Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Globo


GUERRA DAS CHARGES
Imãs que amedrontam a Europa


O Globo


‘Enquanto protestos violentos se sucedem no exterior – como em Líbia, Paquistão, Afeganistão, Líbano e Síria -, a Europa se preocupa cada vez mais com o perigo que vem de dentro. O novo surto de ódio de radicais islâmicos contra os países cujos jornais publicaram charges de Maomé preocupa o continente. Na Alemanha, teme-se as conseqüências de novas pregações extremistas como as que antecederam o 11 de Setembro. No Reino Unido, há uma caça a radicais, como Abu Qatada e Abu Hamza. Na França, a luta é contra a aumento dos adeptos do salafismo, corrente radical do Islã.’


Fernando Duarte


Radicais à luz do dia e nas sombras


‘LONDRES. O Reino Unido assistiu chocado ao 11 de Setembro, sobretudo depois de revelado que ao menos um dos muçulmanos radicais que conseguiram abrigo no país na década de 1990 teria ajudado a inspirar religiosamente o grupo que atacou os EUA. A figura em questão é o clérigo Abu Qatada, que desde 2002 foi preso duas vezes. O temor aumentou depois de os britânicos terem sentido na pele o extremismo islâmico nos ataques ao sistema de transporte de Londres.


Qatada está preso e pela mesma situação passa o egípcio Abu Hamza, o polêmico líder da mesquita de Finsbury Park, que até ser estourada pela Scotland Yard em 2003 era um dos pontos preferidos por muçulmanos radicais em território britânico – de acordo com os serviços de inteligência, por lá passaram pelo menos três dos quatro terroristas do ataque de 7 de julho do ano passado e também Richard Reid, o homem que tentou explodir uma bomba em seu sapato num vôo entre Miami e Paris, há cinco anos.


Omar Mohammed Bakri, clérigo libanês que menos de uma semana depois dos atentados em Londres dizia que os britânicos estavam pagando o preço de sua participação no Iraque, foi passar férias na terra natal e desde então está proibido de voltar ao Reino Unido. Entre os nomes mais conhecidos de lideranças religiosas radicais ainda estão à solta figuras polêmicas como Abu Izzadeen, britânico de origem jamaicana que, além de se recusar a condenar os ataques a Londres, disse considerar a rainha Elizabeth II uma inimiga do Islã.


Outro na mira das autoridades é o egípcio Yasser Al-Siri, diretor de um think-tank muçulmano que britânicos e americanos afirmam ser uma fachada para suas ligações com a al-Qaeda. Embora seus ataques sejam brandos se comparados aos de Bakri, por exemplo, as sugestões de al-Siri de que muçulmanos britânicos deveriam ir para o Iraque enfrentar as forças de seu próprio país certamente levantaram sobrancelhas.


– Blair é um criminoso de guerra e, ao mesmo tempo em que defendo que a comunidade muçulmana deva isolar seus elementos radicais, não aconselho nenhum muçulmano a colaborar com este governo que patrocina regimes autoritários no mesmo Oriente Médio em que diz estar lutando pela democracia – diz o clérigo egípcio ao GLOBO.


No entanto, há quem defenda que o governo Blair está atirando no alvo errado. O sociólogo muçulmano Mohammed Seddon afirma que as autoridades britânicas deveriam se preocupar mais com os radicais que não saem das sombras, ainda que, nos últimos dias, tenha vindo à tona que os serviços de segurança teriam uma lista de pelo menos cem líderes extremistas que estariam sob vigilância.


– As autoridades britânicas estão se deixando levar pelas bravatas disparadas por clérigos cuja principal motivação parece ser a de aparecer na mídia. Os verdadeiros e perigosos radicais não fazem barulho, muito menos junto à imprensa – afirma Seddon.’


Deborah Berlinck


Aumenta cerco a extremistas


‘PARIS. A França dobrou a vigilância contra imãs radicais e está passando o pente-fino em mesquitas e organizações islâmicas. O governo tenta evitar que o salafismo, corrente radical do Islã, continue se expandindo no país. Segundo um relatório do serviço de inteligência, o movimento tem cinco mil simpatizantes na França e controla cerca de 40 mesquitas em 18 regiões do país.


Muitos radicais só são descobertos por acaso. Foi o que aconteceu com Abdelkader Bouziane, um imã argelino de uma mesquita em Lyon, que vivia há 25 anos na França, com duas mulheres e 16 filhos. Numa entrevista, disse que ‘bater na sua mulher é autorizado pelo Alcorão, mas em certas condições, sobretudo se a mulher trai o marido’. A declaração, junto com sua defesa da poligamia e da lapidação de mulheres, custou sua liberdade de ação: ele foi imediatamente expulso, retornou ao país, mas foi condenado.


Segundo um relatório do serviço de inteligência, o salafismo é uma corrente minoritária entre os 4,5 milhões de muçulmanos da França, mas sua influência nos últimos anos se estendeu por quase todo o país. Em 2000, os salafistas tinham adeptos em seis regiões. Hoje, estão em todas, à exceção de Normandia, Córsega, Limousin e Poitou-Charentes.


Jean-Luc Marret, especialista em terrorismo da Fondation pour la Recherche Stratégique, em Paris, diz que o aumento da influência desta corrente na França é ‘um pouco inquietante’:


– Há cada vez mais salafistas. Em 2002, 52 pessoas foram presas por extremismo islâmico. Em 2005, 170. Isso quer dizer que os serviços antiterroristas estão mais eficazes. Mas quer dizer também que temos cada vez mais radicais.


O que explica o aumento da influência dos radicais? Marret vê três motivos:


– Ativismo, proselitismo e um efeito de moda. Mas é preciso relativizar. Na França, há 5 mil salafistas. E isso não quer dizer 5 mil terroristas. São pessoas que não têm interesse em se integrar na sociedade francesa, mas não estão todos prontos a fazer explodir uma bomba – diz.


Curiosamente o salafismo foi implantado na França com a ajuda de um holandês convertido ao islamismo, Jacques Leenen. Após passar pela Arábia Saudita, em 1997, ele se instalou em Nord-Pas-de-Calais e trouxe vários ulemás para conferências. Uma associação, a Anas Ibn Malik, foi criada para divulgar as pregações de sauditas. A partir de 1999, o salafismo chegou a Paris.


Desde 2002, o governo começou a fechar o cerco. Uma mesquita em Vaulx-en-Velin foi fechada no ano passado depois que as autoridades descobriram que jovens se reuniam lá para ligar para a Arábia Saudita para obter conselhos no dia-a-dia. Os salafistas, agora, usam a internet: 15 sites estão sob vigilância permanente.’


Graça Magalhães-Ruether


‘Califados’ e lições de ódio


‘As suas lições só foram descobertas quando já era tarde demais. Há alguns anos, a polícia localizou numa livraria de Hamburgo fitas de vídeo com pregações do imã marroquino Mohammed al-Fazazi, que de meados dos anos 1990 até o inicio de 2001 pregava na mesquita de al-Quds, de Hamburgo.


Ele incitava o ódio em relação a americanos, cristãos e judeus. ‘Deve-se cortar a garganta de cristãos e judeus. Enquanto nos EUA muçulmanos estão nas prisões, os americanos devem ser perseguidos. O mundo inteiro deve ficar sob a bandeira muçulmana e por isso fazemos a jihad’, diz al-Fazazi num dos cassetes encontrados.


Um dos freqüentadores mais assíduos da mesquita, que fica em St. Georg, um bairro onde vivem estudantes e imigrantes, era Mohammed Atta, um dos terroristas que atacaram os EUA.


As ‘lições de Hamburgo’, como eram chamadas, foram proferidas no ano 2000 nos últimos dias do Ramadã, mês sagrado dos muçulmanos. Com base na fita, o diretor alemão Romauld Kamakar realizou o filme ‘Lições de Hamburgo’, exibido no festival de cinema de Berlim, que tenta esclarecer como as palavras de um islamista transformaram universitários em terroristas.


Fazazi voltou ao Marrocos em outubro de 2001, pouco depois do cumprimento de sua missão de doutrinar terroristas, mas suas idéias ficaram. Analistas alemães classificam 5% dos imãs que pregam nas mesquitas alemãs como ‘islâmicos radicais’. Segundo Sascha Steuer, vereador no bairro de Neukölln, onde grande parte da população é muçulmana, o problema do radicalismo existe não apenas nas mesquitas mas sobretudo nas escolas corânicas.


– Nos últimos cinco anos, foram criadas dezenas de escolas corânicas, sobre as quais não temos o menor controle – diz ele.


As escolas procuram doutrinar crianças já nos primeiros anos de vida. Depois disso, não é mais difícil aceitarem quando adultas teses como a do imã Metin Kaplan, conhecido como Califa de Colônia, por pregar a criação de um califado na cidade. Kaplan, nascido em 1952, era filho do também imã Cemaleddin Kaplan, de Ancara, Turquia, que veio para a Alemanha no final dos anos 1970. Em 1995, depois da morte de Cemaleddin, Metin passou a tentar atrair turcos para a idéia da criação de um Estado islâmico na Turquia.


Já nos anos 90, mais de vinte adeptos de Kaplan foram presos na Turquia acusados de planejar atentados. Em 1999, Kaplan foi preso e condenando por ter influenciado adeptos para o assassinato de um rival, Ibrahim Sofu, que disputava com Metin a liderança do imaginado califado. No ano passado, Kaplan foi deportado para a Turquia, onde foi condenado à prisão perpétua acusado de autoria intelectual de atentados.’


Deborah Berlinck


Terreno fértil para a extrema-direita européia


‘PARIS A violência deflagrada em vários países por extremistas muçulmanos em protesto contra a publicação pela imprensa européia de caricaturas do profeta Maomé prestou um enorme serviço a um grupo na Europa: a extrema-direita. Xenófobos, na sua maioria, e com um discurso cada vez mais antiislâmico, eles aproveitam mais uma crise envolvendo muçulmanos para ganhar espaço.


Na Dinamarca – onde as caricaturas foram primeiramente publicadas pelo jornal ‘Jyllands-Posten’, em setembro do ano passado – uma pesquisa mostrou que a maioria dos cidadãos (58%) responsabiliza os líderes religiosos muçulmanos do país pela propagação da crise. Outra sondagem mostrou que seis em cada dez dinamarqueses têm uma imagem mais negativa do Islã devido à crise dos cartuns.


Líder prega o fim da ‘islamização da França’


O terreno não poderia estar mais fértil para a extrema-direita. É o que explica o sucesso do radical Partido do Povo Dinamarquês, hoje a terceira força política no Parlamento, segundo uma pesquisa feita em 2 de fevereiro. Já na França, Phillipe de Villiers, líder de extrema-direita cotado para a eleição presidencial de 2007 (superou o extremista Jean-Marie Le Pen nas pesquisas de opinião) quer condicionar a construção de mesquitas no país a um compromisso dos religiosos de respeitar a igualdade entre os sexos e liberdade. Villiers prega o fim da ‘islamização da França’. O país tem quase cinco milhões de muçulmanos, a maior comunidade da Europa.


O partido de Villiers – Movimento pela França – é radicalmente contra a União Européia e a imigração. Para o líder, a controvérsia e a violência provocada pelas caricaturas é a prova de que ‘há um fosso cultural’ entre a Europa e o mundo muçulmano. Sua reação não surpreende Mouloud Aounit, líder do Movimento Contra o Racismo e Pela Amizade entre os Povos (Mrap):


– Assistimos a uma explosão de delírios racistas antiárabes e antimuçulmanos – declarou Aounit, que considera a luta de sua organização, agora bem mais difícil.


A extrema-direita prolifera também na internet, em sites como France-Echos, SOS-France e Occidentalis. Denis Greslin, ex-candidato da Frente Nacional, de Le Pen, está à frente do Occidentalis. Num dos artigos do France-Echos, o site é descrito como um patriota que resiste ao nazi-islamismo.


A briga da extrema-direita com os muçulmanos é anterior à crise das charges. No ano passado, na Bélgica, o líder do partido de extrema-direita Vlaams Belang, Filip Dewinter, comprou uma enorme briga com movimentos anti-racistas do país quando admitiu numa entrevista à revista judaica ‘Jewish Week’, de Nova York, que seu partido tinha ‘islamofobia’.


Quando o entrevistador lhe perguntou por que judeus da Bélgica deveriam votar num partido xenófobo como o seu, ele respondeu: ‘Xenofobia não é a palavra que eu usaria. Se é uma fobia, então que seja islamofobia.’ Em seguida, acrescentou: ‘Sim, temos medo do Islã. A islamização da Europa é de dar medo. Se o processo continuar, os judeus serão as primeiras vítimas. A Europa se tornou tão perigosa para eles (judeus) como o Egito e a Argélia.’


Organizações que lutam contra racismo, anti-semitismo e xenofobia na Bélgica, como a Mrap, acusaram o líder da extrema-direita de querer seduzir os 17 mil judeus da Antuérpia – onde o partido tem força — e de estar instigando a comunidade judaica contra a muçulmana. Nas eleições gerais de junho de 2004, um milhão de belgas votaram no partido – segundo analistas, motivados por um sentimento anti-imigrante e por medo do radicalismo islâmico.


Na Itália, o seqüestro de italianas por um grupo radical no Iraque serviu de pretexto para a extrema-direita ganhar espaço. Políticos do norte do país – tradicional reduto da direita – começaram até a usar uma velha lei da época de Mussolini que proíbe mulheres muçulmanas de usar burca ou chador em público. Foi o caso do prefeito de Biassono, Angelo de Biasio, da Liga do Norte, partido de extrema- direita. Ele não foi o único. Vários outros prefeitos da Liga do Norte fizeram o mesmo.


Biassono só tinha 40 muçulmanos numa população de 11 mil pessoas. E ninguém usava burca. Porém a população aplaudiu a medida do prefeito.


Mas nada se compara às provocações do ministro da Reforma italiano, Roberto Calderoli, da Liga Norte, que acabou demitido sexta-feira depois de muçulmanos atacarem a embaixada italiana na Líbia. O ataque foi atribuído às suas declarações. Depois de exortar o Papa Bento XVI a liderar os governos ocidentais numa cruzada contra os extremistas islâmicos, ele anunciou, quarta-feira, que encomendara camisetas com estampas com as charges de Maomé.’




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O Globo


Sábado, 18 fevereiro de 2006




MERCADO EDITORIAL
Rachel Bertol


Mitos e Verdades: ‘Livro no Brasil é caro’


‘Não há livro caro ou barato: há, sim, livros com preços relativos, e relativos no Brasil a um conjunto de fatores que não lhe são muito favoráveis. Como se viu nas duas primeiras edições da série Mitos e Verdades do Mercado Editorial, os índices de leitura são baixos – embora quando estimulado, o brasileiro se encante com a leitura; e o país sofre com falta de livrarias e bibliotecas. Tudo isso dificulta a difusão do livro, condenado portanto a baixas tiragens, de dois mil a três mil exemplares em média. O cenário se agrava com a queda de 16% do rendimento médio do brasileiro nos últimos anos (entre 1995 e 2004), segundo o IBGE. Renda disputada ainda por inúmeros serviços, alguns novos e outros que encareceram, como os de celular, internet, planos de saúde, luz, impostos… Diante das dificuldades, livros de R$ 25, R$ 40 ou R$ 50, comuns nas livrarias, tornam-se artigo de luxo. Para derrubar a barreira do preço, discutem-se medidas como a adoção do preço único e a criação de coleções populares, como as de bolso. O caminho promete ser longo, mas precisa começar a ser trilhado urgentemente para que se democratize, também pelo preço, o acesso ao livro no país.’




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O desafio do livro bom e barato


‘O editor gaúcho Ivan Pinheiro Machado, da L&PM, conta ter o sentimento de, muitas vezes, estar fazendo ‘algo contra tudo e contra todos’. Machado fica feliz por ter conseguido sobreviver no competitivo mercado editorial brasileiro – ‘o normal seria que a L&PM não existisse mais há 10 anos’, acredita – mas prefere dizer que não sente orgulho do que fez desde que, em 1997, lançou a Coleção Pocket, com a qual inovou ao mostrar que há espaço, sim, para o livro de bolso no país. Ou seja, que vale a pena produzir livros populares e de qualidade, na faixa de R$ 5 a R$ 15, em geral.


– Não consigo me orgulhar, porque continuamos uma exceção – afirma Machado, ao observar que a maior parte dos editores, salvo um pequeno grupo, enfrenta enormes dificuldades para sobreviver num país de baixos níveis educacionais, onde ainda há ausência de políticas culturais efetivas e a chegada das multinacionais traz uma série de novas dificuldades para as empresas do setor.


Enfim, o fato é que diante de tantas dificuldades – e além dessas, houve a queda do poder de compra do brasileiro -, a L&PM resolveu romper com a cultura dominante no mercado editorial brasileiro para ter coragem de investir no livro de bolso. Como diz o economista Fabio Sá Earp, é a cultura do livro caro que predomina no meio editorial brasileiro. Ivan Pinheiro Machado concorda:


– O editor brasileiro prefere o livro caro. Eu acho que só existe a cultura do livro caro, esta é uma característica do mercado editorial brasileiro. Eu constato isso, mas não vou criticar meus colegas e vejo que muitos até tentam o livro menos caro. Entretanto, os modelos que se buscam são caros. Muitos editores acham que o livro só é consumido pela parcela que tem dinheiro: são os dois lados que temos, Bélgica e Índia, e é mais fácil vender para a Bélgica. E já ouvi que, sendo barato ou caro, o livro continuaria vendendo da mesma forma, quando existe um grande público no Brasil que não tem acesso à leitura por causa do livro.


Coleção Pocket já vendeu 6 milhões de exemplares


O presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Paulo Rocco, reconhece que há poucos estudos sobre preço de livro no Brasil. Apesar de esforços que têm sido feitos, como as pesquisas inéditas no setor da economia do livro realizadas por Fabio Sá Earp e George Kornis, o tema continua envolto em mitos, alguns dos quais a Coleção Pocket, que já publicou cerca de 500 títulos e vendeu 6 milhões de exemplares, está pondo em xeque. Um deles é o de que no Brasil só rico compra livro.


Outras editoras, como a Companhia das Letras, que no ano passado criou com sucesso a Companhia do Bolso (16 títulos lançados em 2005 e mais de cem mil exemplares vendidos), começam a se render à força do livro barato, e assim se aproximam da maior fatia de compradores do mercado que, ao contrário do que muitas vezes se imagina, encontra-se nas classes B, C e D. Esta é uma das informações pouco exploradas da pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, a mais abrangente sobre o tema, realizada há seis anos pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Snel e nunca mais repetida.


De acordo com os últimos dados disponíveis, há 2,9 milhões de compradores de livros na classe A (renda média de R$ 4,8 mil), contra 14,4 milhões de compradores nas faixas B, C e D/E. A maior parte dessa parcela pertence à classe B (6,2 milhões, com renda média de R$ 2 mil); seguidos pelos da classe C (5,7 milhões, com uma renda média de R$ 800). Isso embora em termos percentuais haja mais compradores de classe A, 48% (mesmo assim menos da metade), contra 29% na classe B e 17% na classe C. É sempre a parcela de maior nível educacional em cada uma dessas faixas.


– Sem dúvida, as coleções de bolso conseguem disputar uma faixa do mercado de mais baixa renda e com segundo grau. É um mercado a se explorar e, além do preço, é preciso criar canais para se chegar até ele. A L&PM consegue aproveitar muito bem a rede de bancas de jornais – afirma Felipe Lindoso, que coordenou a Retrato da Leitura.


De fato, 60% do sucesso da Coleção Pocket, Ivan Pinheiro Machado credita à logística, que permite levar seus títulos do Sul ao Norte do país. Nos últimos anos, a editora também melhorou o acabamento dos livros, que hoje adotam o tamanho padrão internacional das obras de bolso (11cm x 18cm).


– Trilhamos um longo caminho, de crítica e autocrítica, erramos e acertamos. É possível fazer um livro barato sem que seja aviltado. O leitor, assim, não se sente lesado – afirma o editor.


Necessidade de adquirir competência técnica


De acordo com o economista George Kornis, cada empresa é singular, mas o mercado em geral enfrenta novos desafios diante da concentração e da chegada de editoras internacionais, situação que, além de criatividade, exige uma competência técnica que muitos ainda não adquiriram.


– O livro deveria ser cerca de 30% mais barato para caber no bolso do brasileiro – afirma Kornis, que cita a joint-venture da canadense Harlequin com a Record, para editar livros populares voltados ao público feminino, como um exemplo de reorientação de pauta nestes novos tempos.


A isenção de PIS e Cofins para o mercado editorial, determinada no fim de 2004, não teve forte impacto nos preços.


– Houve pequena redução de preço em alguns poucos livros e tendência de estabilidade. Porém, os preços não estão parados e a tendência agora é uma elevação muito contida. Só que elevar preço no momento em que a classe média perde renda é algo suicida – reitera Kornis, que acredita sobretudo no aprimoramento de mecanismos do mercado, em vez de soluções gerais, como a política do preço único, adotada em países como França e Espanha.


Estudo inédito de Kornis e Fabio Sá Earp para o Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe (Cerlalc) revela que, entre 1998 e 2002, houve aumento de venda de livros nas grandes redes tanto em países que adotam ou não adotam o preço único. Em ambos também houve queda de venda nas livrarias independentes, embora as grandes empresas varejistas dominem 50% do mercado onde o preço é livre e somente 30% onde há o preço único. O estudo também mostra que países que não praticam o preço único tiveram pequeno aumento no preço do livro, de cerca de 1%, contra queda de 10% onde o preço é único.


– O objetivo do preço único é manter a diversidade, mas não se trata de receita infalível. É algo que precisa ser usado com cuidado, não é algo redentor – observa o economista.


O editor Paulo Rocco concorda com ele:


– Não estou convencido de que o preço único seja uma boa solução. E sou contra a intervenção do governo. É algo que deveria ser negociado pelas entidades do setor. O que se poderia fazer é dar incentivos ao mercado. Será que isentar do IPTU uma livraria não seria um estímulo maior para o negócio?


Hoje, no Brasil, o preço do livro é apenas sugerido pelas editoras e, na prática, há um preço único que acaba sendo adotado pelas livrarias de maneira uniforme. No entanto, como não há leis a respeito, as livrarias podem praticar os descontos que conseguirem dar, de 20% ou 30%, de acordo com seu poder de fogo. Descontos que chegam a ser bem mais altos no caso das lojas virtuais. Nesse quadro competitivo, não é difícil a editora praticar preços gordurosos, sobretudo em best-sellers, que têm venda garantida.


– A lei do livro favorece a diversidade. E nós sabemos que a concentração não é algo positivo para a economia de forma geral. No fim, os preços acabam sendo determinados por poucos – afirma Luis Fernando Sarmiento, do Cerlalc, que está organizando uma publicação com estudos sobre o preço do livro em toda a América Latina.


A polêmica dos descontos nas livrarias


O editor Ebilberto Verza, um dos sócios da Estação Liberdade, acredita que o preço único é a melhor saída para permitir regras mais claras no mercado e preservar as livrarias.


– Tudo indica que vamos viver aqui a ditadura do varejo. No fim, os livros acabam sendo vendidos em saldos de ponta de estoque ou a R$ 5 na Bienal – afirma Verza, que critica as margens cada vez maiores, de até 60%, que as livrarias pedem sobre o livro de capa para expô-los em suas lojas.


Na Livraria da Travessa, Rui Campos diz cobrar margens de 45% a 50% em geral.


– As pessoas costumam se assustar, mas este é o percentual que se cobra em todo o mundo, metade para o varejo, metade para a produção. Nos sentimos obrigados a cobrar descontos maiores diante da guerra dos preços que se vê hoje – defende o livreiro, que também é favorável à adoção do preço único, assim como Milena Duchiade, da Leonardo Da Vinci, que prefere falar em Lei do Preço do Livro para regular os descontos, sem tanta ênfase na questão do preço único.


Apesar das discussões que parecem intermináveis, Milena se diz otimista – ‘acredito no Brasil, como o Darcy Ribeiro’ – e reconhece que a cultura do ‘livro bom é livro caro’ existe, mas está mudando:


– Já ouvi um editor há muitos anos dizer que tal livro era barato se comparado a um jantar num restaurante chique, e acho que hoje ele não diria mais isso…’


Douglas McMillan


Didáticos têm variações e muitas críticas


‘As crianças já foram para a escola com seus livros novos (devidamente encapados, no caso dos pais mais cuidadosos). Para trás ficam as contas de mais um ano letivo que começa caro. O preço do livro ‘comum’ no Brasil já é assunto complexo. Com o didático, porta de entrada para todos os outros, não é diferente.


Para começar, é bom saber que todos os envolvidos reclamam. Editoras dizem que suas margens são magras e o crescimento recente, pífio. O governo, que compra toneladas de livros todos os anos – é o maior programa de compra do mundo – joga pesado para conseguir preços baixíssimos. Distribuidores querem descontos das editoras para dar descontos aos clientes. Por fim, economistas reclamam do mercado como um todo, que vêem como mal-gerenciado, extorsivo e pouco profissional.


Agora pelo menos os pais sabem que não estão sozinhos na agonia.


– O livro didático brasileiro não é caro – afirma sem tremer a voz João Arinos, presidente da Associação Brasileira de Livros Educativos e diretor da Abril Educação, da qual fazem parte Ática e Scipione, donas de um terço do mercado brasileiro de didáticos. – Ele pode parecer caro quando comparado ao poder aquisitivo do brasileiro, mas quando se avalia a qualidade editorial do trabalho, vê-se que esse preço está traduzido num produto de qualidade.


Maiores tiragens,preços mais baixos


João afirma que o fator preponderante na composição do preço é a tiragem. Em média, um didático vai para o varejo com 15 mil exemplares, o que é pouco. Por isso, explica ele, as compras feitas pelo Ministério da Educação através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Leitura (FNDL) conseguem ter valores tão baixos: as tiragens são enormes.


‘Vivência e construção – matemática’, livro da Ática para a 1 série, teve 391.307 exemplares comprados no ano passado pelo MEC a R$ 5,88 a unidade. Nas livrarias, custa em torno de R$ 57 reais. A mesma relação de um para 10 se repete em quase todos os outros títulos.


– A negociação é duríssima e o governo tem comprado cada vez melhor. Nossas margens estão cada vez menores – diz Arinos.


‘Menores’ é trocado por outros termos – ‘medíocres’, ‘artificiais’, ‘ridículas’ – quando se conversa de maneira mais informal com editores que venderam livros para o MEC nos últimos anos. Nada que se admita em público, contudo.


– Eles ganham muito dinheiro com o FNDL – afirma Daniel Balaban, um dos diretores do programa do governo, que ano passado comprou quase R$ 2 bilhões em livros. – As editoras choram, mas se o MEC parasse de fazer essas compras, muitas delas quebrariam.


Mas então, se é possível vender livros a esse preço e ainda ter lucro, porque eles custam dez vezes esse valor nas livrarias?


– Na verdade, são livros diferentes – esclarece Arinos, da Abrelivros. – Embora tenham sido elaborados pelas mesmas equipes e tenham o mesmo título, os livros do FNDL não são consumíveis, não se escreve neles, e são aprovados pelo MEC dois anos antes. Nesse sentido, não são tão atuais quanto os das livrarias. Além disso, têm tiragens mais altas, os royalties que pagamos aos autores são menores e, por fim, o governo se encarrega de toda a distribuição, não nós. O que vai para o varejo sai da editora com cerca de metade do preço pago na livraria.


Há quem diga, contudo, que essa diferença não se justifica apenas pelas razões apresentadas.


O livro didático brasileiro poderia custar 30% a menos sem problemas segundo George Kornis, economista que, junto com Fabio Sá Earp, fez uma detalhada radiografia do mercado editorial brasileiro num ‘estudo-bomba’ financiado e publicado pelo BNDES em 2005.


– Para diminuir o preço, são necessárias quatro medidas básicas: padronizar tecnicamente o livro, saber se ele é adequado para o que se propõe fazer; mudar a logística, que ainda não leva em conta, por exemplo, a burrice de se imprimir um livro em São Paulo e levá-lo para Manaus; avaliar a obsolescência do conteúdo, geralmente superestimada; e, por fim, ter um controle externo sobre as margens de lucro das editoras. Acabar com a ‘orelhada’, enfim. As editoras daqui erram muito, então querem ganhar tudo num único livro – diz Kornis.


Sem política de incentivo ou soluções de curto prazo


Arinos, da Abrelivros, toma outro caminho:


– O problema do preço é estrutural, do país, não do livro. Não vejo soluções de curto prazo. O que precisamos é de uma política de incentivo à leitura que aumente as tiragens e diminua o preço por exemplar.


Certo é que o preço do didático é um assunto importante demais para ser decidido pela mão invisível do mercado. Ainda mais por ser um mercado um tanto torto, segundo Kornis.


– Nos últimos tempos, o mercado editorial, especialmente o de didáticos, passou por uma enorme concentração. Pior, várias editoras nacionais foram adquiridas por estrangeiras. Hoje são poucos vendedores e um comprador muitíssimo grande, o Estado. Não quero acusar ninguém de crime, mas estão todas as condições postas para a formação de um cartel. Como as editoras e suas instituições não abrem seus dados a pesquisadores, é difícil dizer. Mas o governo, com seus órgãos de proteção à concorrência, deveriam investigar isso. E rápido.’


Fabio Sá Earp e George Kornis


O livro no Brasil é caro, sim. Mas tem cura


‘O livro é caro em relação ao poder aquisitivo da população; estudo que realizamos (ver ‘A economia da cadeia produtiva do livro’, disponível em http://www.bndes.gov.br/conhecimento/ebook/ebook.pdf) mostra que o brasileiro gasta uma parcela de sua renda três vezes maior do que o francês para obter um livro. E aí estão incluídos os estudantes de escolas públicas de primeiro e segundo grau que recebem livros de graça. A situação piora quando separamos apenas os livros vendidos em livrarias, cujo preço médio é R$ 25. Quem gasta esse valor com livros? As famílias que recebem de 15 a 20 salários mínimos por mês (de R$ 4,5 mil a R$ 6 mil) gastam em média R$ 24 mensais com jornais, livros e revistas. Estas pessoas fazem parte dos 5% mais ricos – e até para estas o livro é caro. Na média, mesmo se não comprarem nenhum jornal nem revista ainda assim não chegarão a poder comprar um livro por mês. Logo, poucas famílias nesta faixa de renda compram livros. A maioria das que podem comprar este bem de luxo ganham mais de R$ 6 mil por mês.


Por que os livros são caros? É preciso entender a formação do preço do livro. Existe um custo fixo, que é o mesmo quer se publique um exemplar da obra ou um milhão de exemplares, que consiste nas despesas de edição e vendas no varejo, adiantamentos ao autor, publicidade, mais as margens de lucro das editoras e livrarias. E existe um custo variável que cobre demais direitos autorais, papel, tinta, armazenamento e distribuição, e que aumenta conforme o volume da tiragem. Quando a tiragem é pequena, como acontece no Brasil (onde freqüentemente fica em torno de dois mil exemplares), o custo fixo se divide por uma pequena quantidade de exemplares. É por isso que nosso livro fica tão caro.


Para corrigir esta situação é preciso aproveitar o que os economistas chamam economias de escala: com tiragens de, digamos, dez mil exemplares, os custos fixos se diluem e o preço final do livro pode cair a até um terço do que custa hoje. E como produzir tanto se o consumidor não pode comprar? No início, o Estado vai ter que cumprir este papel.


As medidas concretas a tomar são óbvias. Primeiro, destinar verbas às compras das bibliotecas públicas, começando pelas universitárias. Segundo, fornecer vale-livro às pessoas que gostariam de ler e não podem – estudantes universitários de baixa renda que hoje usam cópias piratas, professores de ensino fundamental que ganham salários inferiores aos das empregadas domésticas, etc. Terceiro, usar a Lei Rouanet para cobrir os custos de produção destes livros – modificando-a para poder ser aplicada às áreas de ciências exatas e biológicas. Assim, por exemplo, um laboratório farmacêutico poderia subsidiar livros de medicina, que seriam colocados à disposição dos estudantes por preços em torno de R$ 30 – o mesmo valor que hoje custam as cópias piratas.


Há alguma alternativa a esta intervenção estatal? É claro que sim. Basta esperar que a renda do brasileiro triplique e que os programas de incentivo à leitura façam com que os que já podem comprar adquiram mais livros.


Só que isso vai demorar pelo menos 50 anos para acontecer. Nas próximas décadas não há possibilidade de melhora, porque a renda está sendo redistribuída em favor dos pobres, como o governo anunciou triunfalmente. Vamos entender o que isto significa: os 30% mais pobres – que ganham um salário mínimo ou menos – estão ganhando enquanto os 10% mais ricos estão perdendo. Quem são os 10% mais ricos? Os que ganham mais de R$ 3 mil. É isso mesmo, a grande maioria dos 10% mais ricos não são milionários, e sim a classe média – que é a grande compradora de livros e está sendo empobrecida (perdeu um quinto do poder aquisitivo em uma década) em favor dos mais pobres. Do jeito que vamos, deve levar meio século para a classe média voltar a crescer. Alguém quer esperar?


Mas existe ainda um outro obstáculo a contornar: a mentalidade de muitos editores e livreiros, que preferem ganhar uma margem alta em poucos livros do que só um pouquinho em uma grande quantidade. Este vício é tão arraigado que livros cujos custos foram cobertos pela Lei Rouanet – isto é, pelos nossos impostos – são colocados em livrarias a preços na faixa de R$ 150 a R$ 200. É claro que têm que vender tão pouco!


Estes empresários ainda não chegaram à era da produção em massa, coisa que o capitalismo avançado descobriu nos primórdios do século XX. Por isso, por exemplo, quase não produzem livros de bolso. Uma das poucas editoras que compreende isso é a Companhia das Letras, que está reeditando obras como ‘Carandiru’ por menos da metade do preço original. Gostaríamos muito que outros seguissem seu exemplo. Mas, infelizmente, não vemos razões para ter esperança. Nem no governo, nem nos empresários.


FABIO SÁ EARP E GEORGE KORNIS são pesquisadores do GENT (Grupo de Pesquisa em Economia do Entretenimento da UFRJ)’




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O Estado de S. Paulo – 2


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