Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo

CASO ISABELLA NARDONI
Alline Dauroiz

Na TV, mudar de assunto faz audiência de canais despencar

‘Nas últimas três semanas, o espectador tem feito verdadeira perseguição pelo caso Isabella na TV aberta. Segundo dados do Ibope, no horário das 7 às 12 horas, o número de televisores ligados na Grande São Paulo subiu da média de 26 pontos porcentuais (cada ponto representa 56 mil domicílios) para 30 (saldo da última semana).

Anteontem, dia em que o pai e a madrasta da menina voltaram a prestar depoimento na polícia e foram indiciados, a prévia do Ibope no mesmo horário registrou que 33% dos aparelhos estavam ligados – o pico estimado foi de 39, índice excepcional para a faixa matutina.

A reportagem do Estado passou boa parte da sexta-feira acompanhando os dados minuto a minuto do Ibope e as oscilações de cada emissora na cobertura do caso. A constatação: larga fatia da audiência trocava de canal em busca do assunto. O zapping não perdoa nem intervalo comercial.

Dados consolidados de quinta-feira (dia 17) mostram que a audiência da Globo começou a cair às 7h44, em um dos intervalos do Bom Dia Brasil. Imediatamente, a Record, que exibia a prisão do jornalista Roberto Cabrini e, logo depois, o caso Isabella, começou a crescer em audiência. Assim, as duas emissoras empataram com 9 pontos. Mas foi só a Record abandonar o tema Isabella e abordar outros assuntos para perder pontos para o Mais Você, de Ana Maria Braga, que mostrava a importância da segurança nos condomínios. Às 9h30, novo zapping: era início da sessão de desenhos na Globo e o ibope ali caiu de 10 para 6 pontos. Onde foram parar esses 224 mil domicílios? Metade mudou para a Record, que falava de… Isabela, no Hoje em Dia, programa que subiu de 7 para 9 pontos, com picos de 13 pontos.

Na hora do almoço, a migração da audiência continua. Na quinta-feira, o SPTV 1 e a programação da Record (Hoje em Dia e Balanço Geral) empataram em 12 pontos de audiência. Porém, quando terminou o Balanço Geral, programa que há dias é monotemático, a audiência da emissora de Edir Macedo caiu de 10 para 6 pontos.

O fenômeno não é diferente à noite. O Brasil Urgente, da Bandeirantes, é o que mais cresceu com o caso. Ainda na quinta-feira, o programa de José Luiz Datena começou com 5 pontos e, em meia hora, alcançou o segundo lugar no ibope do horário, com 10 pontos. Foi só chamar o comercial, às 18h46, e lá se foram alguns pontos para o SP Record, que trazia o caso Isabella e, com isso, subiu de 7 para 11 pontos.

O zapping em busca do tema explica muitas manobras das emissoras em nome da audiência, como a disposição para interromper a programação normal, para esticar telejornais e invadir até programas de variedades, como os das apresentadoras Luciana Gimenez e Ana Maria Braga, com o tema. No final, ganha quem promove o mais extenso espetáculo.’

 

 

TECNOLOGIA
Ethevaldo Siqueira

NAB Show 2008: sejam bem-vindos ao futuro

‘Para a maioria dos visitantes do NAB Show 2008 – realizado em Las Vegas na semana passada -, a primeira reação foi de perplexidade. Diante de tantas inovações e diversidade, até o especialista se sente perdido, como se fosse, de repente, transportado a 2015.

Impactante para o especialista e quase incompreensível para os não-iniciados, assim poderia ser definido o NAB Show, em especial pela diversidade de produtos e de tecnologias, que inclui TV digital, TV de alta definição (HDTV), TV de ultra alta definição (U-HDTV), TV sobre protocolo IP (IPTV), TV tridimensional (TV3D), televisores extradelgados (ultra-thin TVs), monitores gigantes de plasma ou cristal líquido (LCD), telas luminosas de diodos emissores de luz orgânicos (OLEDs), TV a laser, TV móvel nos celulares, DVDs blu-ray de alta definição, câmeras de vídeo digital minúsculas de qualidade profissional, videojogos apaixonantes e, certamente, turismo virtual e cinema tridimensional nos home theaters do futuro.

Tevê, computador, internet, celular, banda larga e redes sem fio fundem-se para sempre – como melhores exemplos de convergência digital. Nesse cenário, é tão grande a variedade de produtos e de possíveis modelos de negócios que se torna difícil identificar as tendências que irão predominar ou sobreviver em futuro mais remoto.

Façamos uma síntese de cada um dos segmentos mostrados pelo NAB Show 2008.

TV DIGITAL

Está na reta final de implantação nos Estados Unidos, provando ao mundo como é difícil, lento e ainda caro o processo de transição analógico-digital. Mesmo num país com uma das maiores rendas per capita do planeta, apenas 48% dos domicílios puderam ou se dispuseram a adquirir televisor e/ou sintonizador digitais, depois de dez anos de iniciada a introdução da TV digital. A contagem regressiva não vai ser interrompida: no dia 17 de fevereiro de 2009, todas as emissoras de TV deixarão de transmitir programas analógicos. A prioridade é universalizar as imagens de alta definição. Mesmo assim, o padrão digital americano (ATSC) já evolui em direção à mobilidade. Interatividade, contudo, é coisa para um futuro mais distante.

TV DE ALTA DEFINIÇÃO (HDTV)

É uma nova paixão das classes A e B nos Estados Unidos. Os preços de televisores de tela plana de grandes dimensões caíram mais de 50% nos últimos 12 meses. O mesmo deverá ocorrer no Brasil, com os ganhos de escala da produção.

TV DE ULTRA ALTA DEFINIÇÃO (U-HDTV)

Mostra o que virá depois da HDTV. Com imagens formadas por 32 milhões de pixels, 16 vezes superior aos da alta definição atual, a U-HDTV é a proposta da NHK, a TV estatal do Japão, para levar as melhores imagens a ambientes profissionais e de entretenimento coletivo. O tamanho dessas imagens pode chegar a 11 metros de diagonal.

TV SOBRE PROTOCOLO IP (IPTV)

É a fusão mais completa e promissora da internet com a televisão. Sua expansão depende da disponibilidade de redes de banda larga, não apenas para a popularização da TV de alta qualidade na internet (muito além do YouTube e do projeto Joost), mas para economizar e racionalizar o uso das freqüências nas transmissões atmosféricas de TV aberta e aproveitar até a capilaridade das linhas telefônicas, usando técnicas de linha digital de assinante (DSL, na sigla em inglês).

TV TRIDIMENSIONAL (TV3D)

Ainda é pouco mais do que um sonho, embora as indústrias já trabalhem nesses projetos há mais de 30 anos. A Philips tem um modelo comercial que dispensa o uso de óculos, mas exige posicionamento frontal perfeito do telespectador. A Samsung e a NHK têm modelos que exigem o uso de óculos especiais.

TV EXTRADELGADOS

São a grande sensação do consumidor, com aparelhos que não chegam a 2 centímetros de espessura e os componentes eletrônicos embutidos nos bordos. Com certeza, no Brasil, elas serão chamadas de fininhas ou superfinas.

MONITORES GIGANTES DE PLASMA OU CRISTAL LÍQUIDO (LCD)

Estão na moda. Com a evolução da tecnologia, surgem televisores e monitores com mais de 70, 100 ou mesmo 150 polegadas de diagonal. Nessa corrida, a tecnologia de plasma reagiu de forma surpreendente e superou em tamanho e qualidade de imagem sua concorrente, de cristal líquido. O mais sugestivo para o consumidor é a queda contínua e acelerada dos preços.

OLEDs

São a nova atração das novas telas ou monitores de diodos emissores de luz orgânicos (OLEDs). A beleza e a luminosidade das imagens despertam paixões à primeira vista. A tecnologia dispensa luz de fundo (backlight). Os monitores e TVs disponíveis ainda são pequenos – com imagens de 11 a 23 polegadas de diagonal – e caros. O primeiro a ser lançado, da Sony, de 11 polegadas, custa US$ 2,5 mil (cerca de R$ 4.250).

TV A LASER

É a promessa da Mitsubishi e, talvez, de outras empresas. As raras demonstrações feitas no Consumer Electronics Show, de janeiro, e agora, no NAB Show, ambos em Las Vegas, mostram o potencial extraordinário da tecnologia de projeção da TV a laser. Um pequeno televisor no formato de uma caixa de 20x8x8 centímetros pode projetar imagens de alta definição, por meio de três canhões de laser (azul, verde e vermelho) numa parede com 5 metros de diagonal, com cores, brilho e contraste notáveis, até mesmo ao ar livre, ao sol do meio-dia.

TV MÓVEL

Começa a chegar aos veículos e celulares, nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, alavancada pela terceira geração (3G) da telefonia sem fio e redes WiMax.

DVD BLU-RAY DE ALTA DEFINIÇÃO

Depois de ganhar a disputa com os HD-DVDs da Toshiba, espalha-se pelo mundo, puxado pelas vendas explosivas do videogame PlayStation 3 da Sony.

MINICÂMERAS DE VÍDEO DIGITAL

De qualidade profissional, são a novidade dos maiores fabricantes. O armazenamento deverá ser em memórias de estado sólido, de 20 a 100 gigabytes.

Além disso tudo, videojogos com imagens de alta definição e 3D começam a chegar ao mercado e o turismo virtual e cinema tridimensional nos home theaters deixam de ser grandes promessas para se tornar realidade em menos de dois anos.’

 

***

Grande tendência é desmassificar, diz Toffler

‘´Estamos vivendo neste início do século 21 o momento de reversão do processo de massificação que caracterizou a segunda onda, a da revolução industrial. Tudo naquela fase visava à produção em massa. Os sociólogos criaram a expressão Sociedade de Massa. Os meios de transporte passaram a ser conhecidos como meios de transporte de massa. Os meios de comunicação, como comunicação de massa. E a educação virou um simulacro das fábricas, das linhas de produção industrial, com trabalhos repetitivos, para preparar os garotos para uma vida inteira. Em muitos casos, essa ainda é a educação que temos em todo o mundo.´

Essa é a visão de Alvin Toffler, em resposta a uma pergunta que lhe fiz, acerca do desafio da educação e do processo de desmassificação nesta fase do desenvolvimento humano. Autor de livros de sucesso mundial como O Choque do Futuro, A Terceira Onda, Mudança de Paradigmas e Riqueza Revolucionária, o famoso visionário e futurólogo foi um dos palestrantes mais aplaudidos do NAB Show 2008, em companhia de sua esposa, Heidi Toffler.

Falando aos jornalistas e participando de um longo debate com ao auditório na quarta-feira passada, em Las Vegas, Alvin Toffler recordou alguns de seus conceitos básicos, como os das três ondas (Sociedade Agrícola, Sociedade Industrial e Sociedade do Conhecimento). Um dos pontos fundamentais de sua revisão é o da necessidade de desmassificação.

´Pessoalmente, não tenho dúvida: a Sociedade Industrial está no fim. Estamos vivendo intensamente a Terceira Onda, que transforma continuamente a economia e a sociedade, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Estamos vivendo um intenso processo de desmassificação.´

Mas o que significa desmassificar? O mundo de hoje nos mostra muito mais estilos de vida, muito mais estruturas de famílias, muito mais esportes, muito mais diversidade de entretenimento, de trabalhos, de profissões e de indústrias que trabalham para produções de nicho. Isso tudo se reflete até nos meios de comunicação, nas revistas, rádios, jornais e televisão – que passam a se dirigir, cada dia mais, a segmentos, a grupos de indivíduos e não à massa de toda a sociedade.

´A comunicação deixou de ser homogênea, dirigida a toda a população´, relembra Alvin Toffler. ´Essa tendência não se reflete apenas na mídia, mas em toda a infra-estrutura social. Chamo a isso a ascensão do ?prossumer?, neologismo que cunhei para definir o produtor e consumidor ao mesmo tempo. E note que há uma fronteira difusa entre produção e consumo em muitas atividades.´

Alvin Toffler relembra o caso da fotografia, em que dependíamos da aquisição de filmes, de revelação numa loja distante, e, muitos dias depois, as cópias e ampliações encomendadas. Que mudança, com as fotos digitais, em que o cidadão faz quase tudo sozinho e obtém o resultado imediato, sem gastar quase nada, e com a possibilidade de enviar dezenas ou centenas de cópias pela internet. Ou ainda os novos aparelhos que nos permitem monitorar pressão e batimentos cardíacos, em lugar de ter de fazer visitas freqüentes ao médico ou ao hospital. Fazemos um pouco do trabalho do médico. Eis aí a mudança dos ?prossumers?.

O crescimento do volume de informação produzida a cada ano no mundo é algo que impressiona, segundo os dados citados por Alvin Toffler. Em 2006, o mundo produziu 161 exabytes de informação, aí incluídos voz, dados, programas de rádio, imagens, textos, gráficos, filmes, vídeo, mensagens da internet (exceto spams).

Mas o que significam 161 exabytes? Significam o equivalente a 3 milhões de vezes o conteúdo de todos os livros já escritos na história do mundo. Se postos um sobre o outro, esses livros corresponderiam a 12 pilhas de livros cobrindo a distância da Terra ao Sol, ou uma média per capita de 24 gigabytes (GB) para cada um dos 6,58 bilhões habitantes do planeta. Mais impressionante é a velocidade do crescimento desse volume de informação. Assim, em 2010, serão 988 exabytes, ou quase um zettabyte, equivalente a 75 pilhas de livros cobrindo a distância da Terra ao Sol, ou uma fatia de 150 GB para cada habitante da Terra.

Alvin Toffler dá outros números impressionantes sobre anúncios classificados, mensagens publicitárias de todos os tipos, notícias, relatórios e conversações telefônicas via celular em todo o mundo: ´Imaginem o impacto global desse volume diário de informações que circula entre os 3,4 bilhões de celulares existentes hoje no mundo.´

Alvin Toffler tem uma das taxas de acerto mais elevadas em suas previsões sobre o futuro. Seu primeiro livro de sucesso – O Choque do Futuro – foi publicado em 1971. A Terceira Onda surgiu em 1980. A maior parte de suas previsões e análises, feitas em ambos os livros, ainda têm grande atualidade.

Como foi possível acertar tanto? Toffler diz que sua análise não se baseia em simples tendências, que são critérios muito superficiais para uma boa previsão do futuro da humanidade. ´Viajamos – eu e Heidi – por muitos países, e temos tido contatos com as mais variadas culturas. Nessas viagens, conhecemos gente muito inteligente e procuramos aprender com elas.´’

 

NORTE
Francisco Quinteiro Pires

Um folhetim sobre histórias humanas e sem-vergonha

´Quem sabe até o ´senhor` e a ´senhora` aprendam coisas interessantes sobre sexo, solidão e carência.` Com essa frase, um grupo de seis prostitutas de Porto Alegre apresenta a história fictícia da colega Fran. A terceira edição da revista Norte – Cultura no Sul do Mundo (34 págs., R$ 3,50) traz um capítulo do folhetim que esse sexteto, coordenado pela psicóloga Maíra Brum Rieck e pela jornalista Rosina Duarte, escreveu: Mariposa – Uma Puta História.

Elas não estão apenas se entendendo quando pretendem criar uma novela que se baseia inevitavelmente em suas experiências. Estão preocupadas com os leitores que vão encontrar: eles podem até ´se sentir mais calmos quando souberem que tem muita gente com fantasias iguais às deles´.

Porto Alegre tem 10 mil prostitutas. Embora trabalhem nas ruas, a sociedade pretende torná-las invisíveis, segundo Maíra Brum Rieck e Rosina Duarte. A atitude é de condenação. O que não se entende tem de ser diminuído. O trabalho que Maíra e Rosina realizam – Folhetim: Histórias Sem-Vergonha – é um ataque à ignorância e à discriminação.

A hora é de esclarecimento. E, uma vez que a sociedade desautorizou o discurso das profissionais do sexo – para empregar o politicamente correto -, o jeito é lhes dar voz por meio de uma oficina de escrita: elas contam suas histórias, com as quais pode haver identificação. Fala-se de uma verdade por meio da ficção. Elas estão desempenhando um dos papéis da literatura: o registro de histórias, sobre as quais se realiza inevitável reflexão, pode humanizar os homens.

A natureza humana deixa de ser um espesso mistério para se transformar em algo aceitável, porque humano, e não anômalo, degradado, corrompido. Como dizem Maíra e Rosina, a civilização foi ´(de)marcando e remarcando esses limites móveis, os valores que confirmam o modo de ver o mundo´. Segundo elas, esse papel de escolha e exclusão é hoje exercido pelos meios de comunicação de massa, que prescrevem qual discurso será o verdadeiro. O efeito colateral: a asfixia do espírito crítico.

O projeto pretende registrar para a posteridade um outro ponto de vista – as coordenadoras dizem que os historiadores do futuro não podem depender somente de jornais e programas de televisão. A intenção é criar um ângulo para ver aquilo que é marginalizado na humanidade. E lembrar a frase de Terêncio repetida pelo filósofo alemão Karl Marx: nada do que é humano me é estranho.

OS CAUBÓIS E O CAPITÃO

Outro destaque é um artigo, assinado pelo jornalista Vitor Necchi, sobre a proximidade do Capitão Nascimento (Tropa de Elite, do brasileiro José Padilha) e os dois caubóis de Brokeback Mountain (do taiwanês Ang Lee). Ele faz um paralelo entre os três personagens, que exercem papéis associados à masculinidade: vaqueiro e policial.

O trio foi protagonista de dois filmes que geraram um debate intenso na sociedade. Para Necchi, a diferença está na abordagem. Enquanto Tropa de Elite reforça uma visão maniqueísta, estimuladora da barbárie, numa sociedade extremamente violenta – uma lógica consagrada pela indústria cinematográfica -, Brokeback Mountain ´posiciona o homoerotismo em uma vasto espectro de discussão sem se valer de sujeitos estigmatizados ou leituras obtusas do desejo´. A estigmatização, ele lembra, apareceu em muitas produções hollywoodianas. O jornalista classifica Tropa de Elite de ´danoso´. A solução? ´Talvez o PM precisasse ir pescar em Brokeback Mountain para esfriar um pouco a cabeça.´’

 

BIN LADEN
Erich Follath

Retrato de família

‘O jornalista norte-americano Steve Coll, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer e ex-diretor do Washington Post, passou anos estudando a família de Osama bin Laden. E o resultado do trabalho está em Os Bin Laden: Uma Família Árabe no Século Norte-Americano, com lançamento simultâneo em todo o mundo (no Brasil, a tradução, de Verônica Papoula e Julie Krauniski, está sendo editada pela Globo). A obra oferece uma rara perspectiva do clã. E, durante a entrevista abaixo, Coll fala sobre onde o terrorista pode estar oculto, como seu pai montou um império e as ligações românticas perseguidas por um dos seus irmãos.

Recentemente, depois de um longo silêncio, Osama bin Laden voltou a ameaçar a Europa e exigiu a ´libertação` da Faixa de Gaza. O quão seriamente devemos acatar essas mensagens ? Elas indicam alguma coisa sobre ele ou sobre onde pode estar?

Há muito tempo, Bin Laden envia mensagens como essas, que se referem a fatos correntes. Não é difícil imaginar que ele está escondido em algum lugar na fronteira do Afeganistão, assistindo à TV Al Jazeera ou à CNN, e fazendo anotações para seu próximo comunicado. Acho que os comentários dele sobre a Europa são mais uma tentativa de chegar às manchetes, e foram feitos após ele saber que as caricaturas de Maomé estavam reimpressas. Mas podem ser também uma indicação de que ele farejou um complô se armando na Europa. Nos últimos dois anos, descobrimos conexões entre esses complôs e as bases da Al-Qaeda. As referências dele a Gaza são para mostrar, como sempre, que ele tem um papel nos eventos atuais. Osama quer mostrar que ainda está vivo e sabendo o que ocorre no mundo muçulmano.

O candidato à nomeação democrata para a presidência dos EUA, Barack Obama, acusa a administração Bush de ter sido negligente na caça a esse que é o terrorista mais procurado do mundo. Ele está certo?

Teria sido possível eliminar Bin Laden entre 1998 e 2001, antes do 11/9. Tínhamos agentes in loco na época e o ex-presidente Bill Clinton teve três oportunidades de atacar Osama. Numa das vezes, ele foi contra um ataque com míssil, porque não queria mortes de crianças. Depois, por imagem de satélite, se distinguiu um vaivém na base de Bin Laden perto de Kandahar. Provavelmente seria possível cercar o campo e arrancá-lo de lá. Mas, na ocasião, essas não eram as prioridades políticas. Mas, mesmo após o 11/9, surgiu outra chance. O próprio Bin Laden escreveu depois sobre o quão desesperada era a sua situação em um bombardeio contra a caverna onde se escondia, em Tora Bora, perto da fronteira com o Paquistão, em dezembro de 2001. No último minuto, ele conseguiu escapar. Se algumas tropas afegãs que avançavam com as americanas nas montanhas não tinham muito entusiasmo, ou estariam, na verdade, ajudando Osama, é difícil saber. De qualquer maneira, fomos negligentes em não enviar a 10ª Divisão de Montanha, especializada nesse tipo de combate e que, nessa época, estava no Usbequistão. Foi uma péssima decisão.

Onde está Bin Laden agora?

Estou convencido que ele está em solo paquistanês, e até me arriscaria a dizer onde: nas regiões montanhosas do Waziristão Norte, perto da cidade de Miram Shah. Bin Laden conhece a área como a palma da sua mão. Ela é controlada pelo clã Haqqani, na qual ele está enraizado. O exército do Paquistão não ousa entrar na região.

Você acha que ele está em algum campo da Al-Qaeda, de onde coordena as atividades do grupo?

Osama deve mudar constantemente, protegido por amigos, o que não significa que alguém não o trairá. E tem acesso aos meios modernos de comunicações, como TV por satélite. A região de Miram Shah, ao contrário do Afeganistão rural, é mais desenvolvida nesse aspecto do que nós, no Ocidente, supomos. Imagino que Ayman al-Zawahiri, seu vice, não está no mesmo lugar que ele.

Por cautela ou por razões táticas?

Provavelmente ambas. Mas, nos últimos dois ou três anos, os dois recuperaram tamanha confiança que participam juntos das shuras, as consultas em grupo entre as lideranças da Al-Qaeda. Não sabemos se o próprio Bin Laden emite as ordens para ataques terroristas. Mas, com certeza, ele tem conhecimento da maioria das operações da Al-Qaeda.

Boa parte do livro é dedicada à família dele e às suas origens. Por quê?

Acho que Osama bin Laden e as grandes contradições entre religião, tradição e modernidade no Oriente Médio, a inimizade em relação ao Ocidente de um lado e a atração por nossas idéias e modo de vida do outro, são mais bem compreendidos através do prisma desse clã.

Você vê a família Bin Laden como um clã terrorista? Ou trata-se simplesmente de uma família boa com uma ovelha negra famosa?

Em todo caso, é uma grande família. Osama tem 24 irmãos e 29 irmãs e os Bin Laden formaram um clã que sempre abraçou uma variedade surpreendentemente grande de ideologias – desde aquelas partilhadas por alguns dos seus membros bastante mundanos, como o bon vivant Salem bin Laden, um playboy, fã dos Beatles, até aquelas aceitas pelos seus fanáticos religiosos. Essa diversidade ficou evidente no fatídico dia (11 de setembro) nos Estados Unidos. Quando os terroristas arremessaram o avião da American Airlines seqüestrado contra o Pentágono, o meio-irmão de Osama participava de uma conferência de investidores no Ritz Carlton Hotel em Washington, a poucos quilômetros dali. A conferência era patrocinada pelo Carlyle Group, do qual tanto a família Bin Laden como a família Bush são acionistas.’

 

***

´Osama tem planos para a eleição nos EUA´

‘Na continuação da entrevista, o jornalista norte-americano Steve Coll, autor de O s Bin Laden: Uma Família Árabe no Século Norte-Americano , fala sobre a trajetória empresarial de Mohammed, pai de Osama, da sua relação com a família e da formação do líder da Al-Qaeda.

A família Bin Laden surgiu a partir de um poderoso patriarca.

De fato. O pai de Osama, Mohammed, foi um homem que venceu pelo próprio esforço e se transformou de simples filho de camponês, analfabeto, num multimilionário. Ele veio da inóspita Hadramaut, região pobre no sul da Península Arábica. Aos 14 anos, decidiu comandar o próprio destino. Em 1925, cruzou o Mar Vermelho e foi para o norte num barco de madeira repleto, perambulou faminto pelo deserto e chegou a Jeddah, então uma cidade sombria e minúscula. Mas o pai de Osama ignorou a pobreza e viu aí uma oportunidade.

O que Mohammed Bin Laden conseguiu fazer que outros não fizeram?

Ele havia visto aqueles assombrosos edifícios de tijolos de argila que seus camaradas sauditas construíram em Hadramaut. E queria tornar-se um construtor, derrubar casas e construir torres. Torres, e mais tarde aviões, iriam determinar o destino desta família.

Onde ele conseguiu o capital para iniciar seu empreendimento?

Ele dormiu dentro de buracos na areia, trabalhou numa loja para peregrinos, depois numa pedreira, cozinhou e poupou cada centavo. Abriu sua empresa em 1931 e logo depois entrou nos negócios de construção de casas. Na época do primeiro boom do petróleo, sua ambição, o trabalho duro e os bons contatos o tornaram o principal empreiteiro contratado pela família real saudita. Em breve, além dos altos edifícios, passou a construir barragens e estradas. E enriqueceu.

Muitos enriqueceram. Mas, a sua influência política, de onde veio?

Dinheiro não conseguiria mudar sua posição social na Arábia Saudita, apesar de ele ter ocupado até uma posição no gabinete de governo, em 1955. A família real apreciava sua honestidade e seriedade, mas nunca permitiria que suas filhas se casassem com ele ou com algum dos seus filhos. Se Mohammed quisesse garantir que seus filhos tivessem melhores oportunidades – e era o que ele mais desejava -, uma excelente educação era crucial.

Ele devia ter seus preferidos entre os 54 filhos das suas 22 mulheres. Osama era um deles?

Mohammed bin Laden divorciou-se cedo da mãe de Osama. Mas tudo leva a crer que era um modelo importante para Osama. Quando criança, ele acompanhava o pai a Meca e a Medina, onde Mohammed realizou um amplo trabalho de restauração, como o fez também na mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, local religioso importante. O pai de Osama era um homem devoto e esses projetos nos locais mais sagrados do Islã tinham enorme importância para ele. Mas ele não era um fanático. Era um homem cosmopolita. Foi um modernizador.

Como você pode afirmar isso?

Ele empregou cristãos e outros ´infiéis` em suas construções em Jerusalém, adquiriu vários Packard modernos dos Estados Unidos e foi o primeiro cidadão, na Arábia Saudita, a ter o próprio avião, cuja manutenção era feita pela TWA. Ele morreu quando seu avião, pilotado por um americano, caiu, em setembro de 1967.

Alguns dos irmãos de Osama foram educados no Ocidente ou em Beirute, cidade liberal na época; outros ficaram na Arábia Saudita. Osama não quis aventurar-se pelo mundo?

Ele visitou Beirute uma vez, mas aparentemente achou a vida ali mais hostil do que cativante. Às vezes assistia séries de TV americana, como Bonanza, outras vezes jogava futebol, mas sempre com calças compridas. Osama, porém, que era um menino mais tímido, seguia seu modelo, a figura paterna, em todos os lugares. Foi muito influenciado por um professor que promovia as idéias da Irmandade Muçulmana fundamentalista. A radicalização de Osama não era dirigida contra a família. Após a morte do pai, ele aceitou a autoridade do irmão Salem sem objeção, mesmo desaprovando os hábitos dele de beber, o estilo de vida mundano e a predileção por música ocidental. Mas, no início, o seu fervor revolucionário e religioso de modo algum se opunha às políticas da família real saudita, especialmente no caso dos seus apelos para ´libertar` Jerusalém e mais tarde, da luta contra os ocupantes soviéticos no Afeganistão, na qual ele se lançou com entusiasmo.

Os membros da família admiram Osama ou o vêem como um excêntrico?

Eles achavam estranhos a intensidade e o rigor com que Osama vivia a sua fé. Por exemplo, ele proibiu sua jovem esposa de beber com canudinho e os filhos de beberem na garrafa, pois achava que isso era antiislâmico. Mas não o viam, absolutamente, como um tipo sectário. Da mesma maneira que era comum nas famílias nobres européias, quando um filho optava pelo sacerdócio, eles também achavam normal que um de seus membros fosse ao encontro da religião.

Osama tornou-se mais do que isso.

Sim. Osama tornou-se radical em 1979, com o ataque dos islâmicos radicais à Grande Mesquita em Meca, a revolução iraniana e a invasão soviética do Afeganistão. Seu ego e sua ambição cresceram quando, na cidade paquistanesa de Peshawar, ele distribuiu dinheiro, a maior parte doada pela sua família, aos insurgentes afegãos, juntando-se depois aos Mujahedin na sua guerra santa.

Como a família manteve a separação entre Meca e o Ocidente?

Salem foi bem-sucedido como chefe da família e empresário. Sabia o quão importante eram as doações para o movimento de resistência afegão. A conselho de amigos americanos politicamente influentes, também ajudou a financiar a campanha da CIA no combate aos Contras na Nicarágua. E, mais importante, Salem bin Laden viveu seu sonho americano, que incluía casas de campo, carros e aviões particulares. Gostava de viajar e adorava cantar para uma platéia. Certa vez cantou uma música bávara numa Oktoberfest em Munique, depois de pagar US$ 2 mil em dinheiro para comprar um lugar na barraca de cerveja. Sua vida amorosa era especialmente extravagante.

Em que aspecto?

Ele tinha cinco namoradas favoritas: uma americana, uma inglesa, uma francesa, uma dinamarquesa e uma alemã. Um dia ele foi com todas elas a Londres, apresentou-as umas às outras e anunciou que queria casar-se com todas e a cada uma dar uma casa. A única condição era que deveriam estar sempre disponíveis – e manter suas respectivas bandeiras nacionais hasteadas em sua propriedade e um carro fabricado nos respectivos países à porta. Sonhava ter a própria Nações Unidas. A alemã deixou-o imediatamente, as outras fingiram não se interessar. Ele acabou se casando com a inglesa.

Mas Salem não conseguiu desfrutar de sua fortuna por muito tempo.

É verdade. Pouco tempo depois, em maio de 1988, decolou num avião ultraleve do Kitty Hawk Field of Dreams, em San Antonio e, embora fosse um piloto experiente, inexplicavelmente atingiu uma linha elétrica e caiu. Foi mais uma morte por avião, e mais uma vez ligada aos EUA. O irmão que assumiu a chefia da empresa, Bakr bin Laden, era um religioso moderado, um homem mundano e com experiência internacional.

Como ocorreu a ruptura entre Osama e o restante da família?

Osama encontrara um novo mentor na região de fronteira entre Afeganistão e Paquistão. Era Abdullah Azzam, estudioso palestino da Irmandade Muçulmana, e foi ele que o introduziu nos conceitos da jihad internacional. Novas armas, pagas com dinheiro saudita e fornecidas pelos EUA, viraram a guerra em favor dos mujahedin. Depois que as tropas soviéticas se retiraram do Afeganistão e ele retornou à casa, na Arábia Saudita, Osama começou a buscar novos projetos. Quando os iraquianos invadiram o Kuwait, em 1990, ofereceu à família real seus combatentes árabes para irem punir Saddam Hussein. Mas, para sua grande decepção, os governantes em Riad preferiram colocar suas esperanças nos americanos e permitiram que os EUA estacionassem um grande número de soldados na Arábia Saudita.

Mas a família Bin Laden não ganhou com esse acordo?

A empresa, sob a direção de Bakr, construiu uma pista de aterrissagem de helicópteros para o exército americano. Tudo isso foi demais para Osama: não só a humilhação com a rejeição do apoio oferecido, como os certificados de agradecimento que o general americano Norman Schwarzkopf entregou aos executivos do Bin Laden Group pelo seu ´inestimável apoio´. Osama endureceu o tom dos seus discursos políticos e levou suas quatro esposas e os muitos filhos para viverem no exílio no Sudão. Depois do primeiro ataque contra o World Trade Center, em 1993, quando ele e a sua organização, Al-Qaeda, passaram a ser suspeitos, a família o renegou oficialmente.

Todos os contatos foram cortados?

O primogênito de Osama, Abdullah, já abandonara o pai antes de ele se transferir para o Afeganistão e se envolver cada vez mais com o terrorismo. Mas sabemos que a mãe e outros membros da família foram a Kandahar para assistir ao casamento do segundo filho de Osama, Mohammed, em 2001.

Carmen bin Laden, cunhada de Osama que viveu na Arábia Saudita por muito tempo, disse ao Der Spiegel que ´a família nunca renegou Osama´. ´Nesta família, um irmão permanece um irmão, não importa o que tenha feito.` Você teria evidências apoiando essa afirmação?

Nenhuma evidência direta. Um dos membros da família, Saad bin Laden, está em prisão domiciliar em Teerã, suspeito de terrorismo. E existem transações financeiras do clã que são difíceis de traçar e, portanto, suspeitas. Mas não há nada concludente. Bakr bin Laden e a empresa globalizada da família dependem muito da aceitação internacional para manterem contato com Osama, não importa o que pensem a respeito. Depois da declaração de guerra de Osama contra os EUA, a família contratou um ex-jornalista do Wall Street Journal como assessor de relações públicas. E, salvo apenas um deles, todos os membros da família que viviam nos EUA deixaram o país após os ataques.

E hoje a família está espalhada pelo globo. Você poderia fazer um rápido resumo de onde estão?

Yeslam bin Laden garantiu os direitos sobre o nome da família para sua empresa Bin Laden Fashions. Abdullah é dono de uma agência de eventos em Jeddah. Hassan é um dos principais acionistas do Hard Rock Café do Oriente Médio. Outros membros da família financiam filmes em Hollywood, ou se tornaram proprietários de prisões privatizadas e de um aeroporto nos EUA. Bakr está disputando um contrato para a construção do prédio mais alto do mundo, em Dubai. E tem um relacionamento muito próximo com o príncipe Charles, George Bush, pai, e Jimmy Carter. Tem aulas de vôo e pilota ele próprio o seu jato privado.

E Osama…

É o matuto do país, o fundamentalista fanático como é visto também no Ocidente. Ele se considera um mestre dos desafios globais e suas tecnologias. Acredita, não de todo incorretamente, que usa a mídia moderna mais eficazmente do que seus adversários americanos. Privado da sua identidade saudita, considerado um jihadista internacional no seu país natal, Osama, como mostram suas últimas mensagens, se vê como um verdadeiro cidadão global.

Ele enviou uma mensagem aos candidatos em campanha presidencial nos Estados Unidos há quatro anos, pouco antes do dia da eleição…

E John Kerry (ex-candidato democrata à presidência) considerou esta uma das principais razões de sua derrota. Existe a ameaça de ataque terrorista em solo americano, que a Al-Qaeda promete há tempo. Osama está planejando alguma coisa para a eleição nos EUA.

Ele poderia prejudicar os democratas, considerados menos competentes quando se trata de combater o terror. Osama poderá ser a última esperança do Partido Republicano?

Este deve ser o ano dos democratas, a menos que ocorra um enorme desastre.’

 

Caio Blinder

Negócios prosperam apesar da ovelha negra

‘Esta é uma história das Arábias e também do Ocidente. Em Os Bin Laden: Uma Família Árabe no Século Norte-Americano, Steve Coll investe em palpitante narrativa sobre o clã Bin Laden para mostrar o choque, a conivência e as contradições no relacionamento entre o desértico reino petrolífero da Arábia Saudita e o império americano. Essas ambivalências explodiram na própria dinastia Bin Laden.

Poucos jornalistas ocidentais estão tão familiarizados para falar desta saga tortuosa como o veterano e premiado Coll, que trabalhou 20 anos no Washington Post e hoje, além de escrever na revista New Yorker, é presidente da New America Foundation. Um dos seus cinco livros anteriores é Ghost Wars (Guerras Fantasmas), sobre as operações secretas da CIA no Afeganistão, que contribuíram para a criação do monstro Osama, o chairman da multinacional terrorista Al-Qaeda.

Neste épico, o patriarca Mohamed Bin Laden era um adolescente miserável, caolho e analfabeto que chegou ao porto de Jeddah em 1925, vindo do Iêmen. Trabalhou como pedreiro para a companhia petrolífera americana Aramco e ergueu seu império empresarial, tendo quase um monopólio de construções no país, dos palácios da multidão de príncipes à reforma dos lugares santos de Meca e Medina.

O negócio proliferou pelo mundo, inclusive nos EUA. Do patrimônio do patriarca constam também 54 filhos legítimos de 22 casamentos, entre eles Osama, um dos sete nascidos em 1957. Coll capta as contradições na seguinte frase: ´Enquanto seus meios-irmãos investiam em telefonia celular em Washington, Osama usava a mesma tecnologia para atacar embaixadas ocidentais.´

Osama é a mais negra das ovelhas. Embora Coll não tenha conversado diretamente com ninguém do rebanho Bin Laden, ele montou o quebra-cabeça com sua pesquisa, fontes invejáveis e densa experiência jornalística. É uma história intrigante. Nada era inevitável na vida do puritano Osama. Ele poderia ter se transformado em um playboy, como vários de seus irmãos. No clã coabitam os cassinos de Las Vegas e as cavernas de Tora Bora. Há o islamismo moderado e o jihadismo radical, extravagâncias consumistas e delírios terroristas.

Salem, o varão de Mohamed bin Laden que assumiu os negócios com a morte do pai, em 1967, encarna várias contradições. Educado na Grã-Bretanha, ele mergulhou numa existência ocidentalizada e nababesca, sem abandonar as raízes islâmicas e sauditas. Sonhava casar com quatro mulheres ocidentais, mas não admitia o casamento da irmã com um italiano.

Em meio à permissividade de parte da família, Osama bin Laden se tornou o mais pio dos seus membros, uma espécie de compensação pelas indulgências materialistas de muitos meios-irmãos. Ele se tornou arrecadador de fundos e integrante das brigadas internacionais que ajudaram os rebeldes islâmicos que combatiam a ocupação soviética no Afeganistão nos anos 80, em esforços que contaram com a bênção e ajuda de sauditas e americanos.

Filho de mãe síria, Osama não era próximo do pai, mas Coll diz que ele herdou sua ´visão transformativa de ambição e de fé religiosa em um mundo sem fronteiras´. Deu em terrorismo jihadista global. Steve Coll sugere também que o rompimento de Osama com a família e com o establishment saudita só aconteceu depois da primeira guerra do Golfo Pérsico, quando tropas americanas chegaram ao país em resposta à invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990 (a empreiteira Bin Laden, aliás, ganhou muito dinheiro construindo instalações militares americanas). Sob pressão do governo saudita, Osama perdeu a participação nos negócios e foi repudiado pela família. Em seguida foi formalmente privado da cidadania saudita e, com a pressão de Washington, expulso do Sudão, retornando em 1996 para o Afeganistão.

Algumas irmãs talvez continuaram a passar dinheiro para Osama, mas, de acordo com investigações do FBI, ´não há evidência de cumplicidade da família em violência terrorista´. Após os atentados do 11/9, o embaixador saudita em Washington permitiu que um vôo fretado retirasse dos EUA um punhado de Bin Laden.

Existem muitas histórias de avião na saga do clã. O patriarca Mohamed e o varão Salem morreram em desastres aéreos (o último pilotando o aparelho acidentado no Texas em 1988).

E, em um detalhe sinistro, 5 dos 19 terroristas suicidas envolvidos nos atentados de 2001 foram recrutados na cidade na qual o pai de Osama morreu no acidente de 1967, em que o avião era pilotado por um americano.

Esta família disfuncional sobreviveu ao escândalo e ao terror perpetrado por um dos seus. Os negócios dos Bin Laden hoje prosperam na Arábia Saudita (país ainda aliado dos EUA, apesar de tudo) graças a um novo boom petrolífero, enquanto a ovelha negra continua escondida na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão.

Em uma dinâmica freudiana, o escritor tenta mostrar o impacto que a família exerceu na radicalização de Osama bin Laden. Sua mãe se casou com o patriarca quando tinha 15 anos e o divórcio veio quatro anos depois. O pai morreu quando Osama tinha 9 anos. Coll sugere que, isolado na aglomeração de meios-irmãos, Osama precisava se afirmar e sobressair. Conseguiu, mas bem que poderia ter sido nos cassinos de Las Vegas e não com aquelas torres gêmeas em Nova York.’

 

 

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