Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paulo Sotero

‘A Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, adotada em 1792, proíbe expressamente o Congresso de ‘legislar de modo (…) a cercear a liberdade da palavra ou da imprensa’. Por essa razão, o Estado nunca tentou regulamentar a atividade jornalística ou criar algo como um conselho federal para a área.

Além de ser proibida, uma iniciativa dessas enfrentaria a decidida oposição dos jornalistas americanos. Estes, aliás, não precisam ter curso superior de jornalismo. Os jornalistas dos EUA entendem que exercem uma função aberta a qualquer cidadão – e não uma profissão com reserva de mercado, como ocorre no Brasil.

Em 2001, num caso emblemático, a escritora Vanessa Leggett foi presa por desafiar ordem judicial de entregar ao Ministério Público anotações de um crime que investigara para escrever um livro. O juiz decidira que ela, por não ser jornalista, não estava protegida pela Primeira Emenda. Órgãos da grande imprensa e associações de jornalistas saíram em sua defesa, argumentando que jornalismo é função e não profissão, e não cabe a qualquer representante do poder público decidir quem é ou não jornalista, pois isso seria um tipo de cerceamento proibido pela Constituição.

Mas a Primeira Emenda não é um direito absoluto. Não protege um jornalista para publicar informação que sabe ser falsa, com o propósito de difamar e em total descaso à verdade.

Controle – Há, certamente, formas de controle da imprensa pelo Estado. A mais importante é limitar o acesso dos jornalistas às pessoas que ocupam cargos de decisão e às informações que o governo produz. No Executivo, esse controle é feito no credenciamento de jornalistas na Casa Branca, nos ministérios e nas agências federais.

Na guerra do Iraque, por exemplo, a inclusão de jornalistas no campo de batalha, com as tropas, revelou-se forma eficaz de controle da cobertura, que foi amplamente favorável, especialmente na TV. No Congresso, o credenciamento é feito por um comitê de jornalistas eleitos por seus pares.

O Judiciário reconhece as credenciais expedidas pelos outros dois Poderes.

No caso de documentos oficiais, a atual administração intensificou a estratégia de governos anteriores de dificultar o acesso. O secretário da Justiça, John Ashcroft, de extrema-direita, instruiu subordinados a negar, em princípio, todos os pedidos feitos ao abrigo da Lei de Liberdade de Informação, adotada depois do escândalo do Watergate, nos anos 70, para aumentar o controle do público sobre o governo.’



Elizabeth Lopes

‘‘Governo teve uma recaída autoritária’’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), criticou ontem duramente a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). ‘De vez em quando, o governo tem uma recaída autoritária’, afirmou. ‘Mas o bom da democracia é que a sociedade é muito atenta e tem se colocado fortemente, no sentido de defender certos princípios e valores.’

Segundo o governador, a liberdade de imprensa faz parte da essência do regime democrático. ‘Sempre que se tem um sistema autoritário, a primeira medida tomada é o cerceamento à liberdade de expressão. E este, certamente, não é o caminho’, comentou. Alckmin disse que a imprensa é uma das essências de um regime democrático, portanto, não tem sentido a criação do conselho.

Ele lembrou que certamente existem certos abusos em possíveis denúncias divulgadas pela imprensa, mas ressaltou que no mundo inteiro é assim. ‘Para controlar certos abusos, temos o poder Judiciário e todos os instrumentos jurídicos disponíveis. Por isso, não vejo nenhuma razão para se criar instrumentos que podem ser utilizados para limitar uma ação de liberdade de expressão.’

O governador afirmou, também, que é necessário estar atento às discussões envolvendo a CPI do Banestado. ‘Para não permitir que um instrumento da democracia, um instrumento eficaz, um instrumento poderoso, um instrumento importante, que é a CPI, seja banalizado e sirva a interesses eleitoreiros ou de chantagem contra quem quer que seja.’ Para ele, as comissões de inquérito são fundamentais, mas não devem ser banalizadas.

Eleições – Apesar da queda do candidato do PSDB à Prefeitura, José Serra, nas pesquisas, Alckmin afirmou que a lógica indica que o tucano e a adversária do PT, Marta Suplicy, disputarão o segundo turno. ‘Indo para o segundo turno, o mais importante é a rejeição e o nosso candidato tem uma rejeição muito baixa, está fazendo uma boa campanha, é preparado e eu acredito muito na população.’

Ele também criticou as invasões anunciadas pelo Movimento dos Sem-Terra (MST): ‘Não tem o menor sentido.’ De acordo com Alckmin, é preciso fazer uma distinção entre as invasões e a bandeira legítima da reforma agrária. ‘São Paulo está fazendo um grande trabalho neste sentido. Agora, invasão de terra não faz o menor sentido, pois fazem parte de um movimento político que só depõe contra a bandeira correta.’’



Petrônio Souza Gonçalves

‘Existe ética para o poder?’, copyright Caros Amigos, 8/04

‘Durante a Ditadura Militar, anos em que as balas de chumbo abriram chagas na democracia brasileira, silenciosamente nas redações dos grandes jornais, jornalistas politizados empunhavam sua caneta e duelavam anonimamente contra o sistema ignaro e opressor. Muitos deles, trabalhando no campo subjetivista do jornalismo e das idéias, burlaram a censura burra e noticiaram aqui e ali o novo líder sindical que enfrentava de peito aberto o arroto roto dos golpistas entronados pelos canos quentes das metralhadoras. Ainda assim, munidos de civismo e de uma ética profissional, jornalistas de norte a sul do Brasil, acreditando na liberdade da informação, arriscaram sua própria vida e, timidamente, eficientemente, levaram a todos os novos raios do sol da esperança que nascia diariamente no centro industrial paulista e iluminavam todo solo pátria.

Os anos foram passando e o movimento sindical ganhando adeptos Brasil afora. Com o passar dos anos, o ex-operário tornou-se presidente da República e, sabendo como poucos do poder mobilizador da imprensa, já ensaia, timidamente, um golpe para calar aqueles que, de uma certa forma, o levaram a ser o grande portador e orador da esperança nacional. Depois do presidente Lula falar aos quatro ventos sobre denuncismo da imprensa, a Fenaj – Federação Nacional de Jornalistas – acolheu denúncia do presidente e começou a defender o projeto que tenta calar a voz insurreta e democrática daqueles que só existem para informar.

Lula está investindo no caminho mais difícil para acabar com as denuncias diárias contra o seu governo. Deveria ele criar um Conselho de Ética para o Exercício do Governo Federal, pois a ordem natural das coisas diz que a imprensa é que deve fiscalizar o governo, e não o governo a imprensa. Isto é, no mínimo, uma troca absurda de valores morais e éticos, coisa de ditadura caduca e anacrônica.

Se a preocupação da Fenaj e do governo fosse realmente com o jornalismo e sua ética, deveriam eles promover um amplo debate democrático acerca do assunto. Mas não, preferiram impor uma ordem de cima para baixo e a grita justa e honesta dos profissionais da imprensa e de toda sociedade já se ouve em todos os cantos do Brasil. Isto, na verdade, na maneira que está sendo conduzindo e proposto, direciona o nosso pensamento para a dúvida inequívoca: o que eles realmente querem com isso?! Será que os fantasmas das caras pintadas de Collor já começam a assombrar o presidente? Talvez Lula ainda não saiba, mas a imprensa nacional tem o seu Código de Ética e sua Lei de Imprensa e alguns, muitos, jornalistas já foram julgados e até condenados por eles. Se há alguma deficiência neste código, seria pelo menos mais honesto que fosse proposto uma discussão mínima sobre sua eficiência e abrangência. Agora, criar uma terceira via para fiscalizar o quarto poder que é fruto direto da liberdade, nos parece estranho, no mínimo, suspeito.

O Governo Federal, por meio de suas campanhas nacionais, é um dos maiores financiadores da grande mídia. Nas páginas dos jornais, a propagando e a realidade convivem diariamente lado a lado. Com a possibilidade da criação de um órgão interventor para aquele que redige diariamente a realidade pátria, poderíamos acreditar que a grande mídia – ‘por força da grana que ergue e destrói coisas belas’ – seria apenas uma assessoria de imprensa bem remunerada do poder vigente, do governo instituído, e nós todos compraríamos barato o que nos sai muito caro… um descalabro. Assim, não existiria mais o interesse da imprensa, apenas o da empresa e os proprietários dos jornais se veriam livres de terem que impor uma fiscalização nas suas redações. Um privilégio duas vezes conquistado. Uma atitude dessa não poderia nunca ser tomada por um governo que chegou ao poder pelos braços do povo. Definitivamente, não era para Lula e nem para o que ele representava…

Da casa-mor do jornalismo brasileiro, sua Associação Brasileira de Imprensa, o seu destemido presidente Maurício Azêdo colocou as cartas na mesa e declarou: ‘Conselhos federais são feitos para fiscalizar profissionais liberais. Não é o caso dos jornalistas, que, a meu ver, continuam sendo assalariados’. Fato maior disto tudo é que o direito do cidadão de saber diariamente pelas páginas dos jornais de como a sua vida realmente é, pode ser alvejado pelo medo de alguns de se pronunciar, protestar contra a indigência moral proposta. Enquanto isso, enquanto ainda temos a liberdade de nos pronunciarmos e de darmos nossa colaboração democrática ao debate em questão, vamos nós com a liberdade cívica encarnada e a ética profissional empunhada protestando, sem nunca esquecer que a fiscalização é o dedo em riste da opressão. Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor’



Veja

‘O valor da liberdade de imprensa’, copyright Veja, 17/8/04

‘Nunca faltaram na história humana tentativas, algumas bem-sucedidas, de impedir críticas dirigidas a quem exerce o poder. VEJA traz nesta edição uma reportagem com depoimentos de dezenas de brasileiros ilustres indignados com a recente iniciativa do governo do PT de implantar mecanismos de coerção da imprensa, da televisão e das atividades culturais no país. Foi um tiro no próprio pé dado por um governo que começa a colher os frutos em prosperidade e popularidade de seus acertos na condução da política econômica. Sem dúvida, foi também um retrocesso na lenta mas firme caminhada que o Brasil começou a empreender, nos últimos dez anos, rumo ao que se define como ‘sociedade aberta’. Esse tipo de organização social tem como base moral a democracia e como base material a economia de mercado. Uma sociedade aberta pressupõe a existência, ou pelo menos a busca, de uma Justiça eficiente, de instituições e mercados sadios, de uma classe média numérica e economicamente forte e de uma imprensa livre. As diferenças entre as sociedades abertas são de gradação – nunca de princípio. Por isso é fácil reconhecer quando elas são atacadas, como ocorreu na semana passada.

Em sua Ética a Nicômaco, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) produziu a definição clássica do papel da imprensa. ‘Alguns poucos cidadãos adquirem o poder de fazer políticas públicas. Todos, porém, têm o direito de criticá-las’, escreveu o famoso discípulo de Platão. A sabedoria de Aristóteles está principalmente em ter estabelecido que os governos e seus críticos, embora façam parte da mesma sociedade, ocupam nela esferas inteiramente diferentes. Os primeiros têm o poder. Os segundos, o direito. Por essa razão, a qualidade da imprensa deve ser sempre medida por seu grau de independência nas relações com os governos. Estes são tanto melhores quanto mais preservam a liberdade de seus críticos. Quem entendeu essa diferença de papéis com maior clareza foram os autores da Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, em 1791. Os legisladores americanos escreveram simplesmente que é vedado ao Congresso fazer leis impondo uma religião ou restringindo a liberdade de expressão e a de imprensa. Ponto. Sem adjetivos. Sem vacilação.’