Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Globo

ELEIÇÕES 2010
Fabio Brisolla

Campanha mais sem graça para os humoristas

Com o início da corrida eleitoral, três figuras saíram de cena na TV: Dilmandona, José Careca e Magrina Silva. Criados pelos humoristas do ‘Casseta & Planeta’, os personagens parodiavam os candidatos Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. Recentemente, a equipe responsável pelo programa da Rede Globo decidiu retirar do ar as imitações dos presidenciáveis para evitar problemas com a Justiça.

Desde o dia 6 de julho, quando a campanha começou oficialmente, as produções de humor na TV buscam alternativas para lidar com as restrições impostas pela lei eleitoral. A saída recorrente tem sido amenizar o tom das piadas com candidatos ou, em alguns casos, cortar esquetes do roteiro.

A lei eleitoral no9.504/97 proíbe que emissoras de rádio e TV usem ‘trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação’. Na prática, o artigo atinge em cheio as brincadeiras realizadas por humoristas.

Poderia ser encarada como ofensa, por exemplo, uma pergunta mais ácida de um repórter do ‘CQC’ ou a insistência de Sabrina Sato, do ‘Pânico na TV’, para convencer um candidato a dançar o hit ‘Rebolation’.

No caso de uma infração, a multa pode chegar a R$ 200 mil.

— A lei quer impedir que as pessoas façam piadas ou comentários sobre os candidatos.

Passa a sensação de que qualquer espécie de brincadeira é uma difamação. Não admite que se possa brincar, o que é justamente o trabalho do humorista — critica Hubert, integrante do Casseta & Planeta.

Antes mesmo de a lei começar a vigorar, o programa da Globo já distribuía piadas por cotas. As caracterizações inspiradas em Serra, Marina e Dilma apareciam sempre na mesma cena, para evitar acusações de favorecimento ou perseguição.

Por precaução, as paródias aos candidatos majoritários foram excluídas após o início da cam-panha. Os roteiristas passaram a investir em personagens fictícios.

Um deles foi o ‘polvo vidente’, celebrado como candidato à Presidência na edição da última terça-feira.

— Seguir a lei à risca implica não fazer nada por conta das ações que podem surgir. Isso é muito ruim. A gente quer se divertir, não quer difamar. Estão levando o humor muito a sério — pondera Hubert.

Ex-ministro do TSE vê lei como garantia de lisura Para o advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE especializado em direito eleitoral, as críticas dos humoristas são injustificadas. Ele considera necessárias as restrições impostas pela lei eleitoral.

— Acho justo que se protejam os candidatos para garantir a lisura das eleições. Uma emissora não pode fazer brincadeiras que deixem mal um candidato.

É simples assim. A lei não permite, e acho que ela tem sua razão de ser — diz Neves.

A influência das restrições também pôde ser constatada no ‘CQC’, exibido pela Band na última segunda-feira. A edição do programa sempre se caracterizou por enfeitar os entrevistados com lacinhos e dezenas de outros efeitos especiais inseridos por computador. Tal recurso acabou descartado nas reportagens sobre eleição.

— Este é um equívoco da lei eleitoral: penaliza até cartunistas, que contribuem para despertar o interesse do público — lamenta Marcelo Tas, apresentador do ‘CQC’. — Você conhece algum país sério no mundo onde candidatos podem responder a uma piada com um processo na Justiça? Na avaliação da presidente da Comissão Eleitoral da OABRJ, Vânia Aieta, os humoristas acabaram afetados por um artigo da lei eleitoral criado para impedir excessos na propaganda política obrigatória.

— Os humoristas têm razão ao reclamar. Essa lei é direcionada aos adversários que concorrem numa eleição. É dirigida aos malefícios causados por marqueteiros que apostam em trucagens eleitoreiras nas propagandas na TV — diz Vânia.

Ela defende a liberdade dos humoristas durante as eleições, mas com moderação: — Talvez, na próxima eleição, poderia haver algum artigo com uma ressalva que assegurasse o trabalho dos profissionais do humor. Mas, de qualquer maneira, isso não poderia garantir uma blindagem absoluta.

O diretor do ‘CQC’, Marcelo Zaccariotto, afirma que o tom está mais suave. Orientado pelo departamento jurídico da Band, o comando do programa tem evitado situações que possam resultar em processos.

— Procuramos produzir nosso material sem correr o risco de entrar no problema da multa. E, por isso, não fazemos algumas coisas que gostaríamos — revela Zaccariotto.

O código de conduta determina uma abordagem menos agressiva da equipe de reportagem do ‘CQC’.

— Estamos filtrando um pouco mais. Pensando numa forma de passar o recado que não seja tão pesada — acrescenta Zaccarioto, que vem submetendo as reportagens à avaliação da equipe de política da Band.

Por enquanto, ‘Pânico’ prefere ficar fora de eleição No caso da Rede TV, os quadros do programa ‘Pânico’ relacionados à política estão fora do roteiro. Entre eles, as participações de Sabrina Sato, que tentou convencer os presidenciáveis a dançar o ‘Rebolation’.

— É questão de tempo. Assim que as coisas esquentarem, o ‘Pânico’ não ficará de fora.

Mas seguiremos as orientações da lei — ressalta Alan Rapp, diretor do ‘Pânico na TV’.

Ironicamente, na campanha eleitoral, os humoristas também estão sendo obrigados a ‘rebolar’ para acompanhar de perto a disputa entre os candidatos

 

Estão levando muito a sério o humor’

O humorista do ‘Casseta & Planeta’ critica as limitações da Lei Eleitoral, que obriga o programa da Rede Globo a tratar o noticiário político de forma distante, ‘pelas beiradas’. E lamenta não poder brincar com assuntos relevantes da forma como gostaria.O GLOBO: Como vocês estão lidando com as restrições contidas na Lei Eleitoral? HELIO: Estamos diante de um momento fundamental para a vida do país e a cobertura de humor sofre restrições justamente agora. É um problema muito sério para a gente. Somos obrigados a ter tanto cuidado com essas regras que não podemos tirar proveito do assunto. Não podemos brincar com uma notícia na proporção que ela tem para a população.

Qual é a saída para continuar falando de eleição? HELIO: Procuramos inventar personagens fictícios. Lançamos, por exemplo, o polvo da Copa como candidato à Presidência.

Já criamos a Dilmandona, o José Careca e a Magrina Silva, mas tivemos que encostá-los no momento em que os candidatos estão mais em evidência.

Isso é uma tentativa de tomar conta da cabeça do eleitor.

O ‘Casseta & Planeta’ sempre procurou abordar os assuntos do noticiário da semana. Ficou mais difícil? HELIO: Sem dúvida. Um programa de humor, além de brincar com o fato, realça o fato. Leva as pessoas a questionarem: ‘por que será que os caras estão falando isso?’ E esse papel, não podemos fazer.

Algum partido chegou a reclamar das imitações dos presidenciáveis apresentadas durante a pré-campanha? HELIO: Não, porque sempre tomamos cuidado. Quando citamos um candidato, os outros dois apareciam também.

Nunca houve intenção de prejudicar um ou outro candidato. Por ser uma emissora com visibilidade, os partidos tendem a achar que a Globo pode influir no resultado. E aí acabam levando muito a sério o que é só um programa de humor.

Na Copa, o acesso de humoristas aos jogadores da Seleção foi negado. Agora, vocês têm a lei eleitoral pela frente…

HELIO: Pois é… Dunga não nos dava bom dia. Agora, nem os candidatos podem nos dar bom dia. Mas vamos driblando e fazendo nossas piadas. (Fabio Brisolla)

 

Fernando Eichenberg

Sátira política tem audiência garantida nos EUA

WASHINGTON. Nos Estados Unidos, a sátira política não é só uma tradição secular garantida pela lei e tolerada até pelos mais mal-humorados.

Os próprios políticos aderem ao jogo e estimulam a autoironia. Um dos exemplos mais emblemáticos é o ‘Saturday Night Live’, o programa humorístico mais popular da TV americana, que usa e abusa da troça política, com a anuência de suas vítimas, a permissão da Justiça e a audiência dos telespectadores.

Na última eleição presidencial dos EUA, em 2008, o programa recebeu destaque internacional ao deitar e rolar com a imitação de Sarah Palin, candidata a vice na chapa republicana, protagonizada pela atriz Tina Fey.

Além da impressionante semelhança física com o personagem original, a comediante soube usar com talento o potencial humorístico proporcionado pela singular ex-governadora do Alasca, reconhecida por suas gafes.

A elogiada performance rendeu a Tina uma estatueta do Emmy, prestigiado prêmio da TV americana. Bemhumorada, Sarah aceitou contracenar com sua sósia numa das edições do programa. Na noite de sua aparição, o ‘Saturday Night Live’ foi visto por 14 milhões de telespectadores, a maior audiência alcançada em 14 anos.

Desde 1975, quando foi criado, o programa se ilustrou na sátira mordaz às figuras públicas e, em especial, aos políticos e titulares da Casa Branca. A exemplo de Tina-Palin-Fey, o ator Chevy Chase se fazia passar por um Gerald Ford presidente trapalhão, Dana Carvey parodiava George Bush pai, Darrell Hammond imitava o popular Bill Clinton e Will Ferrell não poupava o texano Geoge W. Bush júnior. A grande maioria dos líderes visados não recusava o convite para participar de um esquete ao lado de seu imitador, mesmo sem a garantia de que a galhofa poderia render mais votos em período de campanha eleitoral.

 

Deborah Berlinck

Ironizar candidatos na França não é proibido

PARIS. Recorrer a tiradas humorísticas na mídia durante campanhas eleitorais não é proibido na França. Mas há limites.

Que o diga o socialista Antoine Bardet. Em 2007, ele criou um blog, usando o pseudônimo ‘Fansolo’, com o nome ‘Os amigos de Serge Grouard’.

Tratava-se de uma sátira das ações, da vida e da personalidade do prefeito de Orléans, Serge Grouard, do UMP, o partido de direita no poder na França, seu rival. O prefeito, que se reelegeu, incomodado com um blog que parecia a seu favor — mas não era —descobriu que por trás de ‘Fansolo’ estava Antoine, candidato na lista eleitoral do Partido Socialista. Resultado: o (falso) blogueiro-candidato foi condenado a pagar C 10 mil euros de multa.

Na TV e nas rádios, o humor em campanha eleitoral deve seguir as regras do Conselho Superior de Audiovisual (CSA). Para as eleições do Parlamento Europeu de junho de 2009, o conselho baixou um documento que diz que candidatos podem se exprimir livremente nos meios de comunicação. Mas estão proibidos de ‘recorrer a todo meio de expressão que tenha como efeito zombar de outros candidatos ou de seus representantes’.

Também não podem ferir a ‘dignidade’ ou a ‘honra’.

Os meios de comunicação, em época de eleição, têm que seguir regras. TVs e rádios não podem, ao editar seu material , escolher trechos de declarações de candidatos que distorçam o sentido geral de suas mensagens

 

WASHINGTON POST
Estrutura ‘top secret’ é ameaça aos EUA

Num admirável trabalho de jornalismo investigativo que consumiu dois anos, o jornal ‘The Washington Post’ fez uma radiografia do supersistema de segurança dos Estados Unidos, que adquiriu proporções imensas depois do 11 de Setembro. O diagnóstico é assustador.

A pesquisa identificou 1.931 empresas privadas e 1.271 agências governamentais envolvidas na luta contra o terror. Elas estão espalhadas em cerca de dez mil locais nos EUA, empregam 854 mil pessoas e seu orçamento no ano passado foi de US$ 75 bilhões, 21,5 vezes maior do que em 11 de setembro de 2001.

E o presidente Obama já disse que não congelará os gastos.

Este monstro burocrático intercepta 1,7 bilhão de comunicações (e-mails, telefonemas e outros) por dia e produz nada menos que 50 mil relatórios por ano. O resultado é que muitos deles não chegam a ser lidos ou considerados simplesmente por falta de tempo. Muitos órgãos fazem trabalho duplicado. Há, por exemplo, 51 agências e comandos militares em 15 cidades rastreando o dinheiro de supostas organizações terroristas. Apesar dos números levantados nas reportagens, que se basearam em documentos oficiais e centenas de entrevistas, o ‘Washington Post’ admite que essa estrutura se tornou tão grande, secreta e pouco coordenada que ninguém sabe ao certo quanto custa, quantas pessoas envolve, quantos programas executa e quantas agências fazem o mesmo trabalho.

O mais alarmante é que todo esse aparato não foi capaz de detectar ou agir efetivamente em três casos em que a segurança nacional foi ameaçada. Em novembro de 2009, o psiquiatra do Exército Nidal Makik Hasan abriu fogo contra colegas dentro do Fort Hood, matando 13 e ferindo 30 pessoas. Depois se soube que ele tinha ligações com um extremista islâmico monitorado pelos EUA, mas isso não chegou ao conhecimento dos serviços de inteligência.

No Natal de 2009, o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab tentou explodir um avião que ia de Amsterdã para Detroit, e só não o fez porque o passageiro ao lado o impediu. O pai do rapaz já alertara as autoridades americanas sobre as tendências extremistas do filho, mas mesmo assim ele embarcou. Em maio passado, o paquistanês Faisal Shahzad estacionou um carro-bomba em Times Square, no coração de Manhattan. Mas quem frustrou o atentado foram camelôs que viram fumaça saindo do veículo e chamaram a polícia.

Um dos aspectos mais preocupantes é a privatização, no mau sentido, de muitos programas e operações, o que coloca em mão de empresas aspectos da segurança nacional, o que é inconstitucional. Os gastos galopantes são assustadores. O próprio diretor da CIA, Leon Panetta, disse ao ‘Post’ que os gastos com a defesa, depois do 11/9, ficaram insustentáveis.

Mas há perigos maiores que a ineficiência e a elefantíase. Estruturas estatais como essas criam suas próprias necessidades e tendem não só a se perpetuar como a crescer cada vez mais. Como são secretas, com códigos e agentes especiais próprios, acabam se tornando uma ameaça à admirável democracia americana. Em nome dela, os homens que governam o país precisam achar meios de controlar e podar esta superestrutura, tornandoa eficiente.

 

 

TECNOLOGIA
Bruno Rosa

Kindle e iPad criam um novo estilo de vida

iPad ou Kindle? Para uma parcela cada vez maior de consumidores, esses aparelhos já representam um estilo de vida.

Escritores, artistas e pesquisadores, por exemplo, vivem uma verdadeira lua de mel com os leitores digitais, como o Kindle, e não abrem mais não da novidade.

Mas há quem já prefira os computadores ultrafinos, chamados de tablets, como o iPad, da Apple, que oferece dezenas de funções em um único objeto de 680 gramas. Praticidade que os apaixonados por livros classificam como um celular gigante que não liga.

A questão é que os iPads ganham espaço entre jovens, que vivem conectados nas redes sociais. Empresários e analistas do mercado financeiro, que acompanham as ações na Bolsa de Valores, carregam seus tablets para onde vão.

Mas, enquanto isso, a Amazon anunciou na semana passada que a venda de livros para o Kindle superou os de capa dura (tradicionalmente as primeiras edições nos EUA).

A nova realidade está obrigando algumas empresas a refazerem previsões. Em cinco anos, por exemplo, as versões digitais irão responder por metade das vendas de livros, diz a editora Random House. O banco de investimento Barclays projeta ainda que até o fim de 2011 — em pouco menos de um ano desde que foram lançados — os computadores ultrafinos somarão 28 milhões de unidades comercializadas.

Conexão à internet e leitura fácil dividem opiniões O Kindle, da Amazon, é o mais famoso leitor digital de livros, ou e-reader, do mundo. O produto, criado só para leitura, faz sucesso porque, graças à tecnologia de papel digital, o e-ink, conta com tela fosca para não cansar a vista. Além do Kindle, é vendido no Brasil o Cooler, da livraria digital carioca Gato Sabido.

Os e-readers, no entanto, não permitem conexão à internet e não oferecem tela colorida.

Por outro lado, o iPad, da Apple, lidera as vendas entre os computadores ultrafinos. Os tablets, como também são chamados, parecem com os notebooks, porém são bem mais finos, com espessura de 0,5 polegada, e têm tela sensível ao toque. Mas não têm espaço para conectar pen drives ou CDs. Os modelos permitem navegar na web através da rede sem fio (wifi) ou de planos 3G, oferecidos pelas operadoras de telefonia.

— Os leitores digitais foram feitos para a leitura. Já o iPad é multifuncional. Em um momento inicial, o iPad pode roubar as vendas dos leitores digitais. Mas quem comprar o tablet para ler livros vai se frustrar, já que a lente é luminosa — compara Carlos Eduardo Ernnany, presidente da Gato Sabido.

Ernnany lembra que a maior parte dos usuários de leitores digitais no país é de pessoas acima de 40 anos. No grupo dos amantes dos e-books está a pesquisadora Carla Faria Leitão, que trabalha no Departamento de Informática do Centro Técnico Científico da PUC-Rio: — Adoro livro e gosto de tecnologia.

Tentei comprar o Kindle pela internet, mas as taxas eram altas. Em viagem aos EUA, acabei comprando. O visor é incrível e parece papel. Mas não há muitos livros em português na Amazon e não consigo separar os livros em listas, pois divido o aparelho com o meu marido. O iPad é como um iPod que não cabe no bolso.

Já Angela Lazoski comprou o leitor digital da Gato Sabido. Segundo ela, a escolha pela empresa brasileira foi o número de obras em português: mais de 1.500 livros. Angela lembra que é possível aumentar a letra e ainda ler as páginas no sol.

— É muito confortável, mas acho que devia ter mais obras em português. Eu acho meu notebook ótimo para pensar em algo ultrafino — diz.

O executivo Carlos Fernandes optou pelo iPad. Além de entrar na internet, ele ressalta que a qualidade da imagem na tela é impressionante: — Optei por um iPad, pois consigo ler livros controlando a luminosidade do aparelho. Mas acho que falta uma câmera para participar de conferências.

Sempre conectado às redes sociais, o estudante Paulo Amaral acabou de entrar na faculdade de Direito e já leva seu tablet para as aulas. Segundo ele, é possível fazer anotações e pesquisar em tempo real as lições: — O que eu vou fazer com um Kindle se o iPad tem tudo? Os leitores digitais nem começaram e já ficaram para trás.

Essa é uma das principais dúvidas do mercado, dizem especialistas.

Desde que a Apple lançou o iPad nos EUA, em abril, com preços a partir de US$ 499, as vendas dos e-books registraram recuo. Por isso, a reação teve de ser rápida. A Amazon, que já havia baixado o preço de seus leitores mais simples, lançou no início deste mês o novo DX — que ainda não está disponível no Brasil. O novo modelo, que custa US$ 379, contra os US$ 489 da geração anterior, já permite acesso às redes sociais.

— Esses aparelhos estão criando um novo estilo de vida.

Seja só para ler ou apenas para estar conectado. O caminho é o da integração. É possível que os leitores digitais ganhem mais funções.

Hoje, não se sabe se o usuário ficará satisfeito em ter um aparelho apenas com o recurso de leitura. A Amazon já trabalha para oferecer um Kindle com tela colorida — afirma Leonardo Marques, chefe do departamento de criação da ESPM-RJ.

Há cerca de mil Kindles no Brasil. O produto, vendido pelo site da Amazon, ainda está sujeito à tributação brasileira. Já o iPad, da Apple, ainda não foi lançado no país nem homologado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por isso seu uso é considerado ilegal pelo órgão regulador. Mas há 20 mil unidades em uso por aqui.

Enquanto a Apple não lança o iPad aqui, o mercado de leitura digital ganha força. Luciano Crippa, analista da consultoria IDC, lembra que a americana PanDigital e a Positivo lançarão seus e-readers no Brasil.

— A Gato Sabido vende o aparelho por R$ 750 e oferece em seu site os livros em formato digital. Já vendemos 400 desde dezembro. O principal entrave é que as editoras não estão lançando versões digitais de suas obras — diz Ernnany

 

TELEVISÃO
Fernando Duarte

Do fundo do poço ao estrelato

A história de Piers Morgan só não é de contos de fada porque ele nunca passou fome ou precisou lavar pratos na cozinha de algum pub de Londres. Porém, o anúncio de que o jornalista britânico, de 45 anos, será o substituto do lendário Larry King no programa de entrevistas da rede CNN nem por isso deixa de representar uma guinada extrema numa carreira que parecia destinada a depender do populismo televisivo. Também foi surpreendente pelo fato de que está longe de haver uma infinidade de casos de sucesso de súditos de Elizabeth II no jornalismo americano.

Mas a maior surpresa está na segunda chance dada a Morgan, que embora seja conhecido pelas participações em programas de auditório no Reino Unido e nos EUA, ficou mais famoso como o editor do tabloide ‘Daily Mirror’ demitido sumariamente por publicar fotos falsas de tortura de prisioneiros iraquianos por soldados britânicos, em 2004, e como alvo de uma investigação por uso de informação privilegiada em operações na Bolsa de Valores de Londres.

Agora, no entanto, Morgan se prepara para assumir um dos programas de maior audiência da TV americana, que por estar posicionado no horário nobre das 21h é uma isca hipnótica para uma gama de entrevistados.

Ainda que a tarefa de substituir o carismático King, que se aposentará depois de 25 anos à frente do show, deva estar lhe gelando o estômago.

Morgan, porém, não parece o tipo de sujeito que se abate facilmente com críticas.

A maior prova é sua ascensão no jornalismo.

Aos 28 anos, ele já era editor-chefe do ‘News of the World’, o tabloide sensacionalista mais vendido do Reino Unido. Assumiu o comando do ‘Mirror’ e deu ao jornal uma imagem menos caricata — foi em sua gestão, por exemplo, que o tabloide expôs buracos na segurança da família real ao conseguir empregar um repórter como criado da rainha no Palácio de Buckingham a tempo de uma visita do então presidente dos EUA George W. Bush.

Mas veio o escândalo das fotos, compradas de soldados britânicos que forjaram as cenas de tortura. Morgan foi defenestrado e parecia fadado ao ostracismo depois de ver seus dois empreendimentos subseqüentes — uma revista e um jornal para adolescentes — terem recepção morna. Foi salvo ao cair nas graças de Simon Cowell, guru dos shows de calouros da TV. Quando precisou de um regra três para o popular programa ‘America’s Got Talent’, na NBC, Cowell escolheu Morgan.

O ex-editor caiu como uma luva no papel de jurado malvado: Morgan não fez faculdade, mas escreveu livros cujo tema invariavelmente gira em torno de encontros com celebridades, muitos deles belicosos.

Foi o que chamou a atenção da CNN, que lhe ofereceu o equivalente a US$ 8 milhões por um contrato de três anos. Sua primeira missão será levantar a audiência do programa, que sofreu uma queda de 43% em relação a 2009, acelerando a aposentadoria de King

 

LITERATURA
Sandra Cohen

‘Saramago está aqui’

A espanhola Pilar Del Río quer tornarse portuguesa e ganhar a mesma nacionalidade do marido escritor, que se tornou o único Nobel de Literatura de nosso idioma. Com fôlego invejável, a viúva de José Saramago se desdobra para dar conta de tantas homenagens a ele. No sétimo dia de sua morte, ela deu partida a uma maratona de 15 horas de leitura de ‘O ano da morte de Ricardo Reis’; no 30º, participou de um brinde, com vinho, levantado pelos ‘saramaguianos’, ato que será repetido no dia 18 de cada mês.

Agora é a vez de o Brasil render tributo ao escritor: na noite de 7 de agosto, ele será destaque na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), numa mesa agendada para substituir o músico Lou Reed, que cancelou sua participação. Serão exibidos trechos inéditos do documentário ‘José & Pilar’, de Miguel Gonçalves Mendes, e haverá debate com o cineasta, mediado por Arthur Dapieve. O diretor acompanhou o casal por três anos para montar um retrato de seu cotidiano.

Pilar virá ao Brasil para participar, mês que vem, de uma outra homenagem ao marido, no lançamento, pela Companhia das Letras, de uma coletânea de artigos e entrevistas organizada por Fernando Gómez Aguilera.

Nos últimos 24 anos, Pilar e José foram cúmplices e inseparáveis.

Vinte e oito anos mais nova, a jornalista espanhola se apaixonou primeiro pela obra.

Em 1986, esbarrou num exemplar de ‘Memorial do convento’ numa livraria de Sevilha. Devorou todos os seus livros. Quis conhecê-lo para dizer o que havia experimentado. Aterrissou em Lisboa com o telefone do escritor.

Combinaram um café.

Corresponderam-se, marcaram encontros, entre Lisboa e Sevilha, até se casarem, dois anos depois. Nesta entrevista ao GLOBO, por e-mail, a primeira a um jornal brasileiro após a morte do marido, Pilar conta que enfrenta a ausência de Saramago com as vivências que compartilharam.

O GLOBO: Saramago deixou inacabado o romance ‘Alabardas, alabardas! Espingardas, espingardas!’ Do que trata? Ele será publicado? PILAR DEL RÍO: Trata da fabricação de armas. Não do comércio internacional de armas, e sim do conflito moral de alguém que trabalha em uma fábrica de armas e vai se descobrindo em suas próprias contradições e no diálogo com a mulher. A decisão de publicar será tomada com seus editores e a agente literária.

É um texto incompleto, mas tem muita força, são páginas muito belas. Não sei se temos o direito de privar seus leitores desse relato, ainda que inacabado.

Que outros textos inéditos há em seu espólio, e qual será o destino deles? PILAR: Não há muitos inéditos: Saramago era um escritor de maturidade, que começou a escrever tarde e publicava tudo o que escrevia. De sua juventude, há um romance acabado, ‘Claraboia’, que ele não queria ver publicado em vida, mas a cuja publicação póstuma não se opunha.

Não há pressa. Naturalmente, todos os seus originais, seus papéis, seu espólio, tudo é da Fundação Saramago e nela ficará à disposição de leitores e pesquisadores.

Um mês após a morte de Saramago, que homenagens mais a comoveram? PILAR: O carinho das pessoas.

Ver jovens lendo obras de Saramago em transportes públicos. As homenagens com uma taça de vinho e a leitura de algum livro seu, seguindo uma convocação no Facebook. A reunião, no dia 18, de um grupo de amigos com músicos num olival para interpretar e ouvir as músicas preferidas dele. Ao ar livre, junto a árvores amadas… E, claro, a leitura ininterrupta de ‘O ano da morte de Ricardo Reis’ na Casa Fernando Pessoa, do meio-dia às três da madrugada, gente lendo sem parar e com a maior emoção.

Terminaram dizendo ‘Obrigado, Saramago’ e abraçando-se diante da beleza contida.

Como foram os últimos momentos com ele? Saramago falava da morte, houve um ritual de despedida? PILAR: Não se falava da morte, porque desde sempre soubemos, como todos, que esse é nosso destino. Não se falava nem se evitava o tema, ele simplesmente estava, com naturalidade, sem dramaticidade.

Não houve ritual de despedida, como não havia ritual de vida: houve cumplicidade ao longo de 24 anos de vida em comum. Ou talvez houvesse, sim, um ritual: viver cada dia como o primeiro e o último.

Com a intensidade e a alegria de escolher como singular e destacada toda ocasião.

Como tem sido sua rotina sem ele? Em que momentos sente mais a sua falta? PILAR: Não há rotina, cada dia tem seu afã e são muitas coisas a fazer. Saramago está tão presente o tempo todo e em toda a casa, nas conversas, nos quadros que apreciava, na luz que acendia, no relógio que portava, nos livros que estava lendo e nos já lidos, na música que continua soando e que parece dizer que Saramago está aqui, nesta casa, como está nos corações de todos os que o amávamos, que somos uma legião. E está, porque as ideias não se perdem, tampouco os sentimentos que nos fazem mais humanos e melhores.

Na ausência de Saramago há muitas vivências.

Qual era o estado de espírito de Saramago em relação a Portugal? Ainda havia mágoa pelo boicote que sofreu do governo em 1992? PILAR: Saramago não tinha mágoa em relação a Portugal.

Nenhuma, amava seu país, ali tinha seus amigos, sua família, suas raízes, o berço de seu idioma, suas paisagens, sua forma de estar na vida. Ele teve um problema concreto com um governo que se meteu a crítico literário, a defensor da fé católica como se fosse a Inquisição, e a censor. E isso em plena democracia.

Saramago rompeu com o governo de Cavaco Silva por esses comportamentos, não com Portugal.

O que você achou da atitude do presidente Cavaco Silva, que se recusou a interromper suas férias nos Açores para participar das homenagens a Saramago? PILAR: A única atitude possível.

Saramago não queria partilhar espaço com Cavaco Silva, de modo que Cavaco Silva fez o que tinha que fazer: mandar seus respeitos e ser representado. Mais que isso teria sido uma farsa indigna do momento. Foi bom que não comparecesse.

A biblioteca de Saramago será transferida para a Casa dos Bicos, onde será instalada a fundação que leva seu nome? PILAR: A Casa dos Bicos receberá o material mais interessante relacionado a Saramago, mas até termos o espaço preparado não saberemos o que ele abrigará. Naturalmente, os documentos originais terão preferência sobre livros atuais, e os livros com valor agregado de dedicatórias ou materiais especiais serão prioritários em relação a outros que podem ser encontrados em qualquer biblioteca. A de Saramago não era temática, era uma biblioteca pessoal que não se dispersará, mesmo que os livros não fiquem todos no mesmo edifício.

Já assistiu ao filme ‘José & Pilar’, que conta a história de amor de vocês? O que você guardou dos três anos de filmagens? PILAR: Esse filme não conta só uma história de amor, conta como é a vida de Saramago, como vive um escritor que é, além de tudo, um cidadão que não renuncia a sê-lo e a estar com quem precisa d e l e . Também aparece a companheira do escritor, sua mulher, que tem ideias próprias e às vezes as expõe, mas o filme é, sobretudo, a viagem de Saramago enquanto escreve um livro, a viagem pelos últimos anos de um homem que não se rende, que está cheio de ternura e carinho, de afã de superar a adversidade da doença. Com momentos de humor, de paixão, de intimidade compartilhada. Um filme de grande beleza e de uma sinceridade que às vezes assusta.

Poucos intelectuais se envolveram tanto em causas sociais e políticas como Saramago.

Como preencher essa lacuna, após a sua morte? PILAR: Será preciso vir gente — intelectuais menos corretos e menos equidistantes — com menos medo. Será difícil encontrar homens como Saramago, porque cada século pode dar um ou dois, se tanto. Sua ausência será sentida sobretudo por aqueles que apelavam a ele porque já não tinham outra instância.

Os ‘importantes’ do mundo, modernos do neoliberalismo tão em moda, apesar do fracasso a que arrastaram o mundo, sorrirão ao ler isso, mas muitas pessoas saberão do que falo, da solidão dos que não têm quem os ouça nem quem fale deles, do lado escuro da lua, os pobres, os marginalizados, as pessoas simples que não protagonizam coisa alguma e são usadas por tantos.

As que são estatística e que, para Saramago, eram ‘Todos os nomes’.

Quais são seus planos na fundação? Você volta a morar em Portugal? PILAR: Saramago tinha casa em Portugal, viverei ali a maior parte do tempo. Dei entrada nos trâmites para me nacionalizar portuguesa: quero pertencer ao país que produziu um homem tão bom, tão sábio, tão simples, tão exemplar. Quem sabe assim um pouco disso passa para mim? A fundação tentará levar seu legado adiante, consciente de que é um trabalho difícil. Mas aprendemos a não esmorecer. Vamos tentar tornar realidade os sonhos de Saramago, que eram consistentes, como dizia uma exposição feita em São Paulo sobre ele: ‘A consistência dos sonhos.’

 

Mauro Ventura

‘José & Pilar’, uma dedicatória de amor

No dia em que viu a primeira versão do filme ‘José & Pilar’, o escritor José Saramago virou-se para a mulher ao fim da sessão e disse: — Pilar, isso é uma grande dedicatória de amor à tua pessoa.

Ela devolveu: — E a minha vida também é uma grande dedicatória de amor.

O diretor português Miguel Gonçalves Mendes queria justamente mostrar a intimidade e o cotidiano dos dois. Propôs a ideia ao escritor, que resistiu. Foi insistindo, até enfim dobrar as resistências. O filme — que Mendes está finalizando em São Paulo, na O2 de Fernando Meirelles, coprodutora do documentário — traz uma declamação de amor de Saramago: ‘Se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora.’ A hora dele chegou aos 87 anos, em junho, antes da estreia do filme, que terá dez minutos exibidos na Flip, em agosto, e será apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro. Mendes começou a captar depoimentos do casal em junho de 2006. Recolheu 240 horas, acompanhando a dupla a lugares como Lisboa, Lanzarote, na Espanha (onde eles moravam), Madri, Finlândia, México e Brasil.

Mendes fez mais do que traçar o retrato íntimo do casal. Ele apresenta da origem pobre de Saramago à aproximação do fim. Acompanhou, por exemplo, o casamento de Pilar e Saramago em Castril, na Espanha, os ensaios entre o escritor e o ator Gael García Bernal para a estreia da leitura a duas vozes de ‘As intermitências da morte’ e o momento em que Fernando Meirelles esteve em Lisboa para mostrar a ele seu ‘Ensaio sobre a cegueira’.

A certa altura, Pilar diz que na hora em que o conheceu sabia que seria para sempre.

A agenda exaustiva motiva desabafos: ‘Começa a parecer um absurdo essa maneira de viver. (…) Cansei de sorrir e do esforço de parecer inteligente.’ — O filme todo no fundo é sobre a morte de Saramago, que se aproxima — diz Meirelles.

— Fala-se disso enquanto vemos o escritor e sua mulher rodando pelo mundo para fazer o máximo possível no tempo que lhes resta. Às vezes, estão esgotados, mas usam seu tempo até o limite do desespero.

Em todos os depoimentos, Saramago se mostra muito objetivo em relação à morte. Sabe que é inevitável, mas não deixa de lamentar estar saindo da vida.

O ponto de partida do filme é a criação do romance ‘A viagem do elefante’.

— Ao falar sobre o livro, ele conta a história do que aconteceu com aquele elefante que saiu de Lisboa e foi caminhando até Viena, enfrentando todo tipo de problemas: suas patas foram cortadas e viraram portaguardachuvas na corte austríaca. A imagem das patas cortadas é mostrada — diz Meirelles.

— Essa imagem, claro, é uma espécie de metáfora da vida, segundo o autor, em que empreendemos uma impressionante jornada para virarmos no fim esse patético porta-guarda-chuvas. Há uma fala muito bonita sobre a inexorabilidade do tempo. Ele nos lembra o que já sabemos, mas faz isso de maneira especial. Lembra-nos que um dia ele não estará mais aqui, que ‘Os lusíadas’ serão esquecidos e que um segundo depois nenhum rastro de memória da humanidade existirá.

 

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