. Houve recentemente forte expansão de pessoas físicas no mercado de ações, assim como o Tesouro Direto estimulou a aplicação, pela internet, em títulos públicos federais.


A demanda por informação independente e confiável acompanha o crescente elenco de alternativas de investimento. O portal AE Investimentos, do Grupo Estado, lançado há quase um ano, reflete esse movimento. Medições mostram que o internauta passa mais de 15 minutos navegando a cada visita, o que demonstra claramente adesão à proposta educativo-informativa que agora se transfere também para as páginas do Estado.


Toda segunda-feira, a página ‘Investimento Pessoal’ trará uma reportagem, tabelas e gráficos sobre os ativos mais acompanhados pelos investidores, além de uma agenda dos indicadores que podem mexer com o mercado na semana que se inicia.


O leitor contará ainda com um ranking das aplicações, que também tem atualização diária no portal www.aeinvestimentos.com.br.’


 


 


LITERATURA


Ubiratan Brasil


Poesia da dor


‘A solidão, o amor e a morte sempre acompanharam o escritor italiano Cesare Pavese, deixando marcas profundas em sua obra. Quando ele se suicidou, em 1950, próximo dos 42 anos, terminava, em um quarto de hotel de Turim, uma vida cuja escrita se abriu com sinceridade trágica para o fracasso, a intolerância, a não realização sexual, a fraqueza, a mulher como mediadora da existência. Vivência encontrada nos poucos livros de Pavese publicados no Brasil, pecado agora remediado com a poesia de Trabalhar Cansa, edição bilíngue com bela tradução de Maurício Santana Dias, lançada na semana passada em conjunto pela Cosac Naify e 7Letras (400 páginas, R$ 59).


Trata-se de sua estreia na literatura, reunião de 70 poemas escritos entre 1930 e 1940, período em que a poesia vivia a efervescência do verso livre, inflamada pelo modernismo. A dicção de Pavese, no entanto, destoava dessa linha de construção. Inspirado em temas rurais e urbanos, como camponeses, adolescentes e bêbados que transitavam pela sua região natal (Piemonte), ele adotava uma forma mais próxima da narrativa que da poética. ‘O que o escritor piemontês estava propondo a seus leitores era, em primeiro lugar, uma poética sem impostação retórica, sem grandiloquência e sobretudo sem aquele inefável da poesia pura, de matriz marcadamente francesa’, observa Dias, autor ainda de um precioso guia apresentado como prefácio do livro.


Segundo o tradutor, o modernismo da poesia de Pavese estava em um projeto ao mesmo tempo modesto e ambicioso: construir uma poesia mais próxima da vida cotidiana. ‘Ele queria tentar fazer a poesia aderir à experiência e buscar romper o cerco de alienação que teria apartado a arte da vida, restituindo à experiência moderna um sentido pleno, uma fundamentação última ou totalidade perdida, mas, note-se, sem recorrer a nenhum tipo de transcendência.’


Nascido em uma pequena aldeia de Piemonte em 1908, Pavese recebeu educação rústica, mas sem maldade, que o levou a conhecer campos e colinas da região de Santo Stefano Belbo. Lá, em contato com a natureza, descobriu um fascínio que também o aniquilaria, provocando a impressão de se dissolver no universo, fundindo-se inteiramente à terra: ‘Eis-me pedra, umidade, fumaça, sumo de fruta, vento…’


Quando conheceu uma cidade grande, Turim, aos 12 anos, sofreu novo conflito: embora rodeado pela civilização, como integrar suas particularidades e seus desejos ao movimento histórico? Foi a primeira incerteza entre várias que marcaram sua curta vida. Nessa fase, descobriu também a sexualidade, que ele tentou desfrutar a partir das reminiscências de infância no campo. Sua timidez, no entanto, transformou o sexo em um estranho complexo de imobilidade, não conseguindo realizar o sonho de ser amado e ter uma família. Estabeleceu, enfim, uma solidão que se tornou tão insuportável a ponto de minar as defesas que ele sempre opôs à tentação do suicídio.


Na poesia se realizou, mas não no amor – daí a proximidade desses dois sentimentos, a frustração amorosa e a tendência suicida. ‘Não nos matamos pelo amor de uma mulher’, escreveu ele em seu famoso diário, O Ofício de Viver. ‘Matamo-nos porque um amor, qualquer amor, nos revela em nossa nudez, miséria, inermidade, nada.’


‘Se existe, com efeito, um escritor que habitou fundo e de forma integral uma ambiguidade sem saída, este foi com certeza Pavese’, observa Ettore Finazzi-Agrò, professor de Literatura Portuguesa e Brasileira na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Roma La Sapienza. ‘Entre a sua pequena aldeia natal (Santo Stefano Belbo) e a grande cidade industrial (Turim), entre tempos díspares e ambos marcados pela incerteza (o antes e o depois em relação à 2ª Guerra, período, este, que ficou, apesar de tudo, um tempo de certezas ferozes e de incontroversas experiências), entre o empenho político e o anarquismo ideológico, entre o amor pela literatura norte-americana e a devoção à cultura nacional, entre, enfim, a opção pelo realismo e a atração inconfessada pelo decadentismo.’


Trabalhar Cansa compõe-se de três diferentes fases. Na primeira, estão poemas narrativos tradicionais de 1930 a 1933, que registram a união das paisagens e figuras do Piemonte rural e urbano com a influência da cultura americana que Pavese absorvia dos livros. São esses poemas iniciais que revelam seu projeto literário: uma poesia radicalmente objetiva e narrativa, antilírica.


A fase seguinte é marcada pela incorporação de imagens, que vão inspirar a série Paisagem. Os poemas finais de Trabalhar Cansa, de Paternidade (1935) a Noturno (1940), apresentam uma poética mais subjetiva, que traz para o primeiro plano temas como a solidão e a inutilidade das ações. Apesar de distintos, os poemas apresentam praticamente o mesmo ritmo, ainda que a escrita compreenda o longo período de dez anos. ‘É óbvio que essa regularidade extrema, longe de mimetizar o real, funciona mais como uma negação da realidade em que o escritor está imerso; ou seja, quanto mais o mundo à sua volta se tornava turbulento, excessivo, veloz, caótico, mais Pavese lhe impunha uma ordem clara e precisa’, observa Santana Dias, na introdução.


Trabalhar Cansa foi inicialmente publicado em 1936, pela revista Solaria, com poemas compostos até 1935; em 1942, o próprio Pavese fez, pela editora Einaudi, uma edição excluindo sete poemas da publicação anterior. Esses poemas foram também traduzidos por Santana Dias e incluídos em sua tese de doutorado – um deles, Disciplina Antiga, o Estado publica aqui com exclusividade.


Apesar do espírito arredio, Pavese cultivou amigos fraternos como os escritores Elio Vittorini e Natalia Ginzburg. Escreveu também uma obra que impressionou o cineasta Michelangelo Antonioni, que adaptou Mulheres Sós em As Amigas – o diretor dizia que fora atraído pelos personagens femininos.


O fim trágico de Pavese, aliás, foi anunciado nesse Mulheres Sós, escrito em 1949: ali, a protagonista morre da mesma forma, em um quarto de hotel, tomando uma dose letal de soníferos. O ato já inspirara uma anotação em seu diário: ‘A dificuldade de praticar o suicídio está nisto: é um ato de ambição que só pode ser realizado depois de superada toda a espécie de ambição’.’


 


 


HISTÓRIA


Luiz Zanin Oricchio


Dossiê investiga raízes históricas da corrupção


‘‘Uma sequência de episódios reforça a impressão de que a corrupção sempre esteve entre nós. No século 19, os republicanos acusavam o sistema imperial de corrupto e despótico. Em 1930, a Primeira República e seus políticos foram chamados de carcomidos. Getúlio Vargas foi derrubado em 1954 sob acusação de ter criado um mar de lama no Catete. O golpe de 1964 foi dado em nome da luta contra a subversão e a corrupção…’ Assim começa o artigo Escola de Transgressão, de José Murilo de Carvalho, primeiro de um dossiê sobre Corrupção – Crime ou Costume?, da Revista de História da Biblioteca Nacional.


Historiadores são seres chatos e imprescindíveis, porque vivem a nos lembrar que a vida não começou ontem e nem no momento em que nascemos. Entramos e saímos do mundo de maneira discreta e ele continua a girar, produzindo a série de eventos que, em nossa passagem por este vale de lágrimas, chamamos de História. Assim, se quisermos entender um fenômeno tão familiar como a corrupção, teremos de ir às suas raízes, e elas não se encontram em nosso passado recente. Pelo contrário. Perdem-se na poeira dos anos.


Além do mais, como lembra o historiador, o sentido do termo muda com o tempo. Durante o Império e a Primeira República, quando se falava em corrupção era para designar a forma de governo e não os indivíduos. Somente a partir de 1945, com a entrada em cena da UDN (União Democrática Nacional), passou-se a centrar as baterias contra a corrupção individual. ‘Foram também indivíduos que serviram de justificativa para o golpe de 1964 e mais tarde inspiraram o grito de guerra de Collor, personificados na figura dos marajás a serem caçados’, escreve.


Tudo para dizer que o termo ‘corrupção’ é ambíguo e talvez seja melhor trabalhar com o conceito de transgressão à lei. O problema do respeito às leis no Brasil é a sua profusão. O furor legiferante tem sua origem na composição bacharelesca da elite política. Como diz Carvalho, no Brasil o legislador é um demiurgo, um reformador da natureza. Feita a lei, ele pensa que o problema está resolvido, por isso a legislação deve ser pensada em seus mínimos detalhes. Na Common Law anglo-saxônica, pelo contrário, a lei regula o comportamento costumeiro. Aqui, o cipoal de leis convida à transgressão.


Desse modo, a expansão incontrolada da lei teria sido em parte responsável pelas revoltas populares do século 19. O episódio de Canudos seria o mais trágico entre os confrontos dessa legalidade com os valores tradicionais. Já no Brasil atual existem parcelas da população que seriam estranhas à lei, enquanto outras, os poderosos do campo e da cidade, se esmeram em fazer as leis em seu proveito. Nos interstícios entre uma lei tão abrangente que não pode ser aplicada e a ausência de lei, insinua-se o ‘jeitinho’, a pequena transgressão, já transformada em dado cultural.


A História mostra como é complicado o estudo de algo em aparência tão evidente como a corrupção.’


 


 


CINEMA


Luiz Carlos Merten


Alfred Hitchcock, o dono do rebanho, e suas atrizes lendárias


‘Alfred Hitchcock nunca se conformou com o fato de a mulher que ele havia escolhido para transformar numa estrela, Vera Miles, ter engravidado justamente quando ele se preparava para iniciar a filmagem que vinha preparando com todo cuidado para ela. Vera Miles deveria fazer o papel de Madeleine/Judy em Um Corpo Que Cai (Vertigo). Hitchcock e a figurinista Edith Head planejaram o que seria o guarda-roupa da ?protegée? do diretor. Vera, mãe de dois filhos, engravidou de novo. Hitchcock desinteressou-se dela. Foi a chance de Kim Novak, que apagou o incêndio e entrou, à última hora, numa das obras emblemáticas do cinema.


O mestre do suspense tinha uma relação complicada com suas estrelas. Ficou famosa a frase em que se refere aos atores como ?gado?. A mais hitchcockiana das loiras – Grace Kelly – nunca perdeu a majestade pelo que outros (e outras) consideravam desaforo, e numa carta de desculpas a Hitchcock, explicando por que, como princesa de Mônaco, não poderia voltar aos sets de filmagem para fazer Marnie, as Confissões de Uma Ladra, ela se assinou como ?a mais devotada de suas vacas? (the most devoted of your cows). Kim, pelo contrário, foi uma vaca rebelde. Ela detestava os sapatos pretos de salto alto e o tailleur cinza que o grande diretor considerava peças imprescindíveis na criação de sua enigmática personagem em Vertigo. Ela chegou a dizer a Edith Head que jamais usaria aquelas roupas, porque achava que engrossavam suas canelas.


Se tivesse de ser um tailleur, que fosse roxo, ou branco. Hitchcock mandou um curto recado à figurinista – ‘Cuide disso, Edith. Não me importo com o que ela vista – desde que seja um tailleur cinza.’ Kim terminou usando tudo o que Hitchcock queria – sapatos altos pretos, um tailleur cinza, um vestido preto para noite e um amplo casaco branco. Ao contrário do que ela temia, sua presença na tela exala carnalidade e Kim se tornou uma das imagens mais intensas do erotismo no cinema. Bem vestida, maquiada e fotografada, ela ainda usa aqueles trajes que não parecem datados, 50 anos depois. Hitchcock estava certo o tempo todo e, como o próprio filme, o figurino de Vertigo é eterno.


Essa é uma das tantas histórias que Donald Spoto conta em Fascinado pela Beleza. O lançamento da Editora Larousse tem um subtítulo – Alfred Hitchcock e Suas Atrizes. É o terceiro livro que o crítico norte-americano, ex-padre formado em teologia, dedica ao grande cineasta inglês. Em A Arte de Alfred Hitchcock (1976), ele analisou em detalhes os filmes para concluir que o mestre do suspense, com toda a sua fama de cineasta comercial, na verdade foi um dos maiores gênios que já trabalharam no cinema. Sete anos mais tarde, The Dark Side of Genius (O Lado Sombrio do Gênio – A Vida de Alfred Hitchcock), a primeira das 16 biografias que Spoto publicou até o momento, revelou o aspecto mais controvertido da personalidade do artista. Como o próprio Spoto explica no prefácio de Fascinado pela Beleza, ‘o livro não é uma biografia revisionista, mas, de certo modo, é a história de uma vida com um tema triste – no sentido mais amplo, o tema do egoísmo destruidor. Às vezes, ele (Hitchcock) não podia prever o sofrimento que suas ações iam causar; em outras ocasiões, ele parecia antecipar o sofrimento muito claramente.’ Além de ?antecipar?, Spoto poderia ter acrescentando que esse sofrimento imposto aos outros causava prazer ao diretor.


As mulheres foram os principais alvos da manipulação de Hitchcock. Com os homens, talvez fosse mais difícil ser tão duro e dominador, e com alguns, sem nunca estabelecer camaradagem, ele chegou a trabalhar diversas vezes. Foram quatro filmes com James Stewart, e quatro com Cary Grant, todos com fama de clássicos. As atrizes eram mais vulneráveis porque Hitchcock construía, a partir do material que elas lhe ofereciam, a imagem de uma mulher ideal que ele queria criar na tela. Não deixa de ser curioso que Vertigo, nesse sentido, ofereça uma dupla metáfora. O filme conta a história desse homem que constrói uma mulher a partir de outra para realizar seu sonho de amor necrófilo, indo para a cama com uma morta, como definia o próprio autor. Fora da tela, o próprio Hitchcock esculpiu com uma atriz (Kim Novak) a imagem que havia estabelecido a partir de outra (Vera Miles).


Spoto mapeia todas as loiras frias de Hitchcock, esse Olimpo de mulheres belas e gélidas, cuja sensualidade reprimida ele gostava de ver aflorar na tela. O crítico e pesquisador possui uma tese – Hitchcock foi um homem brilhante, excêntrico, torturado e basicamente infeliz, que nos deixou um legado artístico (e agora vem o importante) talvez apesar de si mesmo. O mestre torturava Madeleine Carroll, Joan Fontaine, Doris Day, Eva Marie Saint e Janet Leigh, exigindo delas que encarnassem suas fantasias fetichistas, mas sem nunca dar o retorno se estava satisfeito nos sets de filmagem. Curiosamente, Hitchcock nunca considerou Ingrid Bergman uma de suas loiras, talvez porque a sueca fosse durona (e uma estrela que ele não precisou moldar). Doris Day quase foi à loucura tentando saber se o diretor gostava dela em O Homem Que Sabia Demais ou, em caso contrário, por que não? Janet, imortalizada na célebre cena da morte de Marion Crane na ducha, em Psicose, de 1960, trabalhou menos de 20 dias no filme, mas pelo resto de sua vida seria identificada por aquela obra, embora tenha participado de outros trabalhos marcantes (apenas um exemplo – Sede de Maldade, de Orson Welles). Foram seis dias molhados de um mês de dezembro em que ela ficou horas sob um chuveiro que nunca parava de jorrar água, a ponto de muitas vezes Janet sentir que sua pele murchara.


Nunca, como aqui, Hitchcock dirigiu uma atriz com tanta precisão. Ele chegou a dizer a Janet que sua câmera era absoluta. ‘Conto a história pelas lentes. Portanto, preciso que você se mova quando minha câmera se mover e pare quando minha câmera parar. Tenho certeza de que você será capaz de encontrar uma motivação para justificar o movimento. Estou feliz de poder trabalhar com você, mas sob hipótese alguma mudarei o tempo da minha câmera.’ A parte mais complexa do livro é a que trata da relação com Tippi Hedren, a modelo que Hitchcock viu num comercial de televisão e a quem transformou em estrela, em Os Pássaros e Marnie. Embora estivesse no auge da sua potência criativa, Hitchcock, aos 60 e tantos anos, mantinha uma relação de dependência com a mulher, Alma Reville. ‘Ela era como a mãe que cuidava dele’, disse certa vez Tippi Hedren.


O diretor já tinha 26 anos quando fez o longa The Pleasure Garden, em 1925, no qual uma figurante tinha de entrar no mar. Quando ela lhe disse que não poderia fazer a cena de praia porque ?estava num daqueles dias?, Alma, que desempenhava a função de assistente, teve de puxar o futuro marido num canto e lhe explicar que as mulheres ficavam menstruadas. Hitchcock já sabia tudo sobre técnica cinematográfica e nada sobre anatomia feminina. A Diane Baker, que fazia um papel secundário mas importante, em Marnie, ele confessou, para embaraço da atriz, que havia décadas não fazia sexo com Alma. Pode ser que fosse um sinal de senilidade, mas Hitchcock desenvolveu verdadeira obsessão por Tippi. Ele a isolava, no set, para que fosse somente sua. Não permitia que os atores (Rod Taylor e Sean Connery) a tocassem, exceto quando sua câmera estivesse filmando. Contava piadas sujas e versinhos pornográficos, especialmente depois de descobrir que Tippi detestava esse tipo de coisa. ‘Acho que ele pensava que isso me deixaria nervosa e embaraçada’, a atriz contou a Spoto. A própria Alma Reville visitou a estrela num fim de semana e lhe disse, enigmaticamente – ‘Oh, Tippi, querida, sinto muito que você tenha de passar por isso – eu sinto tanto.’ A conivência involuntária da mãezona revelou-se não apenas insensata como inapropriada. ?Seja lá o que ocorreu entre o casal a respeito de Tippi Hedren? – é uma frase de Spoto no livro -, os filmes parece que eram mais importantes e Alma não conseguiu inibir o comportamento destrutivo do marido. Talvez tenha tentado (e falhado).


Marnie, com a obsessão de Sean Connery em relação à personagem de Tippi, é um filme sobre Hitchcock e seu desejo pela estrela. Ele não apenas a torturava fisicamente – as cenas de ataques dos pássaros levaram a lacerações reais -, como a humilhou no set do outro filme, exigindo que o tocasse nas partes íntimas. Quando Tippi se cansou e disse que ia embora, ameaçando romper o contrato que a ligava a Hitchcock, ele disse que ia destruí-la em Hollywood e ainda ironizou como ela conseguiria sustentar a filha, a futura atriz Melanie Griffith. É um episódio tão controvertido de assédio que os tietes de carteirinha de Hitchcock preferem minimizá-lo, quando não ignorá-lo. Spoto, que já explorou o lado sombrio do artista, volta à carga. Hitchcock era um gênio, fascinado pela beleza. Criou filmes imortais, em que brilham algumas das mais cintilantes imagens de feminilidade da tela. Só suas estrelas sabem – e Tippi Hedren mais do que todas – quanto sofrimento era necessário para tamanha exaltação da beleza.’


 


 


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