Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ricardo Kotscho

‘Pensei que era trote. Semana passada, estava bem cedo perto do telefone, esperando a ligação da produtora da CBN de Curitiba, que havia me pedido, na véspera, uma entrevista sobre o Dia do Repórter. Atendo, não era da CBN. Ainda demorei algum tempo para ter certeza de que era ele mesmo, Moacyr Franco, o cantor, me convidando para assistir a um show dele para o lançamento de um novo disco.

Já achei fantástico o próprio artista ficar ligando para montar a platéia do seu espetáculo. Mais ainda, quando descobri no dia, quarta-feira, 23, que nenhum dos jornais de São Paulo tinha publicado uma mísera nota sobre o show. Na fachada do teatro, nenhum cartaz, nada que indicasse a presença do dito cujo. Será que eu era o único convidado? E, no entanto, lá dentro do velho teatro São Pedro da Barra Funda, na hora marcada, a platéia estava lotada. Minha mulher e eu ficamos contentes: estávamos entre os mais jovens naquele público muito animado que não parava de falar, a maioria formada por senhoras de cabelos brancos.

Para quem não se lembra, Moacyr Franco, cantor, showman e humorista, era um campeão de venda de discos e de audiência na extinta TV Excelsior dos anos 60, quando a Excelsior era o que a TV Globo é hoje. Foi uma das primeiras celebridades que entrevistei quando estava começando a trabalhar como repórter num jornal de bairro de São Paulo, a ‘Gazeta de Santo Amaro’.

Depois disso, nunca mais o vi fora da televisão, até que um dia, já em meados dos anos 80, fui escalado pela ‘Folha’ para cobrir um comício do Jânio Quadros, candidato à Prefeitura de São Paulo, em Sapopemba. A única atração do comício apinhado de gente, fora o Jânio, era Moacyr Franco, que ainda era capaz de reunir muitos fãs naquela periferia pobre de São Paulo.

Fora da grande mídia e das paradas de sucesso, ele tinha acabado de viver uma experiência não muito feliz, amarga mesmo, como deputado federal em Brasília. Saiu de lá quebrado, literalmente, nos seus sonhos e também no bolso. Era do PTB, o mesmo partido de Jânio – por isso, estava lá, em Sapopemba. Sem convites para voltar ao showbiz da elite, ele me contou que pegou uma Caravan velha e foi se apresentar em circos do interior na base do fifty-fifty acertado com os donos da lona – o que não dava muito, já que as platéias eram minguadas. Sobreviveu dois anos assim.

Mais umas duas décadas, sem aviso prévio, fui encontrá-lo de novo no Palácio do Planalto, quando eu trabalhava lá como Secretário de Imprensa do presidente Lula. ‘O Moacyr Franco está aí, quer falar com você. Está junto com um primo do Suplicy’, comunicou-me a secretária, ela mesma estranhando a inesperada visita.

Os dois queriam apresentar um projeto ao governo, assunto que não era comigo, mas ficamos ali na sala conversando, até que ele começou a cantar velhos sucessos – ‘Doce Amargura’, ‘Suave é a Noite’, ‘Balada para um Louco’ -, os mesmos que apresentou no show do São Pedro. E saiu andando pelos corredores, como faz artista em começo de carreira, que não escolhe platéia.

Hoje, aos 68 anos, com mulher nova e filho pequeno, continua compondo, cantando, contando piadas, fazendo seus shows em qualquer palco ou picadeiro que apareça pela frente. O novo disco tem o sugestivo título de ‘Se me Deixarem Viver’. São 11 composições só dele e uma em parceria com Alberto Luiz. Não tem gravadora. Foi uma produção independente, assim como o show do São Pedro, onde ele bancou até a excelente banda que o acompanhou.

Gosto não se discute. Eu, por exemplo, acho o Moacyr um dos maiores cantores românticos da minha geração, um chansonnier brasileiro como não se faz mais. Se alguém quiser conferir e não encontrar o disco nas lojas, pode pedir por este endereço. Às quartas-feiras, às 9 da noite, ele também pode ser visto no humorístico ‘Meu Cunhado’, do SBT, ao lado de Ronald Golias, um programa gravado há dois anos, que Silvio Santos deixou um ano na prateleira, e que agora mostra os dois velhos amigos de volta à telinha.

No fim do show de quarta-feira, era difícil saber quem estava mais feliz com a noitada: se o cantor-anfitrião, que bancou também o coquetel de champanhe e guaraná, ou os amigos da platéia que lembraram de velhos bons tempos e riram com algumas antigas piadas e composições novas – uma delas é ‘Tudo Vira Bosta’, que a Rita Lee gravou, e virou tema do personagem de José Wilker na novela ‘Senhora do Destino’.

Pois é, Moacyr Franco, apesar de solenemente ignorado pela nossa grande mídia, ainda existe, se diverte e diverte sua fiel platéia.’



MEMÓRIA / CABRERA INFANTE
Carlos Heitor Cony

‘As uvas da ausência’, copyright Folha de S. Paulo, 5/03/05

‘A morte de Guillermo Cabrera Infante, em Londres, na semana passada, após 40 anos de exílio, deveria servir de reflexão sobre as relações dos intelectuais com o regime cubano. Como se sabe à exaustão, há uma tendência de compromisso entre escritores e artistas com o socialismo implantado por Fidel Castro, que logo se tornou comunismo e sobrevive hoje sob a forma, sem dúvida simpática, de castrismo.

Diga-se, a bem da verdade, que essa simpatia nasceu principalmente em face da estupidez de um bloqueio decretado e mantido até agora pelos EUA. Mas não justifica a adesão radical, e até certo ponto histérica, de algumas personalidades das mais carismáticas do nosso tempo.

Cabrera lutou contra a ditadura de Batista ao mesmo lado de Fidel, de Guevara, de Camilo Cienfuentes e de tantos outros que arriscaram a vida pelo ideal da liberdade para um povo explorado e oprimido pela violência e pela corrupção.

Como outros intelectuais de peso, e cito Edmundo Desnoes, autor de ‘Memória do Subdesenvolvimento’, transformado em filme de sucesso mundial, Cabrera Infante afastou-se de Fidel, exilou-se e no exílio permaneceu até a morte. E deve ter sido acusado de agente da CIA, de ter roubado o caixa do partido, de ter se vendido aos 30 dinheiros do capitalismo. Preço que os dissidentes costumam pagar quando se afastam do socialismo em sua versão totalitária.

Fazia parte daquele grupo de intelectuais que inicialmente louvou Fidel e seu regime. Jean-Paul Sartre, Jorge Semprún, Yves Montand, Alain Resnais, Jean-Luc Godard e tantos outros logo se afastaram, mas eram de fora, o apoio dado a Fidel era ideológico e até certo ponto pessoal.

Não foi o caso de Cabrera Infante. Para manter íntegra a sua opção pela liberdade, sem negar as conquistas maciças de Fidel, por exemplo, em saúde e em educação, preferiu a distância, provando as ‘uvas ácidas da ausência’ de qualquer exílio.’



BRASIL NA MÍDIA
Jorge Félix

‘Os donos dos nossos paraísos’, copyright AOL (www.aol.com.br), 1/03/05

‘O verão é a temporada das capas bonitas. Todas as revistas de informação concorrem em oferecer ao leitor o melhor pedaço do litoral brasileiro. Cada uma escolhe a praia da moda, o santuário descoberto, o balneário mais procurado ou celebrizado pelos famosos. A televisão também não fica atrás. Há sempre um pôr do sol num ângulo nunca visto. Nada de errado nisso. Afinal temos o privilégio de morar no Brasil.

Neste momento de alta do turismo internacional, quando outros destinos mundiais estão contaminados por desgraças naturais ou fabricadas pelo homem, nosso país desfruta da imunidade somada à dádiva da natureza. No entanto, seria oportuno, nesta época do ano, abrirmos mão de algumas sugestões de novos roteiros sugeridos por agentes de viagens ou companhias aéreas para voltarmos nossas atenções a fiscalizar os nossos paraísos. Quase todos estão tão abandonados pela imprensa quanto estava Anapu (PA).

O assassinato da irmã Dorothy Stang ocorreu porque pouco se falou do trabalho dela na grande imprensa. Uma reportagem ali, alguns meses de intervalo, outra reportagem aqui. Isso, como vimos, é insuficiente para sensibilizar as autoridades ou para constranger os criminosos. O mesmo ocorreu com Chico Mendes. Idem com o ecologista Dionísio Júlio Ribeiro, da reserva do Tinguá, em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense). Os veículos, em geral, estão satisfeitos em noticiar em primeira mão um caso de conflito ou em descobrir um novo personagem-herói.

Depois da primeira reportagem, o sujeito é esquecido e, nós, jornalistas, dificilmente acompanhamos o assunto até a solução da discórdia. Certamente, o repórter que fez a primeira (ou as demais) reportagens com a irmã Dorothy foi tão surpreendido com a morte dela quanto todos os leitores do mundo.

O assunto, aqui, porém, são os nossos paraísos turísticos. Pode ser injustiça, como foi citado acima, dizer que são completamente esquecidos. De vez em quando, como ocorre com os grotões, sapeca aqui e acolá uma reportagenzinha. Mas jamais ocorre com os grotões ou com os paraísos ecológicos o que ocorre nos casos de corrupção ou de polícia noticiados nos grandes centros.

Logo depois da denúncia, o Ministério Público e a imprensa começam a trabalhar – quase em parceria – para chegar ao desfecho. Quando a matéria vai ao ar, depois de mandados de segurança e câmeras ocultas, está tudo pronto para prender o criminoso. Mas isso quando a notícia está aqui do lado, ali no bairro vizinho.

Quando está em uma praia distante, em terras longínquas, uma viagem só – para fincar a bandeira do furo de reportagem – já é suficiente, já atende à necessidade mercadológica dos veículos de comunicação. Se em todos os verões, pelo menos, fizéssemos uma visita a todos os paraísos ecológicos brasileiros, descobriríamos como eles estão ameaçados.

‘A reportagem traduziu nossa cidade em sua plenitude. No entanto, seria preciso acrescentar que estamos sofrendo um enorme processo de degradação ambiental. Nossas praias ficam impróprias até fora de temporada e a violência aumenta assustadoramente a cada ano’, escreveu o leitor de uma revista em carta publicada na edição seguinte a uma capa sobre Ilha Bela (SP).

Seria chato citar o nome da revista porque trata-se, infelizmente, de um fenômeno nacional. É só comprarmos a edição seguinte e passar os olhos pela seção de cartas que vamos ver como o leitor, quase sempre, faz o trabalho de expor as mazelas daquele paraíso estampado na capa da semana anterior.

Na maioria dos casos, a desculpa de atrair um turista qualificado, com capacidade financeira de gastar mais – e que, por isso, é mais exigente com a infra-estrutura – justifica projetos incompatíveis com a preservação de nossos paraísos. Quase todas essas idéias saem da cabeça de prefeitos, no mínimo, criativos demais.

Uma das praias mais noticiadas do mundo, por exemplo, está sofrendo um processo desses. É Jericoacoara. Em janeiro, esta praia do litoral cearense fez parte de uma série de destinos exóticos exibida na tevê. Uma equipe ‘de reportagem’ foi até lá. Entrevistou, gravou, conversou. Pouco ajudou à população local. Não falou que o prefeito Sérgio Herrero Gimenez, do mesmo partido do senador tucano Tasso Jereissati, queria construir uma ‘avenida paisagística’ asfaltada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA). Perdeu a batalha na Justiça.

Os ecologistas denunciam que Gimenez, franco-espanhol naturalizado brasileiro, está construindo uma pousada com a intenção de municipalizá-la. ‘Ficou embargada cinco anos na Justiça e ele vai vendê-la para a prefeitura, com certeza’, afirma Frederico Castelli, da ONG Lagoa Viva. O Brasil carece de empreendimentos, como resorts, etc, para atrair o turismo internacional. Por outro lado, nem todas as denúncias de ONGs podem ser aceitas incondicionalmente. O problema é que atualmente a opinião pública nacional está impedida de fazer um julgamento porque simplesmente ignora os fatos.

Apesar deste clima de conflito, Jericoacoara sempre aparece na mídia ‘do sul’, como dizem no nordeste, como aquela bucólica aldeia de pescadores de tempos atrás. O Brasil precisa – e deve – promover seus dotes turísticos. Está fazendo isso muito bem lá fora. Mas aqui é urgente mudar o foco da cobertura de nossos paraísos. Antes que alguns aventureiros lancem mão deles.’