Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sebastião Nery

‘Zé da Onça, figura popular em Teixeira, na Paraíba, fazia das suas mas não eram coisas graves e a cidade gostava muito dele. João Agripino, governador, passava por lá, Zé da Onça o procurou:

– Governador, estou precisando de sua proteção.

– Certo, Zé da Onça. Ande direito e pode contar comigo.

– Muito obrigado, governador. Eu andando direito não preciso da ajuda de ninguém.

Correa do Lago

Há duas semanas que o presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Correa do Lago, corre de um lado para o outro, pedindo ajuda e proteção. Como até Zé da Onça sabia, se anda pedindo proteção é porque está fazendo coisa errada. E ninguém mais do que ele sabe disso.

Publiquei, aqui, no dia 11 e no dia 19 deste mês, alguns dos desmandos que ele vem praticando na Biblioteca Nacional, privatizando e terceirizando seu riquíssimo e multissecular acervo de livros, fotos e todo tipo de documentos antigos, sem qualquer licitação ou legalidade, apenas para favorecer bancos associados e parceiros outros de vários negócios.

Em vez de tentar explicar e esclarecer as coisas, o que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, está esperando desde o primeiro instante, Correa anda aflitamente mobilizando amigos e parceiros para irem atrás dos diretores das revistas e dos editores dos cadernos culturais dos jornais e implorarem para não apurarem nem publicarem nada e deixarem o assunto morrer.

Mais de um milhão

Não tem conseguido. Até a ‘Veja’, apesar de procurada e implorada, deu duas páginas esta semana sobre um só dos escândalos: ‘Confusão em Parati – dinheiro público e disputas entre editores azedam o clima na Festa Literária da cidade fluminense’:

1 – ‘A organização (da Flip) conseguiu captar R$ 880 mil de empresas privadas, recursos por meio da Lei Rouanet, que concede abatimentos no imposto de empresas que patrocinam projetos culturais. Além disso, vai receber uma bolada do Estado’.

2 – ‘Com o surgimento dos primeiros questionamentos a respeito da pertinência de dar dinheiro público à festa, Correa do Lago passou a dizer que a Biblioteca não está dando um centavo e é o Fundo Nacional de Cultura que doará R$ 300 mil à festa. Da Biblioteca, Correa vai empregar R$35 mil para trazer dezesseis convidados da Espanha e da França’.

Mentiras

É a confissão e confirmação do que publiquei aqui. Mas cheias de mentiras. O Fundo Nacional de Cultura é dinheiro público administrado pela Biblioteca Nacional, logo por Correa do Lago, que faz dele o que quer.

A captação de recursos, através da Lei Rouanet, para qualquer coisa que se refira a livros, só é autorizada pela Biblioteca, portanto pelo Correa. Como ele é dono de uma editora (a Capivara) e tem uma múltipla empresa de livros e documentos antigos, está sempre protegendo seus parceiros e, conseqüentemente, prejudicando as demais editoras, postas fora do jogo.

Outra mentira é Correa dizer que vai gastar R$ 35 mil para ‘trazer 16 escritores convidados’. Só se vierem a pé ou nadando. Não há passagem de avião, hospedagem, transporte e certamente cachês por esse preço.

Correa também disse que mandou traduzir, para o espanhol, o inglês e o francês, os primeiros capítulos de vinte obras brasileiras e vai distribuir com os agentes literários e editores estrangeiros, para ver se os publicam.

Que livros são esses? Quem os escolheu? Qual o critério? São todos editados pela Capivara, dele, ou pela Companhia das Letras, do Unibanco?

Spa-raty

Como a Festa de Paraty é um empreendimento particular, exclusivo, do Unibanco com a editora Companhia das Letras, da qual o Unibanco é sócio com 50%, os demais editores estavam indignados, mas calados. O editor Sergio Machado, da Record, foi o primeiro a reagir de público:

‘Não consigo entender por que razão estão dando fundos públicos a um evento elitista, um spa para escritores. Terá uma fração (de público) do que recebem as bienais do Rio e São Paulo, 500 mil visitantes cada uma’.

O bom baiano João Ubaldo, editado da Nova Fronteira, não vai lá: ‘Achei esquisito que os escritores divulgados fossem basicamente da Companhia das Letras. A organização tratou o evento como se fosse da editora. Achei que se eu não me respeito, não me valorizo, quem é que vai me respeitar e me valorizar? Não sou um etc.’ (Paulo César Pereira, do JB.)

A filha de Guimarães Rosa, Wilma Guimarães, também está irritada, porque usaram o nome dele, anunciaram um seminário e depois calaram, porque ele não é editado pela Companhia das Letras, do Unibanco.

A revista do Banco

O medo maior do Zé da Onça da Biblioteca Nacional não é nem do spa-raty. O escândalo que o está atordoando, com medo de chegar a toda a imprensa, é o da revista ‘Nossa História’, que pertence à ‘Administradora e Editora Vera Cruz’, do Banco Alfa, de Aloisio Faria. É uma grossa fraude.

A revista sai sob o nome da Biblioteca Nacional, a redação instalada lá dentro, funcionários e todo o riquíssimo acervo dela sendo copiado, digitalizado, filmado, pirateado e todo o lucro do negócio é do banco. Só?’



HISTÓRIA EM REVISTA
Karla Dunder

‘Revista traz à tona o comportamento e personagens do Brasil’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/06/04

‘Coragem e determinação não faltaram a Mané Preto, Jacaré e Tatá, jangadeiros do Ceará dos idos de 1941, homens ousados que percorreram o litoral até chegar à capital da República, no Rio, para falar com o presidente. Em plena ditadura de Getúlio Vargas, eles queriam mostrar a fibra dos pescadores nordestinos ao chefe de Estado e ainda conquistar apoio para a regulamentação e amparo legal da profissão. A mobilização comoveu o País, alcançou as páginas de jornais internacionais e atraiu a atenção do cineasta Orson Welles.

O fato é contado com riqueza de detalhes por Berenice Abreu na edição n.º 8 da Nossa História. A revista também aposta em uma ligação mais forte com a atualidade e traz entrevistas com Amyr Klink, que fala de aspectos técnicos da viagem e da admiração pelos bravos navegantes. Outro tema bem próximo dos dias de hoje é a questão do homossexualismo. A Parada do Orgulho Gay levou recentemente mais de um milhão de pessoas para a Avenida Paulista, um assunto em pauta que não passou despercebido para Luiz Mott. O autor contextualiza a situação atual dos homossexuais e volta ao Brasil colonial e aos registros da Inquisição para fazer um retrospecto do tema: logo que desembarcaram por aqui, os portugueses se espantariam com o comportamento dos índios praticantes da homossexualidade, ou o ‘nefando pecado de sodomia’ como era chamado na época.

Ainda com foco no período colonial, vale destacar o artigo de Luciano Mendonça de Lima, Abaixo os Quilos! Ele descreve os conflitos ocorridos na Paraíba em decorrência da mudança do sistema métrico, na Revolta do Quebra-Quilo. Plinio Freire Gomes mostra a criatividade dos jesuítas para atrair mais adeptos, especificamente os índios, para a fé cristã. Nas procissões, as crianças indígenas, os curumins, acompanhavam as brancas, e santos e rezas misturavam-se com a dança ritual e as maracas. Não era incomum alguns índios seguirem as procissões cantando e dançando alegremente. No ambiente da contra-reforma, valia atrair fiéis e ganhar o continente. Celeste Zenha fala dos ‘Marqueteiros do Imperador’ – a mobilização de diplomatas que investiram em propaganda para mudar a imagem do Brasil no exterior a pedido de dom Pedro II.

Como não podia deixar de ser, em meio às comemorações do aniversário de 60 anos de Chico Buarque de Hollanda a revista traz uma bela homenagem a esse artista que é unanimidade nacional. Francisco Alambert faz uma viagem pelo tempo, traz lembranças familiares, impressões, os anos de chumbo e o talento desse intérprete do Brasil.

Para fechar, uma longa entrevista com o historiador português Joaquim Romero de Magalhães. E um novo olhar sobre a África, por Marina de Mello e Souza.’



DIREITOS AUTORAIS
Pedro Alexandre Sanches

‘Homenagem a Tom Zé esbarra em direitos autorais’, copyright Folha de S. Paulo, 27/06/04

‘Empenhado em ajudar a derrubar muros que separam os planetas erudito e popular, o estilista mineiro Ronaldo Fraga, 35, elegeu o tema-emblema-personagem Tom Zé para voltar ao assunto em seu desfile na São Paulo Fashion Week, no último dia 19.

Batizou de ‘São Tom Zé’ o desfile que se inspiraria no músico baiano e tomaria suas canções como trilha sonora. ‘Ele é o genuíno e talvez último tropicalista vivo’, Fraga provoca, para então explicar: ‘O que me pegou mais é que ele é um dos poucos artistas brasileiros que dão estatuto de arte e vanguarda à cultura popular’.

Receoso de aceitar a moda como uma forma efêmera de arte, trombou no muro do lado de lá. Seu desfile não se chamou ‘São Tom Zé’, mas ‘São Zé’. As músicas da trilha não foram do bardo tropicalista, mas de Hermeto Pascoal e Cordel do Fogo Encantado.

É que Tom Zé pediu, a duas semanas do desfile, R$ 30 mil pelo uso de suas músicas. ‘Não entendi, eu estava fazendo uma homenagem. Fiquei muito triste, mas respeitei. Não adiantaria eu discutir que arte é arte e que, uma vez que ele fez uma música, não é mais dono dela. Ele é gênio, pode fazer o que quiser.’ O uso do nome também foi desautorizado.

‘Isso me colocou no lugar de um aproveitador, me criou um desconforto muito grande. Eu não pagaria [cachê], não era esse o ponto’, conclui, afirmando que recolheria o dinheiro dos direitos pelas músicas. Achou solução intermediária, e a atração entre arte e moda acabou em romance frustrado, em sexo interrompido.

Saindo da circunferência dos conflitos pessoais, Fraga expõe suas razões para querer pesquisar universos complexos de raiz brasileira como os de Tom Zé ou, em anos anteriores, Lupicinio Rodrigues na voz de Jamelão ou temas religiosos na voz da conterrânea Fernanda Takai, do Pato Fu.

‘O desafio de minha geração de estilistas é a reinvenção da memória iconográfica brasileira. Tanto tem se falado de uma identidade brasileira, a moda pode tirar muito daí’, formula, defendendo que o que faz quer distância de uma ‘moda típíca’ ou ‘folclórica’.

‘O mundo está morrendo de vontade e inveja do nosso humor e do nosso ritmo. Tom Zé é um precursor disso’, diz, afirmando que o desacordo com o músico não modifica seu respeito por ele.

A Folha procurou o presidente da gravadora de Tom Zé (Trama), João Marcello Bôscoli, defensor habitual da interseção música-moda, mas ele preferiu não comentar o conflito e sua tentativa frustrada de mediar um acordo.

Procurou também Tom Zé, que não quis conversar com o jornal nem responder a um questionário enviado por e-mail. Em vez disso, escreveu o texto abaixo.’



Tom Zé

‘Isso que está acontecendo me deixa muito humilhado’, copyright Folha de S. Paulo, 27/06/04

‘O Brasil, esse caldo infusório, pelo menos em música e até em moda é espermatozóide. Veja Flávio de Carvalho, com aquele conjunto de saia e blusa para homem nos anos 60. Veja o louco do Jânio Quadros usando aquela bata, então chamada de traje safári, enquanto presidente da República. Lembre o surto de tecidos e de modelagem da fábrica Bangu do Rio nos anos 50. Veja, mais atrás, o relógio de pulso de Santos Dumont. E hoje toda essa energia quântica dos desfiles.

Alguns anos atrás, em Nova York, quase na hora de voltar para o Brasil, saí para procurar roupa. Uma moça da Luaka Bop (a gravadora) me acompanhou, aconselhada por Bonnie Byrne, mulher de David, que também desenhava para algumas lojas.

Corri uma porção de magazines. Não se achava nada que desse vontade de vestir. Já desistindo, o funcionário de certa loja, não sabendo que falava com um brasileiro, me disse: ‘Você, que viaja muito, sabe onde é possível encontrar roupa boa, tecidos finos, estamparia elegante, qualidade de corte? Tudo isso você acha no Brasil e na Itália’.

A época do tropicalismo colocou também em questão o que era vestimenta. Até então homem não vestia amarelo e vermelho, por exemplo. Certo dia, em Irará, saí com uma camisa com um filete amarelo, e um menino gritou: ‘Roupa de mulher!’.

Hoje estão bem cotados até os sapatos brasileiros. E Ronaldo Fraga e seus colegas estão engajados num trabalho brilhante, abrindo as fronteiras do consumidor estrangeiro para a mercadoria brasileira. Pode-se dizer que são gênios atuais da produção de moda. Todo mundo sabe como é difícil vender algo ao exterior e como o Brasil precisa disso.

Nos anos 80, eu tinha hábito de ir à rua Clodomiro Amazonas, no Itaim. Depois da avenida Juscelino Kubitschek, as lojas expunham a produção que empresários e estilistas iniciantes propunham para vender a todo o Brasil.

Eu parava o carro e ia a pé, olhando de vitrine em vitrine, como se estivesse num museu ou numa feira de exposição, procurando naquela criatividade vital encontrar inspiração para meu próprio trabalho. O que figura nos meus discos de hoje se deve, parcialmente, a essa instigação.

Domínio público

Pela lei brasileira, um trabalho musical passa a ser considerado de domínio público 150 anos depois da morte do autor. É verdade que fui enterrado vivo em 1970, na divisão do espólio do tropicalismo. Mas, mesmo de acordo com essa contagem, só tenho 34 anos de morto. Então minha música ainda não é de domínio público.

Cacilda Becker que me ajude: não posso dar de graça a única coisa que tenho para vender. Senti muita humilhação com esse episódio. Tenho 67 anos, e o assunto da sobrevivência é tema de pensamento de grande parte dos meus dias, pois até hoje não descobri ainda outro meio de ganhar a vida, de sustentar minha família, de ter dignidade e respeito próprio, a não ser vendendo o que faço.

Ronaldo Fraga alega que está fazendo divulgação de minha obra. Divulgação, é claro, é necessária em qualquer ramo. Ora, várias vezes comprei na loja de Ronaldo Fraga e sempre paguei o que comprei. Apresentei-me em programas de Serginho Groismann e de Ana Maria Braga, por exemplo, usando roupas dele, nem por isso me considerando divulgador visual da marca. Jamais me passou pela cabeça pedir abatimento, quando da compra, porque estaria fazendo divulgação. Quanto mais, alegando que eu estava me convertendo em passivo modelo da loja, argumentar que ele deveria me dar as roupas de graça.

Isso que está acontecendo com a minha música me deixa realmente muito humilhado. Não sou uma vedete, mas imagine se Ana Paula Arósio, que é naturalmente muitíssimo divulgada pela Embratel, não recebesse um honrado pagamento pelo seu trabalho.

Pedi R$ 30 mil, mas, quando João Marcello Bôscoli, presidente da Trama, minha gravadora, me chamou ao telefone, compreendi que, do ponto de vista de artista da gravadora, eu deveria levar em consideração o problema da divulgação. Tanto que autorizei João a negociar com Ronaldo Fraga e aceitar um preço a que chegassem, por acordo.

Para estudantes, cineastas, dramaturgos, encenadores, profissionais iniciantes, concedo uma média superior a dez autorizações por mês, abrindo mão de quaisquer direitos autorais, quando eles me consultam para inserir minhas músicas em seus trabalhos. Em tais casos, estou dialogando com a nova geração, ainda desprovida de recursos, e concedendo-lhe, na minha medida, o que considero meu dever, um mínimo de possibilidades. Tom Zé, 67, é músico’



JORNALISMO CULTURAL
Ana Maria Bahiana

‘Um passeio pela Ala Oeste’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 22/06/04

‘Eu tenho um caso de amor e ódio com o canal Warner. O ódio é fácil: aquele portunhol de quinta categoria! Aquelas legendas vagabundas! Aquelas traduções canhestras! Os piores intersticiais da história da TV paga! Os medonhos textos promocionais! Enfim, é um canalzinho que se presta a ser convertido em vício secreto.

O amor também é obvio: a Warner tem algumas das melhores séries de TV deste lado do Atlântico. Se tivessem uma presença maior de produto da HBO, seria até covardia.

Aprecio muitíssimo a arte de escrever para TV. É uma das maiores e melhores pedreiras que conheço. A não ser no Brasil onde todo mundo, aparentemente, é celebridade, escrever ficção para TV é uma verdadeira disciplina alquímica, que exige anonimato, humildade, rigor e precisão. Dá prazer ver o que talentos assim testados são capazes de fazer dentro da estrutura saturnina da televisão.

Gosto particularmente de The West Wing. É o tipo de série que só me parece possível nos Estados Unidos, onde o acordo social e político é completamente entrelaçado ao próprio tecido do país, e me apetece muito o modo como temas profundíssimos, de alto alcance internacional, são desenvolvidos no espaço restrito dos 48 minutos de narrativa, freqüentemente em um único set – a ala oeste da Casa Branca.

Outro dia, enquanto minha vizinhança, audivelmente, se deleitava com o jogo Brasil X Argentina, eu não tirava os olhos da Ala Oeste. O tema era globalização e concentração. Na trama de pano de fundo representantes do outrora poderoso sindicato de trabalhadores da indústria de comunicação agarravam-se como podiam nos cacos de sua profissão, diante da migração em massa de seus empregos para a Índia. Na narrativa principal, a personagem C.J., porta-voz da Casa Branca, tentava vender aos correspondentes uma pauta que ia na contra-mão de quase tudo: as novas regras da Federal Communications Commission não eram uma maravilhosa solução possibilitando maior diversidade na mídia, mas um ‘jeitinho’ para acobertar o contrário, ou seja, o fato de que, cada vez mais, um maior número de veículos de comunicação está na mão de menos indivíduos.

C.J. (vivida pela premiada Allison Janney) é uma personagem fascinante. Uns dois episódios atrás ela havia sido usada para dar uma verdadeira aula sobre os dramas, contradições, angústias e possibilidades do papel de porta voz, suas responsabilidades perante a mídia, o público e a Presidência. Coisa fina, que deveria ser exibida em todas as escolas de jornalismo, comunicação e relações públicas (de preferência com legendas melhores).

Agora, era um prazer ver a personagem navegar pelo avesso e pelo direito de sua descoberta, do tédio ao lhe ser empurrada uma pauta cujo valor não entende bem – as tais novas regulamentações da FCC – a surpresa no reconhecimento de seu real potencial.

E sobretudo o terceiro ato: as vãs tentativas de C. J. de fazer os jornalistas morderem sua isca.

A riqueza de possibilidades e ironias da situação era um exercício e tanto para mentes acostumadas a divisões rápidas e simples entre ‘eles’ e ‘nós’, ‘bem’ e ‘mal’. C.J., que representa a Casa Branca, vê o avesso de uma pauta ‘chapa branca’. Como C.J. acredita ter ‘a responsabilidade de informar o público através da mídia’, ela tenta dimensionar o que lhe é empurrado. Sua constatação mostra algo nada chapa branca que, a seu ver, interessa de perto à mídia e vai de encontro, finalmente, ao real perfil da sua função: ‘Eu estou lhe dizendo que cinco companhias vão controlar 199 dos 310 veículos de mídia de um dos distritos eleitorais mais importantes’, ela diz, exasperada, a uma raposa felpudíssima que tem acesso a ouvidos presidenciais. ‘E você acha que isso não é do interesse da Presidência?’

É quando C.J. pula os obstáculos oficiais e todos acreditam que ela fará uma aterrissagem triunfal nos braços da imprensa que as coisas ficam realmente interessantes: ninguém quer saber da pauta. C.J. faz as contas: cada punhado de 10 ou 12 correspondentes, se reduzidos ao seu mínimo denominador comum, trabalha, de fato, para um dos cinco conglomerados em questão. Não é a toa que a pauta não viaja ou, se viaja, cai em ouvidos ocos de editores.

Mas C. J. tem um ás na manga: uma cobiçada viagem presidencial à Europa, cheia de regalias de acesso e mordomias a bordo do Air Force One. Ela faz um comunicado simples: já que todos os correspondentes trabalham, de fato, para cinco empresas, ela está abrindo apenas cinco vagas no trem europeu da alegria. E eles que se virem.

Fiquei tentando transpor o episódio para o Brasil. Vocês conseguem?’