Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Renata Lo Prete

‘Não é fácil escrever sobre um homem para quem se trabalhou desde sempre. Menos ainda quando se continua a trabalhar para seus herdeiros. E em especial se o homem é Roberto Marinho.

Essa dificuldade original não é superada na biografia que Pedro Bial lança em São Paulo nesta quarta-feira. Em ‘Roberto Marinho’, parte de um projeto da Central Globo de Comunicação para preservação de memória, a relação do autor com seu personagem ultrapassa a fronteira da admiração. É de reverência.

Começa pela opção de referir-se ao jornalista e empresário, morto em agosto de 2003 aos 98 anos, como ‘Doutor Roberto’ ao longo das quase 400 páginas.

Pode-se alegar que assim o chamavam os funcionários das Organizações Globo e todos os que dele se aproximavam. Mas, aliada ao recurso de continuamente convidar o ‘amigo leitor’ a seguir a jornada de ‘nosso companheiro’, essa forma de tratamento revela disposição para diluir contrastes e iluminar o personagem sempre com a luz mais favorável.

Tome-se a história de quando Roberto Marinho, já septuagenário, voltou a saltar a cavalo, para grande preocupação dos familiares. Segundo Bial, notícias de suas quedas não saíam no ‘Globo’ nem em outros jornais. ‘Com exceção, é claro, da ‘Tribuna da Imprensa’, do eterno e implacável adversário Hélio Fernandes.’

O caso em si é lateral, mas o modo de narrá-lo deixa claro que, no entender do autor, fora de lugar está não o silêncio obsequioso dos demais, mas sim a atitude de quem ‘ultrapassava as raias da deselegância fazendo zombaria com a idade do competidor’.

Não faltam atrativos a ‘Roberto Marinho’, seja pela riqueza de eventos e realizações na trajetória de seu protagonista, que ontem teria feito cem anos, seja pela fartura de entrevistas e documentos de que se serviu o autor.

Estão lá os presidentes (para Juscelino, que insistia em erguer Brasília no Planalto Central: ‘Por que o senhor não constrói a nova capital ali na Barra?’).

Estão lá os jornalistas (na correspondência entre Marinho e Evandro Carlos de Andrade se enxerga com nitidez o processo que transformou ‘O Globo’ no jornal influente que é hoje).

Está lá uma história quintessencial sobre o significado de ser Roberto Marinho. Certo domingo, ele quis saber a que horas a TV Globo transmitiria o jogo de seu Flamengo. Ninguém ousou dizer a verdade: não transmitiria.

Foram minutos de desespero até surgir a idéia salvadora: como o sinal do estádio seria enviado à emissora, conectou-se uma linha à casa do Cosme Velho. Mandado às pressas ao Maracanã, um locutor de primeiro time narrou a partida para um homem só.

Pena que tanta matéria-prima tenha sido plasmada com olhar de deslumbramento por Bial, que ao final reflete: ‘Roberto Marinho… Nunca imaginei que me coubesse tal missão, escrever, com independência, um perfil biográfico de Roberto Marinho. Assim como nunca sonhei em vir a ser apresentador do ‘Fantástico’ ou do ‘Big Brother Brasil’.

Se independência lhe foi dada, ele mostrou pouco interesse em utilizá-la. Não obstante o valor documental de ‘Roberto Marinho’, resta por ser feita uma biografia que, sem deixar de reconhecer seus méritos e o papel central na história das comunicações no Brasil, seja capaz de encará-lo com algum distanciamento.

Roberto Marinho, Autor: Pedro Bial Editora: Jorge Zahar Quanto: R$ 29,50 (400 págs.)’



Darlan Alvarenga

‘O homem Roberto Marinho por trás do mito e do patrão’, copyright Caderno i nº 104 # Ultimo Segundo (http://ultimosegundo.ig.com.br), 4/12/04

‘Durante seus mais de 20 anos de TV Globo, o jornalista Pedro Bial se encontrou pessoalmente com o patrão, chamado por todos de dr. Roberto, apenas três vezes. E em todos os encontros não falou nada além de um ‘como vai’. A primeira vez foi um esbarrão casual nas ruas de Barcelona, durante os jogos Olímpicos de 1992. Roberto Marinho e a esposa, Dona Lily, procuravam a entrada do ginásio de voleibol, onde assistiriam a uma partida da seleção brasileira feminina. Ao voltar à redação, Bial se gabou para os colegas: ‘Acabo de dar umas orientações a Deus’.

Bial, que lança agora a primeira biografia – ou perfil biográfico, como ele prefere – do mais influente empresário de comunicação do Brasil no século 20, ‘Roberto Marinho’ (Editora Jorge Zahar), admite que, até então, o ex-presidente das organizações Globo era também para ele uma entidade meio sobrenatural, uma espécie de instituição.

‘Eu tinha a imagem de um homem velho. Então, uma das minhas primeiras intenções foi humanizar esse homem’, afirma Bial, que teve que correr contra o tempo para concluir o livro a tempo de lançá-lo durante as comemorações dos 100 anos de nascimento de Roberto Marinho – o jornalista, que morreu no dia 6 de agosto do ano passado, faria aniversário em 3 de dezembro.

Para privilegiar o homem Roberto Marinho por trás do mito, Bial conta que procurou reunir não só os grandes embates e conflitos políticos, empresariais e familiares, mas também pegar o tititi, o papo de corredor, as aventuras daquele que também foi um jovem diretor de jornal (assumiu ‘O Globo’ aos 27 anos) e só se casou aos 42 anos. ‘Esse adolescente incontrolável, esse cara ultranamorador, boêmio, os filhos não imaginavam’, afirma.

Entre as aventuras e polêmicas, descobre-se, por exemplo, que Roberto Marinho quase naufragou num barco em chamas com Nelson Rodrigues, ao promover uma regata proibida. Que o sambista Sinhô escreveu uma música chamada ‘A Cocaína’, dedicada a Roberto Marinho. E que ele um dia saiu de casa, com uma pistola no bolso, decidido a atirar no desafeto Carlos Lacerda.

Já entre as intimidades e manias, descobre-se que Roberto Marinho conheceu uma primeira Lili, sem ‘y’ na França, inclusive na cama, na viagem de 11 meses que fez com a família na Europa, antes de seu pai lançar ‘O Globo’. Que teve uma desilusão amorosa chamada Elza. Que até o fim da vida usou pó de arroz em razão de um desconforto com a cor da pele. E que escolhia os ternos que usava a partir da coleção de 5.328 gravatas que tinha.

Embora não ocupe o eixo central do livro, Bial não deixa de abordar as polêmicas em torno da criação e do crescimento da Rede Globo e as estreitas relações de Roberto Marinho com os governos. ‘Eu acho que o conservadorismo dele tem a ver com essa visão institucional’, avalia Bial. ‘Porque o negócio dele não tinha ideologia, tinha os interesses do jornal. A ideologia dele era o jornal, ‘o que é bom pro lojinha’.’

Em entrevista concedida ao Último Segundo, em seu escritório no Jardim Botânico, a poucos metros da Rede Globo, Pedro Bial fala da encomenda recebida pelos filhos, a qual ele considera ‘a maior reportagem já feita’ em sua vida, do material encontrado na pesquisa e do Roberto Marinho que ele descobriu por trás do mito e do império que ele construiu. Bial garante que a condição de funcionário da TV Globo não comprometeu em nada a isenção do seu trabalho e que abordou todos os assuntos. ‘Os filhos literalmente me falaram: ‘pode abordar qualquer assunto, não há assunto tabu’.

Último Segundo: No livro, você afirma que uma das razões para Roberto Marinho não ter levado adiante o projeto de escrever suas memórias ou deixar que alguém as escrevesse com ele ainda vivo é que ele não admitia considerar sua história como terminada. A idéia da velhice e da morte era mesmo insuportável para ele?

Bial: Ele tinha um inconformismo diante do tempo e da idade que eu acho que todos nós temos. E ele não falava em morrer, mas sim ‘se um dia eu vier a faltar’. O fato é que ele convenceu a família e as pessoas mais próximas de que não havia motivos para ele não viver 120 anos ou 130. E tanto isso é verdade que, quando ele morreu, aos 98 anos, foi um choque para todos.

US: A longevidade dele sempre surpreendeu a todos. Ele tinha algum segredo. Fazia algum tratamento especial, ortomolecular ou coisa do gênero?

Bial: Também ouvia essas histórias, tentei apurar, mas não consegui confirmar. Só descobri que teve uma dessas gerontólogas que disse que tratou do dr. Roberto e não era verdade. O que eu sei é que ele se cuidava muito. Nunca fumou e, quando bebia, no máximo segurava uma taça de champagne e, quando ia à casa do Boni (José Bonifácio Sobrinho), tomava uma tacinha de Romanée-Conti. Ele tinha por natureza uma saúde excepcional. Era muito forte. Os netos contam que ele sempre recusou qualquer ajuda para levantar. Ele voltou a montar cavalos aos 70 anos e levava tombos e mais tombos. E era de uma escola de equitação mais militar, que gostava mais do salto em altura, que é outra coisa que depõe muito sobre a personalidade dele: quanto mais alto, melhor.

US: O Roberto Marinho, quando iniciou o projeto de escrever suas memórias, deu o título de ‘Condenado ao Êxito’. Você chegou a pensar a manter este título?

Bial: Eu acho que o que ele gostava no título ‘Condenado ao êxito’ era do paradoxo. Mas ao mesmo tempo era um título um pouco arrogante, que não combinava com ele. Entre os defeitos dele, certamente não se incluía a arrogância. As poucas vezes que eu o vi, o que me impressionou foi a amabilidade e a ausência total de arrogância. Na televisão, tem duas pessoas que a gente não credita a profissão. Não dá para colocar Roberto Carlos como cantor ou então Pelé jogador. Eu achei que o Roberto Marinho era igual, não precisava de um epíteto, de um aposto. Roberto Marinho é Roberto Marinho.

US: Na apresentação do livro, você diz que o Roberto Marinho era até então para você uma entidade sobrenatural. Quem é o Roberto Marinho que você descobriu nesse mergulho?

Pedro Bial: No imaginário brasileiro, Roberto Marinho nasceu velho. Eu tinha a imagem de um homem velho. Então uma das minhas primeiras intenções foi humanizar esse homem que virou uma instituição depois de uma certa idade. E eu encontrei um jovem absolutamente surpreendente. Um azougue, um adolescente incontrolável, muito voraz pela vida, um gosto para competição muito grande e uma capacidade de viver e trabalhar muito grande, mas que ao mesmo tempo não abria mão do prazer do bom viver, da farra. Ele foi conhecido por muito tempo no ‘Globo’, por quase 50 anos, como ‘nosso jovem diretor’. Então ele foi velho por muito tempo, mas também jovem durante muito tempo.

US: Por você trabalhar na TV Globo, são inevitáveis os questionamentos sobre a isenção da sua abordagem sobre o ex-patrão. Como você procurou lidar com esta questão de autor-funcionário?

Bial: Eu fui convidado pelos filhos, pelos meninos – como ele chamava. A idéia foi do Luís Erlanger, (diretor) da Central Globo de Comunicação, e dos acionistas. Eu trabalho há mais de 20 anos na TV Globo e nunca tive instruções de como fazer uma reportagem. Eu sempre tive toda a liberdade de contar as histórias como eu as tinha testemunhado. E o mesmo procurei fazer no livro, no que foi endossado pelos filhos que, literalmente, falaram: ‘pode abordar qualquer assunto, não há assunto tabu’. E abordei todos os assuntos. Mas por essa razão tive que ser ainda mais rigoroso com esse aspecto da isenção, de checar e rechecar cada informação. Além disso, procurei, a todo momento, deixar claro ao leitor que há um autor contando a história.

US: É por proximidade e por se tratar de uma obra de encomenda que você prefere se referir ao livro como um perfil biográfico ou então uma grande reportagem, em vez de biografia?

Bial: No fim das contas, acho que o que escrevi pode ser chamado de biografia. Mas eu prefiro apresentar como um perfil biográfico, até mesmo pela exigüidade do tempo. A minha pesquisa tinha que ser imediatamente seletiva, porque o tempo urgia. Eu comecei em novembro do ano passado e, entre janeiro e abril, fiz concomitante ao ‘Big Brother’, o que acabou sendo bastante esquizofrênico. Começar a escrever mesmo, eu só comecei em abril.

US: Você recebeu um vasto material que já vinha sendo reunido e produzido pelo Projeto Memória da Rede Globo. Você teve algum trabalho adicional de pesquisa?

Bial: É claro que o projeto Memória Globo, que funciona desde 1999 e já tinha realizado uma série de entrevistas, foi fundamental porque as pesquisadoras mergulhavam nessas pastas e entrevistas e já iam fazendo uma primeira seleção. Como o Roberto tinha esse projeto de memórias, tinha rigorosamente guardado tudo em pastas e mais pastas no ‘Globo’, desde o final do século 19. Eu percorri mais de 4 mil documentos, cartas e contratos. Usei as entrevistas do projeto Memória, mas também tive que refazer algumas porque é diferente você ter as pessoas falando de alguém que está vivo ou que já morreu. A minha primeira entrevista foi com os três filhos juntos. Depois eu entrevistei cada um separadamente. Também entrevistei pessoas próximas a ele, como o Boni, a irmã Ilda, que está com a memória ótima, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, e consegui entrevistas com amigos dele, que nunca tinham dado entrevista, como o Jorge Serpa e o José Luiz de Magalhães Lins.

US: E do material escrito pelo próprio Roberto Marinho, o que havia?

Bial: Escrito pela mão dele, veio o documento mais impressionante e enigmático, que é o primeiro roteiro que ele fez para o ‘Condenado ao Êxito’. Num fac-símile escrito numa máquina, possivelmente na TV Globo, porque tudo era escrito em caixa alta (letras maiúsculas) como eram os tipos das máquinas da televisão, ele vai juntando frases sem preocupação cronológica ou de narrativa. Uma associação de idéias mais freudiana que proustiana. Olha só esse enigma (lê um trecho do documento): ‘a construção da minha casa no Cosme Velho, o meu programa de receber estrangeiros, o início de minha vida amorosa. Elza. Conseqüências do desengano. O castigo que impus às mulheres’. Ou seja, a construção da casa no Cosme Velho é de 1940, o início da vida amorosa é da década de 10. Já Elza deve ter aprontado alguma com ele. Aí dei de cara com uma foto e está lá escrito Roberto e Elza. Eles estão no forte de Copacabana. Elza com um par de pernas à mostra em plenos anos 20. Ele não devia ter 20 anos, com uma cara de apaixonado. Quem é Elza? Não sei, mas a foto é uma delícia.

US: Os entrevistados fizeram algum tipo de revelação surpreendente? Você descobriu alguma coisa desconhecida da família?

Bial: Esse adolescente incontrolável, esse cara ultranamorador, boêmio, os filhos não imaginavam. Como Roberto casou aos 42 anos, para os filhos ele sempre foi um pai velho. Eles não imaginavam que o pai aprontou o que aprontou como jovem. Ele era realmente danado. Tem cartas do pai falando: ‘como é que vou controlar este canalhocrata’, ‘esse indivíduo me assusta’, ‘mal chegamos a Paris, ele já se precipitou à Montmartre’. E eu também quis pegar as coisinhas, o tititi, o papo de corredor, do tipo ‘você sabe que o Sinhô (sambista) escreveu uma música chamada ‘A Cocaína’, que era dedicada ao Roberto Marinho?’.

US: Ele teve algum envolvimento com cocaína?

Bial: O Irineu era muito ligado a Donga e Pixinguinha, que tinham os Oito Batutas e eram inimigos do Sinhô. Em 1924, foi o Irineu e outros poucos da elite carioca que bancaram a ida deles para Paris e eles foram eternamente gratos por isso. Sérgio Cabral, que é o maior historiador da música popular, me contou a história das músicas que um fazia para provocar o outro. O Roberto herdou a amizade do pai com o Donga e a turma dos Oito Batutas. E o Sinhô, muito malandramente, fez uma música e dedicou ao Roberto Marinho. Se ele entrou em contato com o ‘sal ruidoso’, como o Sinhô chama a cocaína na música, a gente não pode afirmar. Agora, que era muito comum na década de 20 no Rio, isso era.

US: Mas este Roberto Marinho ‘incontrolável’ chegou a se envolver diretamente num escândalo na juventude?

Bial: Não. Porque, ao mesmo tempo em que era muito boêmio, herdou do pai a discrição. Como jovem, talvez tenha dado umas facilidades, mas numa carta para mãe ele se compromete solenemente a não mais desprestigiar o ‘Globo’ e dar gostinho para os inimigos fazerem comentários maldosos a seu respeito. A irmã diz que as coleguinhas de escola falavam que ele só queria saber de namorar. O próprio pai achava que ele era saidinho demais.

US: Antes do pai dele lançar ‘O Globo’, a família passou meses na Europa. O que motivou esta viagem?

Bial: Eles ficaram 11 meses na Europa, mas ele contava essa viagem como se tivessem sido anos, porque foi muito intensa. O pai era tuberculoso e tinha feito uma cirurgia dolorosa e perigosa para época. O Irineu não sabia se iria viver ou não, então fez essa viagem meio que como uma despedida da vida e, ao mesmo tempo, uma celebração da vida. Ele vendeu as ações de ‘A Noite’, em segredo, por uma fortuna, e a família fez uma viagem de sonho na Europa. Em Paris, Roberto se apaixona. Encontra uma Lili, que não é a Lily, com quem diz que conheceu autores franceses como Maupassant, Flaubert, mas conheceu na cama também.

US: O pai dele acaba morrendo meses após lançar ‘O Globo’, quando o Roberto Marinho tinha apenas 21 anos. Ele já trabalhava com o pai, mas decide não assumir o comando de imediato. Por quê?

Bial: Quando o pai dele morre, em 1925, a mãe quer que ele assuma a redação, mas ele já é esperto suficiente para saber que não basta deter o controle acionário do jornal para ter autoridade na redação. Ele procurou primeiro desempenhar antes todas as funções dentro do jornal. Durante seis anos, até assumir a redação, ele vai se impondo e ganhando segurança. Quando assume, dá uma sacudida no jornal. A primeira contratação foi o Mário Filho, irmão do Nelson Rodrigues, que reinventa o jornalismo esportivo brasileiro. Mas Roberto Marinho, Nelson Rodrigues e Mário Filho aprontam poucas e boas. Em 1931, eles promoveram uma regata do Rio a Santos, que foi proibida pela Capitania dos Portos por ser uma arrematada loucura. Mas eles fizeram uma falsa largada na Praia do Flamengo e largaram do Leblon. Dois dias depois, sem notícias dos remadores, Roberto e o Nelson saem de lancha para procurá-los. O barco pifa nas cercanias da Praia Grande e, para passar o tempo, o Roberto começa dar tiros nas gaivotas. Enquanto o mecânico tenta consertar o barco, o motor explode. Portanto, fica aquele que seria o maior dramaturgo da história do Brasil e o maior empresário de comunicação do País dentro de um barco em chamas, cercado de tubarões – porque o sangue das gaivotas tinha atraído tubarões. Sorte que os tiros chamaram a atenção de uns pescadores portugueses que estavam perto e os socorrem.

US: E quando ele vira dr. Roberto?

Bial: Já em 40, num grampo do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), ele é chamado de dr. Roberto. Mas o ‘Globo’ ainda o chama de sr. Roberto. Ele vira dr. Roberto na década de 50, depois de casado. Mas dr. Roberto era para quem trabalhava no ‘Globo’ ou perto dele. Ele tinha uma coisa de chamar as pessoas de companheiro. Eu acredito que isso veio do início de ‘O Globo’, que foi fundado meio como uma ação entre amigos, pois saiu praticamente a redação toda do jornal ‘A Noite’.

US: E quem foram os melhores amigos dele? Os próprios colegas de trabalho?

Bial: Ele desenvolvia amizade com os mais próximos. O Evandro Carlos de Andrade foi um dos que mais ficaram amigo dele. Mas foram amigos também Mauro Salles, Jorge Serpa e o Augusto Frederico Schmidt. Esses foram amigos e conselheiros. Ele gostava de se cercar de inteligência, desde muito jovem. Como ele não completou o secundário, ele aprendeu muito na vida mesmo, se cercava de gente mais velha e sempre teve amigos mais velhos.

US: A geração de hoje conhece mais o Roberto Marinho pós-Rede Globo. Qual era a dimensão dele enquanto foi apenas dono de jornal?

Bial: O ‘Globo’ era apenas um vespertino mais popular e, sem dúvida, não tinha o peso político que tinha um ‘Correio da Manhã’ e outros jornais. Mas, aos poucos, ele vai angariando prestígio e poder político. No final da década de 50, Heron Domingues entrevista o Roberto Marinho na TV Tupi e já o apresenta como um dos homens mais importantes do jornalismo nacional. Ele é um caso único que transferia peso político para o jornal e não vice-versa, tamanha era a capacidade de circulação dele. O Roberto tinha interlocução com os focos mais opostos dos espectros ideológicos. Conversava com os comunistas, com os integralistas. Tinha uma grande lábia e era um grande ouvinte.

US: No livro você destaca a intuição dele. O quanto isso influenciava as decisões dele?

Bial: Ele tinha uma capacidade muito grande de ler e decodificar as pessoas. Todo mundo que eu entrevistei atentou para isso. Tem uma história com o Sarney maravilhosa. Ele estava com o Sarney em Angra – o Sarney era presidente – e aparece lá um político e ele sai de perto, contrariado. Aí o Sarney pergunta o que é que houve e o Roberto diz: ‘esse cara aí, se não é safado, está desperdiçando a cara’. O Sarney não diz que político era, mas a frase é maravilhosa.

US: Você também ouviu alguns dos desafetos dele, como o Leonel Brizola?

Bial: Não cheguei a ouvir porque ele morreu antes. Mas eu conto a resposta que ele deu quando o Roberto Marinho fez o teste da janela na Vênus Platinada (prédio da emissora no Jardim Botânico). Todo mundo que chegava ficava fascinado com a vista e, durante um almoço inteiro, o Leonel Brizola não fez nenhum comentário. Então o Roberto vira e fala: ‘Já tinha me dito governador que o senhor não gostava do Rio de Janeiro, mas eu não tinha evidências para isso’. E o Brizola dá uma resposta genial: ‘é que também, com o senhor na minha frente, o senhor me hipnotizou’. Basicamente eram duas visões de mundo diferente: um queria um caminho, outro acreditava em outro. E, de uma certa maneira, hoje prevalece o caminho que o Roberto Marinho acreditava.

US: A história do Roberto Marinho como maior empresário de comunicação do País e mito começa com a criação da TV Globo, quando ele já estava com mais de 60 anos. O que o levou a essa altura da vida apostar todas as fichas num projeto novo?

Bial: Para entender isso, tem que entender que esse cara era mais teimoso do que a pessoa mais teimosa que você pode imaginar. Isso pode ser chamado também de perseverança. Mas ele era teimoso mesmo. Quando encasquetava de fazer alguma coisa, fazia nem que demorasse, como no caso da Rede Globo, 15 anos. Ela foi lançada em 1965, só que ele pediu a concessão em 1951, um ano depois que o Chateaubriand lançou a TV Tupi, em São Paulo. Ele pediu a concessão para o (presidente Eurico Gaspar) Dutra, mas a primeira só foi concedida pelo Getúlio (Vargas), que depois revoga. Depois, o JK (Juscelino Kubitscheck) dá a concessão para a TV do Rio e o Jango (João Goulart) dá a concessão para a TV de Brasília. Todas as outras emissoras que vieram compor a Rede Globo, nenhuma foi dada por nenhum governo militar, foi tudo comprado mesmo, o que já desmente o mito de que ele foi favorecido pelos governos dos militares.

US: Se não foi por favorecimento, qual foi então o segredo do crescimento da Rede Globo?

Bial: Ele queria ganhar a batalha contra os concorrentes, mas ele nunca comprou uma briga direta com o Chatô, pois embora os Diários Associados tivessem várias televisões no Brasil todo, não tinham uma rede. E o Roberto era muito bem informado sobre televisão. Ele foi aos Estados Unidos algumas vezes na década de 50 e lá viu que era rede. Quando ele chama o Boni pela primeira vez, o que atrai o Boni é que ele, surpreendentemente, sabe que o futuro da televisão é rede. O Boni promove um encontro na casa do João Saad, da Bandeirantes, e propõe aos dois que se unam e façam uma rede. O Roberto Marinho topa, mas o Saad não. Acha que é muito caro. O resto é história.

US: E o que ele perseguia? Poder? Riqueza? A construção de um império de comunicação?

Bial: Eu acho que o que ele queria era ser maior que o pai. Ele ficou muitos anos sob a sombra desse pai, sendo tratado como um menino. Ele teve que transcender a sombra desse pai e, quando percebeu o quão lucrativo uma televisão poderia ser, ele jogou todas as fichas, empenhou todos os bens dele, inclusive a casa do Cosme Velho, porque viu que ali era uma galinha dos ovos de ouro, como se tornou. Só que apostando em gente também, que é um grande mérito dele. O Boni e o Walter Clark, quando foram trabalhar na TV Globo com plenos poderes, não tinham 30 anos. E a voracidade que ele tinha nunca se esgotou, ele queria mais e mais. Se ele pode ser acusado de algum pecado é o da ganância. Ele era ganancioso mesmo e queria ganhar cada vez mais e mais. Só que não ganhava sozinho. Ele gerou muita prosperidade para este País também.

US: Apesar da admiração e quase idolatria de alguns, para uma parte da população ele também foi visto como um homem mau, que manipulava o noticiário e protegia governos em troca de favorecimento para seus negócios. Criou-se até o bordão: ‘o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo’.

Bial: O povo não é bobo, só vê a Rede Globo, eu posso retorquir. Eu acho um pouco de simplificação dizer que ela sempre foi governo. Em alguns momentos, teve coberturas bastante veementes contra decisões ou parte do governo. Mas ele era um cara que tinha uma visão institucional muito grande. Entre colocar fogo no circo e ser conservador, ele era da turma que o Sarney chama de colégio dos cardeais. A instituição tinha que estar acima de tudo. Eu acho que o conservadorismo dele tem a ver com esta visão institucional.

US: E como você abordou casos polêmicos como a parceria com a Time-Life?

Bial: Eu conto a história com todos os detalhes. Com as décadas passadas, você vê mais claramente as linhas gerais do caso. A estratégia do Roberto Marinho no depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), por exemplo, foi genial. Ele não desmente nenhuma acusação. Ele diz: ‘Meus advogados descobriram mecanismos legais, fiz uma sociedade com os americanos, sim, eles dão uma assistência técnica e dinheiro e têm uma participação nos lucros, mas quem manda sou eu’. O que a Constituição vedava era a participação de estrangeiros no comando de empresas. Na verdade, o que havia ali era uma briga de concorrência. Os Diários Associados é que queriam a grana americana. E era uma situação meio surrealista, pois o João Calmon, que já era o principal dirigente dos Diários Associados e também parlamentar, portanto, concorrente, era quem fazia as perguntas na CPI.

US: É verdade que no meio dessa briga de troca de acusações, o Roberto Marinho saiu de casa decidido a atirar no Carlos Lacerda?

Bial: Eles brigam quando o Lacerda não tem o apoio do Roberto para a Presidência. Lacerda estava diariamente na televisão, associado aos Diários Associados, e atacava pessoalmente o Roberto Marinho e a família. Até que é preso um cubano que trabalhava na Time Life e ele faz disso um grande fato político, dizendo que a ‘A TV Globo está nas mãos dos americanos’. Um dia o Lacerda liga para ‘O Globo’, fala poucas e boas, e o Roberto sai atrás dele, mas alguém liga para o Lacerda e ele se manda. Nesse período, o Roberto andava armado com uma pistola de bolso e os filhos eram proibidos de ver televisão pela mãe para não ouvir a baixaria política. O Roberto não se lembrava com muito orgulho dessa história, lembrava com certo alívio, do tipo ‘ainda bem que ele não estava lá’.

US: E do que o Roberto Marinho era chamado?

Bial: Eram golpes muito baixos, usava-se de uma linguagem surpreendente para a gente hoje em dia. O Chatô o chamou de ‘crioulo alugado’, ‘cafuzo indígena’, ‘africano de 300 anos de senzala’, ‘débil mental sem remédio’.

US: Mas o Roberto Marinho tinha algum sangue negro nas veias?

Bial: O Roberto Marinho era de certa forma mulato, o pai dele era de uma pele mais escura, tinha traços negróides como todo o brasileiro. Mas o Chatô não foi o único dono de jornal que se referia ao Roberto Marinho como mulato ou crioulo. Uma curiosidade é que ele até o fim da vida usou pó de arroz. Tem um lado que é o fato de ser um hábito de época, que no início do século os homens ainda se empoavam, mas também pode ser por um certo desconforto com a própria cor. Podia ser um complexo, mas não cheguei a uma conclusão. A Lily acha que é uma coisa de homem de época, o João Roberto acha que podia ser alguma coisa a ver com a cor.

US: Qual foi a real dimensão do poder e da influência política deste homem?

Bial: A TV Globo se tornou uma instituição do poder no Brasil e isso aconteceu em todos os lugares do mundo. A diferença é que no Brasil era uma TV privada. Eu me lembro cobrindo as revoluções de 89 no leste europeu, os revolucionários derrubando o governo não queriam ocupar o palácio, queriam ocupar a emissora de televisão. Quem fizesse o pronunciamento estava no poder. Agora o Roberto tinha um grande senso de responsabilidade desse poder, acho que isso tem de ser reconhecido. Ele começou a fazer a cobertura política de Brasília com o (Emílio Garrastazu) Médici ainda no poder. Era uma contradição fazer uma cobertura de uma ditadura e a Globo, cada vez mais vista, era submetida a pressões violentas da censura. No momento que começa a abertura política, a TV Globo vai cobrindo brilhantemente. Cada vez que o ‘Jornal Nacional’ dava a notícia de um passo rumo à democratização, não tinha possibilidade de retrocesso. Então há uma contribuição muito grande da TV Globo e de ‘O Globo’, que se moderniza nesse mesmo período para a abertura política.

US: Mas nas Diretas, a Globo não noticiou num primeiro momento.

Bial: O Jornal Nacional resistia, mas noticiou. O erro é na chamada que destacou a festa de aniversário de São Paulo, mas a matéria diz claramente do que se tratava. Às Diretas, ele (Roberto) resiste porque era um revolucionário. Apoiou 64 de primeira hora, era um castelista. Essa relação com os militares vem desde da Revolução de 1930, então ele não queria ver esse regime, que ele apoiou desde o início, sair de cena derrotado. Agora, como empresário, na hora que ele viu que a opinião pública estava toda indo para aquele lado, aí ele se rendeu. Porque o negócio dele não tinha ideologia, tinha os interesses do jornal. A ideologia dele era o jornal, ‘o que é bom pro lojinha’.

US: Outra cobertura muito criticada foi em relação às eleições de 89. O livro do Jornal Nacional não esclarece de quem teria partido o pedido para uma nova edição do compacto do debate entre Collor e Lula. O Roberto Marinho ou a família interferiram neste episódio?

Bial: Não consegui precisar uma participação do Roberto Marinho na história. Acho que o Alberico (Souza Cruz, então diretor da emissora) já tinha ganho um cacife político tão grande na TV Globo que ele atropela o Armando Nogueira (então diretor de jornalismo) naquele momento, tanto que o Armando não perdoa até hoje, acha que foi atropelado. O Boni lembra que vai à ‘Folha de S. Paulo’ e diz na primeira página que o debate estava mal editado. Aí o Roberto Marinho, no dia seguinte, na mesma ‘Folha’, fala: ‘o Boni entende muito de televisão, mas não entende nada de política’. Também era muito da personalidade do Roberto, mesmo que ele não tivesse dado a ordem para fazer aquela edição, ele iria bancar uma vez que foi para o ar. Mesmo que mandasse embora o cara, assumiria, porque foi para o ar. Uma coisa que o João fala no livro do ‘JN’ é procedente, é que não necessariamente houve malícia. Tanto que se aprendeu: não se faz mais compacto de debate.

US: E a relação com Collor? Como se dá o apoio e, depois, o rompimento?

Bial: Naquela eleição, a primeira escolha foi o (Mário) Covas, ainda que o Roberto achasse que ele tinha o horizonte intelectual limitado. Quando se polariza a campanha, tem o Lula, que dizia com todas as letras que, se ganhasse, iria acabar com a TV Globo e, do outro lado, o (Fernando) Collor, de quem o Roberto Marinho não gostava. Tinha tido uma péssima primeira impressão por causa dos olhos vidrados e dos punhos dobrados da camisa e porque o pai do Collor tinha traído o Roberto Marinho no episódio do Parque Lage, na briga com o Carlos Lacerda. Ele meio que apóia o Collor porque não tem alternativa. Mas tem um episódio engraçado no fim do Collor. O que mais irritou o Roberto Marinho foi ter ido uma vez à Casa da Dinda e alguns dias depois ver os jardins da casa e a cascata artificial estampados na ‘Veja’. Ele disse: ‘Eu fui lá, entrei por outra porta, ele não me mostrou nada’. Ele ficou passado com a cascata. Ele tinha uma visão estética das pessoas e do horizonte político de cada um e aquilo o irritou muito.

US: Para muitos, durante vários anos, Roberto Marinho foi o homem que realmente mandou no País. Até que ponto ele influiu mesmo nas decisões governamentais e na escolha de ministros como muito se difundiu?

Bial: Nas minhas pesquisas, ficou claro que o apogeu político dele se dá com a redemocratização. No governo Tancredo, ele é tão poderoso que, na formação do ministério, o Tancredo escolhia e mandava conversar com Roberto para ver se ele aprovava. Todos. Fez assim com todas as pastas e não só a do Antonio Carlos Magalhães (Comunicações). Mas é uma jogada de repórter que dá a ele esse cacife todo com o Tancredo. O Maluf estava certo que iria ganhar, pois contava com a fidelidade partidária. Ele vem à Vênus Platinada e diz que já está matematicamente eleito. ‘É matemático doutor. O PDS está comigo’. E dr. Roberto diz que política não é bem assim e que ele não iria ganhar nada. Aí o Roberto Marinho entrevista Walter Pires, ministro do Exército, que diz que só existe voto pessoal porque todo voto é de consciência. Fala assim: ‘não vai haver casuísmo, o voto tem que ser de consciência’. O ‘Globo’ vem com esse furo na primeira página. Toca o telefone, é o Tancredo: ‘agora sou candidato’. Então o Tancredo devia, ou achava que devia a ele, a própria candidatura.

US: Até quando ele influiu diretamente no comando das empresas?

Bial: A transição foi feita de maneira muito suave. O Roberto não aceitava abrir mão do comando férreo do seu jornal, de sua rádio, de sua televisão. Só que os filhos já eram homens feitos. Mas partir do final de década de 80, o João já tinha grande ascendência no dia-a-dia do jornal e o Roberto Irineu na televisão.

US: O que mais te impressionou ao mergulhar na história deste homem?

Bial: O que mais impressiona é a força do indivíduo. Eu acho que esse livro pode ser lido como uma parábola do poder do indivíduo, do que pode o indivíduo a partir do seu desejo.’

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‘Livro de Bial marca início das comemorações dos 100 anos de Roberto Marinho’, copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 1/12/04

‘A tarefa de biografar o maior empresário de comunicação da história do País já tinha sido encomenda a vários eleitos, mas nunca foi levada adiante. O próprio personagem principal chegou a esboçar um roteiro de memórias sob o título ‘Condenado ao êxito’, mas até a sua morte, em 6 de agosto do ano passado, a missão foi sistematicamente ‘sabotada’ por seu próprio mentor. Agora, na semana em que ele completaria 100 anos, sai a primeira biografia do jornalista Roberto Marinho, escrita pelo também jornalista e funcionário da TV Globo, Pedro Bial.

Leia abaixo o texto

‘Tenho razões para duvidar que ele realmente desejasse realizá-lo, ou melhor, finalizá-lo. Tudo o que quis fazer, ele fez. Não escreveu suas memórias, nem permitiu que escrevessem, pois não queria contar uma história que não suportava reconhecer terminada’, escreve Bial na introdução na apresentação.

O livro ‘Roberto Marinho’ (Editora Jorge Zahar. 392 pp.) vai ser lançado na noite desta quarta-feira, na livraria da Travessa, no Rio, como primeiro evento das comemorações dos 100 anos de Roberto Marinho – ele faria 100 anos no dia 3 de dezembro. A semana inclui ainda a abertura da exposição ‘O século de um brasileiro’, no Paço Imperial, com 240 obras da coleção Roberto Marinho e o lançamento do prêmio Roberto Marinho – Cultura de Paz, para premiar iniciativas inovadores de combate à violência.

‘Condenado ao Êxito era o título que Roberto Marinho queria, mas mesmo tempo não combinava com ele, pois entre os defeitos dele, certamente não se incluía a arrogância’, afirma Pedro Bial, em entrevista ao Último Segundo. ‘Eu achei que o Roberto Marinho não precisava de um epíteto, de um aposto. Dr. Roberto era para quem trabalhava na empresa dele ou perto dele. Nosso Companheiro era como ele gostava de ser tratado no jornal e na televisão. Mas para o homem do povo ele sempre foi apenas Roberto Marinho’. Divulgação

Roberto Marinho assumiu a direção do O Globo aos 25 anos

A idéia do livro foi de Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, que abriga o Projeto Memória, que já produziu o ‘Dicionário da TV Globo’ e ‘Jornal Nacional – A Notícia faz História’, mas o convite a Bial partiu dos filhos de Roberto Marinho. Embora a tarefa tenha sido uma encomenda da família proprietária da empresa onde trabalha desde 1980, Bial garante que teve autonomia para tratar de qualquer assunto. ‘Eu sempre tive toda a liberdade de contar as histórias como eu as tinha testemunhado. E o mesmo procurei fazer no livro, no que foi endossado pelos filhos que, literalmente, falaram: ‘pode abordar qualquer assunto, não há assunto tabu’.

De fato, das aventuras da juventude, passando pelas brigas com Carlos Lacerda, a polêmica em torno da parceria com a Time Life, as estreitas relações com os governos, a ponto de nomear os ministros no governo de Tancredo, até a recusa em apoiar as Diretas num primeir momento, tudo é abordado. Mas como teve de correr para entregar a encomenda a tempo das comemorações do centenário, Bial prefere chamar o livro de perfil biográfico ou então de uma grande reportagem.

‘Biografia às vezes leva anos. Já a minha pesquisa tinha que ser imediatamente seletiva, porque o tempo rugia. Eu comecei em novembro do ano passado. De janeiro a abril tive que fazer o trabalho concomitante ao Big Brother, o que acabou sendo bastante esquizofrênico. Começar a escrever mesmo foi só em meados de abril’, revela.

Para fazer o que classifica como ‘a maior reportagem que já realizou’, Pedro Bial mergulhou em cerca de 4.000 documentos, cartas e informes, além de cartas íntimas e esboços feitos por Roberto Marinho. Também se valeu das dezenas de entrevistas que já tinham sido realizadas para o Projeto Memória e fez e refez outras dezenas, incluindo depoimentos de amigos, filhos, parentes e ex-presidentes.

Segundo Bial, sua maior preocupação foi humanizar um personagem que ao longo dos anos de transformou numa instituição, uma entidade até meio sobrenatural. O próprio Bial diz que se encontrou poucas vezes pessoalmente com Roberto Marinho e que ele, junto com outros colegas, costumava por brincadeira a se referir ao patrão como ‘Deus’. ‘Eu acho que esse livro pode ser lido como uma parábola do poder do indivíduo, que não narra apenas a trajetória de um indivíduo, mas sobre o que pode o indivíduo a partir do seu desejo’, afirma.

Comemorações dos 100 anos

Também dentro das comemorações dos 100 anos do nascimento de Roberto Marinho, a viúva Lily Marinho lançou no começo do mês as suas memórias sobre seu romance iniciado quando ela tinha 68 anos e ele 83. Segundo ela, ‘Roberto & Lily’ (Ed. Record, 192 pp.) é um testemunho de amor a Roberto e também o desejo de tentar convencer as pessoas de que o amor e a paixão podem chegar a qualquer momento. Divulgação

Obra de Di Cavalcanti, da coleção de Roberto marinho

Lily foi conferir nesta quarta-feira os últimos detalhes da exposição que será aberta amanhã à noite no Paço Imperial, mesmo local que, em 1985, a coleção Roberto Marinho foi apresentada pela primeira vez ao público.

A exposição ‘O século de um brasileiro: coleção Roberto Marinho’ reúne 240 obras da coleção Roberto Marinho, que atualmente reúne 1.342 obras, entre pinturas, esculturas, desenhos e objetos. Na seleção organizada a partir dos elementos água – representando a paixão do jornalista pelo mar -, terra – revelando seu entusiasmo pelo Brasil – e ar – símbolo das transmissões dos meios de comunicação, estão reunidos 28 quadros de Pancetti, 20 Di Cavalcanti, 12 Portinari, 15 Guignard, 40 Ismael Nery, além de trabalhos de Ariano Suassuna, Manabu Mabe, Iberê Camargo, Roberto Rodrigues, Maria Martins, Brecheret, Bruno Giorgi e Franz Krajcberg.

Iniciada em 1930, a coleção sempre teve como interesse principal a pintura brasileira. Roberto Marinho procurou incentivar muitos artistas que ainda não tinham renome e se tornou amigo e mecenas de muitos deles, como é o caso de José Pancetti. O quadro ‘O boneco’ (1939) do pintor era um dos preferidos do colecionador.

‘Uma exposição de uma coleção é o recorte de um recorte. O objetivo desta é o de evidenciar a figura humana e social do colecionador e as paixões que levaram esse brasileiro a constituir esse conjunto de peças de arte, em um século no qual ele próprio e o país se lançaram no fascinante desafio da modernidade e do cosmopolitismo’, afirma o curador Lauro Cavalcanti.

Mas a figura de Roberto Marinho não estará presente somente na seleção das obras. Na sala que abre a mostra uma linha do tempo traz os dados biográficos de Roberto Marinho e dos artistas. Em outra sala, uma projeção de fotos e filmes mostrará os principais encontros ocorridos entre o empresário e diversas autoridades nacionais e estrangeiras.

A mostra, em cartaz no Paço Imperial até 13 de fevereiro de 2005, segue para São Paulo e ficará exposta no Museu de Arte Moderna de 24 de março até 15 de maio de 2005.

Também nesta quinta-feira, antes da abertura da exposição, será lançado na Academia Brasileira de Letras (ABL) o ‘Prêmio Roberto Marinho – Cultura de Paz’, que dará anualmente um prêmio de U$ 10 mil para o melhor projeto de combate à violência. Previsto para ser entregue no primeiro semestre de 2005, o pretende destacar pessoas ou instituições que apresentem um conjunto de valores, atitudes e modos de comportamento que promovam o respeito aos direitos humanos, a educação e a mobilização para a não violência, a justiça, o envolvimento comunitário e a solidariedade.

Serviço:

Paço Imperial Visitação: de 3 de dezembro de 2005 a 13 de fevereiro de 2005

Terça a domingo, das 12h às 18h

Entrada franca Endereço: Praça XV de Novembro, 48 – Centro – Rio de Janeiro (RJ)

(21) 2533-4491 / 7762′