Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Putin é personalidade do ano da revista Time

Leia abaixo a seleção de quinta-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Quinta-feira, 20 de dezembro de 2007


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Incerteza (e calma)


‘Na nova edição, com Mao de Papai Noel na capa, a ‘Economist’ deu sua visão da CPMF. Lula ‘não faz bem’ o jogo de costume no Senado e a oposição não queria o dinheiro com o governo em ‘ano de eleições’. O resultado, no enunciado, foi uma ‘nova incerteza para as finanças públicas… mas não um desastre para o governo’, que poderia cobrir a diferença elevando outros impostos. ‘Mas o déficit fiscal está perto de 2% do PIB’, daí o temor do ‘mercado financeiro’, de que o Brasil não receba o sonhado ‘grau de investimento’, e a idéia do ‘novo imposto’ de Guido Mantega. Diante de ambos, ‘Lula foi mais sereno’ e sugeriu ‘calma’.


Até porque, como deu o Terra em manchete, este ano a economia deverá crescer 5,2%, segundo o Ipea. O site do ‘Wall Street Journal’ também deu, notando porém que o órgão ‘não soltou previsões para 2008’.


O MUNDO DÁ VOLTAS


Manchete de ‘Wall Street Journal’ e ‘Financial Times’, o Morgan Stanley, em crise, tomou bilhões da China. É ‘o terceiro top’ a apelar a fundos soberanos dos emergentes. ‘As voltas que o mundo dá!’, reagiu Míriam Leitão no blog.


Guido Mantega há semanas busca viabilizar, sob fogo de analistas e do Banco Central, o fundo soberano brasileiro.


PROTECIONISMO 2008


Em destaque na home page da Folha Online e demais, a confirmação de que ‘União Européia vai adotar medidas contra a carne brasileira’. Por aqui, da parte dos pecuaristas, reações ao ‘protecionismo’.


Por lá, via agências como Bloomberg e Reuters, ‘não é o bastante’, apenas ‘um passo significativo’, avaliou o lobby dos pecuaristas irlandeses.


O BISPO E OS ATORES


O Supremo liberou as obras no rio, o bispo desmaiou e foi parar no médico -que o tirou da greve, momentaneamente.


Foi manchete nos sites daqui e o maior destaque de ontem nos sites de busca de notícias do Brasil, pelo mundo. Nem assim d. Luiz Capppio entrou, afinal, na escalada do ‘JN’.


Antes do fim do dia, de todo modo, mais atores globais se apresentaram para dar apoio.


‘SANTA UNDER FIRE’


Os prestigiosos ‘New York Times’ e ‘El País’, os londrinos ‘Guardian’ e ‘Telegraph’ e muitos mais prosseguiram com humor na repercussão do Papai Noel metralhado ao sobrevoar o Rio, a caminho de uma festa.


Os mais incontidos ‘USA Today’ e ‘The Sun’, também. Até a Fox News, que chegou a dar em título que ‘Papai Noel foi derrubado a bala no Rio’. Aliás, ‘corajoso Papai Noel’.


VÍTIMAS SENSUAIS


O jornal paródico ‘The Onion’ soltou um ‘Atlas’ mundial, retratando China, EUA etc. Sobre o Brasil, diz que ‘tem as pessoas mais sensuais que já foram esfaqueadas à noite’ e ‘as vítimas de seqüestro mais atraentes no mundo’.


‘BAGUNCEI’


‘Pânico’ no Orkut, ‘horror’ na madrugada. A rede social ‘travou’ com um ‘worm’ que tornava o receptor parte da comunidade Infectados pelo Vírus (dir.). Em poucas horas, passou dos 500 mil e iniciou uma reação, a partir do blog de Alexandre Inagaki, contra o ‘(ir)responsável por toda a confusão’. Este se explicou em seu blog, no post ‘Baguncei o Orkut’, afirmando que ‘não passou de uma brincadeira’.


A brincadeira foi parar na revista on-line Salon, com ironias à rede que só pegou no Brasil e Índia, e até no ‘Washington Post’. Em ambos, a avaliação de que, sem ser ‘ameaçador’, revelou a ‘vulnerabilidade’ do Orkut.


MAIS E MAIS ORKUT


Em levantamento Ibope/ NetRatings exclusivo para a Folha Online, a notícia de que o internauta brasileiro gasta cinco horas por mês no Orkut -contra apenas uma hora e meia para abrir seus e-mails.


NOVO VELHO BLOG


Blogs de mídia como Buzz Machine, referência nos EUA, destacam que o Gawker, um célebre coletivo americano, mudou tudo e agora contrata blogueiros ‘com pelo menos dois anos de jornal diário’.


‘Time’ elege Putin personalidade do ano


Apesar de elogiar liderança do presidente russo, revista critica restrição de liberdades; Al Gore fica em 2º


DA REDAÇÃO


Com uma reportagem intitulada ‘Nasce um Czar’, a revista americana ‘Time’ elegeu ontem o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a personalidade de 2007. A escolha se deve à sua ‘extraordinária liderança ao assumir um país caótico e levá-lo à estabilidade’, disse Richard Stengel, editor da revista.


O Kremlin comemorou a notícia: ‘ Putin devolveu à Rússia seu papel de ator maior do planeta’, disse o porta-voz Dimitri Peskov. A Casa Branca não comentou, limitando-se a dizer que Putin ‘desperta interesse’.


A ‘Time’ explica que o título não significa apoio nem honraria. ‘Na melhor das hipóteses, [a escolha] é um reconhecimento do mundo como ele é e dos mais poderosos indivíduos e forças que conformam este mundo -para melhor ou para pior.’ Stengel chegou a afirmar que ‘Putin é o novo czar da Rússia e é perigoso, pois não se preocupa com liberdades civis ou de expressão’.


Controvérsia


A dubiedade da revista reflete a controvérsia que Putin causa, especialmente nos EUA. Neste ano, ao menos dois temas colocaram russos e americanos em lados opostos: a proposta de independência da Província sérvia de Kosovo, rejeitada pelo Kremlin e apoiada por Washington, e o plano do Pentágono de instalar bases de um escudo antimísseis no Leste Europeu, o que Moscou vê como ameaça.


Em um discurso já em fevereiro, Putin criticou Washington pelo ‘uso excessivo, quase descontrolado, da força… que está arremessando o mundo em um abismo de conflitos’. Os EUA responderam apontando o que vêem como um retrocesso nos direitos humanos e políticos na Rússia sob Putin.


Na área militar, neste ano a Rússia suspendeu a participação em um tratado que limita deslocamentos de forças na Europa e anunciou o reinício da patrulha aérea de longa distância com bombardeiros.


Na política interna, Putin dominou com facilidade. Nas eleições para a Duma (Câmara Baixa), o Rússia Unida, de Putin, abocanhou 70% das vagas. Ele foi eleito deputado e, depois de dar seu apoio ao vice-premiê Dmitri Medvedev para disputar a Presidência, em 2008, disse que será premiê ‘quando’ seu escolhido for eleito.


Em entrevista que concedeu à ‘Time’, Putin diz que os EUA dão ‘a impressão de que precisam de vassalos’ e não de amigos. ‘Eles dizem: ‘vamos reprová-los um pouco porque eles [os russos] não são muito civilizados, são meio selvagens, acabaram de descer da árvore’.’


Desde que Putin assumiu, em 2000, a Rússia obteve US$ 1 trilhão em receitas de petróleo e gás. O país cresceu 7% ao ano nos últimos cinco anos.


Putin disputou o título com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, que ficou em segundo lugar, e com a autora da saga Harry Potter, J.K. Rowling. Entre as pessoas de importância em 2007, a ‘Times’ lista o venezuelano Hugo Chávez e o francês Nicolas Sarkozy. George W. Bush não entrou.’


 


EUA
Folha de S. Paulo


Casa Branca quer que NYT ‘corrija’ texto sobre fitas da CIA


‘A Casa Branca solicitou ontem ao jornal ‘New York Times’ que ‘corrigisse’ texto publicado em seu site dando conta de que o governo teve uma participação maior do que admite na discussão sobre a destruição de fitas mostrando interrogatórios de supostos terroristas. As fitas, gravadas e destruídas pela CIA (agência de inteligência dos EUA), supostamente mostravam o emprego de tortura em interrogatórios de dois suspeitos de terrorismo conduzidos em 2002.


‘Ao menos quatro advogados de alto escalão da Casa Branca participaram das discussões com a CIA, entre 2003 e 2005, sobre se se devia destruir os tapes exibindo o interrogatório de dois membros da Al Qaeda’, afirma o texto do NYT, com as informações atribuídas a ‘ex e atuais funcionários do governo e da inteligência’.


Em nota oficial, a Casa Branca declarou que a ‘conclusão do ‘New York Times’ de que há um esforço para criar confusão sobre esse assunto é perniciosa e danosa’, pedindo formalmente que o jornal ‘corrija’ a matéria.


A Presidência dos EUA reiterou ainda que a destruição das fitas, sob investigação do Departamento de Justiça, só chegou ao conhecimento do presidente George W. Bush quando informada a ele por Michael Hayden, o diretor da CIA, no início deste mês.


Até o fechamento desta edição era possível encontrar no site do NYT a matéria completa.’


 


FRANÇA
Folha de S. Paulo


Direção do Le Monde anuncia sua demissão


‘Os três dirigentes do ‘Le Monde’ anunciaram ontem estar demissionários, em razão da resistência dos jornalistas às ‘medidas de recuperação e reestruturação necessárias para assegurar a sobrevivência de nossas publicações’. Estão de saída o presidente, Pierre Jeantet, o vice-presidente, Bruno Patino, e Eric Fottorino, diretor da Redação. O conflito surgiu porque os jornalistas, que têm o controle acionário, rejeitaram arcar com os prejuízos da filial do grupo que opera o portal eletrônico.’


 


RESPOSTA
Paulo Nogueira Batista Jr.


Palavras, palavras, palavras


‘O ‘ESTADO de S.Paulo’ ainda não entrou no espírito natalino. Na segunda-feira passada, o jornal voltou a bombardear impiedosamente a minha atuação na diretoria do FMI, dessa vez em editorial, com chamada na primeira página. O texto veio muito pesado, repleto de ataques pessoais.


O que fiz para merecer tanta atenção? Estou um pouco perplexo. Sinceramente, não podia imaginar que estivesse incomodando tanto daqui de Washington. Consola-me lembrar que, como dizia Tchékhov, ‘o insulto é irmão da publicidade’. Um colega de diretoria lembrou a propósito uma observação de dom Quixote que também ajuda neste momento: ‘Ladran, Sancho, señal que cabalgamos’.


Mas, enfim, não pretendia falar sobre o FMI outra vez. Hoje, eu queria pedir licença ao leitor para divagar um pouco e fazer uma pequena homenagem às palavras. A palavra é um grande instrumento, e é preciso tratá-la com muito cuidado. A minha grande ambição seria escrever bem -mas bem, mesmo, saber trabalhar as palavras com carinho, amor, elegância- e brilho. Como o já citado Tchékhov, que, em carta a outro escritor russo, fez a seguinte memorável recomendação: ‘Escreva um conto sobre um jovem, filho de servo, antigo vendedor de armazém, corista de igreja, ginasiano e depois universitário, que foi educado para respeitar a hierarquia e para acatar as idéias alheias, que agradecia por cada pedaço de pão, que foi muitas vezes açoitado, (…) que era hipócrita diande de Deus e dos homens, sem nenhuma necessidade, simplesmente por ter consciência de sua própria insignificância; escreva como esse jovem espreme, gota a gota, o escravo que tem dentro de si, e como ele, ao acordar numa bela manhã, sente que em suas veias já não corre mais o sangue do escravo, e sim o de um verdadeiro homem’.


Grande Tchékhov! As palavras do escritor russo atingem em cheio o brasileiro, pois nós sabemos perfeitamente do que ele está falando, por vivência própria de um passado não totalmente superado, de um passado-presente que ainda marca profundamente a nossa nação. Outra passagem que há muito me fascina é de Maurice Barrès, escritor nacionalista francês do final do século 19/início do século 20, hoje praticamente esquecido. Dou aqui a minha tradução, ligeiramente condensada por falta de espaço. Ela foi tirada do livro ‘A Morte de Veneza’: ‘À nossa direita, Veneza se estendia rente ao mar. Colorações fantásticas se sucediam, que teriam forçado à emoção a alma mais indigente. (…)


Enquanto no ocidente o céu se liquefazia em um mar ardente, sobre nossas cabeças as nuvens renovavam perpetuamente as suas formas, e a luz do crepúsculo as penetrava e saturava dos seus inúmeros fogos.


As suas cores delicadas e dilaceradas de lirismo se refletiam na laguna, de modo que nós deslizávamos sobre os céus. As nuvens nos cobriam, nos carregavam, nos envolviam de um esplendor total e, por assim dizer, palpável. Vencidos por essas magias, já havíamos perdido toda noção de realidade, quando manchas escuras apareceram, cresceram sobre a água, depois nos envolveram na sua sombra. Eram os monumentos dos doges’.


Passagem um pouco grandiloqüente, talvez, mas linda mesmo assim. É dessas que precisam ser lidas em voz alta, hábito que perdemos e precisaríamos recuperar. Eu sempre quis citar esse ‘incêndio de Veneza’, mas não sabia como. Agora consegui. Bem sei que forcei a barra. Paciência. Na semana que vem, volto à polêmica econômica.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).’


 


INCLUSÃO
Johanna Nublat e Angela Pinho


‘Laptop de US$ 100’ sai por US$ 360 e pregão é suspenso


‘O governo federal não conseguiu fechar ontem a compra do famoso ‘laptop de US$ 100’ -mesmo depois de um dia e meio de negociações- por considerar os lances do pregão ‘muito acima da expectativa’.


O preço mínimo, ofertado pelo grupo Positivo, foi de R$ 654, cerca de US$ 360, muito mais do do que pretendia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em novembro de 2006.


Na época, o presidente afirmou: ‘Nós já chegamos ao preço de US$ 150, mas o desejo é construir um de US$ 100’, depois de se encontrar com Nicholas Negroponte, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA), quem primeiro apresentou a Lula a proposta dos laptops de baixo custo.


Se mantido o valor individual de R$ 654, o governo vai gastar R$ 98,1 milhões com a compra dos 150 mil laptops. Depois de fechados os lances, ontem por volta das 12h, o governo passou à negociação com a Positivo, com o intuito de baixar o valor.


Líder nacional na venda de computadores, a Positivo também tem a segunda maior fatia do mercado na América Latina (6,8%, atrás da HP, que tem fatia no mercado de 15,2%), apesar de vender apenas no Brasil. Os dados são do instituto Gartner, referência mundial no mercado de tecnologia.


Ofertas incompatíveis


No primeiro dia de lances (terça-feira), o pregoeiro considerou as ofertas ‘completamente inaceitáveis’. ‘Enfatizamos que há de ser um desconto bastante substancial, sob pena de não ser viabilizada a aquisição’, escreveu o pregoeiro na internet.


Até o final da tarde de ontem, não havia definição de preço e o pregão foi novamente suspenso. A assessoria do Ministério da Educação espera que a negociação seja finalizada hoje.


O modelo apresentado pela Positivo, em parceria com a Intel, foi o Classmate PC, usado em dois pilotos do projeto UCA (Um Computador por Aluno) -em Piraí (RJ) e em Palmas (TO).


Impossível


Responsável pelo projeto em Piraí, a professora Maria Helena Cautiero Jardim relativizou a importância da escolha da máquina pelo governo.


‘Para nós, educadores, não é o equipamento A, B ou C, mas a possibilidade de trabalho que a ferramenta possibilita’, disse a professora. Sobre os valores do pregão, Jardim afirmou: ‘Eu esperava essa margem, US$ 100 é impossível’.


Já a professora Léa Fagundes, responsável pelo UCA em Porto Alegre, disse ter ficado surpresa com os lances. ‘No Uruguai, onde houve licitação há pouco tempo, o XO ganhou por US$ 200’, afirmou.


O modelo XO é representado pela OLPC (sigla em inglês para um computador por aluno), entidade presidida por Negroponte. A menor proposta oferecida por ela foi de R$ 697 (US$ 387).


A professora atribui a diferença à alta carga tributária e às grandes distâncias do país -a empresa é responsável pela entrega e pela assistência técnica às 228 cidades contempladas.’


 


EDUCAÇÃO
Angela Pinho, Antônio Gois e Fábio Takahashi


Só 12,1% dos jovens entre 18 e 24 anos são universitários


‘Apenas 12,1% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos estão matriculados em algum curso superior. O número, divulgado ontem, mantém o país distante da meta do Plano Nacional de Educação de chegar a pelo menos 30% em 2011.


Integrantes do próprio governo admitem que será muito difícil o país chegar a esse patamar daqui a quatro anos.


O presidente do Inep (instituto de pesquisa ligado ao MEC), Reynaldo Fernandes, argumenta, por outro lado, que o número ficou estagnado no patamar de 9% durante muito tempo e só começou a se mover recentemente. De 2005 para 2006, as matrículas de jovens no ensino superior cresceram 1,2 ponto percentual -o índice era de 10,9 há dois anos e havia sido de 10,4 em 2004.


Uma das razões para esses baixos valores é a repetência ou mesmo a entrada tardia do aluno na educação básica, que faz com que ele ingresse na universidade com mais de 24 anos. Há também o fato de os alunos do ensino à distância -que correspondem a 4,4% da presencial- serem, em média, seis anos mais velhos do que os estudantes da educação presencial.


Ainda assim, porém, se todos os matriculados no ensino superior tivessem entre 18 e 24 anos -faixa considerada adequada para esse nível- a taxa de matrícula ficaria em 20,1%.


Os dados divulgados ontem confirmam ainda que, embora não seja suficiente para o índice geral de matrículas, a graduação à distância registrou crescimento de 80,7% em relação a 2006, contra 5,4% da educação presencial no período.


Lula e FHC


O censo da educação superior de 2006 fecha os números do setor durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Após cinco anos de quase estagnação, o número de vagas oferecidas pelas instituições federais de ensino superior aumentou 14,4% de 2005 para 2006, o maior crescimento nos últimos dez anos. Esse aumento, porém, ainda não se refletiu no número de alunos matriculados e, com isso, o presidente Lula terminou seu primeiro mandato registrando um crescimento inferior ao verificado nos dois mandatos de FHC.


Considerando apenas as matrículas -ou seja, o total de alunos que estudavam em todas as séries do ensino superior-, o crescimento no primeiro governo Lula (2003 a 2006) foi inferior ao dos dois mandatos de FHC (1995 a 1998 e 1999 a 2002). No governo Lula, o número de alunos em universidades federais cresceu apenas 4%. No primeiro mandato de FHC, essa variação foi de 11% e, no segundo, de 20%.’


 


Jovens do DF vivem melhor; SP ocupa o terceiro lugar em ranking


‘O Distrito Federal é a unidade da federação em que os jovens vivem melhor, enquanto Alagoas é o pior lugar. A conclusão é de um estudo do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, da Ritla (Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana). O ranking foi feito de acordo com o IDJ (Índice de Desenvolvimento Juvenil), que é bianual e considera indicadores de mortalidade, qualidade de ensino, matrículas e renda. Semelhante ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), vai de zero a um.


O Distrito Federal aparece em primeiro lugar, com 0,666, substituindo Santa Catarina (0,647), que liderava o ranking desde 2003, quando o índice foi criado. São Paulo ficou em quarto lugar em 2003 e 2005 e, neste ano, subiu uma posição, com 0,627. Na lanterna nos três anos, Alagoas fica com 0,367. O número do Brasil é de 0,537 -0,002 a mais do que nas duas últimas medições.


O paulistano Cássio Sá de Camargo, 29, que se mudou para Florianópolis (SC) há sete anos, dá a sua versão para o resultado: ‘O povo daqui vive para curtir a vida, para ser feliz. Em São Paulo, as pessoas pensam muito em dinheiro’.


Desigualdade


O Relatório de Desenvolvimento Juvenil faz também um diagnóstico da desigualdade no Brasil. Mais de um terço (35%) dos jovens de 15 a 24 anos que estão entre os 10% mais pobres não trabalham nem estudam. Para Jacobo, o dado mostra que a expansão de matrículas no ensino fundamental não chegou a outros níveis escolares.


No outro extremo, o dos 10% mais ricos, esse percentual é de 8%. Entre todos os jovens, essa situação de falta de trabalho e de estudo atinge 20% dos brasileiros de 15 a 24 anos.


A maior aparente ociosidade é encontrada entre mulheres, o que pode ser um reflexo da dificuldade de entrada no mercado de trabalho e da incidência de gravidez entre adolescentes, especialmente nas faixas mais pobres. Entre os homens, o percentual dos que não estudam nem trabalham é de 13%, variando de 23% entre os mais pobres a 6% entre os mais ricos.


Somente entre as mulheres, o percentual total sobe para 28% -mais que o dobro entre os homens-, indo de 46% entre as mais pobres a 10% entre as mais ricas.


No caso dos homens, a principal explicação para esses percentuais menores é o fato de a maioria deles já estar no mercado de trabalho, seja conciliando emprego e estudo (41% dos casos), seja somente trabalhando (20%).


Entre as mulheres jovens, essa inserção no mercado é bem menor: apenas 15% conciliam as duas atividades e 25% só trabalham.’


 


CINEMA NACIONAL
Marcos Augusto Gonçalves


Cinema reservado


‘OS CINEASTAS brasileiros querem aumentar a reserva de mercado para a produção nacional. É uma reivindicação legítima. Como seria legítimo eu, como espectador, reivindicar filmes melhores. Não apenas por gostar da cultura brasileira e querer vê-la florescer, mas também pelo fato de o cinema nacional ser amplamente financiado com dinheiro público.


Não é improvável que o espectador médio veja com antipatia a idéia da ‘cota de tela’, que impõe ao mercado um critério baseado na nacionalidade. A turma da pipoca, em busca de entretenimento, muito possivelmente prefere maus filmes americanos a maus filmes brasileiros (talvez até a bons). A reserva de mercado vem com um certo ranço antiamericanista, e é bom lembrar que, queiramos ou não, o cinema americano faz parte da cultura brasileira, como faz parte da cultura global. Formou platéias, definiu um gosto, fixou-se na memória cultural e afetiva do país.


Já o cinema brasileiro tem vivido de surtos. É de Ferreira Gullar a célebre frase: ‘A crase não foi feita para humilhar ninguém’. Eu diria que o cinema também não, embora no Brasil às vezes tenha-se a impressão de que sim.


É verdade que temos visto bons filmes, mas é verdade também que produzimos uma prodigiosa safra de abacaxis, que não atrai público nem eleva o padrão da cinematografia. Por que num ambiente de recursos tão escassos gasta-se com tanto lixo? Será que mais ‘cota de tela’ vai se traduzir em mais qualidade? Ou apenas em mais salas vazias?


Sempre é possível fazer raciocínios não muito complicados que acenem com a probabilidade de que no futuro o arco de filmes de qualidade se amplie, caso defendamos hoje medidas que ‘fomentem o desenvolvimento’ da nossa indústria. Mas será que as atuais regras são as mais adequadas?


Não se trata de enveredar pelo blablablá mercadista bravateiro, mas de discutir a qualidade das políticas públicas para o setor, se elas são uma plataforma de fomento ou uma distribuição ineficiente de recursos, sem risco e contrapartidas, que tende a se perpetuar em meio a pressões por mais proteção.


É claro que políticas de incentivo exigem medidas que possam conferir mais equilíbrio a uma concorrência assimétrica, mas filmes que saem do forno pagos, não geram público e são exibidos por força de cotas não parecem ser o melhor caminho. É preciso pensar aonde se quer chegar -e se é que se pode chegar com as regras atuais.’


 


Silvana Arantes


Retrato de SP, ‘O Signo da Cidade’ chega à tela em 25/1


‘No próximo aniversário de São Paulo, dia 25 de janeiro, os paulistanos Carlos Alberto Riccelli e Bruna Lombardi revelam ao público seu retrato filmado da metrópole, lançando o longa ‘O Signo da Cidade’, que tem roteiro dela e direção dele.


Já exibido e premiado em festivais, o filme acompanha histórias paralelas, alinhavadas pela voz e pelos conselhos da locutora Teca (Lombardi).


Enquanto comanda um programa noturno de rádio, que serve de refúgio para a solidão e a angústia da maioria das demais personagens, Teca atravessa um período de vácuo amoroso e de revisão da própria história familiar.


Bruna e Riccelli estenderam sua parceria criativa até à trilha sonora do filme. Foi escrita por ela e musicada por ele a canção ‘Sozinho na Cidade’, gravada especialmente para o filme por Caetano Veloso, autor de ‘Sampa’, uma definitiva síntese musical da cidade.


Os versos de ‘Sozinho na Cidade’ têm um tom indagativo. ‘Pra onde foi tudo o que eu tinha/Pra onde você foi/E eu/ Vou pra onde?’ A dúvida sobre o próprio destino é o sentimento que domina o personagem do jovem Gabriel (Kim Riccelli), no momento em que a música se associa às imagens dele.


Estréia


‘O Signo da Cidade’ marca a estréia no cinema do ator Kim Riccelli, filho da roteirista e do diretor. Bruna conta que escreveu o papel pensando em Kim para interpretá-lo. Ela fez o mesmo com os personagens desempenhados por Juca de Oliveira, Denise Fraga, Graziella Moretto e Luis Miranda.


Riccelli afirma que, ‘quando você tem o ator certo, já é meio caminho andado’ e diz que, por isso, ‘foi muito simples’ a relação com o elenco. Mas o diretor cita sua própria experiência como intérprete de personagens para ressalvar: ‘Ao mesmo tempo, sei que nada é simples para um ator’.


Bruna diz que a ‘delicadeza’ é a característica mais marcante de Riccelli no trato com os atores e corrobora a avaliação dele sobre a permanente complexidade do ato de interpretar. ‘Mesmo tendo escrito o filme, fui para o set mais perdida do que qualquer outro ator’, diz.


Como roteirista, ela estava segura, desde a primeira linha do texto, de que queria abordar temas como ‘a invisibilidade’ e tratar ‘dos heróis anônimos, aqueles que seguram a barra, mas são esquecidos na estrutura social, sendo que, sem eles, a estrutura arrebenta’.


O ímpeto de falar desse tema está relacionado à constatação de Bruna de que ‘os valores humanistas viraram um luxo que se perdeu e estamos massacrados por valores que não são exatamente os nossos’.


A acolhida que ‘O Signo das Cidades’ teve em festivais fez diretor e roteirista sentirem-se ‘recompensados por acreditar na inteligência do público’.’


 


TELEVISÃO
Mariana Botta


Especiais têm de Derico gay ao batido show de Roberto Carlos


‘O bem-sucedido ‘Os Amadores’ é uma das boas opções da programação deste final de ano. O especial da Globo, já exibido em 2005 e 2006, vai ao ar amanhã com Derico, músico do ‘Programa do Jô’, interpretando um homossexual.


‘Ele é um cara desinibido, que foge do estereótipo do bonitão. Era o que a gente queria para o primeiro caso gay de Jaime [papel de Matheus Nachtergaele]. Tinha de ser alguém bacana, que tivesse uma barriguinha. Derico foi seriíssimo e fez as cenas superconvincente, com olho no olho mesmo’, conta o diretor de ‘Os Amadores’, José Alvarenga Júnior.


Com elenco de peso -além de Nachtergaele, Murilo Benício, Cássio Gabus Mendes e Otávio Muller-, a atração foi indicada duas vezes ao Emmy, o Oscar da TV, e está confirmada na programação em 2008. ‘Será semanal, com uma temporada que deverá ter de 12 a 16 episódios. A previsão de estréia é junho, pois Cássio [Gabus Mendes] está na novela [‘Desejo Proibido’]. Só não estreou antes por causa do elenco.’


Na Record, quem deve vir para ficar é a sitcom ‘Louca Família’, projeto de Tom Cavalcante nos moldes do global ‘Sai de Baixo’. ‘Será uma grande experiência para vermos se agrada ao público’, diz o diretor Bruno Gomes, do ‘Show do Tom’.


O humorista aposta no sucesso. ‘Meu personagem é propositalmente parecido com o Ribamar [de ‘Sai de Baixo’], quero que as pessoas façam essa associação quando o virem.’


No mais, a TV aberta oferece as atrações habituais de todo final de ano: Roberto Carlos, Xuxa, shows de cantores famosos e filmes, além dos programas de todas as semanas com cenografia temática, do tipo ‘Mais Você Especial de Natal’, que a Globo exibe no dia 25.


‘Há uma queda natural da audiência em razão das férias, mas vale a pena investir em uma programação diferenciada, porque alcançamos o chamado ‘telespectador pontual’, que se interessa por produtos específicos’, diz Elisabetta Zenatti, diretora de programação e artística da Band.’


 


Laura Mattos


Governo decide subir classificação de ‘Duas Caras’ para 14 anos


‘O Ministério da Justiça decidiu ontem elevar a classificação da novela ‘Duas Caras’, da TV Globo, de 12 para 14 anos. A reclassificação se deu em razão de cenas consideradas de apelo sexual, como as que a atriz Flávia Alessandra, com pouca roupa, faz a ‘pole dancing’ -dança de strippers em um poste.


Com a decisão, a novela só poderá entrar no ar a partir das 21h, o que já ocorre em Estados que adotam o horário de Brasília, mas não naqueles que têm de uma a três horas a menos de diferença -toda a região Nordeste ao longo do horário de verão e parte da Norte e Centro-Oeste durante o ano todo. A obrigatoriedade de cumprir o horário entra em vigor no dia 9.


Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça, a quem a classificação da TV é subordinada, afirmou ontem que a decisão ‘foi técnica, baseada na avaliação dos classificadores’.


‘Não posso dar a minha opinião porque, se a Globo recorrer, a nova decisão poderá caber a mim’, disse Tuma Jr., que tem uma filha de 13 anos que assiste à novela.


A Globo deve entrar com recurso, e o ministério tem 30 dias para uma nova sentença.


‘Duas Caras’ é a primeira novela a ser reclassificada pela nova portaria de classificação indicativa, assinada em julho.


Ela estipula que a própria emissora classifique seus programas -foi, portanto, a Globo que decidiu que ‘Duas Caras’ poderia ser exibida a partir das 20h (imprópria para menores de 12 anos). Determina também que o Ministério da Justiça faça a reclassificação se considerar que há inadequação do conteúdo à faixa etária.


A portaria também obriga as emissoras a respeitarem os diferentes fusos do país, para que uma novela classificada para as 21h, por exemplo, não vá ao ar às 18h no Acre. Para isso, as TVs de outros Estados terão de gravar a programação e exibir com atraso. As faixas se dividem em livre, imprópria para menores de 12 anos (20h), 14 (21h), 16 (22h) e 18 (23h).


Outro lado


A Central Globo de Comunicação afirmou que só irá se pronunciar no momento em que for oficialmente notificada ou quando a decisão for publicada no ‘Diário Oficial da União’, o que deve ocorrer entre hoje e amanhã. No recurso ao Ministério da Justiça, a emissora deverá alegar que a novela sofreu mudanças para se adequar à faixa dos 12 anos.


Hoje vai ao ar o capítulo em que a danceteria onde Flávia Alessandra faz a ‘pole dancing’ é destruída por uma explosão. Sua personagem passará a dar aula da ‘dança do poste’ em academias comportadas.


Em seu blog, Aguinaldo Silva, autor de ‘Duas Caras’, relaciona indiretamente esse episódio à censura. Escreve que, em 1985, não precisou explodir a boate Sexus, da novela ‘Roque Santeiro’, apesar de haver censura ‘oficial’ à época.


E ironiza: ‘Hoje todos nós criadores devemos dar graças aos céus, pois vivemos num governo democrático, cujos líderes lutaram bravamente contra as arbitrariedades de então e, por isso, jamais admitiriam o retorno desse estado de coisas’.’


 


Tuma Jr. julga se filha pode assistir à novela


‘O secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., tem em casa um bom laboratório se precisar decidir se ‘Duas Caras’ é imprópria a menores de 12 ou 14 anos.


Sua filha tem 13 e assiste à novela. Se o secretário tiver de julgar um recurso da Globo e mantiver a reclassificação para 14 anos, estará considerando que ‘Duas Caras’ não é adequado à garota. Se concordar com a Globo, libera a novela para a filha.


‘Você está me colocando na parede’, disse, rindo, ao ser questionado sobre a filha.


Delegado de polícia, Tuma Jr. já fechou várias casas noturnas por favorecimento à prostituição. Agora, o departamento de classificação do Ministério da Justiça, subordinado a ele, é apontado como responsável indireto pela explosão da boate da novela. ‘É injusto dizer isso [que ele fechou a danceteria fictícia]. A decisão não foi minha.’


Ele não arrisca afirmar se a boate da novela favorece a prostituição. ‘Você vai me perguntar isso com tanta delicadeza, e eu não vou responder até a morte.’’


 


Eduardo Simões


Atração relembra exílio de Victor Hugo


‘Produzido pelo canal franco-alemão Arte, o documentário ‘Victor Hugo: The Artist’s Eye’ (Victor Hugo: o olho do artista), que o Sesc TV exibe hoje à noite, apresenta uma insólita narrativa dos 20 anos de exílio do poeta, romancista e dramaturgo francês Victor Hugo (1802-1885), autor de, entre outros, ‘Os Miseráveis’.


As duas décadas, vividas na Bélgica e na Inglaterra, são repassadas através da narração de fragmentos de seus textos e de uma variedade de desenhos de tons sombrios, feitos a lápis e carvão pelo próprio escritor.


O resultado é um triste porém belíssimo retrato da dura experiência do exílio.


Os textos relembram objetiva e subjetivamente o contexto histórico da saída de Hugo da França, com o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte, em 2 de dezembro de 1851. Os desenhos funcionam como um ‘retrato aproximado do que aparece aos olhos e sobretudo ao espírito’, como diz o próprio Hugo em um de seus textos.


Afora o exílio e o engajamento político de Hugo, espelhado em toda sua obra, o filme revela outros assuntos caros ao escritor. Como a guerra Franco-Prussiana (1870-1871), que ele condena com veemência. E a perda prematura de seus filhos Léopoldine e Charles.


VICTOR HUGO: THE ARTIST’S EYE


Quando: hoje, às 21h


Onde: Sesc TV (canal 3 da Sky TV e 92, na Net)’


 


ARTE
Folha de S. Paulo


Ministério da Cultura libera R$ 20 milhões para museus


‘Depois de enfrentar mais de 60 dias de uma greve que afetou os museus nacionais em todo o país, o Ministério da Cultura anunciou na última terça-feira recursos de R$ 20 milhões para a área, a serem aplicados até 2011.


O departamento de museus da pasta informou que vai lançar três licitações para 2008. Uma delas pretende incentivar a criação de museus em cidades com menos de 50 mil habitantes que ainda não tenham instituição museológica. O projeto, chamado ‘Mais Museus’, consumirá R$ 2 milhões em 2008. Cada programa selecionado poderá ser contemplado com até R$ 100 mil.


Segundo o departamento, apenas 16% das cidades do Brasil têm museus. ‘A intenção é que todo município tenha ao menos um museu até 2015’, disse o diretor do departamento, José do Nascimento Jr., ao lançar o pacote, no Museu da República, no Rio. As inscrições já estão abertas e vão até 15/2 (informações em museu.gov.br).


Outros R$ 2 milhões serão destinados ao edital de modernização de museus, que prevê apoio a projetos para aquisição de acervos, equipamentos e material permanente, como equipamentos de informática, segurança e iluminação, entre outros benefícios. O terceiro edital destinará R$ 20 mil para cada instituição que fizer seminários sobre patrimônio, memória social e museus.


No pacote, o Minc anunciou a criação do Prêmio Darcy Ribeiro, que recompensará as três melhores práticas em educação em museus, e o Prêmio Mário de Andrade, que escolherá três teses, dissertações e roteiros de vídeo sobre o setor.


O Departamento de Museus teve um orçamento de R$ 160 milhões em 2007. Para 2008, espera receber cerca de R$ 180 milhões.’


 


LITERATURA
Janaina Hidalgo


À mesa com a corte


‘Do apreço de dom João 6º pelo consumo, em uma única refeição, de três frangos e uma seqüência de cinco mangas, descascadas por ele, muitos já ouviram falar. Das predileções gastronômicas dos outros membros da família imperial pouco se sabe, ou se sabia.


Chega às livrarias no próximo ano, quando se completa 200 anos da vinda da família real para o Brasil, um livro sobre os hábitos alimentares de personagens como dom Pedro 1º e a princesa Isabel. Editada pela Jorge Zahar, a obra é resultado de uma pesquisa feita pela historiadora portuguesa Ana Roldão, 45, gerente de negócios do Museu Imperial de Petrópolis, e escrita em parceria com o jornalista Edmundo Barreiros.


‘Acompanha toda a trajetória do Brasil Império. Começa conosco, lá em Portugal, e segue a família real até aqui. Não será um livro científico, e sim uma obra romanceada em cima de fatos históricos’, diz Roldão, em entrevista à Folha. ‘Quando abri o bistrô [Petit-Palais, na propriedade onde fica o museu], as pessoas perguntavam: ‘Tem comida do imperador? O que dom Pedro 1º comia? E a princesa Isabel?’. Eu não fazia a menor idéia do que comiam.’


De tanto ouvir tais perguntas, a historiadora decidiu ir a campo, pesquisar. Recorreu a documentos históricos, às anotações dos mordomos da família (sobre a aquisição de insumos para a casa imperial), aos cadernos de ucharia (que relacionam os itens da despensa), a livros portugueses de receitas do século 19, aos menus escritos, aos cardápios de viagens e à correspondência, principalmente, da princesa Isabel.


‘Tem pouca coisa escrita sobre a alimentação deles, mas o material gráfico é rico, há uns menus bonitos’, diz. ‘Não vou falar sobre comida trivial. Vou entrar no cerimonial, como eram os banquetes, se comiam ordinariamente, ou não.’


Litros e litros de cachaça


Entre as revelações do livro, com título provisório de ‘Banquetes Reais’, está a predileção da princesa Isabel pelos doces de ovos e sorvetes. ‘Há uma forte influência portuguesa no gosto dela. É alucinada por todos esses doces portugueses. Adora pão-de-ló, chá. É uma figura bem rica para trabalhar com alimentação, pois fala muito de comida’, diz a historiadora. ‘Reclama do jejum que tem de fazer na Quaresma, diz que não agüenta mais o peixe em lata e as batatas cozidas.’


Um dos preferidos da autora é dom João 6º, ‘um bom garfo’ que também adorava falar sobre comida. ‘Vou reproduzir no livro um documento em que ele conta dos três ‘frangãos’, não frangões, que comia. Menciona o cozinheiro dele, Alvarenga, dizendo que ninguém sabia prepará-los como ele.’


Ainda que grande parte dos produtos consumidos pela família viesse de fora (amêndoas, lebres, pistache, chá), coube a dom João 6º introduzir ingredientes brasileiros na dieta alimentar da família, especialmente na própria, caso da manga (de Itu) e da goiaba.


A respeito de Carlota Joaquina, há dados, digamos, curiosos, como a grande quantidade de cachaça que encabeça a lista de compras da cozinha do palácio onde ela vivia -que não era o mesmo do marido, d. João 6º.


‘Na Torre do Tombo, em Lisboa, um documento aponta que eram consumidas muitas unidades de aguardente de cana por mês, a maioria destinada ao quarto e à cozinha de Carlota. Ela tomava aguardente misturada com sucos de frutas frescas, pois sofria demais com o calor brasileiro. Tinha necessidade de hidratar o corpo. Mas não adianta só dizer que ela era pinguça. No cruzamento de informações, percebe-se que a alimentação das mulheres era carregada nos doces, o que explica [o alto consumo], porque a aguardente era usada para conservar compotas de fruta.’


Outra mulher da família imperial, dona Leopoldina, quando veio para o Brasil, em 1817, casar com dom Pedro 1º, trouxe na bagagem um carregamento de repolhos, salmões salgados, carne de porco e feijão-verde.


O garoto das cavalariças


Arredio à pompa e circunstância, dom Pedro 1º não dispensava um bom prato de arroz com feijão. ‘Preferia fazer as refeições na cozinha a comer na sala de jantar. Tem um lado, não só aquele fervoroso de amantes e tal, mas humano, de estar com as pessoas do povo. Era o ‘garoto das cavalariças’.’


Um dos relatos engraçados levantados pela historiada trata de um dia em que Pedro 1º, já imperador, foi cavalgando a uma fazenda e chegou lá antes da comitiva. ‘Sem se identificar, entrou pela cozinha e disse à cozinheira que estava com muita fome. E ela: ‘Ó moço, posso dar algo simples, porque estou esperando o imperador’. Ofereceu-lhe arroz, feijão, carne e aguardente. Quando o dono da fazenda entrou, viu o imperador sentado na cozinha, tomando cachaça, comendo a comida dos empregados e rindo.’’


 


 


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O Estado de S. Paulo


Quinta-feira, 20 de dezembro de 2007


EUA
O Estado de S. Paulo


Casa Branca envolvida com vídeos da CIA


‘Pelo menos quatro advogados de alto escalão da Casa Branca participaram de discussões com a CIA, entre 2003 e 2005, sobre se deveriam ser destruídos vídeos mostrando os interrogatórios secretos de dois agentes da Al-Qaeda, revelaram funcionários antigos e atuais do governo e do serviço de inteligência dos EUA citados ontem pelo New York Times. Os relatos indicam que o envolvimento de funcionários da Casa Branca nas discussões antes da destruição das fitas, em novembro de 2005, foi maior do que o governo de George W. Bush admite.


Entre os participantes, disseram as fontes, estavam Alberto Gonzalez, conselheiro jurídico da Casa Branca até o início de 2005; David Addington, que era o advogado do vice-presidente Dick Cheney e hoje é seu chefe de gabinete; John Bellinger III, que até janeiro de 2005 foi o principal advogado do Conselho de Segurança Nacional; e Harriet Miers, que sucedeu a Gonzalez como conselheira jurídica da Casa Branca.


Inicialmente, noticiou-se que alguns funcionários do governo haviam recomendado a preservação das fitas. Agora, vários funcionários governamentais e de inteligência ofereceram versões conflitantes quando indagados sobre se alguma autoridade da Casa Branca defendeu a destruição dos vídeos.


Um ex-funcionário de inteligência de alto escalão afirmou que alguns funcionários importantes da Casa Branca defenderam ‘vigorosamente’ a destruição das fitas. A fonte não revelou nomes, mas disse que alguns acreditavam que qualquer divulgação dos vídeos seria danosa depois das revelações, em 2004, dos abusos cometidos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. Outros funcionários afirmaram que ninguém na Casa Branca defendeu a destruição das fitas – mas admitiram que nenhum advogado da Casa Branca deu uma ordem para a preservação do material ou avisou que a destruição seria ilegal.


Na terça-feira, um juiz federal convocou uma audiência para discutir se a destruição violou uma ordem de preservação de provas numa ação aberta em nome de prisioneiros da base americana de Guantánamo. As fitas registravam métodos brutais de interrogatório usados em 2002 contra Abu Zubaydah e Abd al-Rahim al-Nashiri, sob custódia da CIA.


As fontes do jornal também deram detalhes sobre o papel desempenhado em novembro de 2005 por Jose Rodriguez Jr., que chefiava o braço clandestino da CIA e deu a ordem final para a destruição das fitas. Elas afirmaram que Rodriguez recebeu aconselhamento de dois advogados da CIA, Steven Hermes e Robert Eatinger – que lhe disseram que ele tinha autoridade para destruir as fitas e isso não violaria a lei.


A Comissão de Inteligência da Câmara pretende intimar Rodriguez e outros funcionários a depor sobre o caso. A Casa Branca nega ter tentado minimizar seu envolvimento. ‘Nunca descrevemos – nem para destacar, nem para minimizar – o papel dos funcionários da Casa Branca neste assunto’, disse uma porta-voz.’


 


PERSONALIDADE
O Estado de S. Paulo


Putin é escolhido personalidade do ano pela ‘Time’


‘A revista americana Time elegeu ontem o presidente russo, Vladimir Putin, como a personalidade do ano. Num artigo intitulado ‘Escolhendo a Ordem antes da Liberdade’, a revista justificou a escolha, afirmando que Putin colocou a Rússia de volta ao mapa geopolítico do mundo. O líder russo concorreu com o ex-vice-presidente americano Al Gore e a escritora britânica J.K. Rowlings.


‘Quando esse intenso e taciturno agente da KGB tornou-se presidente, em 2000, ele encontrou um país à beira do colapso. Com perseverança, visão clara do que a Rússia deveria tornar-se e acreditando personificar o espírito da pátria russa, Putin recolocou seu país no mapa’, argumentou a Time. A revista ressaltou, no entanto, que a escolha não significa apoio às políticas do presidente russo. ‘Putin não é um escoteiro. Não é um democrata no sentido adotado pelo mundo ocidental. Não é um modelo de liberdade de opinião’, afirmou a Time.


Polêmica ou não, a escolha do russo coroa os quase oito anos de governo de um presidente que levou a Rússia do caos pós-União Soviética para um crescimento econômico de quase 7% ao ano e o fortalecesse ainda mais meses antes de deixar o poder. Impedido pela Constituição de tentar um terceiro mandato e com vontade declarada de manter sua influência política, Putin vem preparando o terreno para sua sucessão. Há duas semanas, ele anunciou apoio à candidatura de Dmitri Medvedev, vice-primeiro-ministro e um de seis aliados mais fiéis.


O selo de aprovação do líder russo e a promessa de continuidade das políticas atuais devem garantir a Medvedev a vitória na eleição de 2 de março. Além de garantir um aliado na presidência, Putin declarou na terça-feira que aceitará o cargo de primeiro-ministro no eventual governo de Medvedev. Analistas afirmam que o líder russo poderia mudar a Constituição – seu partido Rússia Unida tem maioria na Duma e, portanto, pode alterar a Carta – para transferir mais poderes ao cargo de premiê, que atualmente cuida apenas do dia-a-dia do governo.


O candidato de Putin, no entanto, não tem base política forte dentro do Kremlin ou experiência no comando dos serviços de inteligência, o que permitiria que o líder russo continuasse ditando o rumo do país.


Ontem, o Kremlin comemorou a escolha de Putin. ‘É uma grande notícia para nós’, disse o porta-voz do governo, Dmitri Peskov. No ano passado, a Time não elegeu uma personalidade, e sim os usuários da internet.’


 


ARTE
O Estado de S. Paulo


Moscou cancela empréstimo de obras de arte


‘A Rússia cancelou o empréstimo de cerca de 100 quadros de museus russos que comporiam uma exposição especial na Academia Real de Londres, numa decisão que deve acirrar ainda mais a tensão entre os dois países. Segundo a diretora-geral do Museu Pushkin, Irina Antonova, a decisão foi tomada pois as obras poderiam ser alvo de disputas legais e não seriam devolvidas. Na semana passada, o Kremlin ordenou o fechamento de dois escritórios do British Council, braço cultural da embaixada britânica. A relação entre os dois países piorou após Londres acusar o ex-espião russo Andrei Lugovoi de assassinar o também ex-agente Alexander Litvineko, em Londres, em 2006.’


 


CARNE
Jamil Chade


Vídeo irlandês ataca produtor brasileiro


‘Um vídeo circula pela internet na Europa e entre as empresas que comercializam carne denunciando os maus-tratos aos animais no Brasil, falta de controle fitossanitário e o uso incorreto de hormônios. O vídeo foi produzido pela Associação de Produtores de Carne da Irlanda, grupo que mais ataca a importação do Brasil. Os irlandeses alegam que o País está prejudicando as vendas européias. A Embaixada do Brasil na UE considerou o vídeo ‘preconceituoso’ e não disfarçou a indignação em relação ao seu conteúdo.


O vídeo, obtido pelo Estado de um produtor na Dinamarca, acusa os fazendeiros brasileiros de ‘não entenderem os padrões fitossanitários da Europa’. ‘A mentalidade no Brasil é diferente. O controle do gado é uma ficção e o sistema não tem credibilidade’, diz o vídeo.


Um dos problemas destacados é a falta de controle no movimento de gado entre os Estados banidos pela aftosa – São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná – e os demais. Outro problema seria a falta de controle na fronteira com o Paraguai, impedido de vender carne à Europa.


Os autores do vídeo alegam que viajaram 3 mil quilômetros e encontraram nas fazendas garrafas de hormônios proibidas na Europa. O documentário aponta as condições precárias em que vivem os agricultores, e dizem que alguns vivem situação equivalente à escravidão.


ALTERNATIVAS


Os importadores de carne da Europa já buscam alternativas diante das novas limitações impostas pela Comissão Européia à carne brasileira. ‘Vai ser um pesadelo’, disse ao Estado o importador inglês Tony Wilson, que semanalmente compra 100 toneladas de carne brasileira.


Na Bélgica, Holanda, Dinamarca e Inglaterra, os distribuidores são unânimes: o preço da carne na Europa vai subir com as novas limitações ao Brasil. ‘Veremos uma alta nos preços, o que certamente terá impacto na inflação’, disse Wilson, que é um dos executivos da empresa Trans Oceanic.


Para Rob Wilmink, da importadora belga Intervlees, o Brasil ‘precisa parar de encontrar desculpas’ e implementar todas as recomendações da UE. ‘No fim das contas, são os brasileiros que perdem. Nós, na Europa, sempre podemos conseguir novos fornecedores.’’


 


BIOGRAFIA
Jotabê Medeiros


O que os Beatles não queriam contar


‘Sabe aquela clássica história sobre como John Lennon se apaixonou perdidamente por Yoko Ono ao visitar uma exposição da artista em 1966 na Galeria Indica, e subir a escadinha da instalação Ceiling Painting (instalação, aliás, que estava na exposição da japonesa no Centro Cultural Banco do Brasil, em novembro)?


Pois bem: tudo cascata. Na verdade, Yoko teve de perseguir Lennon por meses a fio para emplacar. Ela se juntou às hordas de fãs na frente de Kenwood, e um dia conseguiu entrar na casa simulando necessidade de um táxi, largando o anel perto do telefone (e, claro, teve de voltar para pegá-lo outro dia). Também freqüentou a escadinha da gravadora Apple, telefonou insistentemente para o beatle e encheu sua casa de cartas. Só em novembro de 1967 é que Lennon seria fisgado pela artista e deixaria definitivamente a mulher, Cynthia.


Tudo isso e mais algumas coisinhas prosaicas são revelações que surgem nas páginas do novíssimo livro The Beatles – Biografia, de Bob Spitz (Larousse, 982 págs., R$ 99), talvez o mais importante trabalho sobre a história dos Fab Four já publicado. Primeiro, porque Spitz escreve bem pra caramba. Segundo, porque ele examina as contradições e coteja as lendas, e as usa para construir um retrato verdadeiro daqueles quatro rapazes de Liverpool desde que ainda se chamavam Quarry Men.


‘Yoko tentou fisgar um dos Beatles – primeiro Paul, e depois John. Mas também acredito que o interesse de John nela foi completamente natural. Ela conseguiu divertir e cativar o interesse – e finalmente conquistá-lo’, disse ao Estado, em entrevista por e-mail, o autor, Bob Spitz. ‘Por muito tempo, John foi um homem muito frustrado – seu casamento com Cynthia, o qual ele não amava, e sua música e relações com os Beatles, dos quais ele se distanciava. Sua frustração o consumia. Yoko mostrou a ele o caminho e o libertou.’


Publicando a própria autobiografia, The Beatles Anthology, lançada no ano 2000, os Beatles tentaram estancar diversas histórias de sua trajetória que não lhes agradavam. Por exemplo: em 1962, na época que fizeram a primeira audição com sir George Martin, todos os quatro Beatles tinham pegado doença sexualmente transmissível (no mesmo ano em que as namoradas de Paul e John ficaram grávidas).


Em 1963, John Lennon ficou tão furioso com um comentário sobre uma suposta relação homossexual entre ele e o empresário Brian Epstein e (‘Ah, John e Brian acabam de voltar da lua-de-mel na Espanha’) que começou a espancar com as mãos, os pés e até uma pá de jardinagem o seu amigo Bob Wooler numa festa na casa de uma tia de Paul, em Mersey in Huyton.


O homossexualismo do empresário dos Beatles é tema de um capítulo interessante do livro. Enquanto os Beatles trabalhavam no filme Os Reis do Iê-Iê-Iê (A Hard Day’s Night), Brian Epstein contratou um jornalista do Daily Express, Derek Taylor, para escrever sua autobiografia. Taylor não teve receio de lhe perguntar e Epstein não teve receio de admitir (embora temesse pela repercussão disso na carreira da banda): ‘Eu sou homossexual, sempre soube disso por toda a minha vida adulta, e não há nada que eu possa fazer’, disse.


Quando chegou a hora de escolher um título para o livro, Brian sondou os amigos. ‘Por que não o chama de Queer Jew? (Judeu Gay)’, sugeriu Lennon grosseiramente. ‘Para satisfazer John, Brian deu um espetáculo de risadas contra a alfinetada. Ele provavelmente até gostou, em parte, de se ver humilhado publicamente por John – afinal, isso era um dos elementos de sua natureza sombria.’


Algumas dessas histórias podem até parecer irrelevantes, mas mostram como foi acontecendo a maturidade dos Beatles, que eram apenas garotinhos confusos no início e aprenderam na porrada, no meio de um turbilhão.


Bob Spitz (americano de Connecticut que escreve para o New York Times e para a Esquire e foi autor da biografia de Dylan) analisa a dificuldade extrema de um garoto manter a sanidade naquilo que viria junto com o sucesso. ‘As criaturas mais belas do mundo desfilavam pelas suítes dos Beatles, sem restrição alguma’: jovens e velhas, loiras e morenas, cheias e esbeltas, prostitutas e virgens. ‘Eu achava que bebia e transava muito até conhecer aqueles caras’, disse um músico..


Aí tinha o lado tenebroso. Em Copenhague, um repórter do Express repreendeu Paul por sua negligência em responder a um telegrama que dizia: ‘Criança morrendo nesta família, dois dias de vida, favor telefonar. Nome é Mary Sue.’ Paul contra-argumentou: ‘O mundo está repleto de tragédias. Os Beatles terão de remediar cada uma delas?’


Que John Lennon, enquanto fazia planos de morar com Cynthia (que vivia uma vida de necessidades e estava grávida) em Londres, teve um romance tórrido com uma bartender do Star-Club, Bettina Derlin. Que John premeditava rebeldia. Por exemplo, quando os Beatles se apresentaram diante da rainha da Inglaterra: ele ensaiou o dia todo a frase que seria dita depois de Twist and Shout: ‘Nesta última canção, eu gostaria de pedir a ajuda de vocês. Os que estiverem sentados nos lugares baratos batam palmas. O resto sacuda a porra das jóias.’ Acabou cortando o palavrão da frase.


Tem também muitas coisinhas. Por exemplo: que, para a gravação de Yellow Submarine, foi levada ao estúdio uma máquina registradora que seria usada, tempos depois, na introdução de Money, do Pink Floyd. ‘Quando entrevistei Paul McCartney, em 1997, ele explicou que a ‘biografia oficial’ dos Beatles, de Hunter Davies, de 1967, era só 60% verdadeira’, conta Spitz. ‘O resto foi ocultado pelos Beatles para proteger amigos, famílias e namoradas dos lados mais sombrios das histórias. Infelizmente, os Beatles repetiram essa história tanto tempo que esqueceram o que era verdadeiro e o que eles inventaram.’ Em 1963, quando o Daily Mirror estampou em letras garrafais na sua primeira página a palavra Beatlemania, tudo parecia explicado. Mas ainda há muito o que dizer.


O Início


FIGURINO: Ao chegar a Hamburgo, os Beatles sentiram o impulso de parecer ‘profissionais’, o que na Inglaterra queria dizer estar bem arrumadinhos. Ansiosos com a aparência, receberam dicas de como se vestir do elegante Johnny Gentle. À sua própria maneira, os Beatles criaram um figurino que faria o deleite de um alfaiate sarcástico. Vestidos com paletós esporte de cor lilás combinados com camisas pretas com uma lista prateada no colarinho, calças pretas justas e sapatos de bico fino cor de argila imitando couro de crocodilo, eles pareciam mais adequados a um apresentação numa boate cubana. (…) Depois de tocar sete noites por semana, o inevitável aconteceu: começaram a cheirar mal e as costuras cederam.


O Assédio


PÂNICO: O estado de agitação transformou-se em pânico após a apresentação daquela noite, no estádio. Repentinamente, a escolta policial dos Beatles desapareceu, e quando o carro deles estacionou à frente dos portões do hotel ficou claro que tinham sido trancados do lado de fora. Como se estivessem agindo sob o sinal dado por alguém, várias dezenas de ?agitadores organizados? convergiram para o carro, batendo nas janelas e balançando o veículo. Expressões de ameaça eram lançadas em várias línguas. Inclinando-se para a frente, Vic Lewis ordenou ao motorista: ?Vá em frente, derrube os portões.? Quando o carro acelerou, as portas escancaram-se e o grupo entrou correndo.’


 


FOTOGRAFIA
Simonetta Persichetti


A água despenca, a denúncia transborda


‘Num primeiro momento o que deslumbramos quando olhamos o livro de Valdir Cruz, O Caminho das Águas, patrocinado pela Fundação Stickel, é a beleza de suas imagens. Uma leitura mais cuidadosa nos guia pelas formas como ele construiu essa homenagem às águas brasileiras, mais precisamente as 120 quedas-d’água que se encontram no Paraná, aliás, Estado natal de Valdir.


Há mais de 30 anos mora em Nova York e foi lá que, trabalhando no laboratório fotográfico, aprendeu a ler e a entender a linguagem dos grandes mestres da fotografia, especialmente dos paisagistas. Por dois anos trabalhou com 24 fotografias originais de um dos maiores fotógrafos do século 20, Edward Steichen (1879-1973). Nesse processo, como o próprio Valdir afirma ‘aprendi composição, iluminação, impressão e história da fotografia norte-americana’, conta por e-mail ao Estado. E aprendeu mais, que sua trajetória como fotógrafo não seria nada fácil. Perfeccionista, não abdica da excelência técnica pela temática ou pela superficialidade impactante de uma imagem. Tudo faz parte da linguagem, tudo se resume na obra que ele quer criar: ‘A preciosidade técnica ficou registrada em meu olhar. Para mim, uma imagem terá de ser sempre bem executada tecnicamente, pois foi assim que aprendi a respeitá-la, e não a vejo de outra forma. Não consigo acomodar meu olhar em uma imagem sabendo que ela poderia ter sido melhor resolvida’, comenta.


O resultado coloca Valdir Cruz na esteira de grandes fotógrafos, como por exemplo, Ansel Adams (1902-1984), reconhecido paisagista que durante anos fotografou o Yosemite Park, na Califórnia. Ou então com grandes paisagistas do século 19, como Gustave Le Gray (1820-1884) ou Carleton Watkins (1829-1916).


Mas engana-se quem imagina que as imagens de Valdir sejam meramente contemplativas. Nelas se esconde também um precioso trabalho documental. A fotografia para ele é sempre capaz de transmitir uma mensagem, e é atrás de sua ideologia, de sua convicção de mundo que ele passa anos dedicado a um único projeto. Nesse ensaio, ele chama a atenção para o desaparecimento não só das quedas-d’água, mas da própria água: ‘Por meio destas imagens, além de querer preservar o belo, chamo a atenção para o péssimo uso da água no Brasil.’ Isso pode ser visto na foto do Salto Vaca Branca, fotografada em 1994 e que, 13 anos depois, já não existe mais. A não ser em fotografia. E nas imagens de Valdir a natureza também se recria pelo olhar do fotógrafo. Ele a vê, recorta, separa, lhe dá uma outra percepção. Como afirma o artista plástico Emanuel Araujo no prefácio do livro: ‘O Caminho das Águas revela um tempo enternecido entre seu criador e a natureza, entre o registro e a criação, entre os contrastes e a sutil trama da luz por onde a profundidade faz surgir a dimensão divina da paisagem.’


A poética de Valdir Cruz passa pela espera, pela paciência de captar o momento certo de realizar a imagem. Paciência que se traduz também na escolha de seu equipamento. Ele fotografa com uma câmara de grande formato que não pode prescindir de um tripé. Ele monta seu equipamento, e espera. Espera por um tempo que nós nos desacostumamos a perceber: ‘É preciso entender o momento do click, buscar este momento e aguardar. É quando a natureza se oferece como se estivesse sorrindo para nós e, desta forma, nos autorizando a fotografar. Quando isso acontece, e não é sempre, como diria o poeta García Lorca… existe o Duende…. existe a mensagem.’


Essa calma se percebe nas imagens, embora em todas elas a água pareça querer sair do livro. Quase uma imagem surreal. Idéia esta corroborada por James L. Enyeart, professor, fotógrafo e ex-diretor do The George Eastman House, que escreve um belo texto no livro: ‘Suas fotografias existem num universo paralelo, no qual realmente representam as quedas-d’água, mas são também objetos em si mesmos, abstrações da realidade dando maior destaque à interpretação e às qualidades inerentes à visão artística, que não existe na natureza.’


É isso. Suas imagens podem ser vistas como meros registros, mas sem dúvida nenhuma vão muito além disso: querem fazer sonhar, mas acima de tudo querem fazer refletir! E isso não é pouco!


Serviço


O Caminho das Águas. Fotos de Valdir Cruz.


Editora Cosac Naify, 108 págs., R$ 99,00′


 


LITERATURA
Antonio Gonçalves Filho


Memórias de um mineiro na França


‘Minas Gerais é um celeiro de memorialistas, começando por Pedro Nava (1905-1984) e recomeçando por Alberto Villas. Ele fez tanto sucesso com seu livro O Mundo Acabou (já na décima edição) que seus leitores não o deixaram em paz, achando que o editor do Fantástico era uma espécie de guardião da memória dos anos 1960 e 1970. Respondendo a uma avalanche de mensagens eletrônicas que exigiam uma seqüência, como a de Harry Potter, Villas resolveu atender a todos: lançou um segundo volume de suas memórias sentimentais. Ele já está nas livrarias com uma tiragem excepcional para os padrões brasileiros: 10 mil exemplares só na primeira edição de Afinal, O Que Nós Viemos Fazer em Paris? (Globo, 344 págs., R$ 40,90), seu engraçado baú de ossos francês. Como Nava, Villas parte de sua história particular para entender a história geral do País, que deixou no verão brasileiro de 1974 para desembarcar em Paris em pleno inverno. Detalhe: Médici estava passando o bastão para Geisel, mas Villas partiu para o exílio voluntariamente. Ou quase.


Na verdade, como o escritor conta logo nas primeiras páginas, o que o fez decidir pela viagem foi a truculência de dois policiais que, num dia qualquer de 1972, abordaram um garoto loiro e cabeludo parado na Praça Diogo de Vasconcelos, em Belo Horizonte. Achavam que ele era o tal Alemão procurado como perigoso terrorista. Villas não era nem perigoso nem terrorista, mas não escapou sem uma gracinha de um dos policiais. ‘Com esse cabelinho, se não é guerrilheiro é bicha.’ Villas não era nenhum dos dois. Irritado, pegou o ônibus Carmo-Sion, desceu na Avenida Afonso Pena e tirou uma foto para passaporte, decidido a dar no pé. Como o dinheiro era curto, fez um buraco numa caixa de sapato Clark (de festa) e foi enchendo o cofrinho improvisado com notas de cruzeiros.


Belo Horizonte já era um retrato na parede quando Villas, sem falar palavra de francês, entrou num edifício vizinho ao famoso café Deux Magots, aquele freqüentado por Faulkner, para pedir seu primeiro emprego. Uma senhora bem nutrida, de cabelo acaju e 140 quilos de pura tirania, estendeu-lhe uma vassoura e uma flanelinha vermelha, com os quais começou imediatamente a limpar a biblioteca no porão da Societé d’Encouragement pour L’Industrie Nationale. O segundo emprego não exigia tanto esforço. Bastava descer seis lances de escada, falar ‘Bonjour’ para as duas filhas menores de um homem separado, preparar o café da manhã, lavar xícaras, pratos e talheres e subir de volta até o sétimo andar.


De faxineiro a babá foi um passo. De babá a correspondente do jornal Movimento, recém-criado, foram sete passos, que o representante da imprensa nanica obrigava seu corpo redacional a seguir, sendo o principal deles a luta pelas liberdades democráticas. Villas tornava-se, enfim, um jornalista, entrevistando exilados famosos como o líder do Partido Comunista João Amazonas e o cantor Caetano Veloso. O livro rememora o prelúdio dessa carreira profissional brilhante, que inclui uma passagem posterior pelo Caderno 2, além de registrar o processo embrionário do diário sentimental de Villas, iniciado quando o filho Julião, hoje com 30 anos, nasceu com três quilos e 550 gramas.


Hoje, aos 57 anos e avô, Villas lembra que esse livro começou exatamente no dia 5 de novembro de 1977, como um diário da vida de Julião, que acabou se transformando no diário da família e da vida durante e após o exílio em Paris. Como é exagerado, já encheu 300 cadernos de anotações, que dariam para concorrer com as memórias de Proust. Coisa de mineiro. Como diz o jornalista Humberto Werneck, que assina a orelha do livro, em Belo Horizonte não acontece nada, ‘mas a gente lembra de tudo’. E como lembra. Há tantas madeleines no livro que certamente o leitor vai se afogar em bules e bules de chá. Na segunda parte, dedicada às lembranças do Brasil no exílio, Villas relaciona – à maneira do livro inaugural de memórias – objetos e impressões que formam um imenso painel do Brasil das balas Chita, do Mandiopã e do namorinho no portão.


Villas jura que não tem nostalgia dos velhos tempos. Cansou de ouvir ‘no meu tempo é que era bom’. Não era nada bom receber trotes ao telefone como ‘é aí que mora uma velha bunda murcha paletó de astracã?’, sabendo que o malcriado do outro lado da linha se referia à senhora avó do escritor. De qualquer modo, eram trotes menos ofensivos que os de hoje, em que bandidos ameaçam cortar a orelha da netinha se a vovó não pagar o resgate.


O livro de memórias de Villas não chega aos dias de hoje, mas tudo indica que um terceiro volume irá concluir a saga. Como dizia Pedro Nava, há uma memória involuntária que é total e simultânea, fragmentos de sonhos que são chaves para abrir a nossa velha casa e entrar. Villas achou a dele: a chave do Brasil.


Trecho


Era o seguinte: a partir daquele momento eu estava incumbido de limpar duas vezes por semana o porão do edifício da Societé d’Encouragement pour L’Industrie Nationale. Terças e quintas. O porão era um lugar sombrio cheio de estantes de madeira escura e muita grossa. Eram livros de engenharia que estavam ali talvez há séculos acumulando pó e irritando madame Roux. E eu, logo eu, fui o enviado de Deus para baixar aquela poeira e aquele cheiro forte de mofo. Eram livros de cálculos, muitos. Calculez vos Structures, Planning de Projet Imédiat, Projets Modernes. Eu sabia que a matemática, a tal da trigonometria que o irmão Gonçalves Xavier me ensinou um dia, seria útil na minha vida. Com um paninho vermelho comecei a árdua tarefa, limpando livro por livro. Era uma biblioteca inteira, o que garantia emprego por um bom tempo e um punhado de francos que me seriam entregues no final de cada dia por madame Roux (…)’


 


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


Clássicos fora do ar


‘O canal Boomerang, da Turner, nasceu com a proposta de conquistar o público adulto com desenhos clássicos como A Corrida Maluca. Porém, desde abril de 2006, quando o Boomerang passou por uma transformação visual, a grade vem sofrendo modificações para agradar mais aos pequenos telespectadores – e até a novela Rebelde entrou na grade.


O processo de reposicionamento do canal terá seu desfecho em janeiro, quando o Boomerang será voltado exclusivamente para pré-adolescentes e adolescentes de 9 a 14 anos. Isso significa o fim dos desenhos clássicos para botar marmanjo para dormir. A faixa da madrugada, que já teve atrações como Laboratório Submarino, Speed Racer, Zé Colméia e Tartaruga Touché, entre outros, sairá de cena. E, em janeiro, reprises de séries, desenhos e filmes devem ocupar esse espaço.


O Boomerang surgiu em 2001 para acomodar o acervo de animações antigas que pertence à Turner e que não tinha espaço no Cartoon Network. A Turner não definiu o que fará com esse baú, mas, quem sabe, o Cartoon ganhe uma faixa clássica ou um outro canal apareça para contentar os nostálgicos.’


 


FUTEBOL
Veríssimo


Notas da poltrona


‘Durante muito tempo fui um torcedor de arquibancada. A passagem do tempo se media pela quantidade de almofadas que eu levava para acomodar o traseiro no cimento. Ou na madeira, pois ainda peguei arquibancadas de madeira. Primeiro, nenhuma almofada. Traseiro jovem. Depois uma, depois duas… Quando não podia mais conceber sentar numa arquibancada sem pelo menos três almofadas entre o cóccix e a realidade, decidi que o mais sensato era sentar numa poltrona.


Em casa. Desde então, a não ser pelas Copas do Mundo que assisti ao vivo (todas desde a de 86), e nas quais meu traseiro foi sempre muito bem tratado, tenho sido um abjeto torcedor de TV. E como tal, desenvolvi as fobias e implicâncias que todo torcedor de TV tem. Uma espécie de lista negra das poltronas.


Por exemplo: narrador que narra o evidente. ‘Fulano avança pela direita…’ Estamos vendo que o Fulano não está indo para trás, está indo para a frente, e pelo lado direito. Narrador que perde tanto tempo descrevendo o que todo o mundo vê que não cumpre a sua principal função, identificar o jogador com a bola. Narradores, comentaristas e repórteres que falam sobre outra coisa enquanto o jogo se desenrola, e falam, e falam, não só ignorando o jogo como distraindo nossa atenção. Etc., etc.


Mas se tem uma figura que revolta as poltronas, contra o qual esbravejamos o tempo todo, é o diretor de imagens criativo. O que, no meio de uma jogada, foca a arquibancada, ou corta para um detalhe pitoresco – e mantém a imagem no ar enquanto nos contorcemos de ansiedade, tentando adivinhar como acabou a jogada. Eu sei, toda transmissão de futebol na TV é um espetáculo e a criatividade do diretor é fundamental para que seja um espetáculo artisticamente satisfatório, não importa o que pensem os trogloditas. Mas não queremos arte. Queremos ver o jogo! Acho que falo por todos os trogloditas.


A não ser pela obrigação de acordar cedo no domingo, o jogo Milan e Boca foi do tipo que as poltronas sonham. Não há no mundo esporte mais bonito do que o futebol bem jogado. E como não dava para torcer nem pelo Berlusconi nem por argentino, tivemos o luxo adicional da apreciação estética sem envolvimento – se bem que, confesso, ansiei por uma reação épica do Boca no final. O Kaká foi magnífico, mas que jogador esse Seedorf. Acho que foi a primeira vez que vi alguém na sua posição não errar um passe durante um jogo.


E a imagem mais melancólica do dia (e nesse caso viva o diretor de imagens) foi a do Riquelme no último lugar em que deveria estar nesse domingo inesquecível. No meio da multidão, longe do gramado.’


 


 


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