Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Globo

MEMÓRIA / GIANFRANCESCO GUARNIERI
Obituário

Guarnieri, o operário da dramaturgia

‘Ator, autor, diretor e compositor, foram muitas as atribuições de Gianfrancesco Guarnieri. A importância desse italiano nascido em 1934, na cidade de Milão, passa pela criação do Cinema Novo (atuou em ‘O grande momento’, filme de Roberto Santos, de 1958), pelos anos iniciais do Teatro de Arena (é dele a peça ‘Eles não usam black-tie’, também de 1958) e por algumas das mais importantes novelas brasileiras (ele foi o Tonho da Lua na primeira versão de ‘Mulheres de areia’, de 1973, por exemplo).

A relação com a arte veio do berço. Filho do maestro Edoardo Guarnieri e da harpista Elza Guarnieri, ele se mudou para o Rio de Janeiro em 1937, junto com sua família que deixou a Itália pela posição política de seu pai contrária ao governo fascista. Eles ficaram até 1953 no Cosme Velho. Neste período, com 13 anos de idade, escreveu para o jornal da ‘Juventude Comunista’.

Aos 18 anos, já morando em São Paulo, Guarnieri iniciou sua carreira no teatro militando no movimento estudantil. Com Oduvaldo Vianna Filho e um grupo de estudantes de São Paulo, criou em 1955 o Teatro Paulista do Estudante. No ano seguinte, o grupo se uniu ao Teatro de Arena de São Paulo, fundado e dirigido por José Renato. Da união nasceu o Teatro de Arena, considerado um marco na dramaturgia nacional, por criar peças comprometidas com a realidade social brasileira.

E foi ali que se iniciou uma das mais importantes carreiras do teatro brasileiro. Ele escreveu mais de 20 peças, como ‘Arena conta Zumbi’, ‘Castro Alves pede passagem’ e ‘Um grito parado no ar’ e recebeu quatro prêmios Moliére.

A fama veio logo na estréia como dramaturgo. Em ‘Eles não usam black-tie’, Guarnieri levou ao palco, como protagonistas, personagens do operariado e tratava de temas como greve e luta de classes. Até então, os textos escritos no Brasil retratavam apenas a burguesia nacional. ‘Black-tie’, ao lado de ‘Deus lhe pague’, de Joracy Camargo, transformou esse quadro. A peça, escrita para o Teatro de Arena, trazia atores como Lélia Abramo, Miriam Mehler, Flávio Migliaccio e Milton Gonçalves.

O filme ‘Eles não usam black-tie’, de 1981, com Guarnieri e Fernanda Montenegro como protagonistas, rendeu ao diretor Leon Hirszman o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza. Guarnieri recebeu o Kikito de melhor ator coadjuvante no Festival de Gramado, em 1979, pelo filme ‘Diário da Província’, de Roberto Palmari. Ele também fez sucesso em ‘O quatrilho’, de 1995, dirigido por Fábio Barreto.

Na música, foi parceiro de grandes compositores, criando canções para musicais como ‘Marta Saré’, com Edu Lobo, e ‘Castro Alves pede passagem’, com Toquinho.

Na TV, Guarnieri participou de mais de 30 novelas e minisséries, como ‘Mulheres de areia’ (1973), ‘Éramos seis’ (1977) e ‘Rainha da sucata’ (1990). Um dos papéis de maior repercussão foi em ‘Cambalacho’ (1986), na qual fazia o irreverente Jejê, um trambiqueiro que contracenava com Naná, personagem da amiga Fernanda Montenegro. Sua última participação em novelas foi interpretando o personagem Peppe em ‘Belíssima’ (2006). O trabalho foi interrompido, quando o ator foi hospitalizado.

Guarnieri se casou pela primeira vez em 1958, com Cecilia Thompson, com quem teve dois filhos, Flávio Eduardo e Paulo, ambos atores. Com a companheira dos últimos 35 anos, Vânia Santana, teve mais três filhos: Cacau e Mariana, também atores, e Fernando Guarnieri. Deixou sete netos.

Gianfrancesco Guarnieri morreu ontem em São Paulo aos 71 anos, depois de passar 50 dias no hospital Sírio-Libanês em decorrência de problemas renais. Ele foi internado no último dia 2 de junho e, de acordo com o comunicado de falecimento divulgado pelo hospital, morreu às 16h30m em função de complicações decorrentes por insuficiência renal crônica.

O velório de Guarnieri começou ontem à noite na capela do hospital, em Bela Vista, no Centro de São Paulo. O enterro, no Cemitério Jardim da Serra, em Mairiporã, será hoje às 15h.

A morte de Guarnieri foi lamentada pela crítica do GLOBO Barbara Heliodora:

– É uma perda muito grande. Ele ficou imortalizado com ‘Eles não usam black-tie’. No Arena, teve uma participação muito importante e foi um profissional que construiu uma carreira muito bonita. A notícia de sua morte, vinda logo depois da de Raul Cortez, é muito triste. Foram dois grandes atores. O teatro está de luto.’



INTERNET
Helena Celestino

Vídeos do YouTube, coqueluche na internet

‘NOVA YORK. Tudo o que eles queriam era mandar para meia dúzia de amigos uns vídeos do jantar deles em São Francisco. Não conseguiam enviar por e-mail porque os arquivos ficavam pesados demais e voltavam. A tentativa de postar online também não deu certo. Um mês depois do tal jantar e com alguns dias de trabalho numa garagem de Menlo Park (Califórnia), Chad Hurley e Steve Chen inventaram uma solução: um website, hoje mundialmente conhecido como YouTube, o novo fenômeno da internet.

Em menos de um ano, 100 milhões de vídeos são vistos todos os dia no YouTube, o site criado pelos dois, no qual é facílimo inserir ou achar as imagens capturadas ao redor do mundo. Cerca 65 mil vídeos são postados diariamente e 20 milhões de pessoas acessam o site todos os meses, números que não param de crescer em proporção geométrica.

Liberdade de inserção é causa de sucesso e problema

Em junho, 2,5 bilhões de vídeos foram vistos no YouTube: a maioria tem dois minutos e é um registro engraçado do dia-a-dia, uma espécie de diário para a geração digital. Mas a diversidade é imensa e podem virar campeões de audiência tanto a adolescente falando dos problemas com o namorado – 300 mil downloads na quarta-feira – quanto as imagens do Iraque capturadas por soldados americanos ou o polêmico depoimento da brasileira contando como descobriu o orgasmo.

São os próprios usuários que dão estrelas para os vídeos e, para saber os maiores sucessos do YouTube, é só clicar em favoritos.

– Nós estamos chegando a um estágio onde todo mundo pode participar e todo mundo pode ser visto – disse o agora famoso Hurley, numa entrevista à Fox News.

Alguns dizem que, sem querer, os dois jovens da Califórnia criaram a televisão que todos sonham. Além de vídeos caseiros, feitos por cada um de nós e os nossos amigos, YouTube também tem programas de sucesso nas grandes redes, os melhores momentos da telinha no passado, shows dos grandes músicos e da banda de rock recém-criada, documentários de grandes diretores, filmetes publicitários e uma infinita oferta de imagens para todos os gostos.

O mesmo motivo do enorme sucesso do site é também o principal problema: a liberdade para pôr qualquer vídeo online – só pornografia é combatida com mão de ferro – faz com que os usuários não respeitem os direitos autorais das televisões ou dos criadores das diferentes mídias.

Toda vez que CBS, NBC e outros pediram para YouTube retirar as imagens produzidas por eles, os executivos do site concordaram rapidamente e, não por acaso, semana passada Chad Herley e Steve Chen eram as estrelas da reunião dos grandes empresários da mídia em Sun Valley, Idaho, sendo calorosamente recebidos pelos poderosos da Time Warner, CBS e outros pesos pesados.

– Estamos criando um novo mercado para eles exibirem os seus conteúdos – disse Hurley para a Reuters, desmentindo os rumores de que a NBC estaria comprando o YouTube, embora acordos de cooperação entre a rede de televisão e o site estejam para ser fechados.

– Mantenha seus amigos por perto e seus inimigos ainda mais perto – disse um analista de mídia para definir a relação atual entre os empresários da mídia tradicional e os recém-chegados da internet.

A questão é saber o que o YouTube será quando crescer. Hurley, 29 anos, e Chen, 27 anos, apareceram no mundo digital na época da bolha de euforia das empresas de internet e já passaram pela explosão dela quando praticamente tudo virou pó. Eles estavam entre os 20 contratados pela Pay Pal, o serviço de pagamento pela internet. Quando a empresa foi comprada por US$ 1,5 bilhão pela EBay, os dois resolveram sair mas foi com o ex-diretor financeiro do antigo empregador, Roelof Botha, que conseguiram dinheiro para começar o YouTube.

Grandes marcas já criam produtos específicos

A Sequoia, a mesma empresa que botou dinheiro no Google, investiu US$ 11,5 milhões no YouTube, capital que vem segurando a empresa, hoje com 25 empregados e sede num escritório em cima de uma pizzaria em San Mateo, na Califórnia.

Eles ainda não sabem como transformar em dinheiro a imensa popularidade e a liderança no mercado de vídeos pela internet mas já despertam o interesse dos grandes – como a Nike, companhias de discos e mesmo empresas de televisão por satélite – na criação de produtos especialmente para o YouTube.

O site fundado em 25 de fevereiro e lançado em dezembro de 2005 já tem 60% do mercado de vídeos pela internet, na frente do MySpace, Yahoo, MSN (da Microsoft) e Google. Ninguém tem dúvidas que é a nova mina de ouro no sofisticado e lucrativo mercado da internet. A pizzaria de San Mateo, brevemente, será apenas mais um retrato na parede. Ou quem sabe, um vídeo.’

Maria Fernanda Delmas

O patrimônio do site, por enquanto, é você

‘É como se pegassem as toneladas de vídeos que as pessoas trocam por e-mail no mundo todo e colocassem num mesmo lugar, acessível com o digitar de um mero endereço www na internet. ‘Por que eu não pensei nisso antes?’, muita gente deve estar se perguntando, diante da simplicidade do negócio que é o novo furacão da internet, o YouTube. Mas popularidade ainda não quer dizer dinheiro no bolso. O maior patrimônio dos garotos do YouTube, por enquanto, são os milhões de usuários do site.

Carlos Alberto Messeder, diretor da Faculdade de Comunicação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) no Rio, diz que o momento do YouTube é exatamente o de investir na rede de relacionamento:

– Eles vão encontrar milhões de formas de sobreviver. Depois da rede de relacionamento, virá a publicidade.

Na visão de César Coelho, diretor do festival de cinema de animação Anima Mundi, o YouTube é como um reality show : uma onda que vai se acomodar. Já Messeder acredita que a febre só fará subir:

– Esse é o dia-a-dia da era digital: produzir e poder colocar no ar.

Febre ou não, o YouTube é a mídia que faltava para muita gente que consegue produzir audiovisual hoje, por causa dos recursos cada vez mais acessíveis no mercado, mas não tem onde exibir.

– Esses sites são como as redes de televisão de quem não tem uma produtora – explica Coelho.

O diretor do Anima Mundi acredita que o site pode ter um papel parecido com o do festival:

– Há filmes no festival que lançam um artista de uma forma que nem ele esperava.

Basta uma visita ao YouTube para descobrir que existem ‘cineastas’ anônimos com uma legião de fãs.’



******************

Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

Revista Imprensa

Comunique-se

Direto da Redação

Último Segundo

Veja