Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Estado de S. Paulo

PUBLICIDADE
Marili Ribeiro

Músicos correm atrás de anúncios

‘Se antes as empresas corriam atrás de músicos e intérpretes para atrelar suas marcas ao glamour que eles poderiam sugerir aos consumidores – promovendo até polêmicas como quando Tom Jobim cedeu os direitos de Águas de Março para a Coca-Cola -, agora são os próprios artistas que buscam atrelar seus trabalhos à publicidade para garantir receita e projetar trabalhos, inaugurando uma nova fase na contratação de trilhas sonoras na propaganda.

Diante de um mercado em que a venda de CDs despencou com a facilidade dos downloads pela internet, virou questão de sobrevivência encontrar formas de garantir ganhos. Associar músicas às marcas é um recurso cada vez mais utilizado. Cresce o número de músicos que assinam contratos de licenciamento antes mesmo de entrar nos estúdios para gravar os novos trabalhos.

O poder da estratégia fica bem dimensionado em casos como o da cantora e compositora franco-israelita Yaël Naïm. Na estrada há tempos, ela sentiu o sabor do reconhecimento global após ter cedido a canção New Soul para o comercial de lançamento do laptop da Apple, MacBook Air. Detalhe: no disco que abriu as portas a turnês lotadas, Yaël canta em hebraico.

No Brasil, há experiências semelhantes. A rainha do axé baiano, Ivete Sangalo, procurada pela Avon para ser garota-propaganda de um perfume, condicionou sua participação à venda de seu CD pelas revendedoras. O resultado foram mais de meio milhão de discos vendidos.

‘Quando fizemos a parceria, a gravadora dela, a Universal Music, classificou-a como ?ação depredatória?, com que sempre discordei’, conta Jesus Sangalo, irmão da cantora e presidente da Caco de Telha Entretenimento, empresa que administra os interesses de músicos como Banda Eva e Timbalada. Para ele, a música é um produto de preço absoluto barato, porque há farta disponibilidade no mercado. ‘Só ganha valor depois de atrair audiência’, diz ele.

Ivete tem sido uma das mais ousadas no uso de apelos mais comerciais para impulsionar seu trabalho. Não se intimidou em oferecer ao Bradesco uma música que criou na piscina de sua casa com a palavra ‘completo’, mote da campanha do banco. O Bradesco, lógico, topou.

Mas não só os artistas consagrados buscam esse tipo de contato com as empresas. A garota sensação do momento, Mallu Magalhães – que com apenas 15 anos se projetou em sites de relacionamento -, assinou contrato de distribuição de seu primeiro CD com a operadora de celular Vivo. Tudo começou com uma parceria Vivo/Motorola para os fãs da Mallu baixarem, dois meses antes da venda do CD, as músicas de seu trabalho de estreia. ‘Foram 70 mil downloads’, conta o gerente de Negócios Multimídia da Vivo, José Guilherme Novaes.

O publicitário Alexandre Gama, presidente da agência NeogamaBBH, concorda: está mais fácil adquirir direitos autorais. Ele não usa jingles ou trilhas encomendadas, mas observa: ‘Há ainda os puristas, como a banda londrina Coldplay, que procuramos e nos disse que não vende música para publicidade’.

O avanço do negócio de licenciamento de canções é reconhecido até por quem mais se prejudicará com isso, como o produtor musical Zezinho Mutarelli, da empresa Sax So Funny, responsável por trilhas de comerciais. ‘Criar para a publicidade vai ficar mais difícil, por isso estudo entrar no negócio de licenciamento de artistas.’

Mutarelli constata que muitas músicas ganham visibilidade pela propaganda, que se torna um canal para os profissionais. ‘Para se conseguir uma inserção musical no programa do Faustão, a gravadora tem de desembolsar até R$ 100 mil por alguns minutos. Logo, um comercial pode ser excelente vitrine, a um custo muito menor.’’

 

PERSONAGEM
Valéria França

A Bridget Jones de São Paulo

‘Ela é de uma geração que não perdeu um capítulo do seriado americano Sex and the City e se diverte em tornar pública sua vida, seja em blogs ou nas páginas do Orkut. A grande diferença entre a publicitária paulistana Tati Bernardi, de 29 anos, e os milhares de blogueiros que existem por aí é o fato de ela ganhar cada vez mais prestígio à medida que expõe suas angústias com a vida moderna de São Paulo. Primeiro foi na internet e, depois, em dois livros, o mais recente, Tenho Vontade de Algo Que Não Sei o Que É, lançado há pouco mais de dois meses.

E os livros abriram-lhe outras portas. Teve um blog no site da TPM, revista feminina da Trip Editora, e escreveu colunas para duas outras publicações da Editora Abril – a VIP, focada no público masculino, e a Viagem & Turismo, para a qual continua colaborando com suas crônicas. Seu grande salto, no entanto, aconteceu no ano passado, quando foi chamada pela TV Globo para escrever roteiros. E estreou com o seriado Dicas de Um Sedutor, com Luiz Fernando Guimarães, que interpretava Santiago, um homem que entendia de mulheres e dava dicas de sedução.

Com estilo parecido com o da escritora inglesa Helen Fielding, de O Diário de Bridget Jones – sucesso de público que virou filme -, Tati transformou-se em personagem de suas crônicas. A roubada de se enfiar numa balada cheia de boyzinhos na Vila Olímpia; a bizarrice de um relacionamento virtual; o zelador do prédio, o seu Zé, que controla a quantidade de namorados voláteis que aparecem em casa; a falta do que fazer num domingo ensolarado em São Paulo…

Tudo isso está lá em sua crônicas. E os leitores se identificam. Na sua comunidade do Orkut há 2.700 integrantes, a maioria de jovens garotas entre 18 e 25 anos. ‘Tati consegue ser engraçada, escrevendo sobre as próprias roubadas. Ela parece sempre estar no lugar errado’, diz Antonio Prata, escritor e colunista do Estado. ‘A sorte é que resolveu escrever sobre isso.’ Seu site (www.tatibernardi.com.br) tem 37 mil acessos por mês.

Tati começou a colocar suas emoções no papel porque percebeu ser essa uma boa forma de se distanciar um pouco do sofrimento, de organizar o caos interno. ‘No início, fazia isso mentalmente’, conta. ‘Lembro quando meu avô morreu, eu tinha 12 anos. Estava no velório, quieta, olhando a cena e, ao mesmo tempo, narrando silenciosamente para mim mesma o que acontecia ali, como num livro.’ Aos 19 anos, ao começar a estagiar numa agência de publicidade, passou a escrever. No meio do caos da criação de uma conta, por exemplo, parava tudo e produzia um texto rápido. ‘Era um desabafo e me acalmava. Era também uma maneira de eu existir.’

Ela explica melhor: ‘Sempre fui muito tímida e magrinha. No colégio, parecia que eu não existia e escrever foi a forma disso acontecer.’ Tati sempre passou seus textos para amigos, conhecidos e até desconhecidos lerem. ‘Ela trabalhava na agência, mas não diretamente comigo, mesmo assim, recebia seus textos’, diz Pedro Cabral, CEO da Agência Click, onde Tati era redatora. Mas, um dia, ela apareceu na sala dele para pedir demissão. ‘Disse que precisava ficar em casa para escrever seu livro ‘, conta Cabral, que na hora achou uma alternativa. Propôs que Tati ficasse em casa por um ano, ainda recebendo pela agência, e, em contrapartida, ela escreveria, além de seu próprio livro, um sobre a Click. Ela topou na hora.

Assim saíram Click Aqui, edição comemorativa dos 10 anos da agência, e A Mulher Que Não Prestava, o primeiro livro de crônicas da escritora. Este último foi parar nas mãos de Alexandre Machado, marido de Fernanda Young, ambos criadores da série de sucesso da Globo Os Normais. ‘Mandei para ele o meu livro e então começamos a trocar e-mails.’ Tati aproveitou para tirar algumas dúvidas que a atormentavam.

Segundo ela, os namorados que apareceram na sua vida se apaixonavam primeiro por seus textos. E o problema é que a convivência, digamos, quebrava o encanto. ‘Perguntei ao Alexandre se ele também tinha passado por isso. Pensei que talvez fosse um fardo da profissão. Mas ele me disse que não, que eu deveria ser mesmo chata.’A troca de e-mails acabou levando Tati para a TV Globo. Por conta das inúmeras reuniões com os demais roteiristas que trabalhavam no projeto, ela se viu obrigada a mudar para o Rio. Ficou lá seis meses. ‘Odiei o Rio.’

Mas por quê? ‘Não é minha terra. É uma cidade que puxa as pessoas para fora. Elas são felizes andando na praia e tomando chope na calçada. Eu preciso estar mais interiorizada para trabalhar. Gosto de me esconder nos cafés das livrarias de São Paulo, onde realmente me divirto.’ Tati é do tipo que não gosta de ficar muito tempo longe de casa, no seu caso, um apartamento de 40 metros quadrado, que comprou recentemente em Perdizes, bairro residencial da zona oeste de São Paulo. Filha única, é muito apegada à mãe. Mora a poucas quadras da casa dela, onde almoça pelo menos três vezes por semana.

Tati morou na Rua Dias Ferreira, no Leblon, uma das mais badaladas do Rio, recheada de restaurantes da moda, livrarias e atores globais. Mesmo podendo levar suas canelas branquinhas para passear por ali, onde muitos paulistanos adorariam estar, ainda assim, ela prefere Perdizes. ‘No Rio não arrumei namorado. Não peguei nem gripe. Lá, não ter peito e bunda é o mesmo que não ter dinheiro em São Paulo. Um horror!’

INSPIRAÇÃO CARIOCA

Entre suas insatisfações com o Rio, o barulho do agito carioca rendeu-lhe um capítulo, Os Micos da Dias Ferreira, em seu último livro. ‘Eu já estava ficando louca. E ainda mais mal-humorada. E ainda mais reclamona. E ainda mais paulista escro… e com orgulho…’, escreveu ela, referindo-se aos sons esquisitos que vinham de uma árvore na frente da janela de seu quarto no prédio antigo em que morou na Dias Ferreira. Ela achava, na verdade estava convencida, de que eram de ratos. ‘Até que encontrei a filha do zelador na rua e ela apontou, com seu dedinho de quem tem 4 anos de idade e uma vida linda, que aquele som na verdade era dos macaquinhos da árvore.’

Mas foi graças à sua estada no Rio que ela aprendeu a cozinhar . ‘O serviço dos restaurantes cariocas é tão ruim, que resolvi ir para o fogão. Já sei fazer massas, saladas, sopas e omeletes.’ O Rio também serviu de inspiração para o projeto de um novo livro, ainda inédito, Ponte Aérea, em parceria com Vitor Patalano. ‘São histórias de uma paulistana no Rio e de um carioca em São Paulo.’’

 

LITERATURA
Ubiratan Brasil

Poe

‘Todos os corredores literários parecem desaguar no grande pátio de Edgar Allan Poe. O mais britânico dos escritores americanos, cujos 200 anos de nascimento serão comemorados no dia 19, deixou uma obra tão significativa cujos rastros são encontrados no trabalho de diversos autores que o sucederam – não apenas nos especialistas em literatura fantástica e policial, como Lovecraft, Bradbury, Doyle, Kafka e Henry James, mas também na de Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, Proust, Maupassant, Wells, Wilde, Verne, Thomas Mann, Fernando Pessoa, Nabokov e até Machado de Assis (o Bruxo do Cosme Velho não apenas traduziu os versos de O Corvo como foi nitidamente influenciado quando escreveu O Alienista e O Cão de Lata ao Rabo). ‘A literatura atual seria inconcebível sem Whitman e sem Poe’, vaticinou Jorge Luis Borges, mais um grande nome a engrossar a lista, ao lado de outros ilustres latinos como Cortázar, Quiroga e Bioy.

Mais conhecido por contos e poemas de mistério como A Queda da Casa de Usher, Os Assassinatos da Rua Morgue e O Coração Denunciador, Poe foi o criador de vários gêneros literários. Segundo Paul Valéry, o poeta francês avaro com as palavras, ele escreveu os primeiros e mais impressionantes exemplos da narrativa científica, além de exercícios da moderna poesia cosmogônica, do romance policial pedagógico, e da introdução de situações e estados psicologicamente doentios na literatura.

Os aplausos, é claro, não foram unânimes. Para Ralph Emerson, por exemplo, Poe era um autor supervalorizado. E Stevenson considerava cansativa e pouco verossímil a constante tentativa de passar lições de moral em seus escritos. A obra de Poe, no entanto, perdura e transcende o próprio autor. Italo Calvino, outro de seus admiradores, acreditava que, depois de Poe, toda a literatura do decadentismo nutriu-se fartamente de seus principais motivos; e o cinema, das origens até hoje, os divulgou à exaustão.

Os Assassinatos da Rua Morgue, por exemplo, é considerado o marco inicial do moderno romance policial e seu personagem principal, o investigador Auguste Dupin, inaugurou uma linhagem de detetives que se estende até hoje. E, nos contos góticos, pôs em prática suas teorias sobre a manipulação do leitor.

A divulgação mundial de sua obra se deveu às traduções francesas, especialmente as feitas por Charles Baudelaire que, de 1852 a 1865, verteu os textos de Poe, vendo nele um modelo, precursor do simbolismo, um autor de gênio, uma figura quase mítica. Na verdade, a obra de Poe permitiu a Baudelaire encontrar seu próprio rumo, liberando um talento à espera de ser desenvolvido.

Na verdade, Poe ressaltava suas virtudes intelectuais para fugir da desgraça pessoal. O autor de O Corvo, poema de extremo virtuosismo formal, levava uma vida atribulada, desvinculado de laços familiares e amizades sinceras. Conheceu a pobreza e morreu misteriosamente aos 40 anos, provavelmente vítima das drogas e do álcool. Poe chocou leitores e críticos, como escreveu Júlio Cortázar, por construir figuras que ‘se abandonam às neuroses, à mania, à normalidade ou ao vício, sem a menor sutileza.’ Criou, enfim, ‘um só personagem com vida interior’.

A realidade o atormentava. A ponto de vários momentos de sua vida parecerem encomendados por Hollywood. Filho de atores amadores, Edgar Poe ficou órfão aos 2 anos, sendo socorrido por um rico comerciante que o abrigou (e de quem adotou o sobrenome Allan). Depois de um raro período de conforto material e espiritual, foi estudar na Universidade da Virgínia, onde começou a jogar, beber e acumular dívidas. O vício pelo álcool, aliás, marcaria o resto de sua trajetória, uma linha tortuosa em que empregos temporários em jornais, constantes trocas de pensões e projetos que não saíam do papel não passavam de desesperadas tentativas de fazer com que o acreditassem nascido em berço esplêndido, educado no exterior e com um passado rico em aventuras tão fantásticas quanto as de seu personagem Arthur Gordon Pym.

Poe não conseguia conciliar o trabalho com a vida cotidiana, pois alternava o rigor e a disciplina dos momentos de criação com um completo desalinho e um constante hálito alcoólico com que era encontrado nas ruas, criando o duplo de si mesmo. Colecionou uma série de infortúnios até que, na madrugada de 7 de outubro de 1849, depois de uma série de acontecimentos nebulosos, foi levado para um hospital onde balbuciou suas últimas palavras: ‘Senhor, ajudai minha pobre alma’. Nunca se soube a causa precisa de sua morte – embriaguez a mais provável, mas também há hipóteses de diabetes, sífilis, raiva ou doenças cerebrais raras. Certo, mesmo, é o valor permanente de sua obra, como comprovam os inúmeros seguidores.’

 

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