Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Ranier Bragon

‘Pouco mais de quatro meses após ser enviado pelo governo ao Congresso, o projeto de lei que criaria o CFJ (Conselho Federal de Jornalismo) foi rejeitado ontem pela Câmara dos Deputados. Apesar disso, o PT disse que vai pedir ao Palácio do Planalto que envie nova proposta em 2005.

Alvo de várias críticas, o projeto foi rejeitado em votação simbólica (sem registro nominal dos votos), já que havia acordo para sua derrubada. ‘Isso aqui não é uma votação, é uma cerimônia de réquiem’, resumiu o deputado federal Chico Alencar (PT-RJ).

A proposta de criação do conselho foi encampada pelo governo com base em texto da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), que até o último momento tentou impedir a sua rejeição.

A principal crítica ao projeto é que ele representaria uma tentativa de controle da atividade jornalística. Um dos objetivos do conselho era ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista’. A Fenaj, cujos principais diretores são filiados ao PT, disse posteriormente que aceitava a retirada da expressão.

O fato é que há muito tempo o governo não fazia nenhum esforço para manter o projeto. Como o PFL exigiu sua rejeição como forma de entrar em acordo para realizar outras votações, o Planalto logo consentiu. O relator do projeto, Nelson Proença (PPS-RS), pediu a rejeição da proposta: ‘A atividade jornalística é intrinsecamente agressiva aos interesses de quem tem as suas mazelas expostas por matéria publicada. Mas isso é socialmente legítimo, saudável e essencial à democracia’.

‘Nós, da bancada do PT, achamos muito importante a criação de um conselho de jornalismo. (…) Sabemos do acordo entre os partidos para o sepultamento do projeto, mas vamos sugerir ao Executivo que envie outra proposta de conselho no ano que vem’, afirmou Arlindo Chinaglia (SP), líder da bancada do PT. Segundo ele, o novo projeto só autorizaria a criação do conselho. Os outros detalhes seriam formulados após debate com a categoria.

No início da noite, a Fenaj divulgou nota dizendo que ‘patrões, Parlamento e governo’ se uniram para enterrar o projeto: ‘O projeto que propõe o Conselho Federal dos Jornalistas está morto. A esperança de milhares de jornalistas e a expectativa de segmentos sociais importantes foram enterradas pelos coveiros tradicionais da democracia e da organização da sociedade, aliados a inusitados novos cúmplices’. Segundo a Fenaj, o governo abandonou o projeto, mas isso não impedirá que ela continue lutando pela criação do conselho.’



Eugênia Lopes

‘Câmara barra conselho de jornalismo’, copyright O Estado de S. Paulo, 16/12/04

‘A Câmara rejeitou ontem, em votação simbólica, a criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e dos Conselhos Regionais de Jornalismo (CRJs), propostos no projeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em agosto. A derrubada da proposta fez parte de acordo fechado, há cerca de um mês, entre o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e os líderes dos partidos aliados e de oposição para desobstruir a pauta de votação do plenário da Casa. Somente o PC do B defendeu o projeto, que tinha por objetivo fiscalizar o exercício da profissão de jornalista. O PT ficou dividido, mas manteve o acordo de rejeitar a criação do Conselho.

‘É muito importante que se crie o Conselho Federal de Jornalismo. É uma reivindicação antiga da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), mas o projeto acabou contaminado por um debate feito pela imprensa’, disse o líder do PT, deputado Arlindo Chinaglia (SP). ‘A bancada do PT sabe do acordo para desobstruir a pauta de votação. Vamos solicitar ao Poder Executivo que envie um outro projeto sobre o assunto no início do ano que vem. Mas que seja um projeto apenas para a criação do Conselho, com o seu detalhamento sendo discutido aqui no Legislativo com todas as entidades interessadas’, completou o petista.

Em seu parecer, o deputado Nelson Proença (PPS-RS) argumentou que a Constituição garante a ampla liberdade de expressão e de imprensa. ‘Não é admissível, portanto, que se imponham regras que possam, de qualquer modo, limitar essa liberdade ou criar constrangimentos ao seu exercício por meio de medidas administrativas’, observou Proença. Em sua avaliação é ‘incabível’ aplicar à profissão de jornalista os mesmo princípios éticos de outras profissões. ‘A ética do jornalista vai na contramão da ética de outras profissões. Seu compromisso é com a denúncia, com a apuração dos fatos que surjam no subsolo da sociedade, nas engrenagens do Estado, nos sinuosos corredores do poder’, disse o relator.

Para ele, ‘o jornalista tem obrigação ética de revelar o que possa prejudicar outrem, até mesmo um colega de profissão, se o fizer em favor da sociedade’. ‘Tem o direito de preservar o sigilo de suas fontes, se isto for relevante à obtenção da informação. Tem liberdade de questionar, agredir, comportar-se mal, vestir-se mal, romper com as normas, se isto trouxer aos olhos da opinião pública, a garantia de que não há segredos que não possam ser desmascarados, de que a imprensa investiga, confirma e divulga, de forma independente, os desvios de conduta a que os poderosos estão sujeitos’, afirmou Proença, no parecer que propôs a rejeição do projeto.

Momentos antes de os deputados aprovarem em votação simbólica a derrubada do projeto, o deputado Celso Russomanno (PP-SP) ameaçou pedir verificação de quorum para que a sessão caísse e a proposta não fosse rejeitada. Russomanno ficou irritado porque o seu projeto que propõe a criação do Conselho foi rejeitado junto com a proposta do governo.

‘Vale a pena criar mecanismos para a atividade jornalística’, defendeu Russomanno, que atendeu aos apelos das lideranças partidárias e acabou não impedindo a votação do projeto.

O acordo firmado entre o presidente João Paulo e os líderes partidários previa a rejeição da criação do Conselho Federal de Jornalismo, logo depois da votação da Lei de Falências, aprovada anteontem à noite. ‘O Palácio do Planalto viu que não tem jeito e concordou com a derrubada da proposta’, admitiu o líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP).

Para criar o Conselho Federal de Jornalismo, o governo argumentou que atualmente não há nenhuma instituição competente para normatizar, fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas. O projeto previa punições para os profissionais que cometessem irregularidades, que poderiam ser advertência, multa, censura, suspensão do registro profissional por até 30 dias e cassação definitiva do registro profissional.’



Carlos Alberto Di Franco

‘O governo no palanque’, copyright O Globo, 20/12/04

‘Se o projeto do Conselho Federal de Jornalismo estivesse vigorando, caro leitor, hoje, certamente, eu não estaria escrevendo esta coluna. Mas como a imprensa do Brasil é pluralista e defensora da liberdade de expressão, posso, sem nenhum constrangimento, defender meu ponto de vista que, talvez, não esteja, necessariamente, em sintonia com a linha editorial de alguns jornais. Os diários não amordaçam. Felizmente. Mas os governos, freqüentemente, são partidários do Samba de Uma Nota Só. Por isso, devemos, todos, defender a liberdade de expressão com energia e coragem moral.

Recentemente, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, deu a largada inicial para uma poderosa campanha em favor da legalização do aborto no país. Segundo a ministra, o governo federal decidiu criar um grupo de trabalho para discutir mudanças na legislação sobre o aborto. O objetivo é tirar o caráter punitivo (o aborto é crime no Brasil) para assegurar assistência a mulheres que sofrem complicações decorrentes da interrupção voluntária da gravidez. O assunto é considerado prioritário no Plano Nacional de Política para Mulheres. O grupo, formado por representantes do governo e de entidades civis, deve sugerir, a partir de janeiro, alterações legais a serem enviadas ao Congresso.

Na esteira das declarações e ações pró-aborto dos ministros do governo Lula, surpreende a solícita sintonia com a campanha governamental que se pode observar em algumas entrevistas de ministros do Supremo Tribunal Federal. Alguns deles, poucos felizmente, disputam espaço com as celebridades na passarela da mídia. O recomendável recato de quem deverá julgar processos em andamento, marca registrada da credibilidade do STF, vai sendo substituído pelo anúncio antecipado e público dos seus votos. Assistimos, atônitos, a uma articulada campanha que pretende impor à sociedade, em nome da democracia, a eliminação do primeiro direito humano fundamental: o direito à vida.

Recordo aqui, prezado leitor, um fato que chocou a opinião pública mundial. ‘Os médicos de um hospital de Londres deixaram morrer a menina Jacqueline May Watson, que nasceu 48 horas antes de completar 24 semanas. Só a partir dessa idade seriam obrigados por lei a prestar assistência. Apesar dos apelos dos pais, os médicos abandonaram Jacqueline, dizendo que era melhor a natureza seguir seu curso.’ A notícia, reproduzida pela imprensa brasileira, abria com um título exemplar: insensibilidade. A cultura da morte é intrinsecamente contraditória. Os pais da pequena Jacqueline, apoiados na evidência e no amor, lutaram pela vida da filha. Mas para os parteiros da morte, instalados na frieza de uma legislação com grife hitleriana, 48 horas não valem uma vida. Curiosa matemática: dois dias podem selar uma sentença de morte.

O assassinato por omissão chocou a sociedade britânica. E evoca-me outro episódio, também macabro, divulgado pela imprensa norte-americana: ‘Como resultado de uma tentativa de aborto numa gravidez gemelar’, informava a matéria, ‘nasceu um bebê vivo’. Entrevistado, o dr. Fritz Fuchs, chefe de Ginecologia e Obstetrícia do New York Cornell Medical Center, explicou que a solução salina usada no aborto obtivera êxito e conseguira matar um dos fetos, mas, inesperadamente, o outro gêmeo nascera vivo. Não obstante todos os esforços realizados para salvá-lo, morreu quinze horas depois. O dr. Fuchs comentou que, ‘em casos de gêmeos, é muitas vezes impossível injetar a solução salina nos dois sacos amnióticos’, concluía a notícia.

Os dois episódios, sem dúvida chocantes, levantam algumas indagações: por que a polícia não prendeu o médico que tentou matar dois gêmeos na véspera do seu nascimento, ou os pais que consentiram em que se injetasse a solução salina? Por que não se tentou de novo suprimir o gêmeo que inesperadamente sobreviveu, em vez de se ter feito o esforço, não menos inesperado, de mantê-lo vivo? Por que os médicos britânicos abandonaram Jacqueline, argumentando que era melhor deixar a natureza seguir seu curso? E por que, caso tivesse nascido dois dias depois, teriam lutado para salvá-lo?

As perguntas, carregadas de perplexidade, são rigorosamente irrelevantes para uma sociedade que, esquizofrenicamente, separa a legalidade da moralidade. A dissociação entre legalidade e moralidade está na raiz da decomposição ética da sociedade. A mudança na legislação não pode ser feita sob a batuta de um governo centralizador e de corte autoritário. Só um plebiscito pode, de fato, iluminar o verdadeiro sentimento do povo brasileiro. Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo para Editores.’