Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Globo

‘Os jornais britânicos deram grande destaque à morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, que foi assassinado com cinco tiros na cabeça por policiais à paisana. A maior parte da cobertura foi crítica devido à morte de um inocente, mas alguns editoriais defenderam a preocupação da polícia diante do temor de que terroristas realizem novos ataques como os de 7 de julho e de quinta-feira passada em trens de metrô e ônibus.

A capa do jornal ‘The Observer’ foi uma das mais diretas: ‘Homem morto a tiros em caçada ao terror era um jovem brasileiro inocente’, escreveu o diário em sua principal manchete.

Todos os jornais destacaram o pedido de desculpas do chefe da Scotland Yard, Ian Blair, sem deixar de citar a defesa feita por ele sobre os métodos usados pela polícia.

Em seu principal editorial, o jornal ‘Sunday Times’, edição dominical do respeitado ‘The Times’, de Londres, afirmou que Menezes foi morto por uma falha direta da polícia. O texto, aparentemente, foi escrito ainda antes de a identidade do brasileiro ser oficialmente revelada:

‘Um homem inocente, possivelmente um sul-americano de acordo com alguns relatos, apavorado por policiais armados e fora de si, foi perseguido no metrô, dominado e alvo de disparos. Ele foi, indiretamente, uma vítima dos dois ataques terroristas contra Londres num espaço de 15 dias e da atmosfera de paranóia que eles geraram. Diretamente, no entanto, ele foi vítima de uma falha da polícia’, escreveu o jornal.

Apesar do tom crítico, o ‘Times’, porém, também cita uma declaração de uma diretora de um grupo de defesa dos direitos humanos britânico, que defendeu os policiais: ‘São decisões tomadas em frações de segundo numa situação em que as pessoas estão sobre o fio de navalha num momento de grave perigo’. O jornal aponta ainda para o aumento das críticas em relação à ordem dada à polícia de atirar em suspeitos para matar .

Tablóide faz severas críticas à ação da polícia

Já o jornal ‘The Independent’ faz um perfil do brasileiro, lembrando sua criação numa família pobre do interior do Brasil (numa ‘cidade ao norte do Rio de Janeiro’) que apenas queria juntar dinheiro para voltar para sua terra e montar uma firma de eletricistas. Num editorial, no entanto, defende o trabalho dos policiais e pede para que eles sejam absolvidos.

O tablóide ‘News of the World’ deu grande destaque ao assassinato do brasileiro. Sua manchete, que com letras garrafais ocupa quase toda a capa, foi ‘Homem que sofreu disparos é inocente: ‘suspeito’ morto por tiras NÃO era terrorista’ (o jornal usou letras maiúsculas para ressaltar o ‘não’). Na reportagem, o jornal publicou: ‘O suspeito de ser um terrorista suicida morto a tiros pela polícia no metrô era alguém totalmente inocente que estava no lugar errado na hora errada’.

Já o tablóide ‘The Sun’, sob a manchete ‘Homem inocente recebeu disparos’, limita-se a afirmar que a Scotland Yard disse aceitar ‘total responsabilidade’ pela morte do brasileiro.

O jornal americano ‘The Washington Post’, em sua edição de ontem, fez uma extensa cobertura do assassinato do brasileiro. O diário menciona a versão do chefe da Scotland Yard, que dissera que Menezes recebera ordens dos policiais para parar, acrescentando que nenhuma das dezenas de testemunhas ouvidas pela imprensa britânica afirmou ter ouvido tal ordem.

Jornais de Espanha, França e Alemanha também noticiaram a morte do brasileiro.’



L’IMBÉCILE
Jorge Coli

‘Cultura periódica’, copyright Folha de S. Paulo, 24/7/05

‘Imprensa inteligente, muito culta, e, mais ainda, provocante, engraçada, irresistível, existe? Que não seja a revista de luxo acetinada e insossa? Ou o ensaio cabeça, difícil de digerir, que se deixa de lado, dizendo: ‘Depois eu leio, com tempo’, e nunca mais se abre? Revista capaz de organizar um dossiê sobre Nietzsche ou Freud; de discorrer sobre Max Beckmann ou Charles Bukowski de maneira que o leitor agarre e leia com avidez? Isso existe?

Existe sim. Em abril de 2004 surgiu na França a revista mensal ‘L’Imbécile’. Ou seja, o imbecil, no caso de algum distraído não ter percebido. Seu lema é uma frase de Julien Green: ‘Mesmo no homem mais inteligente, sobra pano bastante para fazer um imbecil’. As ilustrações são engraçadas, esdrúxulas, desenhadas com capricho ou com rapidez, algumas com colorido meticuloso, outras no traço sumário. Impossível descrevê-las, às vezes poéticas, oníricas, surreais; às vezes violentas, obscenas ou cínicas. Os textos são agudos e, mesmo quando escritos por especialistas empenhados, não perdem nunca o perfume dessa forma superior de inteligência que é o diletantismo. Melhor dizendo, não perdem nunca o prazer contido na fruição do objeto e da fruição da análise. Os amores intelectuais, por apaixonados que sejam, permanecem, nesses ensaios, como tranqüilas linhas de horizonte. Os ódios, ao contrário, parecem reencontrar a violência que existia na imprensa do século 19, desrespeitosa, furibunda, indignada. Algumas páginas literárias revelam escritores formidáveis, embora discretos, distantes dos refletores midiáticos. Ou trazem inéditos de autores míticos, como o poema ‘d’Edgard Poe Famille Maudite’, um diamante.

Marienbad

Exemplo da irreverência em ‘L’Imbécile’: Alain Robbe-Grillet acabara de ser eleito para a Academia Francesa, e o artigo ‘A Ética Anêmica de Robbe-Grillet’, de Alain Paucard dá o tom desde o início. ‘Há, creio, na França, como em todo país civilizado, leis contra a publicidade mentirosa. O ‘nouveau roman’ deveria ser como as férias ensolaradas sem sol, ou como as vistas para o mar que, na verdade, abrem-se para um pátio interno: passível de tribunais. Mas que vara julgará o ‘nouveau roman’ e seus representantes patenteados? Serão eles condenados por propagação do tédio? Por negação da imaginação?’ Por mais amor que se tenha a Robbe-Grillet e sua turma, por mais grosseiro que pareça o tom, o ataque é tão jubilante e direto, que a leitura se torna irresistível.

Espinhos

‘L’Imbécile’ consagrou, em novembro de 2004, um número a Jesus. Entre outros, um texto brilhante, escrito por Philippe Garnier, analisa, não a veracidade da existência de Cristo, mas o papel da história na crença dessa existência. Discute a necessidade cristã da veracidade histórica e o fenômeno paradoxal que ela engendra. O que se tem de autêntico sobre a existência humana de Deus é pouco. Mas construíram-lhe, ao longo dos séculos, um percurso individual complexo: ‘O cristianismo parece se ter fabricado uma origem enquanto respondia às solicitações do presente. Cresceu ao mesmo tempo pelas raízes e pelos galhos’. Daí a redefinição dos dogmas ao fio dos séculos: a proclamação de Maria como imaculada é feita 1.800 anos depois da natividade… Outro aspecto é a presença do cotidiano nessa vida messiânica, dos detalhes banais que dimensionam conseqüências extraordinárias. Saber se Cristo era proprietário de seu manto, por exemplo, leva, dependendo da resposta, a engendrar perspectivas históricas diversas: ‘O menor instante, mesmo o mais corriqueiro, o mais escondido na indiferença quotidiana, pode inaugurar uma era radicalmente nova. Não é a perspectiva do eterno retorno, mas do eterno começo’.

Bobina

De Pascal Imaho, em ‘L’Imbécile’, o artigo ‘O Cinema traiu Nietzsche?’. Leni Riefenstahl, Tarkovsky, Kubrick, Gus Van Sant, Spielberg, Liliana Cavani, Terence Fischer, se sucedem em pequenos ensaios que se entrecruzam. Nesse estudo, os cineastas, reagindo diversamente ao estímulo nietzschista, iluminam-se uns aos outros.’



LONDON BUSINESS
O Globo

‘‘Financial Times’ terá concorrente gratuito’, copyright O Globo, 25/07/05

‘O britânico ‘Financial Times’, o jornal de negócios mais respeitado do mundo, vai ganhar um concorrente gratuito este ano, informaram ontem os jornais ‘Sunday Times’ e ‘Sunday Telegraph’. Segundo o ‘Times’, o diário, que será distribuído aos usuários do sistema de transporte londrino, deve chegar ao público em outubro.

O jornal, que vai se chamar ‘London Business Daily’, é um projeto de Lawson Muncaster, um ex-executivo da sueca Metro International, que edita o diário gratuito ‘Metro’.

De acordo com o ‘Telegraph’ e o ‘Times’, o editor do novo jornal será David Parsley, ex-editor de negócios do ‘Sunday Express’, e o resto da equipe ainda estaria em processo de contratação.

Inicialmente, os recursos virão de empresas escocesas. Muncaster disse ao ‘Telegraph’ que o ‘London Business Daily’ vai preencher um vazio no mercado editorial.

Os jornais gratuitos têm obtido a maior expansão na área de mídia. Os anunciantes são atraídos pela possibilidade de atingir um grande número de leitores de todas as idades e convicções políticas.

A Metro International publica 57 diários gratuitos em 18 países, mas ainda não está presente no mercado britânico. O jornal ‘Metro’ que é distribuído em Londres pertence ao grupo Associated Newspapers, que publica o ‘Daily Mail’ e o ‘Evening Standard’, entre outros.

O ‘Times’ também informou que o ‘Financial Times’ será reduzido, mês que vem, a um único caderno, para reduzir seus custos. Sua editora, a Pearson, assegurou, no entanto, que o espaço editorial não será alterado.’



MARC FERREZ
Marcos Sá Corrêa

‘O bom e velho país do futuro’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 23/7/05

‘Nesta hora em que o brasileiro não consegue ver um palmo adiante da CPI, nada mais terapêutico do que uma visita ao país do futuro, que se chama ‘O Brasil de Marc Ferrez’. Soprada pelo vento de renovação que soprou nestes trópicos há mais ou menos 100 anos, a mudança de ares começa terça-feira, dia 26 de julho, no Instituto Moreira Salles da Gávea, no Rio de Janeiro. Vem na forma de quase 300 fotografias. E, talvez por guardar tão nitidamente o espírito da época, abre aqui antes de chegar ao museu Carnavalet em Paris, como em vida fez o fotógrafo.

Há, na coleção, tantas encarnações de Marc Ferrez que cada um pode escolher o seu, no tempero de seu gosto. Quem se interessa por lentes, emulsões e câmaras verá nas paredes reaparições do milagre que fez nascer carioca um dos maiores fotógrafos do mundo no século XIX. E, querendo, achará quatro capítulos sobre o fenômeno, no livro ilustrado de 320 páginas que a exposição inspirou. E num deles, chamando a atenção dos leitores para os fios paralelos que cerziram a um hemisfério de distância os passos de Ferrez e do californiano Carleton Watkins, o crítico Pedro Karp Vasques dá a medida do descompasso entre o pioneirismo técnico do fotógrafo e o atraso da terra que ele fotografou.

Nos dicionários de palavras cruzadas, que são o quem-é-quem do senso-comum, só duas vezes se juntam ‘brasileiro’ e ‘fotógrafo’, diz Vasques. O outro é, evidentemente, Sebastião Salgado. Mas esse mineiro de Aimorés fez carreira morando em Paris e trabalhando em todos os continentes no fim do século XX. E Ferrez, filho de um escultor e gravurista que chegou ao Brasil com a Missão Francesa, viveu num Rio de Janeiro de 300 mil habitantes que os europeus ainda viam como a capital de uma terra incógnita e, trabalhando sob o sol tropical numa sociedade em branco e preto, arrancou de suas monumentais chapas de vidro tons de cinza que no seu tempo ainda eram monopólio da vanguarda internacional dos fotógrafos.

Ainda estavam a décadas de distância os filmes capazes de enxergar matizes em todas as cores do espectro. Mas ele, operando trambolhos de madeira que, vistos no canto de uma imagem feita em 1875, parecem equipamentos náuticos esquecidos sobre os bancos de coral no porto de Recife, ele fazia no século XIX paisagens em que o céu tinha nuvens, em vez daquele fundo esbranquiçado que, nas fotografias de seus contemporâneos, dava a impressão de que a natureza inteira estava posando num estúdio.

Ferrez foi universal sem sair de sua aldeia. Ou melhor, saindo muito, mas sempre em direção ao interior e às províncias, de Belém a Porto Alegre, fotografando índios, próceres, pés-rapados, escravos, cidades, matas, cachoeiras, árvores, escravos, garimpeiros, vendedores ambulantes, carros de boi e jangadas num país que às vezes parecia ainda à espera de sua descoberta. Se ele fosse um fotógrafo mediano, já teria feito uma grande obra, só pela extensão de seu foco.

Mas Ferrez era um excepcional fotógrafo, daqueles que até de túneis ferroviários, minas de ouro ou represas em construção extraem cenários interessantes, montados em planos que obrigam o olho a voltar muitas vezes para não perder o rastro de detalhes novos. Sua vista da praça 15 de novembro em 1875 é ao mesmo tempo um estudo de arquitetura e um ensaio sobre a sociedade carioca, que povoa todos os espaços possíveis, como num quadro de Pieter Brueghel, com seus brancos de cartola, seus negros de cestos na cabeça, suas meninas de vestido branco, seus burrinhos-sem-rabo e suas mulheres de anquinhas. No viaduto da estrada-de-ferro Rio-Minas, fotografado em 1895, dá para contar os arrebites na estrutura metálica. No retrato dos meninos jornaleiros de 1899, pode-se ler com lupa o que estava impresso na primeira página de A Notícia, O Paiz e o Jornal do Brasil.

Isso para não falar nos panoramas, gravados em chapas que podiam medir mais de um metro de comprimento. O livro da exposição tem um capítulo minucioso sobre essa moda oitocentista, escrito pela museóloga Maria Inês Turazzi, que entre outras providências didáticas teve o cuidado de nos lembrar de onde vem essa palavra que a semântica acabou confundindo com paisagem, mas era, na época de Ferrez, uma novidade que ainda carregava o sotaque do neologismo cunhado em fins do século XVIII pelo irlandês Robert Barker, para o ‘experimento ótico’ que permitia ver o mundo num quadro de 360 graus.

A fotografia panorâmica só foi inventada em 1843 – por coincidência, o ano em que nasceu Ferrez. E até poucos anos atrás ela ainda requeria máquinas complicadas e manipulações quase alquímicas, fosse para varrer o horizonte com lentes móveis ou para alinhavar negativos em montagens de laboratório. Ultimamente, a fotografia digital banalizou-a. Programas baratos se oferecem na internet para fazer tudo isso com um clique de mouse. E, com um pouco de sorte, lê-se o texto de Turazzi na mesma semana em que a revista inglesa ‘Outdoor Photography’ dedica uma edição especial à ‘nova febre’ do panorama.

Mas isso é agora. Para Ferrez, fazer panoramas implicava subir os morros de Santa Tereza levando a câmera do tamanho de um armário e lambuzar ao ar livre com emulsão sensível à luz uma folha de papel comprida como uma cortina de janela. Só se metia numa empreitada dessas um autêntico devoto das novidades técnicas. Como ele era. Ferrez, morando num Rio de Janeiro onde os prédios ainda se aninhavam ao pé dos morros, em vez de tentar esmagá-los em tijolo e concreto, não tirava o olho das invenções européias. Comportava-se como os maníacos da manipulação digital, que atualmente mantêm sob eterna vigilância os lançamentos de cada versão do Photoshop. E talvez seja por isso que ele chegou tão jovem ao nosso tempo.

Ligado nas últimas palavras do surto de progresso industrial que inspirou as feiras universais na virada do século XX, ele enquadrava locomotivas, vapores e pontes de ferro como se fossem um atalho entre o sertão e o futuro. Naquele tempo, o francês Eugène Atgé fotografa os prédios e becos medievais de Paris como se, diante do tsunami urbanístico do barão de Haussmann, ele já enxergasse o presente como passado. Ferrez, seu contemporâneo, viu o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos, um Haussmann tropical, como se o presente do Rio de Janeiro fosse o futuro. E isso ninguém precisa se interessar por fotografia para encontrar na exposição do Instituto Moreira Salles. Basta que não tenha perdido o interesse pelo Brasil.’