Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O massacre e a greve

Com os quase 200 mortos em Madri, o terror obteve novo triunfo.


Ampliou a zona do medo, cravou no coração da Europa a sensação de que a guerra contemporânea é mundial, decretou o fim dos inocentes, estabeleceu o primado da morte como arma política.


Graças às diferenças do fuso horário, nossas autoridades serviram-se dos primeiros indícios difundidos pelo governo e meios de comunicação espanhóis de que o banho de sangue teria sido obra do ETA e condenaram os seus autores de forma cabal e veemente.


Se na tarde de quinta a al-Qaeda, ou outro grupo islâmico, já tivesse aparecido como suspeita pela carnificina madrilena não seria de estranhar que em meio às mensagens de apoio e pesar aparecessem as conjunções ‘mas’, e ‘porém’ que atenuaram o repúdio brasileiro ao assassinato em Bagdá do diplomata Sérgio Vieira de Melo.


Ontem, os especialistas e acadêmicos convocados às pressas pelas rádios e tevês anteciparam-se aos investigadores espanhóis e passaram a insistir na hipótese islâmica. Se não justificada, pelo menos ‘compreensível’, esta seria uma represália ao apoio do governo de José Maria Aznar à invasão do Iraque pela dupla Bush-Blair.


Nosso distanciamento geográfico dos principais conflitos internacionais, longe de favorecer, estimula um perigoso distanciamento moral. Somado às fragilidades institucionais e tibiezas políticas, nos coloca nas zonas de perigo imediato.


A absurda greve de quase uma semana na Polícia Federal revela em toda a sua extensão a vulnerabilidade do Estado brasileiro.


O país, o povo, o governo e o regime democrático estão inteiramente desprotegidos, entregues à sorte e à esperança de que Deus seja brasileiro.


Os congestionamentos nos aeroportos e nos postos de fronteira são apenas os sinais mais visíveis e dramáticos dessa autêntica deserção da maioria dos encarregados da nossa segurança interna.


A avaliação institucional, que não aparece nas fotos, é mais aterradora: em defesa de interesses corporativos – no caso, mesquinhos, porque pisoteiam o interesse nacional – o Brasil está, neste momento, rigorosamente à mercê do crime organizado, das máfias, das redes de pirataria e contrabando, da bandidagem interestadual e do terrorismo internacional.


No Título V da Constituição Federal (Defesa do Estado e Instituições Democráticas), o capítulo II é dedicado às Forças Armadas, encarregadas de defender, do inimigo externo, o território e a soberania. Logo em seguida, no capítulo III da Carta Magna, que trata da segurança e da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, a Polícia Federal é o principal agente de defesa.


Ao abdicar de sua missão constitucional, os grevistas estão traindo os seus compromissos legais, cívicos e éticos com toda a cidadania.


Sentem-se prejudicados mas prejudicam a todos. Querem ganhar melhor para combater a delinqüência mas, na omissão, comportam-se como seus cúmplices passivos, incursos no crime de lesa-razão, lesa-profissão, lesa-sociedade e lesa-pátria.


É cínica e perversa a ‘operação padrão’ adotada por aqueles policiais designados pelos colegas a comparecer ao trabalho.


O pretendido rigor neste momento é apenas uma forma de despistar a falta de rigor na semana passada. O padrão é para ser aplicado todos os dias, caso contrário será prova de omissão. É deletéria e farsesca a encenação de entregar as armas porque revela em toda a extensão a vulnerabilidade a que todos estamos expostos.


Ainda desnorteado pelo escândalo que envolveu um assessor da Presidência há quatro semanas, o governo não consegue acordar para oferecer aos governados a imperiosa sensação de firmeza e proteção.


Mesmo negando-se a negociar, passa a impressão de fragilidade, dá sinais de que perdeu a iniciativa, refém das exigências e táticas dos grevistas.


O terrorismo cada vez mais organizado, mais amplo e mais ousado, exige das polícias e agências federais dos países interessados em combatê-lo uma combinação de profissionalismo e patriotismo que, por aqui, parece arquivada.


Enquanto a Europa repensa sua estratégia contra o terrorismo e o mundo estende sua solidariedade à Espanha enlutada, nós lhe oferecemos o desamparo.



Cora Rónai


"Explosões matam: não se pode esconder esta verdade", O Globo, 12/03/04


"O dia em que o fotojornalismo acabou sendo mais uma vítima


Como tratar as fotos de uma tragédia que abala o mundo? Escondem-se dos leitores os detalhes mais chocantes, como fizeram as emissoras americanas nos idos do 11 de Setembro, em que, apesar da lúgubre contabilidade de 2.976 mortos, praticamente não se viu uma gota de sangue no vídeo, ou divide-se com eles o horror que chega às redações? Ontem, vários jornais, no Brasil e em outros países, responderam de diferentes maneiras a essa pergunta.


A foto de maior impacto do atentado, que mostrava vítimas sendo atendidas diante dos trens destruídos, acabou na capa dos principais jornais do mundo – O GLOBO entre eles. Acontece que, do lado inferior esquerdo, podia-se ver um pedaço de corpo: um braço, talvez, ou uma perna. Uma visão terrível, mas não menos chocante do que a realidade que a cercava; um detalhe – horrível – do horror.


Este detalhe, porém, mexeu tanto com a sensibilidade de alguns editores que eles acabaram atropelando uma regra básica do fotojornalismo: não se modifica, nunca, a realidade registrada pela fotografia. Pode-se cortar as fotos, pode-se publicá-las em preto e branco, pode-se, até, aplicar uma tarja por cima do que não se quer mostrar; mas não se pode suprimir ou acrescentar nada ao que foi capturado pela lente – sobretudo sem se informar isso.


Em vários jornais, no entanto, o membro ofensivo foi eliminado digitalmente. Um recurso fácil, e até compreensível como cuidado, mas com uma consequência funesta: perda de credibilidade. Num mundo de fotos digitais, em que qualquer principiante manipula imagens com razoável eficiência, a única forma de conservar a fé do leitor no que vê é garantindo que nenhuma foto de reportagem será jamais alterada sem que ele saiba disso. Este é o caso em que uma palavra – ‘modificado’ – pode valer por mil imagens."




Liana Carvalho


"A mídia no fogo cruzado", Correio Braziliense, 16/03/04


"Espanhóis estão revoltados com tevês, rádios e jornais. Para eles, o governo manipulou e omitiu informações sobre os atentados, na tentativa de evitar a derrota eleitoral


Madri – Há um outro conflito em curso na Espanha, além daquele que põe de um lado as forças de segurança e de outro os terroristas, sejam islâmicos ou bascos. Essa nova batalha, cujas barricadas em forma de protestos já começam a tomar as ruas, tem de um lado os eleitores que votaram no último domingo e de outro os meios de comunicação do país. É a guerra contra o que muitos consideram atos de manipulação praticados pela mídia espanhola.


O primeiro tiro foi disparado na véspera das eleições, quando milhares de espanhóis protestaram exigindo a verdade sobre os atentados de Madri. Eles desconfiavam de que o governo, usando os meios de comunicação, estaria escondendo informações para beneficiar-se nas eleições.


Eram as circunstâncias do campo dessa batalha: se fosse confirmado que os atentados do 11 de março foram praticados pelo ETA, o Partido Popular ganharia votos, porque o povo apoiaria a continuação da política de linha dura contra os terroristas bascos. Entretanto, se prosperasse a desconfiança de que o autor havia sido a Al-Qaeda, o partido do governo corria o risco de perder – já que esta outra vertente do terror teria agido contra a Espanha em represália ao apoio oficial do país à guerra contra o Iraque.


Apurados os votos, viu-se que a desconfiança popular venceu – e o governo foi derrotado. Mas a guerra da informação continua. Estava marcado para ontem à noite um ‘panelaço’ contra o diretor de jornalismo da tevê estatal. Um comitê formado por 13 funcionários da agência oficial de notícias – a EFE – exigiu pro unanimidade a queda do diretor de Informação, Miguel Platón, pelo ‘regime de censura e manipulação impostos desde os atentados’.


A manipulação se deu também em veículos privados. Editorial publicado no site da emissora de rádio Cadena SER acusou: ‘A campanha para falar só de ETA foi também muito clara nos meios de comunicação privados mais próximos ao governo, como Antena 3 e Onda Cero, meios do grupo Planeta, do empresário Jose Manuel Lara, e a Cope, a emissora de rádio dos Bispos, da Conferencia Episcopal que preside o cardeal Rouco Varela’, diz o editorial. Outros poderiam ser citados: os jornais ABC, La Razón, e El Mundo.


Guadalupe Rodríguez, redatora do jornal semanal La Estrella, considera que o governo manipulou e muitos jornais se precipitaram. ‘O ministro do Interior declarou na manhã de quinta que os explosivos usados eram os mesmos de ETA. Todos os jornais que saíram em edição extraordinária neste dia se basearam nesta informação’, criticou. Mas ‘a manipulação dos meios só apareceu mesmo nos jornais que no dia seguinte, depois que se anunciara a aparição da camioneta com a fita em árabe e a prisão dos marroquinos e hindus à noite, continuaram insistindo em que ETA era o autor dos atentados’.


Pressão


‘A Cadena Ser, o El País e meu jornal publicaram que o CNI (a inteligência espanhola) tinha 90 por cento de segurança de que tinha sido Al-Qaeda já na quinta-feira pela manhã’, acrescenta a jornalista. ‘Meu jornal falou diretamente com fontes do CNI que confirmaram. O governo obrigou o diretor do CNI a desmentir o que publicamos, mas já sabíamos a verdade.’


Correspondentes da imprensa estrangeira também receberam do governo a garantia de que o responsável era o ETA – informação sustentada em argumentos falsos. O Círculo de Correspondentes Estrangeiros vai se reunir para tratar do tema.


A pressão e a manipulação foram maiores no jornalismo da TVE, dirigido por Alfredo Urdaci, e nos programas de debate de RNE – respectivamente, televisão e rádio estatal espanhola. Urdaci, que apresenta os telejornais, controlava pessoalmente as informações. A linha contra o ETA se manteve mesmo após o ministro Ángel Acebes admitir a hipótese de a Al-Qaeda ser o verdadeiro autor do ato de violência. Não se viu sequer uma vez na TVE a imagem dos cartazes perguntando ‘Quem foi?’ – um dos mais comuns nos protestos.


O propósito claro de atribuir os atentados ao ETA foi visível até fora da faixa de programas jornalísticos. A tevê estatal espanhola chegou a cancelar no sábado à noite a exibição de um programa de variedades para, no lugar, mostrar o filme Assassinato em Febrero, que trata de um atentado cometido pelo ETA contra um político socialista. A viúva do político e o diretor do filme ficaram indignados e reclamaram do uso do caso para fins eleitorais."




Luiz Carlos Ramos


"Imprensa reage para superar a gafe das manchetes precipitadas", O Estado de S.Paulo, 16/03/04


"O jornal El País, considerado um dos melhores do mundo, reagiu em suas edições de ontem e anteontem para tentar compensar o erro cometido na edição extra de quinta-feira com a precipitada manchete de primeira página Matança da ETA em Madri. A exemplo de outros jornais e de emissoras de rádio e TV da Espanha, El País bancou inicialmente a versão do primeiro-ministro, José María Aznar, de que os atentados, com certeza, haviam sido obra da organização separatista basca ETA. Essa idéia prevaleceu até sábado, véspera das eleições-gerais, quando, afinal, acabaram sendo divulgadas informações sobre a prisão de árabes suspeitos, apontando para a possibilidade de a ação terrorista ter partido da Al-Qaeda ou outro grupo similar, algo que não interessava aos planos do governo Aznar para eleger Mariano Rajoy, do PP.


El País apresentou, em sua edição de domingo, uma página inteira para explicar o erro inicial. E não escondeu nomes. Apontou o culpado: o próprio Aznar. Segundo o jornal, o primeiro-ministro havia telefonado para o diretor de El País, Jesús Ceberio, na manhã de quinta-feira, para garantir que a ETA estava por trás das explosões nos trens.


Em sua edição de ontem, esse jornal dedicou vários artigos chamando Aznar de mentiroso e demonstrando que o resultado das eleições acabou sendo um castigo para ‘um presidente de governo infeliz, que manipula a informação em prejuízo dos interesses do povo e se despede do cargo deixando um saldo de 200 mortos’.


A imprensa espanhola, que evoluiu após a morte do ditador Francisco Franco, em 1975, e a instalação do regime de monarquia democrática sob a liderança do rei Juan Carlos, demorou para reagir às táticas de Aznar, mas o fez em tempo de esclarecer melhor a situação antes do início da votação no domingo.


El País, que foi criado logo depois da morte de Franco, com edições em Madri, Barcelona, Sevilha, Valência e Bilbao, pôs em prática um jornalismo moderno e pluralista, e fez uma ampla cobertura do 11-M, prejudicada, porém, pela manchete da edição extra.


A vitória de José Luis Rodríguez Zapatero, do PSOE, surgiu como um castigo também para os diretores da emissora de TV Espanhola, Canal 1, estatal. Essa TV exagerou ao conceder espaço maior ao candidato governista Mariano Rajoy, do PP, na semana que precedeu as eleições e principalmente após os ataques aos trens.


Mais grave ainda: na noite de sábado, a TV Espanhola cancelou a exibição ao vivo do programa Noche de Fiesta e transmitiu o filme Assassinato em Fevereiro, um documentário sobre o assassinato pela ETA do deputado socialista Fernando Buesa no País Basco, em fevereiro de 2000. Natividad, viúva de Buena, protestou contra o uso indevido do filme, já que sua apresentação seria uma nova ajuda para o PP, de Aznar."




Ivson Alves


‘De cabeça baixa, coçando o cocuruto’, Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/03/04



‘Vou confessar: tem horas que desanima. Há momentos em que eu, espiritualmente, baixo a cabeça, boto uma das mãos nas cadeiras e com a outra coço o cocuruto. E suspiro. Foi esse desânimo que baixou diante da manipulação realizada pelo JB de uma foto do massacre terrorista em Madri. Você deve saber qual é, pois praticamente todos os jornais a deram na primeira página: mostra os trens destruídos e um monte de gente ferida sendo atendida; na parte inferior, mais para o lado esquerdo, se vê o que parece ser um pedaço de membro humano. Quer dizer, viu quem comprou outro jornal que não o JB. Nesse, o tal pedaço foi digitalmente evaporado.

Na boa, o que passou na cabeça dos que decidiram fazer isso? A idéia foi proteger o leitor do terror? Bolas, então não botava aquela foto com trens destruídos e gente ferida e morta espalhada pelos trilhos. Duvido que houvesse menos de cem fotos menos chocantes da tragédia para serem escolhidas. Podia-se também cortar a foto. Afinal, no contrato tácito que existe entre o leitor e o ‘seu’ jornal está implícito que se pode editar fotos e textos, exatamente com a intenção de mostrar a realidade da melhor maneira possível. Porém se uma foto é escolhida, editada e vai para as bancas, então ela tem que ir sem maquiagem. É o que manda a relação de confiança entre um jornal e o seu público.

Será que a direção do JB não pensou que a foto, exatamente por ser a melhor, seria muito provavelmente escolhida por outros veículos e que estes poderiam publicá-la de maneira correta, sem retoques, deixando a descoberto a manipulação? Será que o jornal não percebeu que, uma vez denunciado o truque, teria sua credibilidade abalada? Afinal, qualquer leitor do JB medianamente inteligente iria pensar: ‘pô, se eles fazem isso com uma foto superbadalada, o que não farão com outras não tão importantes? E com os textos? Será que as palavras dos entrevistados e os fatos foram aqueles mesmos ou foram manipulados também? Será que vou ter que comprar outros jornais para conferir se a cobertura do JB é correta?’.

Tem mais. O fato de o jornal comprar uma foto de uma agência de notícias não lhe dá o direito de alterar a foto em si. Pode cortar e deixar de dar, mas não manipulá-la. O que o jornal adquire é a parte patrimonial do produto fotografia, o direito de uso dela. Não compra o direito moral sobre a obra. Esse é, e sempre será, em qualquer hipótese, do autor, segundo o artigo 27 da Lei 9.610/98 (cuja íntegra você pode ver aqui). Se o fotojornalista que fez o trabalho quiser, pode processar o JB e ganhar uma boa grana. Dificilmente vai botá-la no bolso, mas isso é outra história.

Das questões levantadas, nenhuma requer grande sofisticação intelectual para ser formulada. No máximo, um conhecimento ao alcance de qualquer jornalista. O que o vivente precisa mesmo é ter bom senso. Foi o que parece ter passado longe da direção do JB na hora de manipular a foto da tragédia em Madri. E creio, pensando bem, foi essa falta de bom senso que me desanimou tanto.’



Milton Coelho da Graça

‘Humor tem seus momentos sérios’, Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/03/04

‘Osama bin Laden vestido como toureiro e exibindo a orelha de um touro derrubado, como símbolo da Espanha após o ataque terrorista de 11/03. Foram muitos os protestos espanhóis dirigidos a O Globo e a Chico Caruso por essa charge publicada pelo jornal. A orelha é dada ao toureiro como homenagem por sua grande atuação na arena, por isso os autores dos protestos consideraram a charge ofensiva e imprópria para o momento de dor vivido pela Espanha.

Existe amplo consenso de que não existem limites para temática, traço e texto de um humorista, por definição rebelde absoluto, gozador de tudo e de todos – inclusive de misérias e infortúnios.

Mas as declarações de Chico mostram que ele se preocupou com as críticas e não teve a menor intenção de gozar o povo espanhol. Ou seja, ele admitiu a aceitação de fronteiras do humor.

Lembrei-me de dois embates em torno dessa questão e até hoje não sei quem tinha razão, até porque os ‘adversários’ eram dois pesos-pesados: Millôr e Henfil. Era o início de 1984 e eu aceitara voltar de Nova York para dirigir a IstoÉ só porque o novo dono da revista – Luiz Fernando Levy – dera plena autorização para colocá-la na luta pela redemocratização do país.

Convidei Millôr para uma conversa num bar. Ele vinha fazendo uma série de charges ridicularizando o general Newton Cruz e a revista recebera indicações de que o general a cada semana ficava mais irritado. Lancei aquele papo cauteloso de que a reconquista da democracia exigia que evitássemos qualquer exagero, qualquer provocação aos militares. Millôr defendia firme e justamente que o humor era a sua arma contra a ditadura. Mas, depois de duas horas de papo, aceitou dar uma trégua e, portanto, o argumento de que o humor podia ter um efeito indesejado por ele.

O Brasil perdeu a luta pelas eleições diretas e imediatamente IstoÉ se engajou na candidatura de Tancredo Neves. Henfil, também colaborador regular da revista e contrário à eleição indireta, enviou uma charge em que Tancredo era acusado de ter roubado a caneta usada por Getúlio Vargas na carta do suicídio. Telefonei a Henfil e pedi que enviasse outra charge, alegando que poderíamos ser processados e que, naquele momento, a desmoralização do candidato da oposição democrática só ajudaria a continuação da ditadura. Ele se negou, preferindo romper com a revista e comigo.

Chico Caruso, Millôr e Henfil – provavelmente os três maiores nomes da história do humor na imprensa brasileira – enfrentaram momentos semelhantes de reflexão sobre as conseqüências de seu trabalho. E cada um de vocês pode também imaginar o que teria feito em meu lugar.’



Vinicius Torres Freire

‘Horror, horror, mídia e política’, Folha de S. Paulo, 14/03/04

‘Quase nunca conhecemos nomes e rostos dos mortos em massacres, em campos de extermínio, dos assassinados por terroristas, pelas turbas armadas de facões, das vítimas das limpezas étnicas, das prisões de ditaduras e democracias, das guerras sujas e das guerras limpas, as ‘cirúrgicas’.

É tão óbvio, são tantos e tão freqüentes os mortos assim. Aqui no Brasil, soubemos o nome de um patrício ferido na carnificina de Madri. Vimos vidrados o rosto da mulher morta e sem nome nas ferragens do trem de Atocha, Madri, os lábios abertos, olhos transidos, como se fosse desmaiar de dor.

Pouco sabemos dos 8.000 bósnios mortos em Srebrenica, dos tutsis de Ruanda e Burundi. Nada sabemos dos massacres africanos, asiáticos, latino-americanos. A empatia é para quem se parece conosco, vive como a gente, ou quase sempre para quem vive em lugares que têm poderes e haveres bastantes para fazerem suas histórias terríveis serem midiáticas.

Mas ao lado das pessoas horrivelmente mortas em Madri merece epigramas e elegias tanta gente mais.

Os milhares de hemas e biras massacrados, por vezes à razão de centenas por dia, no Congo.

Ou Dilawar, 22, e Mullah Habibullah, mais ou menos 30, torturados e mortos na base aérea americana de Bagram, em dezembro de 2003, no Afeganistão, segundo os próprios patologistas militares americanos.

Ou as centenas, talvez milhares, de israelenses mortos quando comiam um pizza ou um sanduíche numa cafeteria universitária. Palestinos atropelados por tanques, tratores e metralhas do Exército de Ariel Sharon.

Os colombianos assassinados pelo narcoterror, tantos, tão aqui do lado, mas que nos parecem tão exóticos ou tanto com o nosso povo miúdo que nem ligamos para seus massacres.

Os milhares de argelinos massacrados pelo terror islâmico. Os sudaneses cristãos e animistas. A Libéria. Serra Leoa. O Timor Leste.’



Carlos Chaparro

‘Bombas mal explicadas’, Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/03/04

‘O XIS DA QUESTÃO – Na reportagem e em outras formas de relato, o jornalismo brasileiro, quer o dos meios impressos quer o dos meios eletrônicos, sai-se habitualmente bem, diante do desafio de acontecimentos inesperados de grande impacto, como neste atentado de 11 de março. Mas é também nessas ocasiões que se manifesta a sua maior precariedade, a da análise que ajude ao entendimento e à discussão dos fatos.

1. Relato sem análise

Entre os quatro grandes jornais diários brasileiros tidos como de referência, O Estado de S. Paulo foi o único a não fazer editorial sobre o atentado de Madri. Ao que parece, o jornal mantém-se fiel à velha tradição da casa, de guardar intervalo de 48 horas entre o fato e o comentário. Em contrapartida, fez ampla e detalhada cobertura de reportagem sobre o ataque terrorista, dedicando-lhe oito páginas. Face à grandiosidade da agressão, e à complexidade dos seus motivos e contextos, a ausência de editorial no Estadão poderia ser entendida como omissão. É o que diria Joseph Pulitzer, para quem um jornal sério ‘tem o dever de dar a conhecer o seu ponto de vista ao leitor, pois é imoral esconder-se atrás da neutralidade das notícias’.

Mas as coisas não são bem assim. Afinal, nem só pelo editorial um jornal assume e manifesta posições. Até por falta de uma da tradição de editoriais fortes, no jornalismo brasileiro, as manchetes, o discurso gráfico e as combinações editoriais falam mais claramente das posições dos jornais do que os editoriais. Na capacidade de relatar está o ponto forte do nosso jornalismo, até quando decide opinar. E assim aconteceu nas edições de sexta-feira, 12 de março, o dia seguinte à mortandade de Madri.

Se levássemos ao pé da letra a sentença de Pulitzer, O Globo, a Folha e o Jornal do Brasil teriam cumprido a sua obrigação para com o leitor, pois dedicaram ao atentado de Madrid o principal dos seus editoriais. A verdade, porém, é que escreveram textos óbvios, previsíveis, recheados de lugares comuns, que pouco ou nada acrescentaram para o ajuizamento do violento ataque terrorista.

Se em alguma coisa os grandes jornais diários brasileiros falharam na obrigação para com os seus leitores, não foi no fato de terem ou não terem escrito editoriais, mas na incapacidade de oferecerem contextos e razões de análise, para a compreensão e a discussão do acontecimento.

2. Folha, tímida exceção

Afora os editoriais, O Globo e o JB não publicaram um só texto de análise. Nem próprio nem comprado. O Estadão usou, do Times, um artigo assinado por Bronwen Maddox, e ficou nisso. A exceção foi a Folha. Além de beneficiada pela presença de Clóvis Rossi em Madri (ele produziu uma cobertura de valiosa densidade interpretativa e também nos ofereceu o seu ponto de vista sobre o atentado, no habitual espaço da página 2), o jornal teve agilidade para encomendar e colocar na página 3 um artigo do especialista em filosofia política Denis Lerrer Rosenfield, doutor pela Universidade de Paris e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E nesse artigo nos deparamos com uma idéia digna de boas discussões, a de que ‘o terror não se situa na esfera política’, porque, ‘diante dele, não pode haver negociação’.

Há ainda na Folha um comentário assinado por Márcio Senne de Moraes, da equipe de redação. Trata-se, porém, de análise titubeante, em torno da idéia ambígua que dá título ao texto: ‘Europa pode intensificar guerra ao terror’.

Estamos, pois, mais uma vez, diante de um tema recorrente nesta coluna e que, dois meses e meio atrás, sintetizei no seguinte Xis da Questão: ‘Sem capacidade de oferecer novidades no plano da informação, os jornais diários ainda não encontraram formas criativas de potencializar e tirar proveito das aptidões interpretativas que só os meios impressos possuem’. Faz parte desse quadro a falta, nas redações, de recursos humanos qualificados para a análise internacional. Quando acontece um fato de grande impacto desordenador, como esse novo atentado terrorista, tal carência aparece de forma mais evidente, dada a demanda social e cultural que se cria, por explicações e idéias que ajudem a organizar a discussão em torno dos fatos.

Na reportagem e em outras formas de relato, o jornalismo brasileiro, quer o dos meios impressos quer o dos meios eletrônicos, sai-se habitualmente bem, diante do desafio de acontecimentos inesperados de grande impacto. Mas é também nessas ocasiões que se manifesta a sua maior precariedade, a da análise. E quando se trata de acontecimentos no cenário internacional, a coisa piora.

3. Exigência de especialização

Temos, é claro, alguns bons analistas de cenários e conflitos internacionais. Cito dois nomes: um da velha guarda, mas em plena forma, Newton Carlos, de estilo muito particular, craque em sínteses acutiladoras; outro de geração mais recente, Jaime Spitzcovsky, que se destaca pela leitura clara dos acontecimentos e pela elaboração lúcida dos contextos. Na manhã deste 11 de março, por exemplo, quando todos ainda apontavam o dedo para a ETA, ele antecipava, em entrevista à Rádio Bandeirantes, o que à noite quase todos admitiriam – aquele era um atentado com a mão ou a influência da Al-Qaeda.

Nascido em 1965 e formado em jornalismo pela USP em 1986, Jaime Spitzcovsky é um dos fundadores e diretores do site PrimaPagina, para o qual levou o longo currículo construído no campo da cobertura internacional, em que se especializou. Foi editor internacional da Folha de S. Paulo entre 1997 e 2000 e entre 1988 e 1990. Trabalhou como correspondente em Moscou de 1990 a 1994, e em Pequim, de 1994 a 1997.

Realizou coberturas jornalísticas em mais de 40 países, com destaque para regiões como a ex-União Soviética, Extremo Oriente e Oriente Médio. Realizou coberturas como a desintegração da URSS, a libertação de Nelson Mandela, a morte do líder chinês Deng Xiaoping e a devolução de Hong Kong à China. Publicou o livro ‘A Nova Guerra do Vietnã’, em 1995.

Jaime Spitzcovsky, com quem conversei, reconhece a fragilidade do jornalismo brasileiro na análise internacional e atribui isso ao pouco investimento que as empresas jornalísticas fazem na formação de recursos humanos para o comentário da cena internacional.

Na opinião do próprio Jaime, o reconhecimento profissional de que hoje desfruta está lastreado, claro, nos anos de experiência, em coberturas pelo mundo. Mas, também, na permanente relação com o estudo acadêmico. Ele faz parte do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional, da USP e mantém uma disciplina de muita leitura.

Com esse ferramental de base acadêmica, não limita os seus contatos às fontes internacionais predominantes. ‘Procuro visões diferenciadas para entender e explicar as coisas do mundo. Para isso cultivo certas predileções que a carreira ajudou a definir, como a China e os países da antiga União Soviética, onde mantenho uma rede ativa de contatos’.

Jaime Spitzcovsky fez a escolha pela análise internacional, sem renunciar ao jornalismo. Sabe, portanto, do que fala. E vejam o que ele diz, ao explicar as precariedades da análise internacional, no jornalismo brasileiro:

‘Trata-se de uma especialização que exige conhecimento e densidade, e as empresas jornalísticas colocam isso em segundo plano, optando por soluções menos especializadas’.’



Último Segundo

‘EFE pede suspensão de diretor de informação após atentados de Madri’, Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 14/03/04

‘O Comitê de Empresa da agência pública espanhola de notícias EFE pediu nesta segunda-feira, por unanimidade, a suspensão imediata de seu diretor de Informação, Miguel Platón, ‘pelo regime de censura e manipulação que impôs depois dos atentados de Madri’.

Além disso, um grupo de jornalistas da agência pediu ‘amparo’ à Associação de Imprensa de Madri e ao Colégio de Jornalistas da Catalunha ‘para que assegure o respeito à liberdade de expressão na EFE e o direito a informação verídica’, de acordo com um comunicado do citado Comitê.

O documento responsabiliza Platón, diretor de Informação da EFE desde 1997, pelo ‘regime de manipulação de notícias na empresa pública nos últimos dias para favorecer os interesses do Partido Popular (PP, direita) nas eleições de 14 de março’.

‘É totalmente falsa a afirmação de que a EFE teve alguma informação privilegiada em relação aos atentados de 11 de março em Madri e que tenha ocultado informações sobre o acontecido’, indicou a diretoria da EFE em um comunicado.

De acordo com o Comitê, formado por 13 funcionários da agência, ‘a EFE sabia desde o dia dos atentados da existência de um telefone celular configurado em árabe, da caminhonete encontrada em Alcalá de Henares e de que um dos mortos era um dos terroristas, além de outros dados, que não foram divulgados na hora’, continua o comunicado.

‘A divulgação daquelas informações foram expressamente proibidas e tinham sido obtidas por fontes próprias dos redatores do serviço Nacional da EFE, ‘que apontavam para a suspeita de terrorismo radical islâmico’, diz o comunicado.’




O Globo


"Charge provoca intensa reação de espanhóis", O Globo, 13/03/04


"A charge de Chico Caruso, publicada ontem no GLOBO, provocou forte reação na comunidade espanhola. E-mails chegaram do Brasil e da Espanha, de pessoas surpresas ou indignadas com uma abordagem que consideraram ofensiva ao povo espanhol.


‘Estou confusa talvez por nós, espanhóis, não entendermos o humor brasileiro’, escreveu Encarni Guillén, de Madri. Outra madrilenha, Maria Asuncion Escudero, destacou que ‘um assassino com a orelha na mão não constitui a imagem da Espanha’.


Chico admite que não sabia o significado do gesto do toureiro ao exibir a orelha. Surpreso, disse que soube por amigos, ontem, que toureiros excepcionais é que cortam a orelha ou a ponta do rabo, quando ovacionados.


– Jamais pensei em ofender os espanhóis, mesmo porque sou neto de espanhóis de Málaga. Com a ‘vaca-mundi’ pensei no planeta atordoado.


Em nenhum momento O GLOBO imaginou estar agredindo as vítimas do monstruoso atentado terrorista em Madri. Foi com respeito que recebemos as dezenas de mensagens criticando a charge de Chico Caruso, mas acreditamos que só uma interpretação apressada do desenho pode ter causado esta situação. Como em dezenas de charges anteriores em que denunciou o terrorismo, a figura de Bin Laden no desenho de ontem deve ser vista como de crítica ao homem que está por trás dos maiores atos de terror que já foram presenciados. Há 20 anos Chico Caruso está nas páginas do GLOBO com sua visão sobre os acontecimentos, mesmo em situações dramáticas. Assim foi após os atentados de 2001 em Nova York, quando desenhou Bin Laden com as orelhas de Mickey Mouse, e da mesma forma agora, no 11 de março de 2004. Querer ver por trás de seus traços qualquer coisa que não a solidariedade com as vítimas da matança de Madri nos parece injusto e irreal."




Blue Bus


"Aznar queria o ETA nos jornais", Blue Bus (www.bluebus.com.br), 16/03/04


"Segundo noticiario de agencias internacionais, jornais espanhóis denunciam que o 1o Ministro Jose Maria Aznar pressionou editores a culpar o ETA pelos atentados do 11 de março em Madri. Pessoal da agencia Efe, jornalistas do El Periodico, da Catalunha, e do El Pais disseram que Aznar telefonou pessoalmente para os editores, tentando persuadi-los de que o ataque fora obra do ETA. As publicaçoes de maior circulaçao da Espanha divulgaram ediçoes extras na tarde de 5a feira, horas depois do ataque aos trens metropolitanos. Em manchetes com letras gigantescas, assumiam a versao oficial"