Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O Estado de S. Paulo

REPORTAGEM / AMAZONAS
Roldão Arruda

Repórter relata meses de procura a ‘homens invisíveis’

‘Em junho de 2002, o sertanista Sydney Possuelo embrenhou-se na floresta amazônica, na região do Vale do Javari, fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, para mapear uma área onde vivem grupos indígenas isolados, que não têm contato com não-índios. Passou três meses e meio na selva, durante os quais navegou mil quilômetros por rios e igarapés, andou a pé outros 273 e enfrentou problemas em série: da ameaça de ataques dos índios à falta de alimentos, sem falar na indesejada proximidade de jararacas, surucucus, porcos-do-mato.

A expedição era formada por 34 homens. Entre eles, três jornalistas: um fotógrafo e um repórter da revista National Geographic e o repórter Leonencio Nossa, da sucursal do Estado em Brasília.

Logo após deixar a selva, numa inesquecível tarde de setembro, clara e ensolarada, Leonencio produziu um alentado trabalho jornalístico sobre a aventura, publicado pelo Estado. E agora, passados quatro anos, retoma o assunto no livro Homens Invisíveis, da Editora Record.

Num tom ágil, de aventura, ele narra os bastidores da reportagem, as agruras dos expedicionários, afundados até as coxas nos lodaçais amazônicos, e os avanços na estranha missão de demarcar as terras de índios sem entrar em contato com eles – para evitar a transmissão de doenças.

Tudo era feito às pressas, como se estivessem numa guerrilha. ‘Cansados ou não os homens têm de reiniciar a caminhada a cada manhã, numa tática de guerrilha’, relata.

Material de reportagem não faltou. Quanto mais afundava no desconhecido, quanto mais era atacado por mosquitos e formigas, que provocavam inflamações, mais o repórter recorria às anotações nos cadernos – guardados em sacolas plásticas, para protegê-los da água das chuvas e dos rios.

‘Nas canoas, escrever é para mim mais que uma tarefa profissional. Anoto nos blocos atingidos pela umidade da floresta qualquer cena, mesmo aquelas sem importância, que dificilmente vou aproveitar. Escrever é manter o vínculo com o mundo lá fora, com a cidade’, conta.

Esse farto material lhe permite selecionar as melhores histórias, nominar cuidadosamente árvores, peixes, frutas, insetos e descrever cenas raras, como o cotidiano de uma tribo que escraviza outros índios. Ele também aproveita a convivência forçada com os homens da expedição – a maioria índios e ribeirinhos – para contar suas histórias, de suas famílias, e, por tabela, da colonização da região.

Se a aventura aparece em primeiro plano, o pano de fundo é a desastrada história do contato do branco com o índio – tratado na Europa até 1537 igual a macacos ou tartarugas, como relembra Leonencio: ‘Foi nesse ano que o papa Paulo III declarou que os índios eram homens.’

O extermínio dos quase 5 milhões de indígenas que habitavam a terra brasileira na época da chegada dos portugueses é pontuado aqui e ali, em conversas, textos de documentos, relatos e análises de outras pessoas que passaram pela região – Euclides da Cunha, Cândido Rondon, Theodore Roosevelt, Darcy Ribeiro e outros.

Ao falar dos índios matises que seguem Possuelo, o autor conta que somavam cerca de mil em 1970, quando tiveram contato com homem branco. Vinte anos depois já estavam condenados ao desaparecimento, com pouco mais de cem pessoas. Não desapareceram porque o governo proibiu a entrada de madeireiros, pescadores e caçadores na área onde viviam. Em 2002, eram 216.

De maneira discreta, Leonencio parece confirmar o pensamento que o sertanista e chefe da expedição repete a cada dia: ‘Quanto mais isolado na floresta, mais forte e feliz é o índio.’’

JORNALISTA PRESO
O Estado de S. Paulo

ANJ condena prisão de jornalista de Taubaté

‘A Associação Nacional de Jornais condenou a prisão do jornalista José Diniz Júnior, do semanário Matéria Prima, de Taubaté (SP), em função de artigo publicado em seu jornal. ‘A ANJ considera antidemocrática uma legislação que prevê privação da liberdade em função de expressão de opiniões’, diz nota assinada por Antonio Athayde, diretor-executivo da entidade.’

INTERNET
Kate Bulkley

‘Todo mundo vai saltar dentro do Second Life’

‘Philip Rosedale, fundador do mundo virtual Second Life, acredita que a sua companhia, a Linden Lab, está na vanguarda da próxima grande revolução da internet, a web de três dimensões (3D). Nesta entrevista, ele explica as suas idéias e a sua invenção.

Qual foi a motivação por trás do Second Life?

Minha formação é em física, muita matemática e programação de computador e sou particularmente interessado em caos, sistemas de caos, não linearidade e comportamento emergente. O Second Life (SL) é um desses fenômenos estranhos, em que cada nova peça de conteúdo o torna um pouco mais atraente. As pessoas acham que o nosso crescimento tem sido aperiódico e descontínuo, mas, se você observar o crescimento, ele tem sido uma curva perfeita, é orgânico e exponencial porque é um negócio de efeito de rede. Mas tudo precisa ser mutuamente visível porque, do contrário, não se teriam os efeitos de rede. Queremos mais visibilidade para despertarmos o marketing das empresas.

Mas marcas e estações de rádio e televisão querem controlar o ambiente onde está seu conteúdo ou sua marca.

Eu sei, mas isso nunca funcionou assim na internet. O que acho que acontecerá é que alguns anunciantes e empresas de mídia abraçarão esse ambiente e terão sucesso, e aí todo mundo vai saltar dentro.

O que vocês estão fazendo com o SL é um tipo diferente de experiência. A maior parte da mídia tem sido passiva, oferecida às pessoas como um produto acabado.

Porque isso é tudo que a tecnologia permitia. Mas olhe só os jogos. Não são experiências passivas e são muito mais envolventes. E olhe as respostas em vídeo aos vídeos do YouTube: são sinais de que as pessoas querem criar. Talvez um ponto mais elaborado é que a maioria de nós não é criativa porque o mundo não facilita. Na próxima fase da web, vamos usar tecnologia para tornar a criatividade mais fácil.

No SL, com o avatar que você cria, você pode andar, voar, dançar. Pode comprar imóveis, abrir loja, fazer amor. Pode cometer suicídio?

Claro. Você pode extingüir uma conta. Aliás, acho que alguém vai escrever um grande livro dramático sobre isso algum dia.

Fale sobre a tecnologia. O SL não funciona com o Vista…

Alguma coisa está quebrada no Vista e vamos descobrir. O verdadeiro desafio tecnológico é oferecer um mundo em 3D porque historicamente só os jogos usaram 3D. O que estamos dizendo é que o SL é a próxima rede mundial e por isso cada computador precisa fazer 3D com perfeição. Não chegamos lá. Provavelmente estamos a um ciclo de desenvolvimento de PC – 18 meses, portanto – distantes do ponto em que cada máquina com Vista ou Mac OSX seja capaz de rodar o SL.

Qual é o próximo grande passo para o SL?

Acho que a tecnologia de voz que estamos desenvolvendo é muito potente e transformadora. O grande problema é que leva muito tempo para imaginar como fazer as coisas no SL. Quando superarmos isso, acho que o SL será uma estrada mais suave que a própria Web.

Qual é a força de uma idéia como o SL? Você diz que ele será a próxima internet.

Se reconhecermos que o SL é uma grande idéia, significa que poderia haver caminhos de orientação diferentes para ele. Hoje existe apenas o que nós fornecemos, mas não vai ser assim no longo prazo. O que desejo mesmo ver é companhias desenvolvendo experiências orientadas por marcas melhores que as nossas.

O que uma coisa assim representaria para o seu plano de negócios?

Neste momento, a maneira como vocês ganham dinheiro é vendendo terra no SL – na verdade, um imposto territorial. Basicamente, trata-se de um jogo imobiliário no ciberespaço. Trata-se de um negócio imobiliário virtual, mas é um pouco menos abstrato do que muita gente sugere. O que nós estamos realmente vendendo é computação. Se você compra um pedaço de terra de 16 acres, que corresponde a cerca de quatro quarteirões urbanos, o que você está alugando é um processador.

Desde 2004 vocês têm permitido que as pessoas que ganharam dinheiro no SL, chamado dólares Linden, o convertam em dinheiro real. Vocês têm uma taxa de câmbio para o dinheiro real e o SL chegou a produzir seu primeiro milionário. De que maneira os mundos virtual e real começam a colidir?

O Produto Interno Bruto (PIB) do SL está agora em U$ 500 milhões, mas está crescendo. Ter nossa própria moeda faz sentido porque isso permite que as pessoas façam microtransações.

Você antevê isso? Quer dizer, comandar o SL é como dirigir um país independente?

Aprendemos um bocado sobre política monetária! Adoro isso. Nós reconhecemos que o PIB do SL está crescendo a uma taxa terrivelmente alta em relação às economias reais. Chamo isso de funções light de banco central. Adoraríamos encontrar um grande economista que quisesse se juntar a nós!

Você dirige uma economia real, mas ela é essencialmente uma ditadura, chefiada por você – como você é conhecido no SL – o ditador.

Sim, mas essa é uma questão sutil. Se um país estabelecesse um recorde de reintegração de posse de terras por nenhuma razão real, então isso ganharia tons de ditadura. Não fizemos isso. Nós não poderíamos desligar os servidores se ficássemos furiosos com alguém? Sim, poderíamos,mas não fizemos e acho improvável que o faremos porque isso colocaria em risco o que construímos.’

HQ
Jotabê Medeiros

‘Tintinólatras’ fazem festa planetária

‘No hall de entrada do Centre Belge de la Bande Dessinée, em Bruxelas, um museu dedicado exclusivamente aos quadrinhos, o foguetinho xadrez de Tintin na Lua está estrategicamente apontado para o alto do edifício art nouveau concebido pelo arquiteto Victor Horta. A homenagem não acontece por acaso: Tintin, o jornalista que nunca escreveu um artigo, é o maior herói belga, criado por um conterrâneo, o cartunista Georges Rémi, o Hergé. O autor nasceu em 22 de maio de 1907 e morreu em sua casa em Bruxelas em 1983. E Tintin na Lua é um dos seus maiores clássicos (aventura que se antecipou 19 anos à viagem da Apollo 11).

O centenário do nascimento de Hergé é um pretexto para uma nova explosão da tintinolatria no mundo todo: a Fundación Juan March, de Madri, exibe até o dia 27 a obra Tintin Lendo (1993), de um dos papas da pop art, Roy Lichtenstein. Outro grande artista dessa corrente que também tinha uma queda pelo Tintin era Andy Warhol, mas a famosa ‘linha clara’ de Hergé não passou despercebida a Hockney e Wesselmann.

Em entrevista ao El País, Juan Manuel Bonet, ex-diretor dos museus Reina Sofia e IVAM, comparou Hergé ao surrealista René Magritte, também belga. ‘Em sua forma de representar o mundo se fundem a gravura japonesa em madeira, o art déco, o realismo mágico, a metafísica e um sentimento purista da geometria’, disse Bonet, que foi além. ‘Há uma linha clara na pintura britânica que conduz de (Patrick) Caulfield ao hoje famosérrimo Julian Opie, passando por Michael Craig-Martin. Todos eles tintinescos’, analisou.

Mas não só nas artes visuais se fez a fama de Hergé e Tintin. Fãs, o personagem tem em todos os continentes: personalidades como David Bowie, Charles de Gaulle e Steven Spielberg – este último acaba de adquirir os direitos de filmagem do herói diretamente com a viúva, e os estúdios Dreamworks se preparam para levar a empreitada às telas em dois anos (com atores de carne e osso?).

As aventuras de Tintin compõem, na opinião de diversos estudiosos, um dos painéis mais completos do século 20, um mosaico de referências identificáveis: objetos, edifícios, meios de transporte, paisagens e referências políticas (algumas delas duramente questionadas) formam a visão que Hergé transferiu às gerações posteriores.

Muitas dessas referências foram reconhecidas como fiéis à realidade. Por exemplo: o ano passado, o dalai-lama passou por Bruxelas e concedeu o prêmio Luz da Verdade à Fundação Hergé, comenda que serve à causa da Campanha Internacional pelo Tibete e distingue aqueles que contribuíram para uma melhor compreensão da problemática daquele país.

Mas o autor também foi acusado de racismo e colonialismo, por reafirmar em alguns dos seus álbuns (especialmente Tintin no Congo e Tintin au Pays des Soviets) visões ‘estereotipadas e preconceituosas’ da realidade, segundo alguns críticos.

Ao contrário do seu espevitado personagem, Georges Remi, o Hergé, viveu uma vida bem pouco aventuresca em Bruxelas. Sua existência foi marcada apenas por dois ou três sobressaltos excepcionais, entre eles a traumática separação da primeira mulher, Germaine Kieckens, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.

Segundo escreveu Nicholas Lezard no Guardian, embora Hergé tenha se inspirado no código de honra dos escoteiros para criar a ética de Tintin, o autor, ‘em um lance de gênio, deu como parceiro a Tintin o alcoólatra, fumador de cachimbo e boca-suja contumaz Capitão Haddock.’

Tanto o underground cartunista francês Jano quanto o escatológico brasileiro Marcatti confessam influência de Hergé. As aventuras do seu herói formaram gerações de leitores. E tudo começou no dia 10 de janeiro de 1929, uma saga que já vendeu mais de 200 milhões de exemplares. Para comemorar os 75 anos do personagem, o Banco Nacional da Bélgica imprimiu uma moeda de 10 euros com Tintin e seu cãozinho Milu. É um culto que não cessa: agora, a cidade de Lovaina la Nova, a 20 quilômetros de Bruxelas, anuncia para 2009 a abertura de um novíssimo Museu Tintin.

Ao contrário de certos autores de HQs que nos fizeram tão bem no passado (e hoje continuam a fazê-las de forma canhestra), Hergé deixou claro que sua obra gráfica estaria encerrada após sua morte e ninguém estaria autorizado a criar novos álbuns.

Mas quem quer novos álbuns? A reedição das aventuras completas do repórter intrépido pela editora brasileira Companhia das Letras mostra que o mundo que Hergé imaginou é cada vez mais fascinante – e seus mistérios insolúveis ainda enredam as novas gerações. No fim deste mês, chegam às livrarias mais três álbuns: As 7 Bolas de Cristal, O Templo do Sol e Tintin no País do Ouro Negro. Cada álbum custa R$ 34,50, todos têm tradução de Eduardo Brandão e o leitor, conduzido pela curiosidade de Tintin e o faro apurado de Milu, vai viajar pelo Peru, pelas selvas amazônicas, saltar de um navio chamado Pachacamac e embarcar em um petroleiro no Oriente Médio, em Khemed.’

TELEVISÃO
Beth Néspoli

Nova linguagem para Qorpo Santo

‘O teleteatro que vai ao ar hoje, às 21 horas, na TV Cultura, cumpre plenamente o objetivo do programa Direções, por um Novo Caminho na Teledramaturgia: ser um ‘laboratório para novas linguagens’. Assim foi definido esse projeto, co-produção da Cultura e do Sesc-TV, e tem orientação artística de Antunes Filho. Até o dia 19 de agosto, 16 diretores atuantes no teatro paulistano vão criar teleteatros, exibidos sempre aos domingos. Nada de teatro filmado, mas, sim, uma linguagem feita para a TV que escape dos clichês da atual ficção televisiva e incorpore, à telinha, o risco e a pesquisa de temas e estéticas características de uma vertente do teatro paulistano.

Pois o melhor do teatro está presente, retrabalhado em linguagem de TV, no programa Hoje Sou Um e Amanhã Outro, criação de Georgette Fadel, sobre texto do gaúcho Qorpo Santo, o terceiro da série. A ousadia começa pela escolha do autor, José Joaquim de Campos Leão (1829-1883). Pai de seis filhos, professor, enlouqueceu e passou quatro anos, de 1864 a 1868, na Casa de Saúde Doutor Eiras, no Rio. Em 1870, de volta ao Sul, abriu uma gráfica e publicou Seis Meses de Huma Enfermidade, espécie de enciclopédia com artigos, poesias e as 17 peças que escreveu no período de internação. Como a própria Georgette define no ótimo making of que antecede o teleteatro, como Bispo do Rosário e Stella do Patrocínio, Qorpo Santo ‘pirou’ e, ao ultrapassar as fronteiras da lógica e mergulhar no inconsciente, contribuiu para iluminar o mundo da consciência.

A ousadia não pára aí. Segue nos enquadramentos (uma câmera inclinada acima das cabeças, por exemplo, valoriza e dá comicidade à massa de soldados que fala ao rei), se faz presente na movimentação dos atores (esses mesmos soldados formam um desenho geométrico que se move em bloco e remete à massificação dos comportamentos); na iluminação (é primoroso o jogo de luz e sombra, logo na primeira cena); nos figurinos alegóricos e nas interpretações (destaque para a entrega e a técnica de Paschoal da Conceição e Claudia Missura).

Georgette brinca com a linguagem, e com o distanciamento brechtiano ao revelar os ‘recursos’ da criação, como deixar visíveis os câmeras. É muito feliz a cena de desnudamento do rei. Em ótima interpretação, Paschoal, o rei, chora pelas vítimas de uma guerra que ele ‘tem de fazer’, como soberano que é, por dever de Estado. A cena passa de colorida a preto-e-branco e o rei é desmascarado (impotência é só disfarce para covardia e apego ao poder) pelo ‘rap’ dos atores do Núcleo Bartolomeu.

Em O Credor da Fazenda Nacional, espetáculo que reunia três peças de Qorpo Santo sob direção de Georgette, ela já havia mostrado ser capaz de revelar o melhor desse autor. E repete a proeza, com pleno êxito, no teleteatro que o espectador verá hoje à noite.’

Leila Reis

Guerra dos sexos

‘Uma guerra dos sexos está em curso na TV. De um lado, o empresário Antenor Cavalcante (personagem de Tony Ramos em Paraíso Tropical) levanta a bandeira dos machos e decreta: ‘Mulher que trai é vagabunda, homem sempre traiu’, ao flagrar a ex-mulher na cama com o namorado.

Do outro, a pianista Eva Sullivan (Malu Mader, em Eterna Magia), que maltrata meninos na infância e, na vida adulta, justifica com escárnio sua impressão sobre o sexo oposto: ‘Os homens não passam de brinquedinhos’.

Nesse contexto não se pode acusar a Globo de parcialidade. Seus generais em ambos os lados da batalha dos sexos equilibram suas forças. O contemporâneo Antenor e Eva (dos anos 30) são arrogantes na mesma proporção e concentram os piores clichês.

Muito sidneysheldonianos, Antenor e Eva são poderosos, ricos e ególatras o suficiente para tratar o mundo como seu capacho. E perdem a cabeça se a correnteza do rio não seguir conforme seu desejo. A relação com o outro sexo é o emblema. Por mais que esteja desgastado o termo, cabe dizer que os dois coisificam o outro, encaram-no como posse, desrespeitam.

Sabemos que em algum momento os dois vão sucumbir ao amor, afinal se trata de novela. Mas até lá uma boa parte do público vai se horrorizar e outra regozijar-se com as atitudes das personagens. Não é função da ficção fazer as vezes de espelho?

A explosão machista de Antenor – amante contumaz de mais de duas mulheres desde o começo da novela – diante da ‘traição’ da ex (em interpretação soberba de Tony Ramos) incomodou e agradou diferentes platéias. Muita coisa evoluiu neste milênio, mas há neste País muitos partidários da visão de Antenor sobre a mulher e, felizmente, uma parcela importante que se choca com ela.

Eva é o Antenor de saias, com o agravante de talvez ser mais cruel: vai passar a perna na irmã Nina (Maria Flor), tomando-lhe o noivo (Thiago Lacerda). A personagem de Malu Mader é o motor da novela que começou com 30 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo).

Assim como O Profeta, que encerrou carreira com média de 37 pontos, Eterna Magia lança mão do sobrenatural. Algumas das mulheres descendem de Valentina O’Connan, nascida na Irlanda no século 17 e criada no Brasil, que têm o dom da magia, entre elas, Nina e Eva. A novela tem o luxo de usar o best-seller Paulo Coelho como figurante, como o Mago Simon, que aparece entre brumas para dar avisos às valentinas, nome das bruxas de Serranias.

A mbientada no interior de Minas Gerais, Eterna Magia é um descanso para os olhos nessa overdose de Copacabana que inunda o vídeo. Com cenários e figurinos bem cuidados, Eterna Magia tem elenco de novela das oito. Eliane Giardini, Osmar Prado, Cássia Kiss e Giulia Gam, desaparecida da TV há anos. E Irene Ravache cujo amor à arte é maior do que a vaidade. Ela está maravilhosa no papel de mulher acabada, que não consegue aceitar o fato de ter sido trocada pelo marido por outra mulher. Marcada pela rejeição, a personagem de Irene aparenta ser dez anos mais velha do que a grega Katina, de Belíssima. Mas o show mesmo é de Malu Mader, que finalmente foi desobrigada de carregar a mocinha da história e tem a chance de abraçar uma boa bruxa malvada.’

Bruna Fioreti

O mouse é seu controle

‘Um dos passatempos preferidos do consultor jurídico Paulo Ragassi, de 44 anos, é ver TV. Só que pela internet. A imagem pode não ser exatamente um primor, mas essa modalidade de televisão tem ao menos uma vantagem: permite ao público interagir. ‘O mais interessante para mim é poder ver notícias e comentar no chat na mesma hora’, conta o advogado. Ragassi usa a internet para trabalhar, se informar e se divertir. E sempre que pode, garimpa vídeos antigos no You Tube para ‘relembrar os velhos tempos.’ (veja no rodapé uma seleção de vídeos do You Tube, todos relacionados a imagens da televisão)

Por nostalgia ou curiosidade, como ele, cada vez mais gente acessa a internet para assistir à televisão de um jeito novo. Os cerca de 32 milhões de internautas brasileiros passam mais de 20 horas por mês conectados – tempo suficiente para se cansar de tanto ler e começar a procurar vídeos. Fora a febre do You Tube, que ganha público com a quantidade e diversidade de vídeos disponibilizados de graça, há outras modalidades que crescem na internet. Uma delas é a webTV.

As mais conhecidas são as versões online dos programas convencionais, oferecidas nos sites das emissoras, como o Globo News, por exemplo. Mas aumenta a produção específica para a web. A primeira TV online a fazer conteúdo ao vivo praticamente em tempo integral foi a All TV, idealizada em 2002 pelo ex-diretor de núcleo da Rede Globo Alberto Luchetti. Apenas nas madrugadas a programação é gravada. A AllTV tem um acordo para reproduzir um compacto da TV estatal venezuelana.

O canal já teve de tudo, de telejornal a novela. ‘Nosso carro-chefe é o jornalismo, temos pelo menos 9 horas de informação por dia, além disso fazemos os programas de entretenimento’, diz Luchetti.

Mas e a qualidade da imagem? O dono da AllTV garante: se você turbinar o som de seu computador e colocar a imagem em tela cheia, a televisão na web não perde em nada para a normal. Ele argumenta que só a webTV permite mesmo interatividade e, por isso, está bem à frente da TV, inclusive no modelo digital. ‘A situação da TV convencional e a da web é semelhante à que aconteceu com o rádio e TV na década de 40, só que com a vantagem de que a internet é necessária para as pessoas, então a webTV sai privilegiada’, diz Luchetti.

Programação ao gosto do freguês

Nos sites mais acessados do País, a TV online também tem conseguido audiência. Só que, nesse caso, o ponto forte são os vídeos on demand, aqueles que ficam disponíveis numa lista e podem ser acessados sempre que o internauta quiser. Cada um cria sua programação.

A Terra TV trabalha principalmente com essa modalidade, os vídeos on demand, de graça. Sustentada por publicidade e criada em 2001, a TV do site Terra tem jornais e transmite ao vivo alguns campeonatos esportivos.

No caso da TV UOL, a primeira transmissão ocorreu em 1997, ainda no início da internet brasileira. A diretora de conteúdo do UOL, Márion Strecker, conta que a idéia é oferecer variedade de programação, por isso disponibilizam conteúdo da Band News, comentaristas, melhores momentos de shows, esportes, entrevistas, etc. ‘A nossa produção é diária e em crescimento acentuado nos últimos 5 anos.’

Na onda das TVs online, todo mundo quer colocar seus vídeos na internet. Basta fazer uma busca para encontrar links como TV Caju, TV São José, TV Senado, TV Ao Vivo, GospelTV… Nesse meio está a ShowTV, criada em 2005 por Fernando Adão Santos, de Petrópolis, no Rio de Janeiro. O canal apenas terceiriza conteúdo de outros canais. ‘Não produzimos nada.’ Isso permite que a equipe tenha apenas 8 integrantes, ante os 50 da equipe do TerraTV e 150 da AllTV, que fazem conteúdo próprio.

Compilação de vídeos

A moda de criar televisões que ofereçam os links de programação ainda não foi esgotada. Pelo contrário. O alvoroço em torno do Joost, ainda em fase de testes, é porque o espaço pretende ser a mais completa fonte de conteúdo de TV na internet, com imagem de primeira.

Ainda sem acesso ao Joost, Rosa Freitag, internauta de carteirinha e mestre em Multimídia Interativa pelo Royal College of Art, vem usando outro site para buscar programação online: ‘Por enquanto, tenho visto programas no Efree.tv, onde dá para encontrar, por exemplo, episódios de séries que eu perdi na TV a cabo’, diz. ‘Hoje em dia, se você for esperto acha de tudo na internet, por isso eu acho que as TVs convencionais devem estar arrancando os cabelos.’

E como estão. Recentemente, a TV Globo notificou o You Tube por divulgar vídeos não autorizados. Mas os responsáveis pelo site alegaram que, incontrolável como é, a internet permite que, tão logo sejam retirados, os vídeos voltem a circular.

Controle de menos

A mesma liberdade vale para a webTV. Luchetti conta que, na AllTV, a mediação é mínima e se dá entre os próprios internautas que participam do chat. ‘Se uma pessoa faz um comentário desagradável sobre o apresentador, por exemplo, os próprios internautas dão bronca e excluem o cara da lista. A internet se auto-regula.’

Coisa de público jovem, o mesmo que acessa o You Tube. A All TV é vista em 90% por pessoas com menos de 50 anos, segundo o proprietário. Dessas, cerca de 85% pertencem às classes A e B. Cerca de 70% dos espectadores da Terra TV têm entre 18 e 54 anos.

Para Márion Strecker, quem faz TV na internet precisa considerar as peculiaridades de se trabalhar com esse público, acostumado ao computador, à interatividade e refratário a qualquer forma de controle. ‘A experiência de assistir vídeo no computador é bem diferente daquela de assistir vídeo pela TV. E não há um jeito único de navegar’, fala Márion.

Tudo leva a crer que o público quer mesmo é liberdade, diz Rosa Freitag. ‘Além da possibilidade de interagir, a TV na web te dá uma possibilidade de escolha muito grande.’ Para ela, a televisão vai continuar a ser preferência do público, pelo aparelho convencional, o computador, ou uma mistura dos dois. ‘O modelo dessa ‘caixa’ é o que menos interessa.’

Os canais

AllTV: os mais vistos são os programas de jornalismo. O forte da audiência se concentra a partir das 17h, quando começa a ser exibido o Fala Sério. Há um programa para o público GLS, exibido às segundas-feiras, das 21h às 22h.

TerraTV: o forte é o jornalismo e os esportes. Programação ao vivo no Terra TV 24 horas e vídeos de todos os assuntos disponíveis, incluindo reportagens de acontecimentos do dia-a-dia.

UOLTV: os mais procurados são programas de esportes, transmissões ao vivo e entrevistas com personalidades. Dá para assistir a reportagens do Band Sports e trailers de filmes.

Efree.tv: umas das opções para garimpar programação de TV convencional. Dá para assistir à TV de qualquer lugar do mundo clicando no ‘TVchannel’.

Sugestões

‘Para votar no Silvio Santos vocês devem marcar Corrêa, número 26’. Tinha de ser a campanha à presidência do Silvio. No YouTube, além do vídeo da campanha de 1989 (procure ‘Campanha de Silvio Santos’), veja ‘Silvio Santos caindo na água’, ‘Show de Calouros’ e ‘Silvio Santos e o bambu’, claro.

‘Ajuda eu, senta lá… Eu não me responzabilizo por vocês, vocês vão se machucar!’ Logo se vê a necessidade das Paquitas. Procure por ‘Clube da Criança’, programa da Xuxa na TV Manchete. Também vale ver ‘Meu Caozinho Xuxo’ e ‘Intimidade Xuxa’, Xuxa entrevistando ela mesma.

Falhas sempre ocorreram, mas agora elas vão parar na internet. Em ‘Erros ao Vivo’ e ‘Que Jornalismo é Esse?’ há um pot-pourri de falhas em telejornais. Não perca também o ‘Globocop flagra catacavaco’, ‘O Massacre da Uva Elétrica’, ‘Lilian Wite Fibe’ e ‘Tadeu Shimidt e o quase gol mil’.

Olha a Maria Joaquina aí ao lado. Se quiser também saber como está a Professora Helena, o Cirilo e todos os outros, procure por ‘Carrossel – A professora e as criancas 15 anos depois’. Para se divertir mais: ‘Didi Matogrosso’ e ‘Didi Maria Bethania’. E nunca é tarde para ver ‘Eu Vi o Zico’.

A MTV vetou, mas o Youtube colocou toda a briga de ‘João Gordo Vs Dado Dolabella’ lá. Na mesma linha, outro clássico: ‘Cajuru quase apanha’, com direito a Silvio Luiz apartando a briga. Em ‘Quércia e Brizola no Roda Viva’, Heródoto Barbeiro relembra as principais discussões do programa.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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