Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Estado de S. Paulo


MÍDIA & POLÍTICA
João Domingos e Felipe Recondo


Franklin, o poderoso conselheiro de Lula


‘O ministro da Comunicação de Governo, Franklin Martins, chega ao Palácio do
Planalto às 8h30, meia hora antes do chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Nesse intervalo de 30 minutos, organiza por ordem de importância o
noticiário do Brasil e do mundo, que ele já leu. Em seguida, sobe do segundo –
onde fica seu gabinete – para o terceiro andar, em que Lula despacha. Ali, os
dois comentam a repercussão diária das ações do governo e o que deve ser feito e
dito nas próximas 24 horas pelo presidente.


Essa é apenas a largada diária de uma relação que em um ano e oito meses
transformou o jornalista em um dos principais conselheiros de Lula. Franklin
nunca foi íntimo do presidente, mas, do ponto de vista político, está cada vez
mais próximo dele.


Se ao longo do dia a agenda prevê uma cerimônia pública com a presença de
repórteres, é preciso reafirmar – em tempos de retração econômica mundial – que
o Brasil não vai sentir a crise tanto quanto outros países. Ali, no primeiro
encontro matinal com Franklin, Lula já se prepara para enfrentar mais um
‘quebra-queixo’ e dar o recado que, no entender do governo, pode tranqüilizar o
País. ‘Quebra-queixo’ é aquela entrevista arrancada em um desorganizado ataque
dos repórteres ao entrevistado, com empurra-empurra, prisões e algumas
rasteiras. Muitas vezes um queixo sai machucado – daí o nome.


Desde que Franklin assumiu o cargo, em 29 de março de 2007, houve uma mudança
radical nas relações entre o governo e a mídia. Arredios ao extremo, o
presidente Lula e os ministros mudaram. E muito. ‘Desde que ele chegou, mudou a
comunicação externa e a interna. E o presidente ganhou um conselheiro de peso’,
admite Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete de Lula.


O próprio presidente avalia que o ministro mudou as relações entre o governo
e a mídia. ‘O Franklin trouxe para o governo a experiência de quem trabalhou nos
principais meios de comunicação do País. Claro que ajudou a melhorar as relações
entre governo e imprensa. Nós evoluímos, mas acho que a imprensa também
evoluiu’, disse o presidente ao Estado na sexta-feira. Hoje, Franklin
contabiliza uma entrevista a cada dois dias, seja nos ‘quebra-queixos’, o modelo
que considera mais eficaz, ‘porque a repercussão é imediata’, seja para um
veículo só ou para setores, como rádios, emissoras de TV, blogs e portais. Nas
viagens internacionais, Franklin conseguiu de Lula o compromisso de sempre falar
com os jornalistas brasileiros e também com os do país visitado.


No contato diário não há restrição quanto aos temas a tratar: da reforma
tributária à política partidária, dos assuntos internacionais ao pré-sal, da
educação ao impacto social das medidas econômicas e à forma como divulgá-las. O
jornalista tornou-se influente e os colegas, dentro e fora do Planalto, admitem
isso. É comum um ministro, de qualquer área, responder, quando indagado como foi
a reunião com o presidente: ‘Perguntem ao Franklin’.


O ‘conselheiro’ Franklin é conciliador ao montar as estratégias de
comportamento político e de comunicação do governo, mas não foge ao confronto,
quando necessário. Como no caso do debate interno sobre a Lei da Anistia, que
uma parte do governo quer rever e outra não – a revisão serviria para tentar
condenar os torturadores do tempo do regime militar (1964-1985). O jornalista
chegou a pôr o cargo à disposição, acompanhando o secretário de Direitos
Humanos, Paulo Vannucchi, por discordar que na prestação de informações ao
Supremo Tribunal Federal (STF) prevalecesse apenas a posição estritamente
jurídica da Advocacia-Geral da União (AGU). Acabou vencendo um meio termo:
seguirá a posição da AGU, mas os demais ministérios envolvidos no assunto também
darão seus pareceres.


A influência de Franklin pode ser sentida até em assuntos triviais. Em
novembro, Lula e seus ministros foram convidados para a partida de futebol entre
as seleções do Brasil e de Portugal, na reinauguração do Estádio Bezerrão, na
cidade-satélite do Gama. Franklin foi contra: ‘Dar mole para fotografias sobre
carros oficiais e notícias da presença de autoridades num jogo em que o grande
público ficou de fora para quê? É oferecer a cabeça de graça’, comentou, segundo
um assessor de Lula. Ninguém foi ao jogo. Nem mesmo o ministro do Esporte,
Orlando Silva.


Ao saber que o Estado faria uma reportagem procurando contar como se tornou
um ministro influente em tão pouco tempo, mesmo sem ter filiação partidária e
nunca ter sido ‘amigão’ do presidente, Franklin respondeu que não gostaria de
comentar um assunto que, pelo tema, o deixaria constrangido. ‘O convívio diário
com os meios de comunicação é muito importante para o governo. Acho que nunca
vamos equilibrar o jogo, mas é ruim ser goleado sempre por 4 ou 5 a zero. É
melhor perder por 3 a 2 ou 2 a 1. Meu trabalho se resume nisso.’


Concordou em falar sobre seu método de trabalho. Disse que procura estar
sempre ao lado do presidente nas viagens. Estando no local dá para sentir a
temperatura dos meios de comunicação, se, por exemplo, há queixas dos repórteres
com relação ao tratamento recebido. Outra utilidade das viagens: jogar conversa
fora com o presidente, uma vez que os percursos são longos e há tempo de sobra
para além dos despachos burocráticos, para comentários de filmes e de música e
até para pequenos desabafos.


Do alto do seu 1,94 metro, Franklin passa uma imagem sisuda, reforçada pelos
comentários políticos que fazia nas TVs Globo e Bandeirantes e na Rádio CBN, nos
oito anos e meio antes de se tornar ministro. Seu passado também remete a isso.
Líder estudantil, integrante do grupo que seqüestrou o embaixador Charles
Elbrick em 1969 e conseguiu, com isso, libertar 15 prisioneiros, entre eles José
Dirceu, Franklin treinou guerrilha em Cuba. Mas diz que foi um aprendizado que
serviu para quase nada. Por seu passado, não pode entrar nos EUA. Não lamenta
isso: ‘Nem os EUA nem eu deixaremos de ser o que somos por causa desse
episódio.’ Além dos contatos do presidente com jornalistas que fazem a cobertura
diária no Planalto, Franklin costuma receber repórteres em seu gabinete.
Conversa sempre reservadamente, o que no jargão jornalístico é chamado de off.
Repete o que durante oito anos fez a jornalista Ana Tavares, que assessorou o
então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e é considerada – por
Franklin também – o modelo ideal de discrição para saber passar informações
importantes, ajudar os jornalistas a sair de pistas erradas e ainda divulgar bem
o presidente.


Franklin é, pessoalmente, arredio às entrevistas no Palácio da Alvorada,
normalmente concedidas a um só órgão de comunicação e a um entrevistador. Gosta
mais da agitação dos ‘quebra-queixos’, das coletivas com muita gente, do
tumulto. Defende que a relação governo-imprensa tenha ‘características de
atividade cotidiana, como escovar os dentes, amarrar os sapatos, tomar banho.
São coisas que fazem parte da comunicação do governo com a sociedade’.


FRASE


Franklin Martins


Ministro da Comunicação de Governo


‘O convívio diário com os meios de comunicação é muito importante para o
governo’


‘Acho que nunca vamos equilibrar o jogo, mas é ruim ser goleado sempre por 4
ou 5 a zero. É melhor perder por 3 a 2 ou 2 a 1. Meu trabalho se resume
nisso’


Pesquisa sobre música brasileira teve de ser adiada


Ao entrar no governo, Franklin Martins teve de parar um trabalho sobre música
brasileira. Está levantando tudo o que foi gravado de 1902 para cá. O trabalho
abrangerá tudo o que foi feito em um século, de 1902 a 2002. ‘Tem,
principalmente, samba. E alguns jingles que fizeram história.’ Por coincidência,
o levantamento encerra-se no ano em que Lula foi eleito.’


 


LOBBY & PRECONCEITO
Gaudêncio Torquato


O lobby e o poder visível


‘O anúncio de que o governo pretende encaminhar ao Congresso, no primeiro
trimestre de 2009, um projeto para regulamentar a estigmatizada atividade do
lobby no País deve ser entendido como um processo de ajuste da articulação da
sociedade organizada junto à esfera político-institucional. Ou, em outros
termos, a tentativa de expandir os canais da democracia participativa. A
afirmação é passível de uma saraivada de críticas, pois o lobby carrega forte
conotação negativa no ambiente político, sendo associado a corrupção, tráfico de
influência, manipulação das estruturas governativas, enfim, apropriação de
fatias do Estado pelas forças que usam as armas do patrimonialismo, mazela de
nossa administração pública. Pincemos, para começo de conversa, a lembrança de
Bobbio de que a democracia é o governo do poder público em público, jogo de
palavras que aponta para a idéia de ‘manifestação, evidência, visibilidade’, em
contraposição à coisa ‘confinada, escondida, secreta’. Arremate do filósofo:
‘Onde existe o poder secreto há, também, um antipoder igualmente secreto ou sob
a forma de conjuras, complôs, tramóias.’


A intermediação de interesses privados junto à esfera pública não é,
convenhamos, um fenômeno contemporâneo. Faz-se presente em todos os ciclos
históricos, freqüentando, inclusive, os primeiros dicionários da política.
Rousseau, no Contrato Social, perorava sobre a oportunidade de cada cidadão
participar nos rumos políticos, garantindo haver ‘inter-relação contínua’ do
‘trabalho das instituições’ com as ‘qualidades psicológicas dos indivíduos que
interagem em seu interior’. Esse é o fundamento da democracia participativa,
pela qual os cidadãos e suas representações devem ser livres de coerção para
influir de maneira autônoma no processo decisório. De certa forma, o lobby bebe
nessa fonte. O ideário começou a ser conspurcado, à sombra do poder invisível no
interior recôndito do Estado, pela confluência de interesses espúrios e alianças
táticas entre máfias, grupinhos e castas que se alimentam da corrupção. Nesse
momento, o Estado moral soçobra diante do império imoral.


O rompimento dos diques éticos, vale lembrar, acentuou-se nas últimas
décadas, por conta da despolitização e da desintegração das fronteiras
ideológicas – características da política na sociedade pós-industrial -, que
inauguraram o tempo de administração das coisas em substituição ao governo dos
homens. A densidade ideológica da competição política tornou-se menos forte e o
cerco utilitarista em torno do Estado se expandiu, sob um novo triângulo do
poder: os partidos (menos contrastados sob o prisma doutrinário), a burocracia
administrativa e os círculos de negócios privados. Os lobbies, desvirtuando-se
do ideário original, tornaram-se sinônimo de interesses escusos e negociações
espúrias, que, em nossa história mais recente, plasmaram monstrengos e expuseram
escândalos. Ao lado desses desvios se constata, porém, saudável movimentação da
sociedade organizada. O ponto de partida para um novo ordenamento social foi a
Constituição de 1988, que abriu os pulmões da sociedade, incentivando a formação
de entidades e movimentos. A respiração social propiciou a expansão de novos
centros de poder, que passaram a influenciar políticas públicas em diferentes
nichos temáticos. O arrefecimento dos partidos políticos, por sua vez, no fluxo
da alienação ideológica, tem induzido milhares de cidadãos a procurar refúgio em
núcleos que assumem compromissos mais consistentes com suas expectativas.


Neste ponto, convém destacar o encontro das águas limpas com as torrentes de
águas sujas. O joio misturou-se de tal forma com o trigo que, neste momento, a
tarefa de separá-los é quase impraticável. Diferentes tipos de interesse se
confundem e conflitam no epicentro das pressões e contrapressões, onde se
abrigam as duas cúpulas do Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, os
Ministérios, as autarquias e as sedes das Cortes do Judiciário. Nessa malha
imbricada, grupos protecionistas, de índole corporativa, reivindicam a
salvaguarda de situações e direitos adquiridos, enquanto setores antagônicos
tentam transferir uns aos outros ônus e encargos. O jogo é de soma zero. É comum
os lobbies contarem com a ajuda de grupos incrustados na máquina administrativa,
ali alocados por mando e indicação de partidos que formam a base aliada. Um
poderoso grupo atua dentro ou às margens do Estado. Situação típica é a das
centrais sindicais, que manobram as rédeas das relações de trabalho,
dificultando a flexibilização de regras e a adoção de medidas para aliviar os
efeitos da crise. Se a taxa de imobilismo governamental é alta, o fato decorre
da posição assumida por determinados grupos que agem para manter o status
quo.


Quando se divisa a proposta de legalizar o lobby, nos moldes praticados nos
Estados Unidos, a abordagem que emerge é a da transparência. Os lobistas terão
nome, endereço e farão uma articulação aberta, escancarando modos de atuação,
identificando grupos e coletividades representadas e a natureza dos interesses
envolvidos. O senador Marco Maciel (DEM-PE) luta, desde que presidiu a Câmara
dos Deputados, para regulamentar a atividade. Seu projeto abriga o registro dos
profissionais e a prestação de contas. O deputado Ricardo Zarattini (PT-SP)
também viu aprovado, há poucos dias, na Comissão de Trabalho, seu projeto sobre
a matéria. O marco regulatório sobre a intermediação de interesses grupais e
coletivos junto às esferas da administração pública virá formalizar uma prática
hoje informal. Diminuirá a taxa de corrupção, na medida em que desvendará o que
está por trás das máscaras dos interlocutores. Demandas gerais, difusas,
particulares, explícitas ou latentes, passarão pela lupa da mídia. A publicidade
das ações propiciará distinguir o justo do injusto, o lícito do ilícito, o
correto do incorreto, o oportuno do inoportuno, gato de lebre.


A democracia estará mais próxima do seu real significado: o regime do poder
visível.


Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor
político’


 


JORNALISMO CULTURAL
Daniel Piza


Melhores do ano (2)


‘No ano passado escrevi que o cinema brasileiro, por mais que ainda se tenha
preconceito contra ele, tem sido ‘variado e inquieto’, claro que me referindo ao
período que vem desde a retomada em 1994. Como exemplos de 2007, dei O Cheiro do
Ralo, Tropa de Elite, Mutum e O Passado, além de documentários como Santiago e
Jogo de Cena. Nenhum deles é uma obra-prima, nem ao menos uma grande obra,
embora o último – o documentário de Eduardo Coutinho – se aproxime bastante
disso. O mesmo se pode dizer neste 2008, exceto pela ausência de um documentário
desse porte. Meu Nome Não É Johnny, de Mauro Lima, Chega de Saudade, de Laís
Bodanzky, Estômago, de Marcos Jorge, Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela
Thomas, e o multinacional Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, bastam
como prova. Mas já não está na hora de uma reflexão que permita vislumbrar
filmes de nível mais alto?


Sim, trata-se de histórias urbanas de cunho tragicômico, lírico-nostálgico,
social-afirmativo ou apocalíptico, todas com bom apuro de produção, atuação e
cinematografia. Apesar de ter faltado também um bom filme não-urbano, como foi
Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), estamos certamente diante de uma safra
vigorosa. Atores como Selton Mello, João Miguel e Sandra Corveloni fazem
trabalho primoroso, sustentando boa parte de seus filmes com seu talento, e a
sensibilidade de Laís Bodanzky também não iria longe se não fosse a de Cássia
Kiss e Stepan Nercessian. Mesmo com problemas sérios, o filme de Meirelles (‘uma
parábola que mal deseja ser uma história’, na definição da New Yorker) tampouco
pode ser ignorado. No entanto, são poucos produtos bons nessa atividade
crescente – e nenhum rompe a barreira da correção.


O problema me parece ser que, por baixo da diversidade de temas e gêneros, há
ainda alguns travos comuns. O maior deles é certa demagogia sentimental. Do
ponto de vista técnico, Linha de Passe é o mais bem realizado dos filmes do ano,
mas também o que mais faz concessão a esse traço da cultura brasileira, a
consciência culpada, que sempre acena com um final feliz para nossa fratura
social desde que haja solidariedade entre as classes… Os outros filmes mal
fazem referência a isso, mas também sentem vontade enorme de acomodar o
espectador, de comovê-lo ou entretê-lo em vez de convencê-lo. O cinema
brasileiro ainda se divide exatamente entre filmes que fazem um discurso sobre
as mazelas e filmes que as encobrem com ação e humor – ou então absorvem
acriticamente uma linguagem de TV para ter escala comercial.


Realismo social e comédias personalistas, para resumir, dão o tom. Dilemas
individuais num contexto histórico, o que sempre foi hegemônico no universo das
narrativas, continuam raros. Não se filma, por exemplo, o drama de pessoas de
classe média de um modo que seja crítico sem ser ideológico; é como se só nos
interessassem a tragédia coletiva ou o escape subjetivo. Alice, a série de TV da
HBO, apesar também dos muitos problemas (como as situações forçadas e os
diálogos redundantes), pelo menos apontou para outro campo temático, com a
história de uma jovem goiana que se transforma ao viver dores e amores em São
Paulo. Ir além do binômio entre o cinema da culpa e o cinema da desculpa talvez
seja a abertura para ver Brasil e humanidade de forma mais complexa.


CADERNOS DO CINEMA


Não que o cinema mundial esteja muito melhor, que ainda se veja um Cidadão
Kane, Um Corpo Que Cai, A Malvada, Morangos Silvestres, Rastros de Ódio, A
Grande Ilusão, A Doce Vida, 2001, Lawrence da Arábia, O Poderoso Chefão… Sim,
estou citando meus dez filmes preferidos.


Em 2008, depois da safra do Oscar, com Desejo e Reparação, Onde os Fracos não
Têm Vez e Sangue Negro, tivemos até aqui pouco brilho. O Escafandro e a
Borboleta, de Julian Schnabel, foi certamente o mais criativo, principalmente na
primeira metade em que vemos tudo pelos olhos do paciente. Woody Allen fez Vicky
Cristina Barcelona, roubado por Penélope Cruz, e os irmãos Coen fizeram também
Queime Depois de Ler, que tem alguma coisa de Fargo e de comédias mais leves,
mas que não é nem tão inventivo nem tão engraçado. Rebobine, Por Favor, de
Charles Gondry, também tem passagens divertidas em meio ao besteirol, além da
ótima cena final, mas não tem um décimo da beleza e da atualidade de Brilho
Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Já Mamma Mia!, com Meryl Streep, é mais um
caso de filme desdenhado pela crítica e adorado pelo público, por seu
alto-astral e belo visual ao som de Abba. Ainda não vi Gomorra e outros filmes
elogiados; verei.


Como no mundo dos livros e dos CDs, reedições estão em alta: o ano viu saírem
DVDs de filmes há muito abandonados no Brasil, como O Conformista, de
Bertolucci, Era uma Vez em Tóquio e Pai e Filha, do genial Ozu, e mais
Mizoguchi, Glauber e outros clássicos, chatos ou não.


ZAPPING


A HBO também fez a melhor série que consegui acompanhar no ano, John Adams,
com atores como Paul Giamatti e Laura Linney. Vi episódios bons de Dexter e The
Office. Vi também um ou dois capítulos por semana de A Fugitiva, a não ser
quando viajando, e mais uma vez a novela – que não funcionou bem nas partes
romântica e cômica – só ‘pegou’ quando a vilã passou a ficar cada vez mais
vilã… Apesar da boa atuação de Patrícia Pillar, Cauã Reymond merecia mais
elogios; por ser famoso como bonitão, os críticos não têm coragem de declará-lo
um ator muito promissor que, nas mãos de um bom cineasta, poderia fazer um
grande personagem trágico, um Romeu moderno. Ah, o melhor programa da Globo se
chama Som Brasil, graças aos arranjos e jovens intérpretes.


O MUNDO É UM PALCO


Como aos concertos, pude ir a poucas peças neste ano; ao contrário deles, dei
azar com elas. Entre outras, fui ver três textos importantes por respeitadas
equipes: A Moratória, de Jorge Andrade, pelo grupo Tapa; Senhora dos Afogados,
direção de Antunes Filho; e Hamlet, com Wagner Moura. Desigualdade de
interpretações e equívoco nos conceitos foram as marcas.


A ARTE DE VER


Algumas exposições científicas, como sobre genoma e Einstein, e algumas
históricas, como a do período Edo na Pinacoteca e a da Bossa Nova na Oca,
animaram o ano. Retrospectivas de Duchamp no MAM e de Beatriz Milhazes na
Estação Pinacoteca deram prazer e debate. No Louvre, me encantei com a mostra
sobre a Babilônia e, milhares de anos mais nova, a linda sala Athanor do pintor
alemão Anselm Kiefer.


Bom mesmo foi rever a obra de Iberê Camargo no museu que leva seu nome,
criado pelo arquiteto português Álvaro Siza às margens do Guaíba. E, por falar
em arquitetura, a primeira coisa que fiz ao chegar a Pequim foi visitar as belas
criações de Herzog & De Meuron, Rem Koolhaas e Norman Foster. Recentemente,
por sinal, lamentei no blog a morte de Jorn Utzon, cuja Ópera de Sidney abriu
caminho para essas ousadias e é uma prova de que as curvas não são
exclusividades de Niemeyer, pois nos anos 50 seduziram não só Utzon e seu ídolo
Alvar Aalto, mas também Eero Saarinen e Frank Lloyd Wright.


POR QUE NÃO ME UFANO (1)


Madonna estourou nos anos 80 e hoje continua endeusada da mesma forma ou até
mais. Ela canta mal, sua dança parece Jane Fonda em versão erótica e as mudanças
de estilo não encobrem sua frouxa musicalidade. Pode ver que se fala mais da
musculatura da sua coxa, de como ela ‘não parece que tem 50 anos’, do que das
canções que interpreta. Mas entendo seu sucesso: ela embarcou em todas as ondas
sem perder sua identidade. Enquanto o mais talentoso Michael Jackson naufragou
pateticamente, ela se reinventou, assumiu as mais diversas personas – da
suburbana romântica à atriz chique, da performer clubber à mãe latina – e foi
sempre muito profissional, cercada de gente competente, em especial na hora de
fazer os videoclipes (acho excelente aquele Human Nature). Não ficou parada nos
anos 80. Acima de tudo, sua mistura de sangue italiano com pragmatismo americano
pega uma veia da sensibilidade atual.


POR QUE NÃO ME UFANO (2)


Recebo email com o assunto ‘Osesp entre as melhores do mundo na Gramophone’.
Abro o link da revista, vejo a lista de 20 orquestras e… a Osesp não está
entre elas. Aparece num box, ao lado da Filarmônica da China e da Royal
Liverpool, como ‘up-and-coming’, ou seja, uma emergente a se provar.


POR QUE NÃO ME UFANO (3)


Por que em vez de terem prendido Caroline Pivetta da Mota, que pichou mureta
da tal ‘Bienal do Vazio’, a polícia não age contra os pivetes que assaltam os
cidadãos à luz do dia? Ou melhor, se for para punir o ataque ao patrimônio
público, por que não prendem a diretoria da Fundação Bienal, que cometeu
atentado a um evento que sempre se gabou de ser o terceiro maior das artes
plásticas contemporâneas?


Aforismos sem juízo


Quem não reconhece virtude no adversário está pronto para ser derrotado por
si mesmo.’


 


REVISTA DAS REVISTAS
Ubiratan Brasil


Textos curtos escondem grandes verdades


‘A revista literária Arte e Letra: Estórias nasceu, como reconhecem os
próprios fundadores, na contramão do mercado. Afinal, Irinêo Netto e Thiago
Tizzot investiram tempo e dinheiro em um produto que habitualmente nasce com o
atestado de óbito já preenchido. Felizmente, não é o que acontece com a
publicação. Com periodicidade trimestral, acaba de sair o terceiro número (ou
Edição C, como preferem os editores, substituindo algarismos por letras), que
chega com o mesmo fôlego das anteriores.


Formada por textos de ficção e não-ficção, produzidos por brasileiros e
estrangeiros, inéditos ou fora de circulação há algum tempo, a Arte e Letra:
Estórias traz agora apenas contos. E, de quebra, um presente para os fãs de Paul
Auster: O Conto de Natal de Auggie Wren, história inédita no Brasil que o
escritor escreveu nos anos 1990, a pedido do jornal The New York Times.


Habilidoso no jogo de perspectivas com que envolve o leitor, Auster conduz a
história a partir de um narrador que relata o que ouviu de Auggie Wren,
balconista de uma tabacaria nova-iorquina, que revela como conseguiu sua máquina
fotográfica. Nada é o que parece ser.


Outra jóia preciosa é o conto Pontes Como Lebres, também inédito nas páginas
brasileiras, escrito pelo veterano uruguaio Mario Benedetti. Um dos mais
importantes nomes da literatura latina atual, ele se revela um obcecado pelas
questões centrais da sobrevivência, desde relações amorosas até rituais
burocráticos que cercam a vida profissional. No conto, Benedetti aproveita a
descrição de uma rápida viagem pelo Uruguai para revelar seus próprios
demônios.


Tornou-se tradição, aliás, o fato de a Arte e Letra: Estórias adiantar textos
ou publicar inéditos. A primeira edição, por exemplo, lançada em março, trazia
uma rara experimentação de Cristóvão Tezza no conto Um Dia Ruim. O ponto de
partida é ótimo – Alice (mais tarde rebatizada de Beatriz) tenta reestruturar
sua vida após um casamento falido utilizando seus melhores recursos: a
habilidade com as letras. Depois de publicar um anúncio em jornal oferecendo
assessoria na produção de textos, ela começa a receber pedidos bizarros. Como a
de uma velha senhora, disposta a confessar o assassinato do marido traidor.


O cardápio veio mais sortido no segundo número (ou edição B). Além de textos
de H.L. Mencken, J.M. Coetzee, Luigi Pirandello, Machado de Assis e G.K.
Chesterton, a revista trouxe um trabalho de David Foster Wallace, um dos grandes
nomes da nova literatura norte-americana, que foi encontrado enforcado em sua
casa na Califórnia, em setembro. Ele estava com apenas 46 anos. Com um livro já
publicado aqui pela Companhia das Letras (Breves Entrevistas com Homens
Hediondos), Wallace é autor de um ensaio sobre David Lynch que figura no livro A
Supposedly Fun Thing I?ll Never Do Again. Imperdível.


‘A idéia básica é abastecer os leitores de estórias, supondo que uma revista
com vários textos mais curtos do que um livro, capaz de apresentar novos
autores, publicar contos inéditos, ensaios e traduções de obras que nunca foram
lidas em português (mas precisam ser), pode ser atraente’, escrevem os editores
no prefácio do primeiro número. ‘Irresistível até.’


A dupla, aliás, apóia-se na linha de raciocínio do argentino Ricardo Piglia,
para quem uma narrativa curta sempre conta duas histórias: uma visível que
esconde outra, invisível. ‘O conto reproduz a busca sempre renovada de uma
experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma
verdade secreta’, afirma Piglia.


Vem daí, portanto, a acertada opção editorial de Arte e Letra: Estórias –
apesar de breves, seus textos exibem um fôlego invejável, capaz de tanto
estimular a leitura da obra dos escritores selecionados como também induzir à
reflexão. Colabora ainda a opção gráfica, que prefere ilustrações com um traço
antigo, sem grandes rebuscamentos, mas de indisfarçável bom humor. O necessário
para manter a elegância das páginas.


Vendida ao preço de R$ 16,50, a revista pode ser encontrada em algumas
livrarias de São Paulo, como Livraria da Vila, na Livraria Sobrado, Pop e
Leitura Dinâmica. Outra opção é encomendar pela internet
(www.arteeletra.com.br/estorias). Nessa opção, será acrescido um valor de
entrega pelo correio.’


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