Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Globo

SEGUNDO MANDATO
Chico de Gois e Cristiane Jungblut

Presidente junta ‘verba e verbo’ e cria polêmica

‘O governo Lula decidiu adotar uma estrutura única, numa supersecretaria, para cuidar da relação com a imprensa e da publicidade institucional. É o que acontecerá depois que o jornalista franklin Martins tomar posse, na próxima semana, na atual Secretaria de Imprensa e Porta-Voz, que se unirá à Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral (Secom). Nos últimos 12 anos, nos dois governos de Fernando Henrique e no primeiro mandato do presidente Lula, essas áreas eram separadas.

Além disso, a proposta de criação da TV pública, que consumirá aproximadamente R$ 250 milhões e que hoje está a cargo do Ministério das Comunicações, passará aos cuidados da nova supersecretaria, ainda sem nome definido.

A Secom tem um orçamento de R$ 150 milhões. Mas tem influência sobre a destinação dos recursos de publicidade das empresas estatais, entre elas Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil e Caixa, que somam quase R$ 1 bilhão. A união na mesma pasta de assuntos distintos – a relação com a imprensa e as informações de governo e a propaganda institucional, que estabelece a política de publicidade do governo nos meios de comunicação e a distribuição de verbas publicitárias – será um desafio para Franklin Martins, que terá status de ministro.

Franklin Martins disse que vai acumular todas as funções em princípio, mas que em breve será escolhido um novo porta-voz e um responsável pela área de publicidade e propaganda.

O jornalista Franklin Martins foi líder estudantil na época da ditadura e depois guerrilheiro.

Ele militou no grupo comunista MR-8 e participou do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick. A ação forçou o governo a libertar 15 presos políticos.Entre eles, José Dirceu.

Por ter participado do seqüestro, até hoje Franklin é impedido de entrar nos Estados Unidos – situação semelhante à do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que também participou do seqüestro. Por isso, na semana que vem, quando o presidente Lula for aos EUA, ele não poderá acompanhar o chefe.

Franklin foi chefe das sucursais de Brasília do GLOBO e da TV Globo, e também comentarista da TV. Antes, trabalhou no ‘Jornal do Brasil’, no ‘Estado de S.Paulo’ e no SBT, entre outros veículos. Recentemente, antes de aceitar a proposta de Lula, estava trabalhando na TV Bandeirantes como comentarista político.’

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União de publicidade com imprensa causa polêmica

‘A decisão do presidente Lula de pôr sob o mesmo teto as áreas de relação com a imprensa, publicidade, propaganda e a construção de uma rede pública de TV provocou polêmica. O modelo só existiu, dessa forma, em alguns períodos do regime militar.

Mesmo o secretário de Comunicação no governo do general João Figueiredo, Said Farhat, disse ser contrário a se pôr sob o mesmo guarda-chuva a responsabilidade pela distribuição de verbas de propaganda e os contatos com a imprensa. Além de conceder poder de fogo ‘muito grande’ para um ministro, a decisão pode acabar por interferir na distribuição das verbas publicitárias, o que daria margem para negociações escusas com veículos de comunicação, disse.

– É preciso ter bom senso para não tentar influir na forma como cada veículo faz a sua apuração e a veiculação da notícia – disse ele, que, à época, teria recusado o convite para assumir o cargo com autonomia para tratar da comunicação do governo e verbas publicitárias: – Não queria ter em mãos qualquer forma de controle ideológico ou político.

Para o jornalista Marcelo Beraba, ombudsman da ‘Folha de S.Paulo’, o governo precisa estabelecer quais as políticas para cada área.

– Juntar as áreas de comunicação do governo, publicidade e a nova rede pública de TV é preocupante. Elas podem se confundir – disse ele, para quem a junção de setores distintos pode se transformar num inconveniente.

Para Beraba, tem faltado transparência e ‘sobrado opacidade’ na relação dos governos com a imprensa:

– Não só nesse governo, no federal, e nos estaduais, a área de comunicação tem sido usada como instrumento político.

Para Beraba, o governo tem obrigação de apresentar à sociedade a forma como conduzirá a rede pública de TV.

Na avaliação do jornalista Luis Weis, do Observatório da Imprensa, pôr a relação do governo com imprensa e as verbas publicitárias no mesmo prato é indigesto. ‘Se há estrutura cronicamente instável no Palácio do Planalto é a da comunicação. Lida-se com ela como se fosse uma sanfona: conforme o presidente, ela se abre e se desdobra, ou se fecha e se concentra’.

Ele diz ainda: ‘Em qualquer formato, é um cobertor curto. E não há uma avaliação unânime sobre as vantagens de um modelo sobre outro. Um único ponto parece pacífico: levar ao mesmo forno o verbo (comunicação de governo) e a verba (publicidade estatal) é dar sopa para o azar, ou para coisas ainda mais indigestas’, escreveu no site do Observatório da Imprensa.

Secretário de Imprensa no primeiro mandato de Lula, o jornalista Ricardo Kotscho disse que não vê problemas na decisão de reunir as áreas de comunicação e publicidade. Segundo ele, na sua época, cada uma delas trabalhou por conta própria, mas é ‘bobagem’ achar que haverá problemas:

– O ministro tem é que se preocupar em trazer gente competente para as devidas áreas. O importante é ser honesto. E o Franklin tem credibilidade.

O diretor do site Observatório da Imprensa, Alberto Dines, disse que a concentração das áreas ‘é inusitada’. Mas que Franklin Martins é um jornalista experimentado e sabe dos riscos de uma má administração.

– O fato de ter um ou dois não muda nada – disse ele’

Luiza Damé e Chico de Gois

Franklin diz que terá subs para cada área

‘No dia em que foi confirmado como ministro de uma supersecretaria que cuidará da comunicação no governo, o jornalista Franklin Martins rebateu as críticas ao fato de que sua pasta vai acumular duas áreas distintas: publicidade e imprensa.

Franklin disse que, num primeiro momento, ele mesmo irá concentrar todas essas funções, mas que, em breve, pretende nomear profissionais para cuidar de cada uma das atividades.

E criará um departamento para lidar com a imprensa, e outro para tratar da questão da propaganda governamental.

– Todo jornal sério no qual trabalhei tem a área da redação e a área comercial que, embora respondam ao mesmo dono, não se misturam – disse.

Franklin afirmou ainda que a divisão das verbas publicitárias obedecerá a ‘critérios técnicos’.

Ele informou que a Presidência terá um porta-voz para expressar as opiniões do presidente. Franklin disse que não caberá a ele essa função.

Ontem, o futuro ministro deu sua primeira entrevista a um canal de TV, a Bandeirantes, emissora na qual trabalhou até o convite do presidente Lula. Disse que o principal desafio da nova pasta será qualificar o debate na sociedade, valendo-se dos meios de comunicação.

– O nosso principal objetivo é qualificar o debate e não dispersar energia em questões secundárias – disse.

Ele afirmou estar tranqüilo em relação à mudança de posição e não temer as cobranças da imprensa. Franklin ressaltou que a função da imprensa é cobrar ações do governo, mas ‘sem preconceito’: – Eu espero que critiquem. O trabalho da imprensa não é ficar batendo palma para o governo.

A imprensa, em princípio, deve fazer a cobrança do governo, evidentemente, sem preconceito, procurando fazer baseado em fato. Acho isso absolutamente normal. E essa passagem de estilingue a vidraça é algo que vou ter de me adaptar. Nos últimos dias, tenho me preparado mentalmente para saber como vou fazer essa mudança de posição, mas estou muito tranqüilo.

O Brasil vive um momento importante, a economia está arrumada, estamos nos preparando para crescer, o debate público está se aprimorando.

Segundo ele, a principal missão do novo ministério será fazer uma comunicação ‘fluida, tranqüila e profissional’ com a sociedade. Essa comunicação, afirmou Franklin, se dá por meio de uma relação respeitosa do com a mídia e da imprensa com o governo. Disse ainda que a TV pública, principal projeto da nova pasta, ainda está em fase de estudos, mas não será ‘chapa branca’, nem concorrerá com redes comerciais: – Não é uma TV estatal, de jornalismo chapa branca. É uma TV que, bancada por recursos públicos, não tem preocupação comercial e, com isso, pode trazer uma série de temas em debate, as várias peculiaridades regionais para dentro da TV. Ela complementa a TV comercial.’

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Ex-porta-vozes vêem com ressalvas novo formato

‘Pelo menos dois ex-porta-vozes da Presidência da República criticaram a fórmula usada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva de juntar, numa mesma pasta, as áreas de informação/notícias e publicidade.

O jornalista Fernando César Mesquita , que no governo José Sarney foi o titular da Secretaria de Imprensa e Divulgação, disse considerar complicado deixar nas mãos de uma mesma pessoa o contato direto com a imprensa e o controle das verbas de publicidade do governo. Tanto que uma das primeiras providências que tomou ao assumir o cargo foi justamente promover essa separação, já que sua secretaria acumulava as duas funções.

A estrutura herdada do governo João Figueiredo foi totalmente modificada por determinação de Mesquita, que convidou o também jornalista Luiz Guttemberg para cuidar da publicidade oficial.

– Não quis ficar com a parte de publicidade. Acho complicado misturar informação com publicidade. Claro que isso depende muito de cada pessoa, mas é preciso cuidado na administração dos recursos de publicidade. Conciliar isso com o cargo de porta-voz e secretário de imprensa pode ser difícil – disse Mesquita.

Para o ex-secretário de imprensa do ex-presidente Sarney, porém, a separação do posto de porta-voz do cargo de secretário de imprensa, modelo adotado tanto pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante seu primeiro mandato, não é o modelo mais eficiente.

– Sem qualquer preconceito, sempre achei que o porta-voz e o secretário de imprensa tinham de ser a mesma pessoa – acrescentou.

Subchefe da Casa Civil no governo Sarney de 1988 a 1990, o jornalista Carlos Henrique Almeida Santos disse que, no período, os responsáveis tanto por publicidade como por imprensa estavam sob seu comando. Quando estava no Palácio do Planalto, Carlos Henrique era formalmente vinculado à Casa Civil, mas diz que tinha ligação direta com o então presidente José Sarney.

O jornalista tinha dois subordinados para lidar com as duas áreas: uma pessoa para tratar dos assuntos de imprensa, na época, o jornalista Ricardo Pedreira, e outra para cuidar da publicidade, Luiz Crisóstomo.

Ex-porta-voz do governo Fernando Collor de Mello, o jornalista Cláudio Humberto Rosa e Silva disse que, quando assumiu o posto, existia a Secretaria de Imprensa e Divulgação, sendo que a Divulgação cuidava da parte de publicidade, embora na prática o secretário não tratasse dessa área. Ele disse que separou tudo de fato, formalmente, no nome inclusive.

– É no mínimo delicada essa conjugação que se anuncia.

São atividades absolutamente incompatíveis. Quem lida pelo governo junto a entes de comunicação com notícia não pode lidar com a compra de espaço publicitário – disse Cláudio Humberto.’



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