Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Rafael Cariello

‘‘Daqui a pouco, um outro há de propor que, dentro das igrejas, garçons passem bandejas de salgadinhos, mães-bentas, caldo de cana, grapete e chica-bon.’

Não foi exatamente assim, mas Nelson Rodrigues entendeu bem que a atualização da Igreja Católica, da missa e a opção pelos mais pobres defendidas na década de 60 por d. Hélder Câmara deflagrariam radicalização maior. O auge desse processo se dá em 1981, quando o teólogo Leonardo Boff publica o livro ‘Igreja: Carisma e Poder’, agora relançado pela editora Record.

Nele, Boff faz o anúncio do nascimento de uma nova igreja, em que os protagonistas seriam os pobres, que tomariam do clero a exclusividade sobre ‘os meios de produção religiosa’ e trabalhariam nesse mundo pelo Reino -’utopia cristã que concerne ao destino terminal do mundo’ mas que também ‘se encontra em processo dentro da história’.

Os ventos do mundo e da história, no entanto, pegaram o projeto de Boff no contrapé. Os protagonistas passavam a ser os conservadores Ronald Reagan, presidente dos EUA, Margaret Thatcher, primeira-ministra britânica, e João Paulo 2º.

Parte da teoria que sustenta o livro seria colocada em xeque. Ao analisar a igreja como instituição, hierarquia e ‘poder’, Boff usa arcabouço sociológico ‘de certa inspiração neomarxista’, como disse o cardeal Joseph Ratzinger em carta ao brasileiro (as acusações da Congregação para a Doutrina da Fé, chefiada então pelo atual papa, contra a obra e as defesas do teólogo da libertação compõem apêndice do livro).

Boff relaciona diferentes ‘práticas eclesiais’, comportamentos históricos da igreja, a distintos momentos históricos e modos de produção, e associa a hierarquia católica ao capitalismo. ‘Criou-se, num longo processo histórico que pode ser descrito, um modo dissimétrico de produção religiosa; verificou-se também, dizendo-o numa linguagem analítica (sem querer conotar moralmente), um processo de expropriação dos meios de produção religiosa por parte do clero contra o povo cristão’, escreve.

O centro do argumento de Boff por uma igreja nova é, no entanto, teológico. Ele faz a distinção entre ‘cristianismo’ e ‘catolicismo’, entendendo esse último como ‘a tradução do Evangelho para a vida concreta dos que crêem’.

O teólogo também propõe mudanças radicais na própria organização da igreja, denunciando o que considera ‘violações dos direitos humanos’. Diz ser ilógica a argumentação que exclui as mulheres ‘do acesso aos cargos ministeriais ligados ao sacramento da Ordem’. A nova igreja, mais democrática, mais inclusiva de leigos e mulheres, aconteceria concretamente nas Comunidades Eclesiais de Base, onde ‘a fé constitui a grande porta de entrada para a problemática social’.

As conseqüências dessa pregação são conhecidas: em 1985, foi imposto a Boff um silêncio obsequioso e o afastamento da cátedra de teologia. É aí que está talvez a maior atualidade do livro, com suas críticas ao ‘centralismo e autoritarismo’ da igreja.

O teólogo descreve a atuação da Congregação para a Doutrina da Fé como ‘um processo doutrinário kafkiano, no qual o acusador, o defensor, o legislador e o juiz são a mesma Sagrada Congregação e as mesmas pessoas’. Em 1992, após ser informado de que voltaria a sofrer as mesmas punições e receber a ‘sugestão’ que deixasse o país e o continente, Boff renunciou ao ministério presbiterial.

Suas idéias, no entanto, foram derrotadas menos pela hierarquia da igreja do que pela história e pelo mundo.’



INTERNET
Andrés Martinez

‘A seguir: ‘The Google Street Journal’’, copyright O Estado de S. Paulo in Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/05/05

‘Trabalhar num grande jornal metropolitano, hoje em dia, pode dar uma sensação um tanto parecida com a de trabalhar para o Politburo da Alemanha Oriental por volta de 1988: é um bom emprego, com excelentes benefícios, e você é requisitado pelas pessoas para comparecer a coquetéis, mas tem aquela impressão de que os seus dias estão contados.

Vocês já devem ter lido, embora muito provavelmente não num jornal, que os jornais estão em via de acabar. Na era da Internet, nós, jornalistas da mídia impressa, estamos enfadonhamente acomodados em nossos velhos hábitos e, como resultado, perdendo continuamente leitores e anunciantes. Como Rupert Murdoch lembrou diante de uma platéia de editores de jornais durante a convenção anual do setor, no início do mês passado, em 1964 quatro de cada cinco norte-americanos lia um jornal regularmente, enquanto hoje esse número não passa da metade. E, segundo um estudo da Carnegie Corporation citado por Murdoch, na sacrossanta faixa etária dos 18 aos 34 anos, somente 19% recorrem a um jornal diariamente para obter notícias, enquanto 44% acessam um portal na Web.

Até mesmo os engenhosos bloggers (e me sinto feliz por tê-los na conta de jornalistas, pois não considero a nossa classe como exclusiva) estão comendo nosso almoço, especialmente no meu nicho do jornalismo opinativo. Ainda assim, grande parte da ansiedade percebida por aqui, na sede do Los Angeles Times, é exagerada. Sem a menor dúvida, os jornais estão caminhando para um período de mudanças dramáticas, especialmente em termos da maneira como o produto será entregue. Mas dificilmente viremos a ser o equivalente a fabricantes de carroças puxadas a cavalo no alvorecer da era do automóvel. Isso porque o nosso produto fundamental – a informação fidedigna e meticulosamente redigida – nunca foi mais valioso.

Vejamos esses portais na Internet. O Yahoo está avaliado em quase US$ 50 bilhões; a capitalização de mercado do Google é de espantosos US$ 60 bilhões. E, mesmo assim, apesar de todo o seu poder revolucionário e transformador como centros de convergência de informações, essas empresas não reinventaram o negócio da notícia. Entremos na home page do Yahoo e veremos que os itens noticiosos apresentados como os de maior relevância são na maioria reportagens eletrônicas de fontes como Associated Press e Reuters. Que coisa mais retrô! O mundo do aponte-e-clique ainda depende de nós, a antiquada estirpe dos produtores de notícias, para seu indispensável conteúdo.

Não estou com isto sugerindo que todo jornalismo digno de mérito seja proveniente da mídia tradicional, mas mesmo uma nação com 300 milhões de bloggers, como os Estados Unidos, precisaria de dispendiosas organizações noticiosas para produzir e divulgar reportagens como a do escândalo dos abusos numa prisão no Iraque ou para desenvolver uma série investigativa como a de King e Drew que ganhou o Prêmio Pulitzer para o Los Angeles Times. Cada vez mais a Internet irá aparelhando o consumidor para capacitá-lo a controlar e interagir com as notícias de sua preferência, a tal ponto que ele poderá vir a tornar-se o editor-chefe de seu próprio portal. Pode ser que ele venha a captar do Los Angeles Times as informações sobre entretenimento que lhe interessem, juntando-as com as de cinco blogs do setor; ou talvez queira compor a sua ‘primeira página’ com as últimas notícias vindas da sucursal do jornal na Cidade do México.

Os jornais têm andado aflitos com relação a até que ponto vão poder controlar esta revolução via seus próprios websites, e com boas razões. No mundo digital, os Yahoos e os Googles construíram marcas que ofuscam as do Los Angeles Times e do New York Times. Como disse Murdoch no seu discurso na convenção para editores, nós somos ‘imigrantes digitais’ e eles são ‘nativos digitais’. Mas, como Murdoch, eu continuo sendo otimista quanto ao fato de existir uma grande quantidade de oportunidades nessa migração, mesmo que os jornais percam, a longo prazo, o controle direto sobre a distribuição do seu produto, algo muito semelhante ao que aconteceu com os estúdios de cinema quando tiveram de se desfazer de suas cadeias de salas de exibição. Nosso conteúdo, como o dos estúdios de cinema, continuará sendo valioso em outros canais de distribuição.

Trata-se apenas uma questão de tempo até que um Yahoo ou um Google decidam comprar uma antiga empresa de mídia a fim de se diferenciarem, oferecendo ao público notícias de alta qualidade e com exatidão. Ou uma empresa como a Amazon poderá adquirir uma prestigiada editora de jornais e reinventar a si mesma como portal, suplantando aqueles que tratam as notícias de última hora como uma mercadoria.

A Tribune Co., proprietária do Los Angeles Times, provavelmente pode ser comprada por cerca de US$ 15 bilhões, se alguém estiver interessado. A Dow Jones, que publica o Wall Street Journal, atualmente é uma pechincha, com uma capitalização de mercado inferior a US$ 3 bilhões. Com freqüência, o valor do Google flutua nesse montante em apenas um dia de comercialização de suas ações. Seria um golpe de mestre para qualquer ‘nativo digital’ tornar-se o único provedor online do Wall Street Journal.

As coisas poderiam ficar ainda mais interessantes se o comprador desse o passo lógico seguinte e abandonasse totalmente a edição impressa. Mas, neste caso, como um membro do Politburo, receio estar até eu indo um pouco longe demais. (*) Colunista do jornal Los Angeles Times’



Pedro Dória

‘Cadê os blogs informativos?’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 7/05/05

‘O primeiro blog brasileiro em português foi lançado em princípios de 1998 – chamava-se ‘Diário da Metrópole’ e seu autor, Nemo Nox, assina desde janeiro de 2001 seu segundo e premiado blog, ‘Por um punhado de pixels’. Estes são os anos-chave: 2000, 2001. Popularizado no Brasil o serviço de publicação e hospedagem da dupla Blogger/Blogspot, entre finais de 2000 e 2001 começaram a pipocar blogs na Internet tupinambá. A blogosfera brasileira, conjunto dos blogs daqui, está para completar cinco anos, pois. Amadureceu pouco.

O Brasil tem um bocado de gente na Internet e uma característica: o brasileiro gosta da rede, se enturma fácil. Segundo o especialista nas coisas virtuais John Perry Barlow, numa entrevista concedida à revista dominical do ‘Globo’ faz meses, o motivo é cultural. Brasileiro rapidamente sai apresentando conhecidos, senta à mesa de bar com estranhos e no segundo chope faz amizade, monta redes de pessoas com facilidade. Levar esse tipo de comportamento para a Internet é apenas natural.

E, no entanto, apesar de em grande número, o grosso dos blogs brasileiros continua ainda nesta fase: uma grande conversa de bar. Na segunda colocação, e são muitos, há também os blogs literários, de escritores que já se lançaram ou querem se lançar pela rede. Não há nenhum problema nisso, cada um escreve sobre o que quer. Mas são raríssimos, contam-se nos dedos, os blogs informativos. O porquê é um mistério.

Isto não é regra no mundo. Citar os exemplos de EUA e Inglaterra seria o óbvio. Nos EUA em particular, alguns dos blogs jornalísticos estão profissionalizados, transformados em pequenas empresas que lucram com a venda de propaganda e contam visitas às dezenas de milhões todo mês. Têm peso o suficiente para justificar a constante visita de deputados federais que comentam os posts.

Mas não é preciso ir tão longe. Só nesta última semana, quem navegou pela blogosfera portuguesa leu a respeito da remoção de estátuas em Lisboa, da regulamentação fiscal de imóveis ou sobre a influência do Partido Comunista Português no funcionalismo público. Na blogosfera lusa, há um excelente blog dedicado inteiramente ao noticiário sobre imprensa, outro sobre questões políticas dos gays, um terceiro a respeito do Timor Leste. Pasme: o Brasil faz mais pelo Timor do que Portugal, e no entanto é um português que julga importante transmitir diariamente seus relatos a respeito do país.

Aqui na rede existe este instrumento fantástico para quem quiser fazer imprensa com as próprias mãos. Contribui ainda o fato de que a imprensa brasileira diária tende, ultimamente, a ser meio chatinha. Então por que são tão poucos? Um blog jornalístico pode ser de vários tipos. De análise, por exemplo. De links em série, comentados ou não, apontando o que há de melhor publicado nas páginas. Ou até mesmo da boa e velha apuração: pega um telefone, conversa, descobre como funciona, publica. A maioria talvez não resulte em bom resultado, mas na quantidade sempre despontam bons nomes.

Há exceções, claro. O ‘Soy loco por ti’ fala de política latino-americana, coisa cada vez mais importante para as relações externas tupinambás, destino habitual do turismo pátrio e que, no entanto, costuma ser assunto meio abandonado pela imprensa brasileira. Só lembra que existe na hora da crise e, em geral, só há correspondentes na Argentina. Curiosamente, política norte-americana é assunto popular: ‘Stuck in Sac’ e ‘Alto-volta’ tratam primordialmente disto.

Sobre as coisas de Brasília, com atualização diária, só o blog do veterano jornalista Ricardo Noblat – que bem substitui a leitura de qualquer jornal. Ainda assim, é um blog fechado em si mesmo que faria pouca diferença se fosse impresso: um blog sem links, que se nega a abrir as portas da web aos seus leitores.

Mas por que são tão poucos? É um mistério inexplicável.’