Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Paulo Sampaio

‘Pode ser até que Fernanda Karina Somaggio jamais venha a ser capa da ‘Playboy’, mas que ela gosta de fazer uma pose, isso gosta. ‘Muitas oportunidades estão surgindo, tenho de aproveitar todas’, acredita a secretária, no auge de sua recente carreira de celebridade. Além do convite para posar nua, que a revista nega te feito, Karina diz ter sido procurada por quatro partidos políticos interessados em lançar sua candidatura à deputada federal nas eleições do próximo ano.

Aos 32 anos, uma borboleta tatuada na lombar, seu capital político se compõe basicamente de medidas promissoras (1,77 m, 55 kg) e uma agenda comprometedora -principalmente para o publicitário Marcos Valério de Souza, seu ex-patrão, apontado como o operador do ‘mensalão’.

Em um depoimento bomba, ela revelou encontros do ex-chefe com figurões da República, envolveu ex-colegas e confirmou a operação leva-e-traz de malas de dinheiro. Valério afirma que, antes de fazer as denúncias na imprensa, Karina tentou chantageá-lo, tanto que abriu um processo de extorsão contra ela. A secretária se defende dizendo que entregou todo mundo por patriotismo: ‘Quero um país mais justo’, diz.

O cachê de R$ 2 milhões, que, segundo o advogado, ela pediria pelo trabalho de ‘nu artístico’, também faz parte dessa busca por um ‘país mais justo’: o dinheiro será usado para despesas de campanha, diz ela. Mas não só, claro.

‘Acho uma bobagem essas mulheres que dizem que não tirariam a roupa por dinheiro nenhum. Eu sou dura, tenho de comprar uma casa, um carro melhor.’

Garota nacional

Karina recebe o repórter na casa de madeira pré-fabricada que aluga por R$ 600 na Pampulha, bairro de classe média de Belo Horizonte, onde mora com o marido, Vítor, 35, e a filha Naína, 8. Tem um Ford Ka 1998 que acabou de quitar e dois cachorros, um rotweiller e um boxer.

De fala mansa e afetuosa, ela abraça o repórter no portão e o conduz para a cozinha, separada da sala com poucos móveis e chão de ardósia por um balcão: oferece café, enquanto mistura leite com flocos de aveia em uma xícara. Seus cabelos tingidos de ruivo estão molhados, ela veste um conjunto verde-musgo de calça e camisão de seda e pantufas.

‘Meu negócio é mato, pé no chão, fazenda. Não tenho tino artístico, não me acho bonita’, diz.

Ela diz que os convites de partidos políticos e os da revista quem discute é seu advogado, Rui Pimenta. ‘Sou péssima para tratar de dinheiro’, diz. Mas não para gastar, segundo suas próprias palavras: ‘Se quebrarem meu sigilo bancário, só vão descobrir que entrei no cheque especial. Meu limite no cartão de crédito é R$ 600, porque senão gasto mesmo’.

Ao falar da frota particular de automóveis de luxo do ex-chefe (‘que só veste Hugo Boss e frequenta a Daslu’), Karina também não vacila na identificação: ‘Tem Pajero, Land Rover, tudo novinho’, diz. Uma intimidade inesperada com carrões, para uma pessoa que diz gastar dinheiro com animais que encontra na rua. ‘Amo bichos. Já peguei muito vira-lata doente para cuidar.’

Na verdade, Karina está sendo modesta ao definir-se com tanta simplicidade. Versátil, ela rapidamente se transforma quando entra no fundo infinito do estúdio, para a sessão de fotos. Pelo repertório de olhares fatais e viradas de pescoço, conclui-se que ou a secretária folheou muito editorial de moda, ou perdeu tempo correndo descalça pelo campo: ‘Estou achando ótimo me ver assim’, diz, com uma espécie de euforia contida, ao ver o resultado.’



CASO DASLU
José Alexandre Scheinkman

‘As elites e a sonegação’, copyright Folha de S. Paulo, 31/07/05

‘Para um observador externo, a polêmica provocada pela Operação Narciso entre políticos, líderes de entidades empresariais e setores da mídia é surpreendente. É verdade que na história recente testemunhamos abusos de poder por procuradores e juízes. Além disso, na Operação Narciso, houve aspectos exibicionistas que, talvez, pudessem ser evitados. E, finalmente, a Daslu parecia ter sido elegida, mesmo antes da ação da PF, como responsável pela desigualdade social do Brasil, o que é um contra-senso. Mas nada disso justifica o protesto ensurdecedor contra a operação policial de uma parte da elite.

Uma desculpa bastante usada para defender a Daslu é que as normas tributárias são tão complexas que todos cometem ilegalidades. Parecem desconhecer que a loja é acusada de ter montado um emaranhado esquema de refaturamento e subfaturamento que incluía o uso de empresas no Brasil e no exterior, operação muito mais complexa do que o simples cumprimento da lei. Outros pedem ‘realismo’, sob a argumentação de que ninguém consegue pagar todos os impostos que a lei impõe, revelando uma tolerância para a sonegação.

Ainda mais absurda foi a hipótese levantada por políticos de que a prisão dos acusados prejudicaria a economia. Segundo esta Folha, o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) declarou: ‘Essa prisão pode (…) afugentar investimentos internacionais do país. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?’. É evidente que o senador pouco sabe sobre o que se passa fora do país. Antes de ser prefeito de Nova York, o promotor Rudy Giuliani tornou-se famoso com suas prisões preventivas espetaculares de acusados de utilizar informações privilegiadas em Bolsa. Em pelo menos dois casos notórios, ele algemou, à vista de todos os seus colegas, importantes executivos de Wall Street. Essas prisões não ameaçaram a posição da Street como centro financeiro, pelo contrário, aumentaram a confiança dos investidores de que o uso de informações privilegiadas não seria tolerado. Na verdade, os investidores estrangeiros no Brasil ressentem uma concorrência desleal de empresas que violam leis do país que os estrangeiros são obrigados a obedecer. Afinal, se uma firma americana operando no Brasil usasse esquema semelhante ao descrito nas acusações à Daslu, seus diretores estariam também violando leis dos EUA e provavelmente acabariam na cadeia.

No Brasil, a carga tributária é muito alta em geral, sobretudo para aqueles que cumprem a lei. Combater a sonegação permite reduzir os tributos dos que pagam corretamente suas obrigações. Há, hoje, evidência empírica convincente de que a severidade e a certeza de punição diminuem a criminalidade. Os acusados de crimes econômicos nos EUA ou na França são tratados com grande rigor exatamente para dissuadir futuros criminosos potenciais. Pela mesma razão, precisamos de mais operações como as que atingiram a Daslu e a Schincariol.

Trabalhos de pesquisa recentes indicam que a propensão ao crime de um indivíduo depende também da aceitação pelo seu grupo social do ato criminoso. Isso vale tanto para adolescentes em uma favela como para empresários ou profissionais liberais. Um médico em Nova York não oferece abatimento para pagamento sem recibo, não só por medo do fisco mas também porque, se o fizesse, poderia perder um paciente que começaria a duvidar da sua honestidade. Os dirigentes da Daslu são inocentes até provas em contrário, mas alguns dos seus defensores parecem pensar que deveriam estar acima da lei. Vai ser difícil diminuir a sonegação no Brasil enquanto essa atitude perdurar.

José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.’



JORNALISMO CARIOCA
Milton Coelho da Graça

‘‘Correspondentes de guerra’ no Rio’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/07/05

‘‘É do POVO? Aqui é do Batalhão de Operações Especiais da PM. Vamos sair daqui a pouquinho para uma operação na Rocinha. Se vocês quiserem ir junto, venham para cá depressa.’ O repórter de plantão do jornal carioca O POVO alerta o fotógrafo e o motorista.

E os três saem, disparados, pela madrugada. Em frente ao BOPE formam rapidamente um comboio que exibe a mesma barreira de classe que separa os moradores da Rocinha e seus vizinhos milionários (inclusive muitos políticos!) de São Conrado. Na frente vai a elite: dois carros blindados, um da TV Globo e outro dos jornais O GLOBO/EXTRA; a seguir, a classe média: os carros do jornal O DIA, da Rádio Globo e da TV Bandeirantes não são blindados, mas os ocupantes têm direito a coletes à prova de bala; lá no fim, o velho carro do POVO, sem blindagem, sem colete, pneus nem sempre confiáveis, mas com a mesma sede de notícia.

O jornalismo carioca é o retrato do Brasil.

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As ‘fontes’ de Marcos Valério

Provavelmente outros jornais também publicaram, mas eu li no GLOBO (18 de julho), em matéria do veterano José Casado: os gastos só dos ministérios com publicidade, entre 2003 e 2004, pularam de R$ 142,8 milhões para R$ 245 milhões. Na Petrobras, no mesmo período, os gastos de publicidade foram de R$ 186 milhões para R$ 216 milhões. Alguém precisa fazer a conta completa, com todas as estatais, a Secom da Presidência da República, Câmara, Senado etc. etc. Se toda essa grana não fosse gasta em auto-exaltação e sim em campanhas de interesse público, sem dúvida nenhuma já teríamos índices muito melhores de saúde pública e educação, teríamos reduzido o número de usuários de drogas e infectados pelo HIV e o país teria avançado muito em consciência dos direitos e deveres da cidadania.

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Cultura, a boca rica ainda fechada

Lá na frente quando estiverem plenamente desvendados os mecanismos e interesses do mensalão, dos desvios das verbas publicitárias, das contribuições para caixa dois e todas (ou pelo menos algumas) mutretas já sob investigação, seria bom também nos preocuparmos com a Lei Rouanet. Em nome dessa visão renascentista de apoio à cultura, montou-se no Brasil uma gigantesca operação de burla fiscal. A coisa é simples: a empresa dá dinheiro para um show, filme, livro ou disco – alguma coisa que freqüentemente até beneficia a cultura, mas mais freqüentemente inclui um troco de volta para a própria empresa, o dirigente da empresa que facilita a operação ou, no caso de estatais, o político-padrinho desse diretor.

Se for feito um levantamento de todos os ‘patrocínios’ de Petrobras, Furnas, Eletrobrás e também de algumas empresas privadas, até os Bórgias vão se envergonhar de terem feito tão pouco pelas artes e não saberem armar um culturaduto tão eficaz.’



FSP & SERRA
Folha de S. Paulo

‘A Entrevista de Serra’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 1/08/05

‘Em entrevista publicada ontem por esta Folha o prefeito de São Paulo, José Serra, não deixou dúvida sobre o profundo interesse com que observa o quadro político nacional. Analista arguto, áspero em alguns momentos, discorreu sobre a crise de um ponto de vista alto o bastante para distanciá-lo da disputa política ordinária -mas não da evidência de que está atraído pela perspectiva de disputar a Presidência.

Falou ao jornal um político que, tendo se preparado para governar o país, foi derrotado por um adversário cuja gestão, além das evidentes fragilidades políticas e administrativas, provou-se contaminada por desvios e nociva ao fortalecimento da cultura republicana. Não precisaria ser candidato para ver com perplexidade e indignação a amplitude do descompromisso ético no PT. Esta também foi a reação de muitos militantes e intelectuais petistas, alguns dos quais já haviam deixado o partido antes do escândalo do ‘mensalão’. É o caso do economista Francisco de Oliveira, que já apontara a articulação de uma nova ‘classe’ de burocratas associados à gestão de fundos públicos -que o prefeito apelidou de ‘burguesia com dinheiro alheio’.

O Serra candidato surgiu por inteiro quando, convidado a apontar o principal desafio do próximo presidente, não se furtou a sintetizar uma agenda de governo. Desta vez não pontificou sobre a saúde, mas passou receitas para a economia, as agências, o sistema político-eleitoral e a reforma da administração pública -sem se esquecer do Mercosul.

Obviamente, o prefeito não poderia deixar de lembrar que assumiu o compromisso de não renunciar à administração de São Paulo. Sobre isso, disse que ‘hoje’ está ao lado dos que reprovariam a quebra da promessa. Seria impossível também ignorar a pré-candidatura do governador Geraldo Alckmin, embora Serra tenha preferido embuti-la numa genérica referência a ‘outras alternativas, conhecidas e boas’.

Ficou, ao final, a evidência de que o embate entre Alckmin e Serra vai se acirrar. Há alguns meses, o governador despontava como franco favorito para ser o candidato do PSDB em 2006. Agora, tem em Serra um forte rival disposto a se recandidatar.’