Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Rodrigo Fonseca

‘Descobrir como o cinema brasileiro se comportou em 2004 não é tarefa das mais complicadas: a chave do enigma está na própria trilha sonora do recordista nacional de venda de ingressos do ano. Na certa, dos 3.082.348 espectadores que fizeram fila na porta das salas de exibição para consagrar Cazuza, de Sandra Werneck e Walter Carvalho, poucos pararam para refletir que o refrão do hit O tempo não pára, cantado por um Daniel de Oliveira em visceral performance, revela muito do que foi 2004 para a produção local, que conviveu de perto com toda a grita em relação à criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), instrumento proposto pelo Ministério da Cultura, que regulamentaria, entre outras coisas, distribuição de recursos para a produção cinematográfica, relações entre cinema e TV e a criação de taxas.

Muito se discutiu. Algumas caras se fecharam, outras se abriram em prol do anteprojeto do MinC. A Ancinav ainda não decolou, mas o tempo não parou e o público continuou comparecendo às salas para ver filmes nacionais. No entanto, o verso de Cazuza ‘eu vejo o futuro repetir o passado’ não se aplicou. Em 2003, o público de filmes brasileiros teve crescimento de 227%, dando 22% do mercado às produções domésticas. Mas esse percentual caiu para 17%, deixando um buraco que só um novo Carandiru – campeão brasileiro de arrecadação desde a retomada, com 4,9 milhões de ingressos vendidos – seria capaz de preencher.

– O que faltou a 2004 foi um filme para as classes C e D, segmentos que Carandiru contemplou – opina Paulo Sergio de Almeida, da Filme B, empresa especializada em consultoria no mercado cinematográfico. Seu balanço não é pessimista:

– Quando 2003 terminou, ele foi chamado de ‘ano histórico’. E só poderia ser entendido assim. Considerá-lo um ano de boom seria um equívoco, uma vez que boom sugere um crescimento sustentado que poderia, facilmente, se repetir. Mas é ilógico crer que um mercado que cresce 200% em um ano, conseguirá crescer mais no seguinte. Pelo menos não numa atividade que é conduzida por investimentos indiretos, como a captação de recursos, os incentivos fiscais – diz.

Quatro outros filmes além de Cazuza romperam a barreira dos sete dígitos no fechamento de suas bilheterias. Capitaneados por cineastas estreantes, oriundos da TV, Olga, de Jayme Monjardim, e Sexo amor e traição, de Jorge Fernando, sobreviveram ao massacre de crítica negativas de que foram alvo e cativaram platéias, vendendo respectivamente 3.075.742 e 2.219.423 ingressos. Logo atrás, estão Xuxa Abracadabra, de Moacyr Góes, com 2.214.481 espectadores, e A dona da história, de Daniel Filho, com 1.255.668 pagantes. Mesmo com forte aporte de mídia garantido pela Globo Filmes, o êxito de Cazuza e Olga parece ter surpreendido Paulo Sérgio.

– Para duas cinebiografias, ambos tiveram um desempenho surpreendente. Tinha medo que Olga, por ser uma reconstituição de época, fracassasse em salas do interior, onde o gênero nem sempre dá certo. Eles são a prova de que, apesar de tudo, este foi um ano ótimo para o cinema nacional. Não avalio 2004 como um período de decepções. Sinto talvez em Acquaria um potencial desperdiçado, pelo carisma de Sandy & Júnior – diz Paulo.

Mas é inegável que o destino de certas produções que contaram com a simpatia da crítica não foi dos mais sortudos. Pelé eterno, de Anibal Massaini Neto, por exemplo, chegou ao circuito com o peito inflamado de auto-confiança, com 150 cópias, mas apenas comprovou uma velha máxima do cinema canarinho: no país do futebol, fazer filme sobre o esporte bretão é o mesmo que marcar um gol contra. Houve casos de produções premiadas sem lugar ao sol, como Samba Riachão, de Jorge Alfredo. O documentário, eleito melhor longa-metragem no Festival de Brasília de 2001, sobre o compositor baiano, estreou no Rio na surdina, em uma única sala, no Cinemark Downtown, e ficou lá só uma semana.

– Não é lá que vai estar o público dele. Na discussão da cota de telas, é preciso que se busquem soluções que sejam boas para o exibidor, sem que elas sejam ruins para para os demais – sugere Paulo.’



ANIMAÇÕES
Rodrigo Fonseca

‘Animada soberania’, copyright Jornal do Brasil, 29/12/04

‘Na era dos grandes estúdios – tempos de mitos como Bete Davis, Gary Cooper, Greta Garbo e Clark Gable -, a idéia de que um dia o cinema seria tomado por animações capazes de reproduzir com hiper-realismo as mínimas feições dos ser humano, parecia uma previsão furada, digna de história em quadrinhos. Mas o que um dia foi um futuro hipotético (e descartável) virou presente com Shrek 2 e Os incríveis.

Amparados em astronômicas cifras, que puseram em xeque a aritmética dos engravatados de Hollywood, os dois ajudaram a fazer de 2004 o ano em que a animação digital alcançou inabalável soberania. Com os US$ 242 milhões que Os Incríveis arrecadou em apenas dois meses, a Pixar, outrora um apêndice da Disney, conseguiu atrair mais atenção para si do que o camundongo Mickey esperava.

Já sua concorrente, a PDI (Pacific Data Images, braço de animação digital da Dreamworks SGK), pode não ter se popularizado tanto, mas viu sua máquina registradora girar alucinada ao contabilizar os US$ 436,5 milhões que fizeram de Shrek 2 a terceira maior bilheteria da história do cinema nos EUA. Coadjuvada pelo Gato de Botas (na voz de Antonio Banderas, em seu melhor trabalho em anos), a saga do ogro verde só perde para Titanic (1997), com US$ 600 milhões, e Star Wars (1977), com US$ 461 milhões.

Outra animada vitória da Dreamworks foi a bela carreira de O espanta-tubarões, que mesmo com um roteiro fraco faturou US$ 159,5 milhões em território americano.

Mas além da chuva de dólares, o que a animação deve comemorar com mais entusiasmo no ano que termina é o respeito com que os maiores festivais de cinema do planeta a acolheram. Várias vertentes do setor foram contempladas nas mostras , incluindo longas concebidos com as ferramentas da computação gráfica como Shrek 2, que concoreu pela Palma de Ouro em Cannes, e exemplares do desenho animado tradicional. Este foi o caso do nipônico Howl’s moving castle, de Hayao Miyazaki (o mesmo do adulado A viagem de Chihiro), que disputou o Leão de Ouro em Veneza e saiu de lá com o prêmio Golden Osella, de contribuição técnica.

Ainda no setor da japanimation, dois mestres voltaram à ativa, com direito à ribalta em Cannes e Veneza. O genial Mamoru Oshii lançou na Croisette a ficção científica Innocence, seqüência do cultuado Ghost in the shell, e Katsuhiro Otomo (do lendário Akira) desfilou no Lido seu Steamboy, que sairá aqui direto em DVD em 2005. Vale lembrar o francês As bicicletas de Belleville, de Sylvain Chomet, que disputou o Oscar de melhor animação e teve boa trajetória no circuitinho brasileiro de filmes de arte, no qual foi visto por cerca de 120 mil espectadores.’



Bloomberg News / O Globo

‘Nem ‘Os incríveis’ salvam a Disney’, copyright Bloomberg News / O Globo, 29/12/04

‘A Time Warner Inc. pode retomar a liderança do ranking americano de venda de ingressos para o cinema das mãos da Walt Disney Co. em 2004, graças ao lançamento, este mês, de ‘Doze homens e outro segredo’. Os estúdios cinematográficos da Time Warner, que lideraram o setor em 2001 e 2002, registraram vendas de US$ 1,5 bilhão nos Estados Unidos e no Canadá até 26 de dezembro, segundo a Nielsen EDI, que acompanha o desempenho das bilheterias. A Disney, que comercializou o correspondente a US$ 1,43 bilhão em ingressos, não deve alcançar a Time Warner, disse Chuck Viane, presidente de distribuição da Buena Vista Pictures, que pertence à Disney.

‘Onze homens e outro segredo’ já rendeu US$ 86,9 milhões à Time Warner e, segundo analistas, ainda deve gerar lucros com a venda de DVDs e direitos de transmissão para a TV. O sucesso nas bilheterias é um prenúncio dos lucros com outros produtos relacionados ao filme, disse David Joyce, analista da JB Hanauer:

– Quanto mais sucesso tem um filme à época de seu lançamento, melhor desempenho terá nas vendas de DVDs e na exibição em canais de TV a cabo.

O lucro operacional da divisão de filmes da Time Warner subiu 27% nos primeiros nove meses de 2004 em relação ao mesmo período de 2003, informou a empresa mês passado.

No primeiro semestre deste ano, com filmes como ‘Nem que a vaca tussa’, a Disney não conseguiu uma grande audiência, segundo Viane. A recuperação começou em agosto, com o lançamento de ‘A vila’ (US$ 114,2 milhões), e melhorou em novembro, com ‘Os incríveis’, que vendeu US$ 237 milhões em ingressos até 19 de dezembro. Só que os lucros deste último são repartidos com os estúdios Pixar. Os lançamentos deste fim de ano – como ‘O aviador’, de Martin Scorcese – não vão assegurar a liderança da empresa, reconhece Viane:

– Essa posição não vai mudar. A Disney vai ficar exatamente onde está hoje.’



MERCADO CINEMATOGRÁFICO
Carlos Helí de Almeida

‘Queda de braço entre Davi e Golias’, copyright Jornal do Brasil, 29/12/04

‘As duas maiores bilheterias do ano no Brasil representam dois tipos de produção que até bem pouco tempo se posicionavam em cantos extremos do mercado. De um lado, O Homem Aranha 2, uma realização da major Columbia, atraiu cerca de 7,8 milhões de espectadores. Logo abaixo vem A Paixão de Cristo , da independente Icon, cuja polêmica em torno da suposta violência com que a vida de Jesus Cristo foi retratada por Mel Gibson ajudou a atrair 6,9 milhões de pagantes brasileiros. Os desempenhos aqui repetiram a performance de ambos no circuito mundial, ajudando a encurtar as distâncias entre os dois padrões de produção.

O ano começou com a coroação de um inegável sucesso de mercado, O senhor dos anéis – O retorno do Rei, o terceiro e último episódio da trilogia dirigida por Peter Jackson para a Warner, que acabou levando 11 Oscar, em fevereiro. Mas as duas produções mais rentáveis de 2004 são independentes. O primeiro foi A Paixão de Cristo, que custou US$ 30 milhões e faturou mais de US$ 370 milhões só nos EUA – O Homem Aranha 2 também quase chegou à casa dos US$ 400 milhões no circuito americano, mas custou cerca de US$ 200 milhões aos cofres da Columbia.

O segundo foi o filhote de um estilo cuja popularidade tem crescido nos últimos anos, o documentário-panfleto Fahrenheit 11 de setembro, de Michael Moore, ganhador da Palma de Ouro em Cannes. O filme custou meros US$ 5 milhões e já faturou mais de US$ 140 milhões, o primeiro filme do gênero a ultrapassar a barreira dos US$ 100 milhões. Abandonado pela Disney, sua distribuidora original, e acolhido de braços abertos pela Miramax, a campanha de Michael Moore contra George W. Bush deve, como pretendem seus produtores, disputar o Oscar de melhor filme, e não apenas o de documentário.

A cerimônia do Oscar de 2005, que acontecerá em fevereiro, aliás, tem grandes chances de refletir essa queda de braço entre mainstream e independentes. A ausência de um número significativo de épicos arrebatadores e dramas ambiciosos produzidos pelos estúdios este ano tem aberto caminho para filmes de escopo menor e títulos do circuito de arte. Até produções estrangeiras, com bom desempenho nos festivais internacionais e no mercado americano, como como Diários de motocicleta, dirigido por Walter Salles, e Má educação, do espanhol Pedro Almodóvar, poderão estar vestindo gala na festa do Oscar.

O documentário de Michael Moore também esteve no centro de outra manifestação recente: o fortalecimento do cinema político, que recebeu nova injeção de fôlego às vésperas da corrida que reelegeu George G. Bush. Fahrenheit 11 de setembro é o exemplo mais bem-sucedido de uma safra que teve Sob o domínio do mal, de Jonathan Demme, refilmagem de um clássico dos anos 60, como único representante mainstream dessa proposta de esclarecimento público em forma de cinema.

Diversos outros títulos foram gerados pelo medo da onda moralista que assola os Estados Unidos. Em Cannes, em maio, o coro puxado por Moore foi seguido por The assassination of Richard Nixon, de Niels Muller, protagonizado por Sean Penn, um militante de carteirinha, que tem como pano de fundo a corrupção da gestão Nixon, que culminou no Watergate. Entre os documentários, ganharam as telas de Cannes Mondovino, de Jonathan Nossiter; Uncovered: The war on Iraq, de Robert Greenawald; e Bush’s brain, de Joseph Mealey e Michael Paradies Shoob.

Os protestos e alertas em forma de filme voltaram com força em Veneza, em setembro, onde Sob o domínio do mal foi um dos destaques. O ator e diretor Tim Robbins aqueceu o debate levando Embedded-live, versão cinematográfica da peça homônima que denuncia a debilidade da cobertura da imprensa americana na campanha dos EUA no Iraque. O alemão Wim Wenders ofereceu sua visão de estrangeiro sobre o espírito americano na era pós-11 de Setembro em Terra da fartura, que passou aqui na Mostra de São Paulo.

Enquanto pequenos e grandes disputavam público e bilheteria, o mundo do enterteinment perdeu dois de seus maiores símbolos. Em julho, morria o ator Marlon Brando, o poderoso chefão, aos 80 anos de idade. Em outubro, faleceu o super-homem Christopher Reeve, que, depois do acidente de cavalo que o deixou preso a uma cadeira de rodas desde 1995, liderava campanhas beneficentes e se preparava para dirigir um filme.’



AMÉRICA
Laura Mattos

‘‘Queria casas mais pobres na minha novela’’, copyright Folha de S. Paulo, 4/01/05

‘ ‘América’, a nova novela das oito da Globo, estréia em março e pode mudar a história dos pobres da teledramaturgia. Sol, a mocinha, irá morar num barraco de favela. E com cara de favela mesmo.

Até hoje, por mais sem dinheiro que sejam os personagens da Globo, suas casas costumam ter um ar quase romântico, com vasinho de flor e cortina de renda na janela. Dos moradores do Andaraí de ‘Celebridade’ aos freqüentadores do piscinão de Ramos em ‘O Clone’, todos contavam com um lar ‘simples, mas bem ajeitado’.

‘América’ promete ser diferente. Terá cenas gravadas no morro Dona Marta e na favela cenográfica com oito barracos construída no mirante Mundo Novo, no Rio. Uma das moradoras é a protagonista Sol (Deborah Secco).

Rejeição

Consultor em teledramaturgia da Globo e doutor no tema pela USP, Mauro Alencar disse em recente entrevista à Folha que ‘classes sociais mais baixas não gostam de ver pobreza nas novelas’.

‘Brasileiras e Brasileiros’ [SBT, 91], que mostrava miséria, foi um fracasso. A pobreza da novela vai todo dia à casa do telespectador, tem de ser estilizada. As pessoas querem sonhar com a ascensão, ver que rico também tem problemas. Essa é a razão do sucesso de ‘Os Ricos Também Choram’.’

Sobre a tese de Alencar, Glória Perez diz que ‘as casas dos pobres são concebidas pela cenografia’. ‘Nas minhas novelas eu preferiria também que elas fossem mais pobres do que costumam ser.’

A autora nega que tenha optado por incluir uma favela no núcleo central de ‘América’ por influência do sucesso da minissérie ‘Cidade dos Homens’ e do filme ‘Cidade de Deus’, que mostram o ambiente com forte realismo.

‘Em ‘De Corpo e Alma’ [1992], tinha personagens que moravam na [favela da] Rocinha, e através disso pude mostrar os grupos de teatro e outros movimentos da comunidade. Sempre misturei ficção com realidade, desde o início de minha carreira. Essa sempre foi a minha marca’, afirmou.

‘América’ será dirigida por Jayme Monjardim, e a criação dos barracos fictícios ficou a cargo do cenógrafo Gilson Santos e da produtora de arte Tiza de Oliveira.’