Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Reinaldo Azevedo

‘Há o fato e o contexto. Evidentemente, a reportagem publicada pela revista IstoÉ será instrumentalizada como evidência incontestável de que se faz necessário um Conselho Federal de Jornalismo, rigorosamente nos moldes propostos pela parceria Fenaj-Casa Civil. Afinal, parece, o que faltou ao repórter Luís Costa Pinto foi a trilogia ‘orientação’, ‘disciplina’ e ‘fiscalização’. Quanto à ‘punição’, aí já não sei. Talvez alguns se contentem com esse exercício público e algo pungente de autocrítica. Com Ibsen Pinheiro, sou solidário faz tempo. E não só com ele – apresentarei adiante a minha lista de reparações. Já com o colega ‘Lula’ (seu apelido entre seus pares) confesso que tentei colar minhas lágrimas à sua prosopopéia, mas meu coração se mostra mais duro que o do faraó.

Sustento que esse mea-culpa com 11 anos (!) de atraso só vem provar, na verdade, a absoluta desnecessidade do CFJ. Não há órgão coletivo, seja de aconselhamento, seja de punição, que possa combater o ato amoral ou socorrer os despossuídos de ética pessoal. As versões de Lula e de seu então chefe, Paulo Moreira Leite, são conflitantes. Diz o repórter – agora identificado como ‘Consultor de Comunicação e de Marketing Político’, tendo como um de seus clientes João Paulo Cunha, presidente da Câmara e grande estrela do PT – que advertiu a chefia para o erro da matéria e, pois, para o linchamento moral a que Ibsen ficaria exposto.

Sustenta Moreira Leite que as coisas não se deram assim. Identificado o possível erro – que viria a ser confirmado depois -, Lula teria sustentado sua apuração, com o concurso de Benito Gama. Não privo da amizade de nenhum dos dois. Quem me conhece sabe que já divergi da revista Veja mais de uma vez, reconhecendo, obviamente, o seu direito de ter uma linha editorial, assim como Primeira Leitura tem a sua (o que deixa a Nomenklatura da Fenaj nervosa). Mas já que a guerra de versões foi tornada pública, uma questão política, cumpre-me fazer algumas indagações:

1) O agora ‘assessor de marketing’ está falando a verdade ou está trabalhando, isto é, fazendo marketing?

2) Diz ele, em sua confissão, que, pressionado a sustentar uma farsa, aceitou. E expõe os motivos: ‘Não pensei em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar curso com aquela reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim, no meu emprego, em como salvar uma reportagem fadada a produzir uma tragédia’. Se Lula pensou na carreira antes, por que não estaria pensando agora?

3) Sabedor da farsa, Lula espera longos sete anos até um encontro na casa de Ibsen Pinheiro, quando, então, revela-nos o agora consultor de comunicação, entregou-se a observações proustianas sobre os índices de humanidade de sua vítima do passado. Sete anos… E a consciência madrasta a afinar o seu olhar para os móveis, a almofada de crochê…

4) Mas não bastaram os sete. Foram necessários outros quatro para que a verdade, finalmente, viesse à luz. Não a verdade de Ibsen, que esta já era de conhecimento público. Mas a verdade sobre aquela suposta armação. E então eis a bomba, justamente no momento em que o aparelho estatal-repressivo-sindical tenta impor uma tutela aos jornalistas.

5) Como é que Lula conseguiu dormir nos últimos 11 anos – ou, vá lá, entre 1993 e 2000, até pôr os olhos naquela almofada de crochê? Que outros desvãos há em sua consciência que lhe permitiram pacificar-se, olhar o filho? Por que, então, não denunciou a suposta pressão de Moreira Leite? Medo de perder o emprego? Mas sempre haveria a concorrência ou o caminho da consultoria política & marketing, não é?

Há mesmo muita coisa a abordar nesse episódio. Uma delas me resta simples e cristalina: a reabilitação de Ibsen Pinheiro não custa nada a ninguém porque, de algum modo, infelizmente, ele já é uma peça fora do jogo político que conta. Pré-candidato à Presidência da República em 1993, é hoje aspirante a uma vaga de vereador em Porto Alegre. Lula ajudou na queda. Pode colaborar na ascensão, ainda que em escala menor. A justiça que se lhe faz agora enfeita as consciências culpadas, mas não tem o condão de mudar a realidade ou mobilizar paixões políticas. Gostaria de ver é alguém ter a decência de reabilitar Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência no governo FHC. Quando é que uma das semanais vai lhe dar uma capa com o título: ‘Ele é inocente’? A revista Primeira Leitura publicou uma reportagem, em setembro de 2002 (clique no ícone para ler), intitulada Eduardo J. ou O Processo, com todos os detalhes da trama sórdida que o colheu.

Ora, Eduardo Jorge é ainda figura ativa da vida pública brasileira. E não porque exerça algum cargo político. Mas porque se empenhou e se empenha em provar a sua inocência – já que os encarregados de provar a sua culpa, o que seria o corriqueiro num Estado de Direito, declinaram da tarefa – e porque, uma vez que ela seja evidenciada, o que se vai ter é a prova de como funcionou o conúbio PT-imprensa-Ministério Público em favor de um projeto de poder. E, ainda assim, vejam vocês, atrevo-me aqui a reiterar a desnecessidade de um Conselho Federal de Jornalismo nos moldes propostos. Assumir essa tarefa é mexer num vespeiro político.

O tal conúbio, diga-se, fica evidenciado também na ‘tragédia’ (como classificou o autor da reportagem) que colheu Ibsen Pinheiro. Ora, vejam lá quem é que, sorridente, com ar de triunfo, decretou o ‘Pegamos o Ibsen’? Sim, ele, Waldomiro Diniz, o amigo preferencial dos bicheiros. Estava no início da fulminante trajetória que o levaria a ser chamado de ‘ministro’ pelos parlamentares. Integrava a assessoria de José Dirceu e Aloizio Mercadante, então deputados do PT. Eram tempos aqueles em que se cortavam cabeças primeiro para só perguntar depois qual era mesmo a acusação.

De tal maneira se estimulou um clima vizinho do justiçamento, que, com efeito, alguns jornalistas já não se contentavam mais em apenas divulgar fitas e ‘provas’ conseguidas ilegalmente. Avançou-se: alguns se dedicaram mesmo a criar as circunstâncias ótimas para produzi-las. No governo FHC, tais práticas foram levadas ao paroxismo. Afinal de contas, era urgente denunciar o caráter antipopular do governo dito ‘neoliberal’. Era necessário escancarar que o então presidente da República podia até ser um homem civilizado, mas seu governo não era. Daí lhe terem atribuído até o que nunca disse: ‘esqueçam o que escrevi’. E, no entanto, insisto: antes como agora, há que se resistir à criação do Conselho Federal de Jornalismo. Justamente quando eu próprio e não menos Luís Costa Pinto parecemos evidenciar a sua necessidade.

Mas há ainda mais e novos questionamentos. Waldomiro, a vestal daquela hora, era assessor de Dirceu e Mercadante, certo? Terá ele levado ‘prova’ daquela importância à principal revista do país sem o conhecimento de seus chefes? Era um troço guerreiro, a agir sozinho, movido pelo desejo de justiça, ou peça de uma engrenagem, que obedecia a uma estratégia e a uma forma de inserção de um partido na vida pública? Responda o próprio leitor. Estupendo é que seja, nos dias que correm, o próprio Dirceu o maior entusiasta do CFJ. Mais do que isso: o texto originalmente rabiscado pela Fenaj passou pela Casa Civil, que se encarregou de afiná-lo.

Guerra comercial

A revista IstoÉ, prudentemente, resolveu se precaver do uso indevido de sua reportagem – embora não possa ter controle sobre isso. Há dias, o próprio Luís Costa Pinto escreveu um texto no Correio Braziliense contra a criação do CFJ. Na chamada de capa, a revista dá destaque a uma frase de Ibsen contra a censura à imprensa. Que fiquem os registros. E deixo claro que não estou aqui a duvidar dos propósitos de ninguém.

Mas é óbvio que o episódio todo não é estranho a vinganças pessoais e, claro, à disputa pelo leitorado. Além do eventual desejo de reparar as conseqüências de uma mentira grotesca, a IstoÉ sabe que está, também, jogando algumas manchas na reputação da principal revista do país. Na condição de segunda publicação semanal em tiragem, essa é uma guerra que lhe interessa – o que não muda uma vírgula da mentira que vem à luz, mas expõe uma fragilidade de sua forma e motivação. Tanto quanto os 11 anos de espera de Lula podem fazer supor alguma forma de cálculo. Todos sabemos, se inseridos em certos padrões médios de normalidade, quando cometemos um erro monumental. O arrependimento que vem muito tarde já vem um pouco frio. Mais um motivo para criar o Conselho Federal de Jornalismo? Não! Mais um motivo para engavetar a estrovenga autoritária que o presidente Lula enviou ao Congresso.

Ideologia

A esquerda gosta de imaginar que a imprensa só não é perfeita porque sujeita à vontade dos proprietários, dos patrões, dos chefes, que, segundo um ministro de Lula, obriga os jornalistas a fazer o que não querem. É o espírito que embala a proposta da Fenaj. Ocorre, e esta me parece uma verdade meridiana, que o mal principal da imprensa brasileira – e, de certo modo, ocidental, das democracias aos menos – está antes na tentação de fazer justiça com as próprias mãos, de punir os ‘poderosos’, os ‘ricos’, as ‘elites’. Em suma: é a banalização do espírito da esquerda e a determinação em fazer da opinião pública caixa de ressonância de seus valores e de suas teses que têm contribuído para fazer o mau jornalismo.

Ora, é evidente que as empresas que editam os veículos de comunicação mais populares ou influentes não partilham necessariamente desses valores. Não é disso que se trata. Mas é ingênuo negar que, no Brasil, muito por conta da ainda proximidade da ditadura, da crispação ideológica a que foi levado o processo da Constituinte, da óbvia situação de injustiça social que o país experimenta, há identidades capilares flagrantes entre o jornalismo e a agenda da esquerda. E não é menos evidente que, aqui e no mundo, por causa de seu DNA militante, de sua experiência no trabalho no agitprop, os esquerdistas acabem impondo a pauta. Se chegam ao poder só à custa de muitas dificuldades, isso se deve ao fato de que as massas não entendem a sua linguagem – não por acaso, Lula teve de recorrer a Duda Mendonça, que ignorou o partido e fez a sua própria campanha.

Escolhamos qualquer um dos brasileiros injustamente satanizados pela mídia nos últimos anos e vamos encontrar um denominador comum: todos, rigorosamente todos, eram adversários do petismo. No jogo político, foram tratados em pé de igualdade com ladrões contumazes e óbvios. Os jornalistas não sabiam necessariamente disto, mas o PT sabia: não era fome de justiça o que movia as campanhas sistemáticas, mas um projeto de poder. De que o sorridente Waldomiro era apenas a abjeção capilar. Daí que não seja raro hoje em dia encontrar coleguinhas escandalizados com os métodos do governo Lula, em que não reconhecem o que julgavam ser um credo ao tempo em que o ex-metalúrgico era a expressão maior da oposição. O jornalismo, não raro, era movido a ideologia, ainda que rudimentar; o PT era movido a cálculo político.

E por que devemos dar um sonoro e severo ‘não!’ à proposta da Fenaj. Em primeiro lugar, porque o próprio Lula evidenciou, nesta sexta, que a proposta não é de jornalistas coisa nenhuma, mas do governo. Foi ele quem mandou o seguinte recado aos jornalistas: ‘Se vocês começarem a defender o Conselho de Imprensa (sic), eu dou [a entrevista]’. Vejam lá: ele nem mesmo fala em ‘Conselho de Jornalismo’, mas de ‘imprensa’, que é a instituição que ele sabe estar sempre em discreta (ao menos) contraposição ao poder. Disse o que disse em meio a sorrisos, afetando a velha intimidade paternalista com os antigos ‘companheiros’.

Em segundo lugar, devemos rejeitar essa bobagem porque está claro que o mesmo partido que antes manipulou a imprensa em favor de sua causa (ainda que muitos jornalistas não tenham sido menos culpados), defendendo a sua ampla liberdade de ação, agora faz o mesmo, tentando silenciá-la. Antes, como agora, o Moderno Príncipe quer fazer do jornalismo um mero instrumento de seu projeto de poder.

Isso significa que o jornalismo está condenado a ser o ‘espadachim da reputação alheia’, como a classificou Balzac em Ilusões Perdidas? Não! Em primeiro lugar, existem leis que podem coibir os abusos e reparar os erros. Mas elas são insuficientes, como provam Ibsen Pinheiro e o silêncio covarde que se ouve em torno de Eduardo Jorge. Então é preciso que caminhemos para uma forma de auto-regulação, certos de que nosso papel não é fazer justiça com o próprio teclado nem reparar, numa única reportagem, todos os males do país. Em terceiro lugar (e os ‘lugares’ aqui nada têm de hierarquia; são co-ocorrência), temos de ter claro que integrar o corpo de profissionais de um jornal, de um site, de uma revista não nos exime da responsabilidade pessoal, da ética individual.

Não somos inimputáveis morais, que, ao primeiro contratempo, possamos nos esconder na facilmente alegada canalhice de nossos chefes. Quem escolhe mandar um inocente para a fogueira para preservar o seu emprego faz uma escolha. Aliás, o espaço das escolhas costuma ser muito maior do que todos imaginamos em quase todas as circunstâncias da vida. Mais ainda: com Kant e depois com o primeiro Sartre (não o boboca stalinista), temos de ter claro que, escolhendo-nos, escolhemos o mundo; que a moralidade de uma ação sempre pode ser argüida testando-se a sua generalização: o mundo seria melhor e mais justo se o que fazemos for feito por todos e qualquer um?

É com questões como essas que está preocupada a Fenaj? Não, não é! Nas entrevistas que seus diretores concedem, o que se evidencia é o desejo de atrelar a profissão a um projeto de poder, a um partido, a uma ideologia, ainda que esta viva dias um pouco confusos. Opera-se, nesse particular, o estelionato operado em muitas outras áreas da vida pública. O equívoco final, em certos setores do país, está em não enxergar que o episódio do CFJ é parte de uma escalada, é peça de um jogo, é etapa de um projeto.

Ademais, não se enganem: quem estiver disposto a ser na vida um Lucien de Rubempré não deixará de sê-lo porque um burocrata sindical estará disposto a educá-lo para o jornalismo cidadão. Mas também não poderá alegar a inocência do poeta de província seduzido pelos mistérios do poder. Exceção feita aos malucos, aos inimputáveis, todos somos bem grandinhos para saber o que presta e o que não presta e onde metemos a nossa pena. Em dias como esses que vivemos, parece que o prudente é não ignorar a vontade totalizante do Moderno Príncipe, sempre disposto a contar com a colaboração, ainda que ingênua fosse, dos que, Lucien de Rubempré na origem, acabam se comportando com um Lucien Lacombe ou um Cabo Anselmo.

Antes, como agora, há um projeto de poder com vocação hegemonizante. E nós, os jornalistas, fomos e somos protagonistas da realidade política em que ele se construiu e se constrói. Quem vai nos ‘orientar’, ‘disciplinar’, ‘fiscalizar’ e, quando for o caso, ‘punir’? Os comissários do Moderno Príncipe?’



Dora Kramer

‘Cadáveres insepultos’, copyright O Estado de S. Paulo, 14/8/04

‘Em boníssima, perfeita e providencial hora surge a história publicada pela IstoÉ, segundo a qual a mistura de ambição, ignorância, má-fé, açodamento e leviandade levou jornalistas e políticos de destaque nacional a um conluio que resultou na publicação de uma informação falsa que, 11 anos atrás, contribuiu decisivamente para a cassação do mandato do deputado Ibsen Pinheiro.

Além do prejuízo à reputação, à carreira e ao futuro do parlamentar, o embuste feriu o essencial compromisso com os fatos, implícito na relação entre imprensa e sociedade, cujo sustentáculo é a liberdade de expressão, ora em estado de questionamento explícito.

Em resumo, a ópera é a seguinte: o jornalista Luís Costa Pinto resolveu confessar que à época da CPI do Orçamento recebeu uma informação a respeito da movimentação financeira de Ibsen, publicou sem conferir e, depois de avisado do equívoco, cedeu à orientação de sua chefia para ‘arrumar alguém’ da CPI que confirmasse o falso como verdadeiro. Encontrou um parlamentar disposto ao papel de ventríloquo de aspas e ficou assim tudo resolvido para desinformação do leitor e infortúnio do injustiçado.

Dias depois, a CPI corrigiu burocraticamente os valores – de US$ 1 milhão para US$ 1 mil -, não deu destaque ao fato, Ibsen Pinheiro foi de público execrado e lá se vão 11 anos do mais absoluto silêncio de todas as partes a respeito do episódio.

Surge agora a versão real e num momento especialmente feliz: quando o governo, de um lado, defende o controle da atividade jornalística e, de outro, acusa a imprensa e a oposição de promoverem uma ‘onda de denuncismo’ contra esse mesmo governo.

Como pano de fundo, ainda temos a CPI do Banestado, que reuniu um monumental banco de dados a respeito de centenas de pessoas, a partir da quebra indiscriminada de sigilos fiscais e bancários pedida pelo relator, José Mentor, um petista de relações estreitas com o ministro da Casa Civil, José Dirceu.

O mesmo Dirceu que à época da CPI do Orçamento era deputado e, com o também então deputado e hoje senador Aloizio Mercadante, valia-se dos serviços do funcionário da Caixa Econômica Federal Waldomiro Diniz. O mesmo Waldomiro Diniz que, segundo o jornalista Costa Pinto, o procurou em 1993 para oferecer boletos bancários pertencentes a Ibsen Pinheiro como suposta comprovação de que o deputado teria movimentado US$ 1 milhão em suas contas.

‘Pegamos o Ibsen’, disse ele, de acordo com Costa Pinto, ao apresentar os documentos – adulterados, viu-se depois – que tinha como tarefa fornecer à CPI, para uso externo dos parlamentares amigos.

Temos, pois, nessa confissão do jornalista, todos os elementos dos debates ora em cartaz.

Começando pela manipulação e uso ilegal de documentos de CPIs: se, como acusa o governo, hoje são instrumentos utilizados pela oposição, o foram em larga e péssima medida usados pelo PT na leviana aliança que de quando em vez une políticos interessados em fazer da impressa canal de transmissão de seus interesses e jornalistas em busca de um sucesso tão rápido quanto inconsistente e socialmente nefasto.

Justiça se faça, tal prática não é nem foi prerrogativa exclusiva do PT. A indústria dos grampos, dos dossiês, da agressão aos direitos e garantias individuais tem criação e sustentação coletiva e suprapartidária.

O PT entra com destaque aqui porque age agora como se jamais tivesse tido participação nessa escola da ética do escândalo e do jornalismo de delegacia de polícia, que abre mão do dever de distinguir dados falsos de informações verdadeiras, e se deixa usar pelo primeiro construtor de dossiês que lhe aparece à frente.

Propõe controle de informação, bem como ataca o Ministério Público, com conhecimento de causa, porque teme ser vítima do uso das mesmas armas de que se valeu contra os adversários.

Parte do pressuposto da má-fé, tenta imprimir a quaisquer acusações o vezo da engendração ardilosa e desmoralizá-las pela inoculação, no imaginário popular, do conceito geral de ‘denuncismo’.

Denúncias há responsáveis e irresponsáveis, assim como existem as respondíveis e as irrespondíveis. Da mesma forma, entre procuradores, jornalistas e políticos transitam desviantes.

Nem de longe, por isso, corrigem-se situações pela via da restrição à liberdade, à investigação, à fiscalização, ao cotejo de dados, à exposição de contradições, à cobrança de explicações.

O episódio relatado pela IstoÉ mostra que a verdade tem várias formas de aparecer , ainda que demore e cause irrecuperáveis prejuízos. A única maneira de mantê-la eternamente desconhecida, porém, é a obstrução dos canais de informação à sociedade.

Nenhum conselho controlador teria o poder de evitar casos como esse. Mas a imprensa livre tem pelo menos como, pelo constrangimento da exposição pública, contribuir para que se mantenham no terreno das exceções.’



Roldão Arruda

‘Jornalista confessa erro que derrubou Ibsen Pinheiro’, copyright O Estado de S. Paulo, 14/8/04

‘A derrocada política do deputado federal Ibsen Pinheiro, cujo nome chegou a ser cogitado para corrida presidencial de 1994, pelo PMDB, pode ser debitada em boa parte a um erro jornalístico. Esse é o tema da reportagem de capa da revista IstoÉ que começou a circular ontem. Ela afirma que a revista Veja, ao publicar uma informação errônea sobre a movimentação de dinheiro na conta bancária do deputado, em 1993, deu munição para os inimigos políticos dele e desembocou na cassação de seu mandato. O pior, segundo IstoÉ, é que os editores da publicação concorrente souberam do erro antes do final da impressão da revista e decidiram mantê-lo.

O texto tem como peça de resistência uma carta que o autor da reportagem, o jornalista Luís Costa Pinto, enviou a Ibsen há três meses, na qual confessa o erro, numa tentativa de ‘reparar as injustiças que ajudei a perpretar’.

Ele conta que seus editores souberam na madrugada que a denúncia da movimentação de US$ 1 milhão de dólares na conta do deputado não tinha pé na realidade. Um checador da própria Veja refizera as contas, verificando que o movimento mal de US$ 1 mil.

Àquela altura, porém, com 1 milhão e 200 mil exemplares rodados, segundo Costa Pinto, os editores não quiseram voltar atrás. Pediram a ele que buscasse a declaração de alguém da CPI do Orçamento para calçar a informação. O próprio presidente da comissão, o então deputado pefelista Benito Gama, inimigo político de Ibsen, aceitou desempenhar esse papel e afirmou, por telefone: ‘É US$ 1 milhão e Ibsen terá de responder por isso’.

Um dos detalhes mais curiosos da polêmica, que ocorre em meio a um debate mais amplo sobre a necessidade de fiscalização da atividade jornalística, é que a principal fonte de Costa Pinto na reportagem foi um personagem muito conhecido do PT – o assessor parlamentar Waldomiro Diniz, que era o braço direito dos deputados José Dirceu e Aloizio Mercadante na CPI do Orçamento.

Foi Waldomiro quem ligou para Costa Pinto na noite do fechamento da revista, dizendo que tinha as provas que faltavam para incriminar Ibsen – sete boletos de depósitos bancários.

Ontem, Benito Gama, que concorre à Prefeitura de Salvador pelo PTB, negou a conversa por telefone com Costa Pinto. ‘Isso é uma mentira, um delírio, um sonho do jornalista’, disse. ‘Nunca tratei de valores. Esse sujeito é irresponsável e vou processá-lo por suas declarações.’

A direção da Veja não quis fazer comentários sobre o episódio. O então editor-executivo da revista, Paulo Moreira Leite, a quem Costa Pinto se reportava, chamou de fantasiosa a versão do jornalista. Em declarações publicadas na própria IstoÉ, Leite, que hoje ocupa o cargo de diretor de redação do Diário de S. Paulo, contou ter dito a Costa Pinto que todas as informações enviadas por ele estavam sendo desmentidas pelo checador. O jornalista, porém, teria insistido na versão, com a confirmação do deputado Benito Gama. ‘Ninguém nos proibia, naquele momento, de publicar duas versões, o que teria o menos amenizado o erro’, disse.

do que o deputado mantinha a versão’, disse’, BRASÍLIA – O jornalista e consultor de comunicação, Luiz Costa Pinto, afirmou ontem estar surpreso com a publicação pela revista IstoÉ do relato sobre uma reportagem de 1993 na qual acusava o então deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) de ter movimentado US$ 1 milhão em suas contas, obtidos em um esquema de corrupção do orçamento. ‘Não o imaginava como peça de resistência da reportagem de capa de uma revista semanal’, disse ele, que só tomou conhecimento da publicação na noite da quinta-feira. Ainda assim, o jornalista mantém o que está escrito e admite ter cometido um erro no passado.

‘O relato que titulei como ‘O homem que se recusou a morrer’ é a descrição de fatos que vivi. Há três meses entreguei-o a Ibsen Pinheiro, por e-mail, e disse-lhe que podia dar o destino que quisesse àquele texto’, afirmou, em uma nota entitulada ‘Durmo em Paz’. Costa Pinto atribui seu erro à pouca idade que tinha na época. ‘Em 1993, com 24 anos, a despeito de ter dado alguns bons furos de reportagem, não tinha essa maturidade. Passei a exigi-la, depois, dos repórteres que comandei nas redações onde exerci cargos de chefia’, diz ele.

A decisão de escrever o texto, explica, foi motivada para ‘tirar um peso histórico dos ombros e de ajudar um homem público a traçar sua biografia com a contribuição de quem protagonizara um episódio chave no epílogo de sua carreira’. Segundo ele, debater erros do passado e consertar desvios ‘é uma das virtudes de se viver sob regimes democráticos’. Segundo ele, não é preciso um ‘infame Conselho Federal de Jornalismo ou algo do gênero’ para que o jornalista adquira a maturidade necessária para evitar este tipo de erro.

‘Nunca menti para um chefe meu’, afirmou Costa Pinto, em resposta às críticas do seu ex-chefe na revista Veja, Paulo Moreira Leite, que considerou a versão uma ‘fantasia’. ‘Aprendi muito com o Paulo, ele era meu chefe no momento desse erro, assim como era meu chefe na entrevista que fiz com o Pedro Collor, que desencadeou todo o processo’, afirmou, citando a reportagem publicada em 1992 na qual o irmão do então presidente Fernando Collor de Mello revelou os esquemas de corrupção do governo.

‘Não sou o único jornalista que publicou um erro. Certamente, perfilo ao lado dos poucos que têm a humildade de admiti-lo’, disse. Para ele, o mais importante foi ter contado o fato, ainda que depois de tantos anos. ‘Jornalistas erram, assim como médicos e engenheiros erram. Erros médicos, em geral, são fatais. Erros de engenharia provocam tragédias. Erros jornalísticos produzem vítimas silenciosas, dores de alma. Devia ficar em silêncio?’’



O Globo

‘Jornalista diz que sabia de erro que cassou Ibsen’, copyright O Globo, 15/8/04

‘O jornalista Luís Costa Pinto, autor de reportagem da revista ‘Veja’ em 1993 que contribuiu para a cassação do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro, admitiu que sabia que a informação sobre a movimentação financeira do ex-deputado era falsa. Em depoimento que será usado em livro a ser lançado por Ibsen, Costa Pinto diz que, mesmo sabendo do erro, sustentou que o ex-deputado movimentara US$ 1 milhão porque estava preocupado em manter o emprego.

A movimentação financeira de Ibsen foi levantada pela CPI do Orçamento e vazada para o jornalista pelo então assessor de José Dirceu e Aloizio Mercadante, Waldomiro Diniz (o mesmo que se demitiu do cargo de subchefe da Casa Civil em fevereiro deste ano, após se ver envolvido em escândalo). Em vez de US$ 1 milhão, a movimentação financeira de Ibsen foi de US$ 1 mil, segundo constatou Adam Sun, checador da revista.

Moreira Leite contesta versão de Costa Pinto

Os bastidores da reportagem de capa da revista ‘Veja’ – ‘Até tu, Ibsen?’ – foram revelados, na edição desta semana, pela revista ‘IstoÉ’, que teve acesso ao depoimento de Costa Pinto, hoje consultor do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Costa Pinto conta que, em novembro de 1993 foi procurado na redação de ‘Veja’ por Waldomiro Diniz, que lhe levou dados da movimentação de Ibsen Pinheiro. Depois de redigir a reportagem, ele enviou cópias dos extratos bancários de Ibsen para São Paulo. Na madrugada, quando a revista já estava sendo impressa, o checador – pessoa que verifica dados das reportagens – constatou o erro na soma dos dados bancários. Costa Pinto disse que foi procurado pelo então diretor-executivo da ‘Veja’, Paulo Moreira Leite, que o alertou sobre o erro.

Na versão de Costa Pinto, Moreira Leite teria sugerido que ele encontrasse um membro da CPI do Orçamento que confirmasse a movimentação de US$ 1 milhão, pois qualquer alteração na capa da revista, que já estava sendo impressa, teria alto custo. Costa Pinto teria acionado o ex-deputado Benito Gama (PTB-BA), na época coordenador da subcomissão de bancos da CPI, que teria confirmado o valor da movimentação.

Moreira Leite, que hoje é diretor de Redação do ‘Diário de S. Paulo’, e Benito Gama negam a versão de Costa Pinto. Em nota enviada à revista ‘IstoÉ’, Moreira Leite diz que Costa Pinto ‘conta uma história conveniente para quem quer enfeitar a biografia profissional, rica em detalhes secundários, mas absurda no essencial’. Moreira Leite confirma que Adam Sun descobriu o erro na movimentação financeira de Ibsen. Acrescenta que falou com o jornalista por telefone para checar o dados. ‘O próprio Lula (Costa Pinto) seguiu sustentando a versão do Benito, que era sua fonte, que jamais havia mentido para ele. Por isso aquele número foi publicado: prevaleceu a versão errada de um repórter em vez da estimativa correta de um checador’, destacou Moreira Leite na nota.

Benito Gama responde: ‘É tudo mentira’

Benito Gama disse que o depoimento de Costa Pinto é mentiroso e que vai processá-lo por calúnia e difamação.

– É tudo mentira. Ele recebeu informações clandestinas e mandou para São Paulo como se fossem minhas. Nunca confirmei esses dados para ele. Esse depoimento é delirante – disse Benito Gama.’