Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Publicidade globalizada: um desafio à ética

Atualmente, na economia de mercado, há uma crescente preocupação por parte de alguns profissionais de publicidade em manter a ética em campanhas de produtos globalizados. O aspecto ético relevante está no respeito à identidade cultural dos países que se relacionam economicamente. Isso não é tarefa fácil para as empresas nem mesmo para os publicitários.

O cenário sócio-econômico, político e cultural do mundo mostra como algumas sociedades vêm se desenvolvendo com certas dificuldades, muitas ainda sobrevivendo, enquanto outras estão se enriquecendo rapidamente. Diante de tal discrepância econômica, muito se tem falado em ética na sociedade contemporânea, tecnológica e globalizada. Os intelectuais estão fazendo ressurgir, nas suas discussões acadêmicas, uma trilogia filosófica estudada desde as sociedades gregas – o ‘ethos-pathos-logos’. Preocupar-se com ethos é como preocupar-se com sua ‘casa’, no pensamento de Platão. A Ética vem do ethos. E Ética nada mais é que a correlação entre os princípios que acreditamos como verdadeiros e a forma como os aplicamos em nossas ações sociais.

No ethos ou ética encontram-se nossos bens, valores, gostos e crenças. Também é preocupação da ética ‘o cuidado, a cooperação e a co-responsabilidade'(BOFF, 2003:10-3). Ao entrarmos numa casa habitada logo percebemos, de forma geral, o ethos de quem nela habita. Quando tentamos interagir com alguém, mostramos para ele nosso ethos, nossos princípios, costumes, gestos, idiossincrasias e outras características que fazem parte desse ‘habitat interior’ do ser humano.

Ethos-pathos-logos

Transpondo as características do ethos para a sociedade de consumo, tais características podem estar sempre presentes em campanhas publicitárias. Porém, nem sempre isso acontece. A relação entre anunciante e público-alvo, ou de uma forma geral, entre a sociedade de consumo, baseia-se na trilogia do ethos – pathoslogos. Para se estabelecer a interação com a sociedade de consumo, o ethos da marca anunciada apóia-se no pathos do público-alvo, pois é no pathos que se relacionam determinados recursos responsáveis pelo estabelecimento da empatia entre anunciante e seu target ou público-alvo, visto que empatia significa ‘sentimento interno’ (en=dentro+ pathos=sentimento). Para Boff (2003:16) o pathos é a ‘sensibilidade humanitária e inteligência emocional expressas pelo cuidado, pela responsabilidade social (…) capazes de comover as pessoas e de movê-las para uma nova prática histórico-social (…)’. Quando o anunciante se coloca na situação de um possível consumidor ele está fazendo uso do pathos. O logos é a busca de um objetivo, de um resultado, uma conclusão ou uma satisfação. Para tanto, o logos apóia-se no julgamento, no juízo ou em uma conclusão feita pelo target.

Na sociedade globalizada, a relação entre anunciante e target, fundada nessa trilogia, tem como responsabilidade a preservação e aplicação dos valores éticos, respeitando a identidade cultural dos países envolvidos nesse intercâmbio econômico conhecido como globalização, também nomeado de mundialismo ou mundialização.

Algumas agências de publicidade têm conseguido realizar suas campanhas de forma condizente com essa trilogia, como a campanha de um produto genuinamente brasileiro, exportado para vários países americanos e europeus – a Cachaça Pirassununga 51. A campanha foi produzida pela Agência África em 2004, e veiculada nas revistas Veja, Isto é, entre outras. Seguindo a mesma tendência da ética aplicada à globalização, a campanha Dove Real, de uma empresa estrangeira, sobre sabonetes, produtos de beleza e de higiene, tem se mostrado politicamente correta em relação a isso, respeitando as diferenças entre etnias, raças e padrões de beleza.

Aguiar (2003:61) elucida que a Ética é tanto individual quanto coletiva e está preocupada em investigar os fatores que proporcionam felicidade humana ‘tanto em nível micro quanto em nível macro’. Outros produtos globalizados no mundo inteiro, como as marcas Coca-Cola e Nike usam, na maioria das vezes, o mesmo slogan para diferentes culturas e etnias, passando sempre a mesma ideologia do ‘prazer e do sucesso’. Será que é ético usar o mesmo slogan para diferentes culturas?

Paralelamente, Edgar Morin (2003), pensador contemporâneo, argumenta que existem contradições éticas e o problema ético surge quando dois deveres antagônicos se impõem. Alega que a Ética é egoísta visando, porém, uma direção altruísta. Se pararmos para lembrar as recomendações da comissária de bordo assim que sentamos em um avião, veremos que Morin está coberto de razão. Entre as recomendações que ouvimos em caso de emergência no avião, está: ‘Caso esteja ao lado de uma criança, coloque a máscara de oxigênio primeiro em você e depois na criança’. Pois a criança não saberá fazê-lo e mesmo que saiba, precisará de um adulto para tomar outras decisões vitais para ambos naquele momento. E esta real situação justifica as seguintes palavras de Morin: ‘Todo olhar sobre a ética deve reconhecer o aspecto vital do egocentrismo assim como a potencialidade fundamental do desenvolvimento do altruísmo'(2003., 21). Cabe aqui outra pergunta: até que ponto a globalização é altruísta?

O consumidor nasce antes do consumo

É bastante interessante a análise que Santos faz da atual sociedade de consumo, em geral. Notou que ‘o consumo muda de figura ao longo do tempo (…) Atualmente, as empresas hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos’ (Santos, 2004: 48). Justifica Morin (2005:162-168), que o termo globalização deve ser compreendido não apenas de maneira tecnoeconômica, mas também como uma relação complexa entre o global e as particularidades locais.

No entanto, a globalização é capaz de popularizar um produto ou elitizá-lo, dependendo de como este vai atender aos interesses da oferta e procura. Seguindo os passos da globalização, as sandálias Havaianas vêm alcançando uma trajetória de sucesso, ao longo desses quase 30 anos de publicidade da marca, por meio da elitização desse produto.

Conclusão

No processo de globalização estão em jogo as ideologias de quem exporta e de quem importa. É um intercâmbio entre jogos de interesses. Em uma sociedade de consumo globalizada e tecnológica é importante que se mantenha viva essa trilogia ‘ethos-pathos-logos’ porque sem ela não é fácil a economia globalizar seus produtos. Respeitar as identidades culturais dos países que buscam esse mercado globalizado tem sido um desafio criativo, ético e lucrativo, onde todos saem ganhando, empresas, publicitários e consumidores.

Este texto foi publicado na íntegra na Revista Líbero – revista da Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero – SP, número 18, com o título ‘Ethos e Globalização: uma visão publicitária’.

Bibliografia

AGUIAR, E. B. Ética: instrumento de paz e justiça. Natal – RN: Tessitura,2003.

BOFF, L. Ethos Mundial – um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro, Sextante, 2003.

MORIN, E. O método 6: ética. Porto Alegre-Rs: Sulina, 2005.

SANTOS, M. Por uma globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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Docente da Universidade de Brasília, no curso de Comunicação – área de Publicidade, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal)