Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo de Tarso Lyra e Romoaldo de Souza

‘O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que por diversas vezes já reclamou da atuação da imprensa na cobertura do Congresso, garantiu ontem que o projeto criando o Conselho Federal de Jornalismo só será votado em plenário após ampla discussão na Câmara. O projeto, encaminhado pelo Executivo, foi anexado a outro apresentado anteriormente pelo deputado Celso Russomano (PP-SP). Segundo João Paulo, se o projeto ferir a liberdade de imprensa, ele não será aprovado no Legislativo. ‘O projeto do Conselho não foi criado para cercear a liberdade de imprensa’, disse. ‘Se ele significar algum tipo de censura, não vai prosperar na Câmara.’

O secretário de Comunicação Estratégica do Governo, ministro Luiz Gushiken, garantiu que a imprensa brasileira vive em clima de total liberdade de expressão, o que pode gerar alguns deslizes. Chegou a afirmar que os profissionais de jornalismo, que convivem diariamente com pessoas fazendo, fabricando notícias e dando interpretações, devem refletir quanto à criação de um mecanismo para organizar o setor. E acrescentou: ‘Vocês são profissionais que sabem os limites da ação, sabem que a liberdade de imprensa é um valor definitivo na democracia, mas sabem também que numa sociedade nada é absoluto.’

O líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), lembrou que o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo é prioritário, mas aceita que seja debatido e votado sem a urgência constitucional. ‘O projeto é importante, é necessário. Mas se existem problemas, vamos discutir, debater’, defendeu.

A oposição não se convence quanto à necessidade de criação do Conselho de Jornalismo. PSDB e PFL prometem votar contra o projeto, classificando-o como um atentado à democracia. ‘O Congresso não vai aceitar isso. O Legislativo é o primeiro a apanhar com a liberdade de imprensa, mas também é o primeiro a sofrer os efeitos de um regime de exceção’, justificou o vice-líder do PSDB na Câmara, Eduardo Paes (RJ).

Para outro vice-líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), não há como comparar a profissão de jornalista com as de médico ou engenheiro, categorias que têm conselhos regulamentadores. Em sua opinião, apesar do caráter técnico, não se pode abstrair o caráter político da profissão de jornalista. ‘Qualquer elemento de restrição seria contrário aos princípios que norteiam a liberdade de expressão’, ponderou.

Leis restritivas

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Cláudio Baldino Maciel, que participou, ao lado de representantes de outras entidades, de um ato a favor do Ministério Público, classificou como ‘preocupante’ o fato de o governo apresentar, em um mesmo tempo histórico, iniciativas propondo a criação do Conselho Federal de Jornalismo, o controle externo do Poder Judiciário e a lei da mordaça para o Ministério Público. ‘Governar sem um Poder Judiciário independente, sem um Ministério Público investigativo e sem uma imprensa livre, pode ser mais fácil, mas não é democrático’, afirmou Maciel.

O vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e presidente do sindicato dos jornalista do Estado de São Paulo, Fred Ghedini, assumiu ontem a responsabilidade pela proposta de criação do Conselho. Segundo ele, o governo só entrou no processo porque é iniciativa legal do Executivo criar autarquias federais. Ghedini garantiu que o assunto foi debatido entre os profissionais da área, embora ele próprio não tenha certeza quanto ao número de jornalistas filiados à Fenaj.’

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‘Criação de Conselho de Jornalismo gera polêmica’, copyright Jornal do Brasil, 11/8/04

‘O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que por diversas vezes reclamou da atuação da imprensa na cobertura do Congresso, garantiu ontem que o projeto criando o Conselho Federal de Jornalismo só será votado em plenário após ampla discussão na Câmara. O projeto encaminhado pelo Executivo foi anexado a outro, apresentado pelo deputado Celso Russomano (PP-SP). Segundo João Paulo, se o projeto ferir a liberdade de imprensa, ele não será aprovado no Legislativo.

– O projeto do Conselho não é para cercear a liberdade de imprensa. Se significar algum tipo de censura, não vai prosperar na Câmara – garantiu.

O secretário de Comunicação Estratégica do Governo, ministro Luiz Gushiken, disse que a imprensa brasileira vive em clima de total liberdade de expressão, o que pode gerar alguns deslizes. Chegou a afirmar que os profissionais de jornalismo, que convivem diariamente com pessoas fazendo, fabricando notícias e dando interpretações, devem refletir quanto à criação de um mecanismo para organizar o setor. E acrescentou:

– Vocês são profissionais que conhecem os limites da ação, sabem que a liberdade de imprensa é um valor definitivo na democracia, mas sabem também que numa sociedade nada é absoluto – advertiu Gushiken.

O líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), lembrou que o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo é prioritário, mas aceita que seja debatido e votado sem a urgência constitucional.

– O projeto é importante, é necessário. Mas se existem problemas, vamos discutir e debater – defendeu.

A oposição não se convence quanto à necessidade de criação do Conselho de Jornalismo. PSDB e PFL prometem votar contra o projeto, classificando-o como um atentado à democracia.

– O Congresso não vai aceitar isso. O Legislativo é o primeiro a apanhar com a liberdade de imprensa, mas também é o primeiro a sofrer os efeitos de um regime de exceção – justificou o vice-líder do PSDB na Câmara, Eduardo Paes (RJ).

Para outro vice-líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), não há como comparar a profissão de jornalista com as de médico ou de engenheiro, categorias que têm conselhos regulamentadores. Em sua opinião, apesar do caráter técnico, não se pode abstrair o caráter político da profissão de jornalista.

– Qualquer elemento de restrição seria contrário aos princípios que norteiam a liberdade de expressão.

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Cláudio Baldino Maciel, que participou, ao lado de outras entidades, de um ato a favor do Ministério Público, classificou como ‘preocupante’ o fato de o governo apresentar, em um mesmo tempo histórico, iniciativas propondo a criação do Conselho de Jornalismo, o Controle Externo do Judiciário e a mordaça para o MP.

– Governar sem um Poder Judiciário independente, um MP investigativo e uma imprensa livre, pode ser mais fácil, mas não é democrático.’



Carolina Pimentel

‘Gushiken diz que Conselho Federal de Jornalismo é assunto da categoria’, copyright Radiobrás, 10/8/04

‘O ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, disse hoje que o anteprojeto de lei do governo que visa a criação do Conselho Federal de Jornalismo deve ser debatido dentro da categoria.

‘Essa é uma demanda que veio de uma organização sindical de vocês (jornalistas). É um assunto pertinente a vocês. Vocês são profissionais que sabem o limite da ação, sabem que a liberdade de imprensa é um valor definitivo para a democracia, mas sabem também que, numa sociedade, nada é absoluto. Portanto, os limites ou maneiras de como se deve conduzir eticamente é um assunto que vocês, profissionais, devem discutir no âmbito da situação de vocês’, destacou.

O ministro participou do lançamento do programa Soldado Cidadão, que vai oferecer cursos de capacitação profissional a cerca de 30 mil jovens, até o fim do ano, que prestam serviço militar.

Questionado sobre o anteprojeto, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, disse que não o conhece, mas ressaltou que qualquer forma de cercear o direito à informação é inconstitucional. ‘A Constituição assegura à sociedade o direito de ser bem informada e assegura à imprensa a liberdade de imprensa. Qualquer tentativa que possa colocar em confronto o direito da sociedade de ser bem informada e o direito da imprensa de, através das suas fontes, repassar as informações esbarra na Constituição’, disse ele. O presidente do STJ também participou da solenidade de lançamento do projeto Soldado Cidadão.’



Ari Cunha

‘Cuidado com a vida alheia’, copyright Correio Braziliense, 11/8/04

‘Estamos vendo na imprensa singular postura de revolta contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Todo profissional, seja qual for o seu mister, tem obrigação de honrar os compromissos, respeitar o cidadão e reconhecer o próprio erro, visto que ninguém é infalível. Temos lido que uns são contra o Conselho, e acusam o PT de querer impor censura. Outros, entre os quais os beneficiados com a indenização pela postura heróica contra os governos militares, põem seu bedelho também contra. O que se observa é que muita gente está querendo a imprensa como ela está atualmente. Fácil a experiência demonstrará que estamos vivendo clima insuportável de tantos escândalos, muitos dos quais descem ralo abaixo e o nome do implicado no pelourinho.

Já tivemos isso com o governador Joaquim Roriz. Fosse outro, bem poderia ter se postado em posição de espera da Justiça para depois trabalhar. Ao contrário, chocou-se e humilhou-se com muitas manchetes, mas foi absolvido em 29 dos 30 inquéritos movidos pelo próprio PT. A antiga Lei de Imprensa foi levada no turbilhão dos fatos novos. Está faltando um freio no denuncismo que choca leitores e desagrega a sociedade. Democracia é coisa difícil, e até hoje não aprendemos a utilizá-la na extensão dos seus benefícios.’



Xico Vargas

‘O governo entrou em curto’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 16/8/04

‘Um chefe que tive na redação do Jornal do Brasil separou certa vez os jornalistas em duas categorias: os que gostam de jornalismo e os que gostam de trabalhar em jornal. Na época, os jornais saíam de redações mais barulhentas, com menos rotinas e horários mais frouxos. Os dois grupos eram numerosos por igual, mas se diferenciavam pelo desprezo que o segundo dedicava à notícia. Mais importante que o fato, para essas pessoas, era a forma e a burocracia da notícia. O que viria a ser o principal assunto do dia poderia perder importância diante de uma vírgula mal colocada pelo repórter que o trouxera da rua, ainda que tivesse gastado metade da sola dos sapatos para isso. Esforçado, sim, mas certamente um cretino capaz de fazer mau uso da crase. Movia esse grupo a certeza de que, por trás de tudo, havia sempre a avidez e os interesses escusos dos poderosos. Um dia, no entanto, quando as massas dominassem os meios de produção, isso tudo iria acabar. Com o tempo – e o apuro na qualidade da maioria das redações – esses personagens escorregaram para os desvãos da profissão.

Há muito não lhes ouvia a voz, mas lembrei deles nos últimos dias, quando lia notícias sobre a proposta de criar o Conselho Federal de Jornalismo. Descobri que estão de volta. Reconheci as digitais, a mesma tentativa de ensinar sem saber fazer, o idêntico desdém pela inteligência do leitor, do telespectador, do ouvinte. É inacreditável a variedade de formas sob as quais pode brotar o autoritarismo, mas ainda não o tinha visto travestir censura de ética e dirigismo de disciplina. Nem a ditadura ousou tanto, quando deitou a treva pelas redações do país inteiro. É verdade que os censores passavam a tesoura nas notícias sem a menor cerimônia, mas jamais se atribuíram o papel de conselheiros ou comissários do povo. Trabalhavam para um governo imposto e ponto final. Tentar repetir isso ao abrigo da lei, num estado democrático, parece deboche.

Mas tem raízes fundas e indelével ranço stalinista o que está acontecendo. Na administração Olívio Dutra, no Sul, era advertido o funcionário público que esquecesse a frase – Governo democrático do Rio Grande do Sul – ao atender ao telefone da repartição. Era o governo que se atribuía saber o que seria melhor para o povo. Até o dia em que o gado começou a morrer de febre aftosa ou que o repórter Gladinston Silvestrini mostrou que, na moita, a soja transgênica já permeava a lavoura gaúcha de uma ponta à outra. Depois, foi a baderna que se viu já no governo Lula.

Quando dirigi o Jornal Nacional, da TV Globo, ouvi de uma das principais cabeças da Fenaj, numa ilha de edição onde discutíamos a qualidade de uma notícia, que não só o conteúdo do noticiário, mas toda a programação da emissora deveria ser decidida por um conselho de funcionários. Afinal, aquilo era uma concessão, pertencia ao povo. É exatamente isso que esconde um dos artigos da proposta de criação do Conselho, quando afirma que a comunicação deve se submeter ao interesse público. Como se fosse possível a imprensa trabalhar contra o leitor e continuar existindo. Em nome do povo, portanto, diz-se muita bobagem. O perigo começa quando um governo eleito por uma torrente de votos entra em curto e passa a achar que o interesse da nação é o do governante e não o da população.

No mundo civilizado, quando liga a TV, o rádio, conecta o computador à Internet ou põe a mão no bolso para compra um jornal, o freguês decide entre centenas, milhares de ofertas o que deseja ver, ouvir ou ler. É um ato único, individual. Pode trocar de canal, de emissora de rádio, de site na Internet ou de jornal. Pode tudo, é soberano. Aqui funciona ao contrário. Jornalistas pouco afeitos aos rudimentos da profissão fantasiam a ditadura do proletariado e tentam fazê-lo crer que é idiota.

Mas até que teve alguma utilidade essa desastrada tentativa de pessoas que não sabem fazer dizerem como deve ser feito o jornalismo. Serviu pelo menos para movimentar velhos esqueletos esquecidos nos armários. Primeiro, voltou a ser assunto um detalhe que poucos lembravam: arrasta-se há muito pela Câmara proposta parecida, cujo autor é o deputado paulista Celso Russomano, ou seja, há mais gente trabalhando pelo silêncio da imprensa. Olho nele! Depois, provocou até no senador José Sarney a bravura de uma frase em defesa da liberdade de informação. Logo ele, que igual veemência não usou no longo período em que presidiu a Arena, o partido da ditadura. Dono de jornal, rádios e TV que defendem com energia os interesses de seu grupo político no Maranhão, Sarney tem telhado por demais vidroso para a aspereza do assunto. E, finalmente, mostrou que carece de federados a Federação que pretende enquadrar os jornalistas acima do julgamento que possa fazer deles o seu patrão mais poderoso, o leitor.’



Rogério Christofoletti

‘Jogo dos sete erros’, copyright Comunique-se (http://www.comunique-se.com.br), 16/8/04

‘A polêmica sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo (e suas extensões regionais) tem mostrado o quanto há de desinformação e deformação na área. Tem muita gente que sequer leu o anteprojeto de lei [disponível no site da Fenaj: http://www.fenaj.org.br] e já começou a disparar seu rancor e ódio por todo lado. Há os que até se preocuparam em conhecer a proposta, mas movidos pelos interesses próprios, receios incontidos, miopia política ou auto-suficiência ética descartaram qualquer bom senso e espírito coletivo, derramando uma espessa lava de críticas.

Para que tudo fique às claras, devo de antemão me manifestar a favor da proposta. Sou a favor dos conselhos de jornalismo tanto como profissional da área, quanto como professor e dirigente sindical. Feito o esclarecimento, quero demonstrar que a condução do assunto vem se revelando mais como um jogo dos sete erros do que uma cobertura jornalística.

Erro nº 1 – O projeto é uma proposta do governo Lula

O anteprojeto de lei surgiu na própria categoria, com discussões ocorridas nos congressos brasileiros realizados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Sua redação final foi concluída em setembro de 2002 e só neste ano foi entregue ao governo. Por quê? Porque é atribuição direta do Poder Executivo mandar para o Congresso Nacional projetos de lei que criem autarquias. Embora o anteprojeto seja de uma categoria profissional, criar esse órgão de auto-regulamentação é papel da presidência da República.

Erro nº 2 – O projeto é recente, apressado, sigiloso e oportunista

Há pelo menos vinte anos se discute o assunto. E a proposta de criação dos conselhos de jornalismo só foi para frente mesmo quando a categoria percebeu que essa seria a única forma de auto-regular a profissão. Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional aprovou uma lei que transferia do Ministério do Trabalho para a Fenaj a prerrogativa de conceder registros profissionais de jornalistas. O projeto passou por todas as instâncias da Câmara e do Senado e foi para a sanção presidencial. Chegando à mesa do Executivo, o projeto recebeu veto a pedido do então ministro do Trabalho, Francisco Dorneles, visivelmente preocupado com a perda de poder sobre os profissionais da imprensa. Logo após o episódio, o Congresso Brasileiro de Jornalistas decidiu que a saída era a criação de um órgão que absorvesse as atribuições pretendidas e a idéia dos conselhos de jornalismo deslanchou, sendo debatida pela categoria em pelo menos dois congressos nacionais. Portanto, a proposta não é recente, já foi suficientemente debatida e não se trata de matéria oportunista.

Considerar que o processo de sua elaboração foi sigiloso é uma miopia estúpida. Além dos debates nos congressos brasileiros de jornalistas, o projeto foi amplamente divulgado. Durante meses, a Fenaj manteve em sua página na internet cópias da proposta para que a sociedade conhecesse o teor do documento. Não bastasse isso, no último dia 7 de abril, Dia do Jornalista, dezenas de representantes dos jornalistas reuniram-se com o presidente da República para a entrega oficial do projeto. A mídia toda soube do episódio, desprezou o motivo principal da audiência e preferiu noticiar que o ministro Luiz Gushiken pedira para a imprensa falar também das coisas boas do governo. O anteprojeto dos conselhos, portanto, era fato sabido pelos jornalistas e pelos meios de comunicação: não há segredo nenhum, portanto.

Erro nº 3 – O projeto é uma proposta da minoria

Desde o 30º Congresso Brasileiro dos Jornalistas, ocorrido em Manaus, em 2002, já há uma manifestação clara e pública da Fenaj e dos 31 sindicatos que lhe dão sustentação sobre o projeto dos conselhos. O que significa dizer que a maior parte dos jornalistas brasileiros está consciente da proposta e que concorda com ela. Todos os sindicatos participaram dos debates e ajudaram a redigir o anteprojeto. Isto é, os jornalistas articulados e politicamente organizados conhecem a proposta, concordam com ela e a defendem. O projeto é uma idéia da categoria e não de um grupo menor. Para se ter uma idéia, a Fenaj representa cerca de 30 mil profissionais em todo o país.

Erro nº 4 – O projeto é uma reação à ‘onda de denuncismo’

O envio do projeto de criação dos conselhos ao Congresso Nacional foi anunciado durante o 31º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado na Paraíba, no começo de agosto. Na mesma época, pululavam na imprensa denúncias contra os presidentes dos bancos Central e do Brasil, fato que motivou o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, a reagir em defesa dos companheiros atacando a mídia. São dois episódios distintos, separados, mas contemporâneos. Setores conservadores e mal-intencionados da mídia querem fazer crer que eles seguem a mesma lógica. Mas, não. A manifestação do ministro da Justiça foi infeliz, a exemplo de outras já dadas. Os conselhos são tema de debates há anos e não servem a uma teoria conspiratória de retaliação do governo.

Erro nº 5 – O projeto é uma forma de censura ou cerceamento

Os conselhos serão órgãos de auto-regulamentação da profissão. Serão ocupados por jornalistas e não pelo governo. Vão trabalhar pelo pluralismo e pela liberdade de imprensa, pela qualidade dos profissionais e pela sua boa formação: basta ler o anteprojeto. Os conselhos não serão órgãos censores, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil não impede o desenvolvimento da justiça. Não dá para confundir as coisas: exercício profissional é uma coisa, liberdade de expressão é outra. Os conselhos vão se ocupar do campo profissional e não do cerceamento das formas de expressão. A mesma confusão vigora na discussão sobre o diploma de Jornalismo: ao desobrigar a formação superior na área, quer-se assegurar a liberdade de expressão. Ora, o que tem uma coisa a ver com outra?

Os conselhos serão instrumentos da sociedade para acompanhar a qualidade dos produtos jornalísticos e a conduta dos profissionais. Assim como temos os conselhos de enfermagem, de engenharia e de medicina, por exemplo. Eles regulam o mercado, observam o campo de atuação daqueles trabalhadores.

Erro nº 6 – O projeto é redundante, pois a Lei de Imprensa já basta

Dizem que a imprensa é o quarto poder e, por isso, deve vigiar os demais poderes. Concordo com a atribuição, é preciso fiscalizar os demais centros de poder. Mas quem fiscaliza os fiscais? Eles não precisam disso? Estão acima do bem e do mal? Pois os conselhos de jornalismo podem atuar nessa sintonia, zelando pela profissão, disciplinando o exercício e servindo à sociedade como uma instância de equilíbrio e sensibilidade.

Eugênio Bucci, em seu livro Sobre ética e imprensa, já havia diagnosticado: em geral, o jornalista sofre de síndrome de auto-suficiência ética. Isto é, ele pensa se bastar eticamente, não discute suas condutas e sequer tolera que alguém o faça. Quando avançam sobre esse terreno, o jornalista logo levanta a voz e denuncia estar sendo censurado ou cerceado em sua liberdade. Pois é o comportamento que vem se evidenciando ultimamente. (Isso aconteceu com os semideuses da Justiça que se arrepiaram ao ouvir a proposta de controle externo do Judiciário.)

Diante da proposta dos conselhos, muitos apontam para a Lei nº 5250/67, a Lei de Imprensa, dizendo ser ela suficiente para dar conta de possíveis abusos dos meios de comunicação. Cinismo. Até bem pouco tempo atrás, esses mesmos defendiam que a lei era desnecessária, já que o próprio Código Penal previa as penalidades para os crimes de imprensa. Na verdade, o que se quer é terreno livre, nenhuma obstrução para fazer o que bem se quiser. A Lei de Imprensa prevê penas indenizatórias e até mesmo detenção de jornalistas, embora eu não conheça um único caso em que isso se deu. E mesmo quando condenado em processo, o jornalista fica livre para reincidir. Com os conselhos de jornalismo, devem ser avaliadas questões éticas e não legais, e as sanções podem chegar à cassação dos registros profissionais.

Jornalistas não estão acima dos demais cidadãos; eles precisam também de limites, de mecanismos de controle social de suas atividades. Isso não é censura, é permitir que o público – nosso real foco – acompanhe efetivamente o nosso trabalho. Se jornalismo é prestação de serviço público, não é demais se submeter ao crivo do público.

Erro nº 7 – O mercado pode ocupar o lugar dos conselhos

A voz do mercado tem o timbre dos proprietários dos meios de comunicação. No Brasil, há concentração dos meios em poucas mãos, há propriedade cruzada, há coronelismo eletrônico, há desmandos e precariedades no interior do país. Quem deve regular o campo profissional são os próprios jornalistas. Os conselhos podem servir a esse propósito: reunir os profissionais para que estes zelem pela qualidade e pelas condições dos jornalistas em seus campos de trabalho.

Deixar que o mercado faça uma triagem, uma separação darwinista dos melhores, é acreditar que o empresariado tenha consciência plena e domínio da qualidade no ramo; é acreditar que os empresários sejam proprietários também do jornalismo; é acreditar que os jornalistas não são capazes de se organizarem e auto-regularem; é crer que a sociedade se permita ser refém do poder econômico sobre todas as forças. Inclusive sua consciência. [Jornalista, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, professor da Univali e doutor em Ciências da Comunicação pela USP]’