Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Globo




CRISE POLÍTICA
Luis Fernando Verissimo


Lógica placável


‘Tudo o que está acontecendo estava previsto e seguiu uma lógica implacável. A radical mudança na política econômica do país após a posse do Lula, com a ortodoxia monetarista do governo Fernando Henrique dando lugar a uma política desenvolvimentista que prioriza o social, provocou uma forte reação do capital internacional e este, aliado aos banqueiros e à classe rentista nacionais que viram seus privilégios desaparecerem, a uma casta industrial acuada pela nova força do operariado com um ex-torneiro mecânico na Presidência, a uma aristocracia rural apavorada com uma reforma agrária agora para valer e a uma elite senhorial inconformada com os erros gramaticais do poder, dedicou-se a desestabilizar o governo, supervalorizando denúncias de corrupção e desencadeando uma campanha contra Lula inédita na sua virulência e…


Espera um pouquinho. Acho que estou lendo a projeção errada. Esta foi obviamente escrita antes da eleição, durante o susto artificial montado pelo mercado financeiro como último recurso para impedir a eleição do Lula, numa lógica suposição do que o PT faria no governo, mesmo tendo declarado que não faria. Mas, no Brasil, a lógica nunca é implacável. Aplacar a lógica é um dos nossos talentos naturais, que permitem a sobrevivência das nossas peculiaridades criativas num mundo em que dois mais dois insiste em ser, aborrecidamente, quatro. Mal sabíamos, então, o mercado e nós, que em matéria de política econômica o PT no governo seria o PSDB de barba, que o capital financeiro internacional não tinha nada com que se preocupar, que os banqueiros e os rentistas ganhariam dinheiro como nunca, que o Movimento dos Sem Terra chegaria ao fim do terceiro ano da administração como um dos seus maiores críticos e que os números não tão bons da indústria, apesar dos recordes de exportação, poderiam ser atribuídos a tudo, menos a uma falta de ortodoxia econômica. O que nos traz à conclusão, por uma lógica placável, de que se o Lula cair será pelos seus erros de concordância.


Se alguém, há alguns anos, apostasse na lógica implacável, previria uma má posteridade para Juscelino Kubitschek, que saiu do governo acusado de corrupção e não conseguiu fazer seu sucessor. Hoje é um herói retroativo nacional, festejado em boa prosa (não fosse sua autora a Adelaide do Amaral) e versos nostálgicos. Aplacaram a lógica.’




INTERNET
Helena Celestino


O Demolidor politicamente correto dos EUA


‘NOVA YORK. Craig Newmark está longe de se enquadrar nos padrões de beleza. Nem se parece com um super-herói mas seu codinome é Demolidor – personagem de quadrinhos da Marvel. Foi por causa de sua assumida incompetência para manter relações sociais que virou um sucesso e acabou tornando-se um pesadelo para as poderosas empresas de mídia americanas. Craig criou um classificadão online, o Craigslist, um site ao qual os jovens recorrem a qualquer sinal de emergência.


É lá que procuram apartamento, trabalho, parceiro sexual, companheiro para dividir a casa. É lá também que eles põem à venda o sofá velho, procuram e acham o iPod esquecido no metrô ou o cachorro desaparecido. Clicam no site até para tentar reencontrar o bonitão ou a bonitona que lhes causou forte impressão na rua, mas foi embora sem ninguém fazer o primeiro gesto de aproximação.


– É só um serviço para o consumidor – diz Craig, e as pessoas riem como se estivessem ouvindo uma piada.


Ele tem uma mina de ouro nas mãos mas dá pouca importância para dinheiro. A primeira Craigslist, de 11 anos atrás, era só uma relação de eventos de arte, mandada por e-mail a alguns amigos de São Francisco. Hoje, 10 milhões de pessoas clicam 6,5 milhões de classificados postados mensalmente em sites de 190 cidades e 35 países, fazendo as páginas terem três bilhões de visitantes por mês, o que põe o site no sétimo lugar do ranking dos mais visitados da internet.


Por absoluta falta de apetite para ganhar dinheiro, faturou algo em torno de 25 milhões em 2005, cobrando apenas dos empregadores que oferecem trabalho: US$ 25 por classificado em Nova York e Los Angeles, US$ 75 em São Francisco. Não aceita publicidade de nenhuma espécie, não usa animação ou efeitos especiais, a página de abertura do site tem exatamente a mesma cara em todas as cidades: uma infinidade de rubricas, oferecendo serviços, encontros casuais, fóruns de discussão sobre todos os assuntos, serviços comunitários, botando coisas à venda. Só em Nova York, são listados 500 mil apartamentos para alugar ou vender por mês – certamente muitos são repetidos.


– Nós só estamos tentando dar uma pequena ajuda – diz Craig sempre que é perguntado sobre seus objetivos.


A capacidade de as Craigslists conectarem as pessoas umas às outras criou uma comunidade de devotos e fez do site o símbolo da transformação da indústria da informação. Com 53 anos e um jeito assumido de nerd , Craig construiu um negócio extremamente simples: tem 18 empregados e cem computadores/servidores, nenhum departamento de vendas ou marketing. Mas os economistas calculam que, em 2004 e 2005, ele tirou cerca de US$ 50 milhões por ano da receita das empresas jornalísticas nas cidades em que o site está bem enraizado.


Daí sua fama de demolidor, pois cerca de 36% do faturamento dos jornais em 2004 vieram da venda de classificados e é nesta área que sofrem a concorrência com Craig.


‘Os conglomerados de mídia são ainda extremamente lucrativos. Nós não gostamos de pensar que os empregos para jornalistas podem diminuir por nossa causa, acho que sempre haverá procura por jornalistas sérios’ disse ele à revista ‘Fortune’.


Politicamente correto nos mínimos detalhes da sua vida pessoal e profissional, Craig virou uma celebridade no sentido de ter uma presença poderosa na paisagem social das cidades. Quando explodiu a greve de transportes em Nova York, foi para a Craigslist que as pessoas correram para se comunicarem umas com as outras. Durante o Katrina, Craigslist montou 40 estações de trabalho no Superdome para ajudar a comunicação dos desabrigados com o mundo.


‘Mais uma crise e Craigslist comanda a comunidade. Como podem organicamente tocar a vida das pessoas em tantos níveis diferentes?’ escreveu Scott Anderson em um blog da Tribune Company.


Sem intenção de obter novos sócios ou injeção de recursos


Os especialistas dizem que jovens correm para as Craigslists não só porque são de graça e sem anúncios, mas também pelos valores comunitários dos seus fundadores: ficam seduzidos pela idéia de Craig de que o site é um serviço público onde as pessoas podem encontrar umas às outras com a mínima intervenção dos donos da empresa.


Num universo onde mesmo os capitalistas virtuosos da internet ficaram multimilionários, a frugalidade de Craig e do diretor-executivo da companhia, Jim Buckmuster, desconcerta o mundo dos negócios. Apesar das muitas ofertas, não querem novos sócios nem injeção de capital, nem mesmo fazer mais dinheiro – a eBay comprou 25% da Craigslist em 2004 porque um dos co-fundadores vendeu sua parte, mas a convivência é pacífica e ninguém dúvida que o poder está com Craig e Buckmuster.


Talvez comecem a cobrar US$ 10 dos corretores de imóveis em Nova York para diminuir o volume de classificados e tornar a navegação mais fácil, mas não estão preocupados com os imitadores que vêm surgindo nem com a estratégia dos jornais para recuperar o espaço perdido. Quem não faz parte da mesma tribo de Craig diria que ele continua socialmente incompetente’




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O Globo


Sábado, 14 janeiro de 2006




SERRA vs. ALCKMIN
São Paulo e o Brasil


Reinaldo Azevedo


‘Nunca tantos estiveram tão empenhados em fazer a velhinha atravessar a rua para alcançar o que entendem ser a calçada da ‘ética’, embora ela insista, a bengaladas, já ter encontrado o caminho e peça que soltem de seu braço. Vai, Reinaldo, conta o que quer dizer esse clichê-metáfora. Conto. Uma parte da crônica política decidiu ser tutora dos eleitores. Estes insistem em desprezar o papelucho em que José Serra prometia ficar na prefeitura de São Paulo e dizem querê-lo na Presidência da República, mas os ‘analistas’ isentos anti-Serra (!) não abrem mão de tratá-los como incapazes: ‘Vocês se esqueceram da assinatura.’


Nem é exatamente a falta de espaço que me impede de dar um pé no traseiro desse conceito de ética, mas uma certa preguiça, tal a parvoíce da interlocução, aliada à desconfiança de que seria inútil. Nessas horas, penso sempre nas agruras de meu amigo Roberto Romano, professor de ética e pensador de primeiro time. Deve ser difícil manter a fleuma quando o debate se pauta pelo analfabetismo filosófico ilustrado.


Nem as Santas Escrituras são impermeáveis ao tempo e às circunstâncias que não são da escolha dos profetas. Uma boa verdade revelada permanece sem enrijecer a história: aí está a diferença entre ter princípio e ser um reacionário idiota. Ah, mas se pretende que o gesto teatral de um jornalista, em dobradinha, não importa se involuntária, com o PT – que levou o tucano à assinatura daquele papel – valha como a Palavra de fogo lavrada na pedra.


Se Serra o assinou na presuntiva defesa dos interesses do ‘povo’ (sempre escrevo essa palavra com alguma vergonha porque só sou procurador das minhas idiossincrasias), o mesmo ‘povo’ revoga a sua validade. Alguém me explique, com base em critérios racionais, por que o tal papelucho se tornou um ícone da ética. Seria menos ética a vontade da maioria dos eleitores, que cassou a sua validade simbólica? Tenham paciência! Os espertos do PT e os inocentes inúteis do PSDB se juntam para defender a sacralidade daquele papel. Uns tentam a sorte; outros brincam com ela.


Nunca escrevo textos oblíquos! Já disse algumas vezes que, pós-tsunami, considero Serra a melhor opção para o país. A ligeira diferença entre os meus artigos e os de uma boa parte dos meus coleguinhas é que não tenho a ousadia de defender uma opção chamando de ‘análise isenta’ o que, obviamente, se trata de leitura comprometida. Comprometida com o quê?


Sou de uma clareza aborrecida: 1) comprometida com a necessidade de apear Lula do poder; 2) comprometida com a escolha, então, de quem reúne as melhores condições de derrotá-lo; 3) comprometida com a escolha de quem possa responder à demanda por crescimento sem aventura. Observo: o PSDB não estará cometendo qualquer sandice se optar por Geraldo Alckmin. Mas tem de fazê-lo com a convicção de que escolheu o melhor para o país, não apenas para São Paulo.


Em outras eleições, o tal ‘povo’ soube proteger o seu destino de Lula e do PT. Dependesse dos ‘analistas isentos’, o Apedeuta teria sido eleito em 1989, 1994 ou 1998. E sempre em circunstâncias bem mais dramáticas: imaginem esse bando de trapalhões administrando cinco crises internacionais quando não sabem governar a bonança. E, claro, falavam muito em ‘ética’.


Ainda hoje, há analistas que juram que o petista era bom, mas se perdeu. Lixo teórico e miséria intelectual. Em 2002, aquele terço do eleitorado que sempre resistiu a Lula se expôs ao experimento, para gáudio dos ‘isentos éticos’. Eis aí. Fomos salvos, ó ironia!, por Roberto Jefferson, que operou a desconstrução mítica. A crise mais grave que acomete o país é de inteligência.


E uma última nota. Recebo e-mails de leitores algo inconformados. Vêem-me como um democrata à direita do PSDB, o que é verdade. Por isso, eu deveria apoiar Alckmin. Se for ele o anti-Lula, e isso não depende da minha escolha, apoiarei. Por ora, o meu conservadorismo sem medo de ser feliz (e contra juros reais de 13% ao ano) está a serviço de escolhas que posso fazer. Não permito que a campanha do PT de 2004 escolha por mim.


REINALDO AZEVEDO é jornalista. E-mail: mahfud@uol.com.br.’




PUBLICIDADE OFICIAL
Cristiane Jungblut


Revista em espanhol defenderá governo em Fórum


‘O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preparando uma edição em espanhol da revista com o balanço de três anos de administração petista para ser distribuída durante o Fórum Social Mundial em Caracas (Venezuela), a partir do próximo dia 22. A versão em espanhol da prestação de contas terá uma tiragem de 20 mil exemplares e fará parte da bagagem da delegação do governo que irá a Caracas.


O material é parte do arsenal de governistas e petistas que vão para o Fórum sabendo que terão mais trabalho este ano para defender o governo Lula e o PT de prováveis críticas de movimentos sociais e dos partidos de esquerda, por causa da crise política provocada por denúncias de corrupção e práticas irregulares no financiamento de campanhas eleitorais.


Pont: PT vai ao Fórum para defender governo Lula


O secretário-geral do PT, Raul Pont, disse anteontem que o partido irá ao Fórum defender o governo Lula. A iniciativa de publicar a revista em espanhol foi confirmada pela Subsecretaria de Comunicação de Governo (Secom), subordinada ao ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci.


Integrantes do governo ressaltaram que essa iniciativa não é inédita. O mesmo foi feito em 2005, no V Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, quando foram traduzidos 20 mil exemplares da revista de prestação da contas de primeiros 24 meses de governo petista.


O responsável pela edição em português do balanço de três anos, Eduardo Luiz Correia, disse apenas que a nova versão não terá qualquer custo adicional. O dinheiro faz parte da verba total já orçada para a publicação do material, R$ 970 mil. A edição em português tem 36 páginas e foram feitos 1,2 milhão de exemplares. Do total de R$ 970 mil, cerca de R$ 44 mil estão sendo usados para a publicação em espanhol.


Na prática, neste ano de campanha eleitoral, o governo inflou o tradicional balanço semestral e o transformou em uma prestação de contas dos três anos de governo. O texto não se resume a apresentar os números e programas do governo, mas faz uma avaliação otimista da gestão Lula: logo na primeira página a revista diz que ‘os resultados são positivos depois de três anos de muito trabalho’.


Editorial vai ressaltar realizações do governo


O editorial que abre o material afirma que ‘o que está nestas páginas pode dar uma idéia de que, sem aventuras, com competência, ousadia e criatividade, mas de modo responsável, o Brasil investe no que é fundamental para garantir uma amanhã melhor para o nosso povo’.


Integrantes do governo argumentaram que se está apenas aproveitando o material já realizado e o traduziram para o espanhol. A empresa responsável estaria correndo para poder entregar o material a tempo de ser levado ao Fórum. Além desta revista, o PT levará outras publicações sobre o governo e o partido – estas custeadas pelo partido.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá ao Fórum no dia 25. Está prevista também a presença de diversos ministros, como Luiz Dulci, e ainda o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia.’




GAZETA
ESPIONADA
O Globo


Grampo


‘A polícia do Espírito Santo concluiu que o telefone central da Rede Gazeta de Comunicações, no Espírito Santo, foi grampeado por erro de um funcionário da empresa de telefonia Vivo. Ele enviou informações erradas à polícia, fazendo com que a linha da Gazeta fosse grampeada em vez da central da empresa Telhauto.’




UM HOMEM CHAMADO MARIA
Mauro Ventura


Biografia de Antônio Maria mostra ao leitor o outro lado do ringue


‘É bem verdade que Antônio Maria andava com dor-de-cotovelo, mas não deixa de ser impiedosa a autocrítica que faz após a separação de Danuza Leão, em 1964: ‘Sou um mulato gordo. Quando tiro a roupa, a mulher sempre ri. Depois se acostuma, mas eu não agüento aquele primeiro riso novamente’.


A falta de atributos físicos nunca o impediu de conquistar mulheres exuberantes – caso da própria Danuza. Apenas lhe dava mais trabalho, como quando se comparou a um amigo: ‘O Luís Carlos come a mulher com a cara. Eu, para uma mulher se interessar por mim, é preciso três horas de conversa até ela esquecer da minha cara.’


O cronista reaparece de corpo e alma em ‘Um homem chamado Maria’ (Editora Objetiva, R$ 32,90), do jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos. Na boate Vogue, conta Joaquim, os homens vestiam elegantes ternos do London Taylor’s. Maria, que usava alpargatas e tinha o colarinho seboso, ‘vestia London Taylor’s no papo’.


Perfil fez justiça a um autor que andava esquecido


O livro foi lançado originalmente em 1996 pela Relume Dumará, na coleção Perfis do Rio, mas estava esgotado há um ano. Com o sucesso da autobiografia de Danuza, ‘Quase tudo’ (Companhia das Letras), Joaquim achou que valia a pena atualizar o texto e reapresentar o personagem. O livro está com quase 50 páginas a mais, entre fotos inéditas e novas informações, recolhidas em depoimentos de parentes, em conversas com amigos do escritor, numa entrevista feita com Danuza e no diário que Maria escreveu em 1957.


Maria sai-se mal das páginas do livro de Danuza. Símbolo do homem que entendia as mulheres e que tão bem conhecia a alma feminina, ele aparece ali como vilão. Um marido opressivo e ciumento que transformou a vida a dois numa gaiola.


– Uma das graças deste livro de agora é que ele mostra o outro lado do ringue de um grande sucesso literário – conta Joaquim, que já tinha lançado duas coletâneas do cronista. – Danuza apresenta um Antônio Maria visto da intimidade do quarto. Eu trago a originalidade de um escritor genial. Se como marido ele não foi exatamente o melhor, lamenta-se a sorte da esposa, mas o grande escritor permanece acima de qualquer conflito conjugal.


Quando lançou o perfil de Maria, Joaquim fez justiça a um autor que andava esquecido desde sua morte, em 1964, aos 43 anos, vítima de enfarte. Era cardiopata e não se cuidava. Dizia-se ‘cardisplicente, isto é, homem que desdenha do próprio coração’. O livro é a cara de Maria: uma bem dosada mistura de humor, melancolia e reflexão que envolve o leitor e o conduz a um saboroso passeio pelo Rio boêmio dos anos 50 e 60.


A biografia recupera um dos personagens mais queridos do Rio de seu tempo, dono de uma alegria exuberante, uma conversa sedutora, um papo irresistível e uma capacidade incomum de fazer amigos – e de depois brigar com eles. Estão lá o menino grande que fazia traquinagens e passava trotes, o homem da noite que batia ponto na Vogue, o repórter policial que perfilava os pés-de-chinelo da cidade e lhes dava grandeza, o workaholic que vivia às voltas com compromissos de trabalho, o profissional que se tornou o mais alto salário do rádio do país, o consultor sentimental que aplacava dúvidas dos leitores, o locutor esportivo que deixou para a posteridade a gravação do gol de Ghigia na Copa de 50, o tipo polêmico que adorava arrumar brigas pelo jornal e ao vivo, o autor de sambas-canções como ‘Ninguém me ama’ e ‘Manhã de carnaval’, o compositor de jingles e o pernambucano que, até firmar-se como cronista no Rio, passou fome, sofreu humilhações e foi preso.


Em relação à obra de 1996, o novo livro não mudou só de título – chamava-se ‘Noites de Copacabana’. Ganhou também várias passagens. No capítulo ‘Danuza’, Joaquim mostra a relação entre Maria – um pré-Shrek, com sua gordura, excesso de suor e falta de sofisticação – e um mito da sociedade carioca. O livro conta que os amigos ficaram enciumados com o recolhimento do escritor no período mais calmo de sua vida. Mas a relação se deteriorou e, segundo o livro, quem conviveu de perto com o casal ficou surpreso com as confissões de Danuza.


– O que eles criticam é ela ter valorizado os momentos ruins. O comportamento público mostrava um casal muito feliz, não havia pistas da infelicidade a dois.


Danuza seguiu para Paris, onde estavam o ex-marido, Samuel Wainer, e os filhos. ‘Encerrava-se uma impressionante história de amor. Maria não soube. Danuza também não colocou em seu livro. Uma semana depois de sair da casa da Fonte da Saudade, fugida em pânico, ela descobriu que estava grávida de Antônio Maria. Mas era tarde demais’. Foi a forma elegante que Joaquim encontrou para tratar de um tema delicado: o aborto feito por Danuza.


Joaquim mostra como a fossa que tomou conta de Maria transbordou em crônicas amargas, sofridas, desesperadas. É com uma bela metáfora que ele faz um retrato do autor às vésperas da morte: ‘Naquele mês de outubro, que costuma dar os mais belos dias do ano, choveu tanto naquelas crônicas que dava a impressão de Maria, que tanto gostava de dirigir, ter embicado o Gordini rumo à Macondo de Gabriel García Márquez.’’




A MULHER-GORILA…
Ascânio Seleme


Dez histórias de alguns demônios do cotidiano


‘A mulher-gorila e outros demônios, de José Rezende Jr. Editora 7Letras, 119 pgs. R$ 24


José Rezende Jr. sempre foi escritor. Há pelo menos 25 anos ele é escritor. Só que não sabia disso claramente. Estudou jornalismo e, nestas últimas duas décadas e meia, saiu por aí escrevendo reportagens. Trabalhou em vários jornais, no GLOBO inclusive. Mesmo trabalhando quase sempre em Brasília, Rezende conseguiu escapar dos salões, gabinetes, corredores e plenários da capital federal. Foi repórter de assuntos do cotidiano. Escreveu sobre tudo: polícia, índio, guerra, enchente. Escreveu sobre tragédias e fez grandes entrevistas. Escolha um assunto, José Rezende Jr. deve ter escrito sobre ele.


Mas desde cedo ele preferiu a literatura. Fez, para o ‘Correio Braziliense’, uma entrevista antológica com Manuelzão, personagem e fonte de Guimarães Rosa em ‘Grande sertão: veredas’. Ouviu, ouviu e ouviu, e depois escorreu para as páginas o que foi dito por Manuelzão: ‘Nonada. Sertão que o senhor veio procurar existe mais não. Nada. O sertão virou eucalípi’.


Antes de escrever este seu primeiro livro de ficção, com dez contos de algumas dúzias que já produziu e que aguardam breve publicação, Rezende começou em Brasília a ensinar a escrever. O curso ‘Como escrever (melhor) para jornais e revistas’ foi a forma que encontrou de largar o jornalismo, que já não lhe deixava mais tempo de sobra para escrever o que queria. Assim ele conseguiu fugir do lide e do sublide que orientam os textos jornalísticos, exigindo do autor a informação principal logo na primeira linha. Escapou da prisão ensinando aos novos jornalistas como escrever textos aprisionados à notícia, mas com bossa e graça, que dessem ao leitor, além de informação, prazer ao longo de toda a leitura.


‘A mulher-gorila e outros demônios’ reúne exatamente a antítese do texto jornalístico. Ao contrário de reportagens de jornal que podem até ser abandonadas depois do segundo parágrafo, estes são contos que seguram o leitor até o desfecho. Rezende usou estilos variados e métodos múltiplos para amarrar cada história no couro cabeludo do leitor.


Uma dessas histórias, aliás, foi inspirada no mesmo Manuelzão, no mesmo Guimarães Rosa, nos mesmos demônios que já infernizavam a vida de Rezende no jornalismo. O conto ‘Não passarão (ou A abolição da quarta-feira de cinzas)’ é uma conversa de mineiro com sotaque de mineiro. O narrador da história até poderia ser Manuelzão. Mas não é. É outro mineiro, mais moderno, mais ligado, mas da mesma forma interiorano, que conta ‘os trem assim, descosturado’.


Mas Rezende não limita suas histórias ao universo de Minas Gerais. Um dos contos mais instigantes é o intitulado ‘59 segundos’, que narra um assalto à mão armada a um motorista em algum subúrbio do Rio. O texto, em que o motorista raciocina sobre a situação em que está metido, é galopante e não dá ao leitor qualquer alternativa a não ser chegar ao final do conto. E rápido.


Por isso, apesar do trejeito mineiro, o texto de Rezende é urbano. Essa mistura resultou em contos que valem cada linha. O escritor Moacyr Scliar, que apresenta o livro ao leitor, diz que o conto brasileiro, para a nossa alegria, ‘está vivo e palpitante nas inspiradas páginas de José Rezende Jr.’ Em alguns trechos, aliás, a inspiração do autor lembra mesmo os bons momentos da literatura nacional. Rezende é um novato que escreve com a desenvoltura dos veteranos. Talvez seja porque José Rezende Jr. tenha sido sempre um escritor, embora só tenha atentado para isso agora.’




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