Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Sérgio Dávila

‘João Moreira Salles, 42, está decepcionado. Um dos principais documentaristas do país, reconhecido e premiado mundialmente, filmou 180 horas dos meses finais da campanha vitoriosa do candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2002, que se transformaram no documentário ‘Entreatos’.

Hoje, assim como o público vem fazendo ao assistir de novo a seu filme, Salles repensa aquele momento com olhos críticos. ‘De um modo geral, o filme virou mais melancólico, se tornou um filme triste. Não era um filme triste, e se tornou’, disse ele, em entrevista exclusiva à Folha, que ele concedeu a princípio para falar de um lançamento em sua produtora e da revista que prepara.

Hoje, ‘Entreatos’ se torna quase profético quanto ao principal problema do futuro governo, o despreparo e a falta de um projeto para o Brasil, sufocado por um projeto para a vitória. ‘Ali, se elegia muito mais um símbolo e muito menos um projeto de país’, diz. A seguir, os trechos da entrevista que tratam de política.

Folha – O que você acha desse fenômeno que vem acontecendo com seu ‘Entreatos’, de pessoas querendo revê-lo com outros olhos hoje? Você já reviu sem a cortina da vitória, ou seja, pós-denúncias?

João Moreira Salles – Não. Logo no início das denúncias, como você chama, ainda eram os Correios [em maio, o ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material, Maurício Marinho, foi filmado ao aceitar propina de R$ 3.000 de empresários], estava no início da história [da primeira entrevista] do Roberto Jefferson à Folha. Eu fui a um seminário na Unicamp, e o organizador exibiu trechos do filme.

Ali, de fato, percebi que não é que o filme virou outra coisa. O Brasil virou outra coisa, é um pouco diferente. E porque o Brasil virou outra coisa, determinadas seqüências do filme ganham sentido diferente. O filme virou mais melancólico, um filme triste. Não era um filme triste, e se tornou.

Folha – E os telespectadores assistiram quase com olhos de detetive, tentando achar o Delúbio Soares em atitude suspeita?

Salles – É um fenômeno quase compreensível, porque aquilo é um documento que eu julgo importante sobre a vida política brasileira, não tem nada a ver com a qualidade ou a falta de qualidade do filme, simplesmente pelo fato de uma câmera ter existido ali, tão de perto, naqueles últimos 30 dias. Você está ali diante do fato histórico em andamento. É normal que as pessoas queiram voltar a vê-lo para saber o que o Silvinho [Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT] dizia no avião, que queiram saber o que o José Dirceu dizia, mas fica um pouco do jogo dos sete erros, sabe?

Folha – Se quando o Dirceu pergunta ‘O que esse pessoal está fazendo aqui?’ é um traço dele de autoritarismo…

Salles – Exato, vira um pouco isso. Eu não quis que o filme fosse lançado no ‘Carnaval da Vitória’ -e ali havia um impedimento concreto, eu não conseguiria montar um filme em dois, três meses, mas digamos que conseguisse-, era muito claro para mim que não seria bom para o filme que ele fosse lançado imediatamente após a vitória. Houve uma conversa de co-produção entre a VideoFilmes e a Globo, que teria sido muito bom à VideoFilmes, até como ensaio de parceria. Eu poderia ter aceitado, mas o filme seria visto de forma carnavalesca.

Com o sinal trocado, fenômeno idêntico acontece agora: uma exibição hoje é em primeiro lugar oportunista e, em segundo, produz-se uma leitura viciada do filme. Do mesmo modo que não é o ‘Carnaval da Vitória’, como seria visto se exibido naquele momento, não acho que seja antecipatório da crise, que seria visto dessa maneira hoje.

Daí minha decisão de não relançar o filme. Tem também uma questão de lealdade. O filme foi exibido, as pessoas que quiseram assistir assistiram, e poderão assistir de novo quando for relançado em DVD no ano que vem. Então, cumpriu o seu papel. Um relançamento agora é desleal e oportunista, e você tem de ser leal com qualquer pessoa, no caso o Lula e as pessoas que estavam em torno do Lula e que foram filmadas naquele momento.

O filme vai ficar mais interessante com o tempo. A cena famosa do Dirceu, em que ele diz ‘Quem são vocês e porque vocês estão filmando?’, hoje em dia é vista como um claro indício de seu caráter autoritário.

É uma leitura equivocada, ele está sendo apenas uma pessoa responsável. De fato, é uma loucura deixar uma equipe independente no coração de uma campanha a quatro dias das eleições. Ele ali é o princípio de realidade.

Folha – Já na montagem do filme você encontrou indícios do que viria a se confirmar depois?

Salles – Fica muito claro no filme que a vitória do Lula não foi a vitória de um projeto de país, foi a vitória de um homem com um inegável carisma, com uma trajetória extraordinária num país tão desigual como o Brasil. Portanto, você consegue encontrar indícios da falta de projeto, que é um dos problemas desse governo. Ali, se elegia muito mais um símbolo e muito menos um projeto de país.

Folha – Parte da comunidade artística, cultural e de formadores de opinião tem se manifestado decepcionada com o que veio a acontecer. Qual a sua avaliação?

Salles – Como cidadão, como todo o Brasil, acho que é uma imensa decepção. Ninguém poderia supor que a derrocada seria tão grande. É um momento de melancolia. Eu não torcia por isso, pelo contrário. Não é bom para o Brasil, mesmo para quem não gosta do PT. Continuo achando que se modifica um país no âmbito da política, não há outro lugar para isso no regime democrático.

E essa crise produz uma falta de fé na política, aquela velha coisa reacionária de que todo mundo é igual. E não é verdade. Essa descrença produz o cinismo, e esse cinismo produz, enfim, um vale-tudo. E o PT, por erro próprio, encarnava muito essa idéia de ‘Nós somos puros’. Então, quando o próprio santo peca…

Folha – Se Deus está morto…

Salles – Deus morre, a fé morre. E isso é muito ruim, se a crise do governo Collor reafirmou a fé na política e na democracia, essa crise é mais séria, porque é a crise dos puros. Acho que o Lula não é um político como os outros, assim como não acho que o FHC seja como os outros. Fico irritado com essa conversa de que não há diferença entre Maluf e Lula. Claro que existe. Nesse sentido, é um momento muito muito triste para o Brasil. Porque a gente elegeu o símbolo, e o símbolo se desfez. Era o único patrimônio dele [Lula], e ele pode ter perdido.

Folha – Você vê exageros ou generalizações da imprensa?

Salles – A imprensa está cumprindo bem o seu papel, de um modo geral. Mas a generalização ocorre mesmo é na população. Estou cansado de ouvir motorista de táxi, amigos meus repetindo a frase ‘Todo mundo é igual’. E não é! O cara que recebeu a Land Rover [Silvio Pereira] é igual, mas não acho que o [ministro da Fazenda Antonio] Palocci seja.

Existem políticos melhores e piores. Perigosa é essa idéia de dizer que todo mundo é igual. É nesse sentido que o erro do Lula é mais grave do que o do Maluf. Porque do Maluf você espera, do Lula, não.

Assim, essa crise é mais grave do que a do governo Collor. Aquela produziu virtude, essa não sei se produzirá virtude ou só cinismo. Se produzir só cinismo, será uma tragédia. Não quero dizer que Lula seja conivente. O fato é que sem dúvida nenhuma houve ali um equívoco brutal, e o Lula… Ele diz isso no comício da Paulista, que graças a Deus não usei.

Um dos acertos do filme é terminar quando termina, que é o Lula sendo engolido pela realidade. [A câmera] afasta, ele já é o presidente eleito e é engolido pela imprensa. Acabou o sonho, vamos ver se você consegue não ser devorado. Parece que não conseguiu, né? Se terminasse na Paulista, se terminasse no dia seguinte, seria um final edificante, a vitória óbvia, sem nenhuma ambigüidade. Desse jeito, termina de maneira quase inquietante, ‘Será que ele vai conseguir resistir aos…’

Folha – Você não se arrisca a uma previsão?

Salles – Não, não me arrisco. A minha opinião vale tanto quanto a de qualquer outra pessoa, e menos até, porque não sou especialista. Acho que ele chega à reeleição. Aí é exercício de futurologia.

A economia está crescendo, por incrível que pareça houve um descolamento completo da política com a economia, coisa que nunca aconteceu no Brasil. No ano que vem, se essa coisa for resolvida, com cinco, seis, sete deputados cassados, e se [as denúncias] não chegarem ao Lula, ele tem chance de se reeleger.

Mas eu estava dizendo do discurso da Paulista, o Lula diz isso, que é trágico, que todos têm o direito de errar, menos ele. Não é só você que está ali, é você e todos os preconceitos que o Brasil tem contra a sua figura. Portanto, sua responsabilidade é muito maior. E o Lula tem consciência aguda disso. Disse para 200 mil pessoas: ‘Professor da universidade que é presidente da República pode errar, eu não posso errar, não tenho esse direito. De mim esperam o erro, de mim esperam o despreparo, eu preciso provar que não sou despreparado…’ A crise de confiança na democracia é mais grave quando alguém como o PT, o Lula e o que ele representa produzem o que produziram do que quando alguém como o Collor produz o que produziu.

É preciso acreditar na política. Portanto, torço muito para que isso não chegue ao Lula e para que de alguma maneira se resolva com uma certa serenidade e que quem merecer ser cassado seja e que o Congresso dê uma demonstração de firmeza.’



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‘Documentário volta só no ano que vem, em DVD’, copyright Folha de S. Paulo, 24/10/05

‘A cada vez que uma universidade, um evento obscuro ou um ciclo numa cidade qualquer, grande ou pequena, anuncia que ‘Entreatos’ está na programação, o tamanho da fila para assisti-lo hoje em dia se multiplica.

Há um interesse renovado das pessoas no documentário, fora de cartaz e não-disponível em DVD. São votantes ou não do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, buscando ali ‘indícios’ do que viria a acontecer com o governo do presidente eleito nos anos seguintes.

Afinal, estão quase todos os personagens lá, do ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira, ao ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, expulso no sábado, passando pelo ex-todo-poderoso José Dirceu, fora do governo Lula -há ainda e também acusados de corrupção, de movimentar caixa dois, cassados, cassáveis e o ex-núcleo duro do governo.

Dessa maneira, assistir ao filme hoje ganha um novo sentido -e vira mesmo um ‘jogo dos sete-erros’, como disse o cineasta à Folha.

Há os que vêm traços de autoritarismo de José Dirceu aflorando quando ele questiona a presença da equipe de filmagem de Salles na campanha. Ou os que agora ‘reparam’ no ‘desprezo’ de Lula pelo senador Eduardo Suplicy, uma das poucas estrelas petistas poupadas no escândalo atual.

João Moreira Salles reafirma que não vai relançar ‘Entreatos’ no cinema agora, como algumas salas e muitos espectadores vêm pedindo. Mas o filme sai em DVD no começo de 2006 -com cenas inéditas.’



Gaudêncio Torquato

‘Versões, fantasias e êxtase’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/05

‘Sobre a mesa de trabalho, um versinho inspirava Chagas Freitas, que governou a Guanabara e, anos depois, o Rio de Janeiro: ‘Comigo não há nada, não há nem pode haver. Se houver, não surte efeito e, se surtir, não tem valor.’ A filosofia dessa raposa política, que também foi fundador do jornal O Dia, está sendo adquirida, a prestações, pelo presidente da República, que usa a primeira parte da boutade chaguiana ao dizer que os petistas não são corruptos pelo fato de terem usado o caixa 2 nem portam doença contagiosa que impeça a convivência com eles. Ao dar endosso ético e passar atestado de saúde a companheiros envolvidos com o mensalão, Lula se imbui da onisciência de um deus todo-poderoso, condição que faz questão de exibir aqui e alhures, jamais dando a mão à palmatória ou se desculpando por gafes e impropriedades – como a cometida na Europa quando garantiu que a febre aftosa fora debelada, no mesmo instante em que novos focos da doença apareciam. E mais: sua preocupação, agora, não é com febre aftosa, mas com a ‘febre aviária’, doença que a farmacologia lulista introduz no lugar da gripe dos galináceos.

Só mesmo o presidente não percebe que seu lastro de modéstia, um tanto escasso, está corroendo os juros do carisma que ainda detém. Sua maneira de enfrentar a crise funciona como motor de propulsão de eventos negativos, deixando distante a hipótese de elevar o seu vetor de força para o nível do início do mandato. Basta conferir a relação com o próprio PT. Há um estado de evidente conflito. As intenções de um e outro caminham em paralelo. Os petistas ameaçados de cassação, com exceção do ex-líder Paulo Rocha, ao não aceitarem o conselho presidencial para uma renúncia coletiva, esticam o ciclo de tensão e pressão para março/abril do próximo ano, deixando Lula refém das circunstâncias. É evidente que, nesta condição, o candidato estará mais vulnerável, iniciando a campanha em curva, e não numa reta.

A esfera política, portanto, continuará agitada, sendo pouco provável que, no meio de um processo investigatório que tende a abrir novos flancos, o governo consiga reorganizar as bases e impor vitórias fáceis no Congresso. Na frente econômica, apesar do exagerado otimismo presidencial, o affaire da febre aftosa ocasionará certo impacto (desemprego, queda de receita de exportações), somando-se ao rolo compressor do arco político sobre o ministro Palocci – previsível em ano eleitoral – e ao clima de instabilidade dos mercados internacionais. Na área social, o governo estufará o programa Bolsa-Família, na perspectiva de forrar o colchão dos pobres e desenvolver uma estratégia centrípeta de envolvimento (das margens para o centro). Nas searas centrais da sociedade, porém, o governo não terá frutos a colher. E nem a propaganda cosmetizada do PT, embalada para engabelar as massas, conseguirá reduzir a indignação das classes médias.

Ademais, a amostragem de feitos será canibalizada pela fumaça da crise. Quando dois discursos se opõem, parcela de ambos se desmancha no ar e se perde. Além disso, a posição de candidato favorito não é confortável para Lula. Cria expectativa. Qualquer queda na pontuação de intenção de voto, por menor que seja, causará mais impacto que a baixa de um adversário, por significar tendência de declínio. Por último, a antecipação de campanha é fator de desgaste. Ora, o presidente já entrou no jogo da reeleição. O seu encontro com os líderes da esquerda italiana teve tom de palanque. Recebido com salamaleques, Luiz Inácio foi incentivado por Romano Prodi a formar uma grande aliança de centro-esquerda, nos moldes que o italiano criou para ganhar a eleição primária e se tornar o candidato da oposição em 2006 contra o direitista Silvio Berlusconi. Lula e seu assessor Luiz Dulci se extasiaram, não dando bola à evidência de que tucanos (mesmo com o apoio do PFL, à direita) e peemedebistas também se acham inseridos no espaço de centro-esquerda. Ou o Brasil tem centro de mais e esquerda de menos ou vice-versa.

Fruindo a fantasia italiana, Lula permitiu-se, mais uma vez, arvorar-se em ícone da ética. Eis como se despediu dos italianos: ‘Temos que dar exemplo de severidade, de honestidade e de ética!’ Só mesmo a psicologia para explicar. De tanto repetir a mesma cena, o ator acaba acreditando piamente na alegoria. Emerge, reveladora, a segunda parte do preceito do velho Chagas Freitas: se houver algo contra mim, não surte efeito, e se surtir, não tem valor. O presidente e sua sociedade de corte acreditam nisso. Cegos, não notam o estrago feito pelo bando que dominava o PT. Só enxergam as nuvens emotivas que pairam sobre partes do território. Desprezam os anéis racionais que circundam os grupamentos médios. Esses anéis deram um recado forte, ao inflarem o balão do ‘não’ no referendo de ontem. Se a campanha do ‘sim’ procurou atingir o coração das massas, a campanha do ‘não’ sensibilizou as cabeças de setores médios e organizados. O referendo, instrumento de nossa democracia participativa, é bastante revelador. Mostra que a sociedade é capaz de reagir e impor sua vontade, mesmo sufocada por gigantesca tuba de ressonância. Menos que tiroteio entre pobres e ricos, como se procurou passar, o referendo foi uma disputa entre o voto emotivo e o voto racional. Com respingos na imagem do governo. O País está deixando de ser um imenso curral.

Essa é a razão por que não se deve apostar na boa-fé dos brasileiros para perdoar o passado. Um Delúbio Soares, como PC Farias, é uma identidade para sempre. Ao contrário do que pensa, em três ou quatro anos ‘tudo será esclarecido’, sim, mas não acabará virando ‘piada de salão’. Ele não será perdoado. Bem que poderia passar esse tempo copiando a máxima atribuída a Ulysses Guimarães: ‘Uma pessoa 99% honesta é 100% desonesta, porque não existe honestidade parcial.’ Lição que também precisa ser apreendida pelo nosso presidente. Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br’



Sérgio Gobetti e Expedito Filho

‘TCU vê superfaturamento na Secom’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/05

‘O resultado da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nos gastos da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República durante a gestão de Luiz Gushiken mostra que havia um jogo de cartas marcadas entre o governo, as agências de publicidade e as gráficas paulistas que imprimiam material de promoção do Palácio do Planalto. Em média, os preços pagos pelo governo para ter a revista Brasil, um País de Todos entre 2003 e 2004 superaram em 75% os de mercado – a prática irregular causou um prejuízo de R$ 5,77 milhões aos cofres públicos.

Ao todo, o governo Lula gastou R$ 13,45 milhões para elaborar revistas e encartes de balanço de cada seis meses de administração, além de uma cartilha de divulgação de seus programas sociais. Muitos exemplares podem nem ter sido entregues, num possível prejuízo de mais R$ 6,36 milhões, segundo a auditoria concluída pelo TCU.

As agências de publicidade Duda Mendonça & Associados, do ex-marqueteiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e Matisse Comunicação de Marketing, do publicitário Paulo de Tarso Santos, criador do jingle Lula-lá, estão envolvidas nas irregularidades. Essas duas agências dividiam o contrato de publicidade da Secom e, quando o governo precisava de material de divulgação, subcontratavam as gráficas, cobrando uma comissão de 9% sobre o custo.

Documentos reunidos pelos auditores que trabalharam no caso indicam que as agências cumpriam como mera formalidade a exigência de três diferentes orçamentos para seleção do menor preço cobrado pelos serviços gráficos. A cotação era feita quase sempre com as mesmas gráficas, que apresentavam propostas parecidas e acabavam dividindo a impressão a um custo bem superior ao cobrado por outras do mercado.

No caso da cartilha sobre os programas do Ministério do Desenvolvimento Social, por exemplo, o TCU descobriu que o preço pago pelo governo à Gráfica Kriativa e à Matisse foi 203,82% a 343,35% superior ao cobrado por outras empresas do mercado. Enquanto a Kriativa apresentou orçamento de R$ 2,07 por livreto, as gráficas consultadas pelos auditores se dispuseram a fazer o serviço por R$ 0,47 a R$ 0,68 a unidade.

DATAS

Também chamou a atenção dos auditores que algumas notas fiscais foram emitidas pelas agências e gráficas antes da autorização da Secom. Isso ocorreu, por exemplo, com as revistas do balanço de 2 anos de governo, cuja impressão foi dividida pelas gráficas Kriativa, Burti e Pancrom. A nota da Kriativa foi feita em 21 de dezembro de 2004, e a autorização da Secom, dia 23. ‘Esses fatos demonstram que as apresentações de orçamento das subcontratadas, bem como as autorizações da Secom, foram apenas para cumprir formalidades contratuais, visto que já estava decidido anteriormente o fornecedor a ser demandado’, conclui o relatório.

O TCU constatou ainda que não há comprovação de entrega de 1.969.300 exemplares de um total de 5.082.000 revistas e encartes pagos à Matisse e à Duda Mendonça & Associados. Questionado pelos auditores sobre a falta de comprovante, o novo subsecretário de Comunicação Institucional do Governo, Luiz Tadeu Rigo, informou que ‘não havia no setor prática de arquivamento sistemático das notas fiscais de simples remessa correspondentes à entrega dos materiais, bem como não se anexavam tais documentos aos processos de pagamento.’

A assessoria da Secom diz que está fazendo uma análise técnica e jurídica do relatório, mas alega que o mesmo é preliminar e não foi apreciado pelo plenário do TCU. A secretaria sustenta que os processos de contratação e pagamento dos serviços gráficos foram conduzidos com ‘total lisura’’



PTnet

‘Resolução defende novo estilo de gestão’, copyright PTnet (www.pt.org.br), 22/10/05

‘O Diretório Nacional do PT, reunido neste sábado (22) em São Paulo, acaba de divulgar resolução política em que defende um novo estilo de gestão partidária – a partir da direção que toma posse hoje – e a necessidade de lutar por ‘profundas mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro’.

Entre outros pontos, a resolução destaca a importância de se reforçar os mecanismos de comunicação direta com a base, para defender os avanços do governo Lula e barrar a ‘tentativa de fulminar o projeto do PT’, cujo objetivo seria ‘eliminar’ o partido da cena política democrática.

O documento afirma que uma série distorções, meias-verdades e calúnias têm sido utilizadas ‘por boa parte da imprensa’ para criminalizar o PT e tornar irrelevantes aos conquistas do governo.

A resolução termina listando ações governamentais de impacto em várias áreas e reforçando o engajamento do PT no voto SIM do referendo de amanhã.

O DN continua reunido para votar o parecer da Comissão de Ética sobre o ex-tesoureiro Delúbio Soares e, na sequência, dar posse aos novos dirigentes eleitos.

Leia abaixo a íntegra da resolução:

O Diretório Nacional do PT aprova a seguinte Resolução Política sobre a conjuntura, orientando as instâncias regionais e locais que a distribuam amplamente junto às bases partidárias.

1. A ofensiva das forças conservadoras contra o PT e contra o governo Lula foi contida pela demonstração de força que a militância petista deu nos dias 18/9 e 9/10, bem como pela vitória que obtivemos na eleição do presidente da Câmara dos Deputados.

2. As justas críticas que o nosso Partido recebeu durante este período de instabilidade política e de cerco ao governo Lula devem ser apropriadas por toda a nossa base militante, proveitadas para fundamentar a correção dos nossos erros e impulsionar o PT para um novo patamar político, novas relações com a sociedade em geral e com as bases sociais destinatárias do nosso programa. Um novo estilo de comando político e uma nova política de gestão partidária devem caracterizar a direção que assume, concluída a transição político-organizativa iniciada em julho deste ano.

3. Outra correção diz respeito à necessidade de acentuarmos nossa defesa de profundas mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro, contaminado pelo poder econômico, pelo monopólio das comunicações, por distorções na representação e pela transformação dos partidos em meras legendas. O PT reconhece que, após nossa chegada ao governo federal, falhamos em deflagrar um processo de reformas que pudesse instituir o financiamento público das campanhas, a votação em listas e a proporcionalidade plena das bancadas parlamentares, entre outras medidas. O PT reconhece, também, que não conseguimos estabelecer um relacionamento de novo tipo com os partidos políticos que constituem a base de apoio do governo.

4. Destacamos, ainda, a necessidade de recuperar o caráter estratégico das relações entre o PT, o PSB e o PCdoB.

5. A renovação do Partido deve emergir de um novo pacto dirigente que, reafirmando o nosso projeto estratégico de socialismo democrático, possa construir instituições republicanas cada vez mais sólidas, estimular a democracia participativa e o controle público do Estado, bem como emprestar legitimidade aos movimentos sociais na cena política, para que o Estado abra-se, cada vez mais, para os ‘de baixo’ e para o ataque às desigualdades sociais e regionais.

6. A imprensa cumpre um papel importante na democracia, não pode e não deve, constitucionalmente, sofrer censura qualquer. Mas os órgãos de imprensa não são neutros nem isentos. Devemos, a partir desta compreensão, não só dialogar com ela e através dela, mas também informar diretamente a nossa base sobre os interesses políticos que estão representados na sua opções informativas.

7. No caso concreto do debate político atual, boa parte da imprensa não está somente interessada em combater ‘desvios éticos’: tem sobretudo o propósito de ‘absolver’, previamente à campanha eleitoral, o governo tucano-pefelista, que representou na história do país os interesses mais mesquinhos da modernização conservadora. Não é de graça que o seu refrão é caracterizar que o ‘bom’ no governo Lula é aquilo que é originário do governo FHC, do qual herdamos juros altos, anarquia nas contas públicas, inflação alta, políticas sociais e educacionais indigentes, dívidas brutais com os aposentados, exportações em crise, dívida pública quadruplicada.

8. No contexto atual da disputa política, também é hora de compreender que, por dentro das informações sobre os acontecimentos que mancharam nosso prestígio político, face aos desvios éticos e ilegalidades já assumidas por dirigentes, está em curso uma tentativa de fulminar o projeto do PT para nos eliminar da cena política democrática. Já fizeram tentativas semelhantes em outras oportunidades, não só assacando contra nós acusações sem provas ou sequer indícios de provas, mas também sem qualquer fundamentação. Não tem precedentes na história republicana, a não ser no curto espaço de existência legal do Partido Comunista do Brasil, antes do golpe de 64, uma campanha tão caluniosa, tão virulenta e tão sistemática contra uma comunidade partidária.

9. O uso de distorções, meias verdades, calúnias, apelos a punições sumárias que violem o direito constitucional de defesa e as normas que regulam a vida partidária, são combinados com graves acusações, que variam rapidamente e sequer dão oportunidade de defesa.

10. Repetidas à exaustão, as acusações visam criminalizar a organização partidária. Ao mesmo tempo, pretendem tornar irrelevantes as importantes conquistas do governo Lula, que eles supunham não teria condições de recuperar a credibilidade política e a viabilidade econômica do país, arruinada pela irresponsável gestão tucano-pefelista. Aliás, as privatizações selvagens, cujo grau de ilegalidades cometidas ainda não foi investigado, continuam sendo um obscuro episódio da vida nacional.

11. Trava a oposição agora, na verdade, não mais uma luta política contra a corrupção no país. Já tratam é de mascarar a corrupção sistêmica aqui existente, aliás nunca tão combatida como agora pela Polícia Federal e pelos órgãos de controle do Estado. No tocante ao mascaramento, basta verificar os ‘desvios’ de investigação que a oposição tucano-pefelista promove nas CPIs, quando as provas se aproximam das fontes e das origens das ilegalidades, ocorridas nos financiamentos das campanhas dos seus partidos. Lembremo-nos, também, da inação do governo FHC no combate ao crime organizado, inclusive na sua relação com Estado, como já se verificou, entre outras, na ‘operação vampiro’, que incidiu sobre esquemas existentes há quase dez anos no Ministério da Saúde.

12. O Partido dos Trabalhadores não vai e não pode se intimidar. Em que pese as limitações e os erros do nosso governo, cercado ideologicamente pela visão estreita do ‘caminho único’, é um governo que significou um avanço democrático importante para o país. Não somente pela correção da sua política externa, pelo avanço significativo da suas políticas sociais, mas também pelo respeito aos movimentos sociais:

– A política educacional do governo federal, com iniciativas como o PROUNI; FUNDEB, que ofertará mais de R$ 50 bilhões em 13 anos para a educação básica; reforma e ampliação da universidade pública; ampliação da educação técnica; Escola de Fábrica; e mais recursos para todas as áreas da educação; afirma o caráter republicano, progressista e democrático do governo.

– Na área da saúde, a ampliação do acesso da população aos medicamentos essenciais, com destaque para a Farmácia Popular, a qualificação do atendimento as urgências com a implantação do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), a inclusão das populações pobres a uma política de saúde bucal com o Brasil Sorridente e a política universal de planejamento familiar.

– No combate à fome e a pobreza foram implantados 31 programas e o Bolsa Família já atinge 8 milhões de famílias, com uma complementação de renda média de R$ 76, acompanhada pelo controle da vacinação e a presença escolar dos jovens beneficiados. Avançamos no apoio à agricultura familiar com o PRONAF, que mobiliza R$ 9 bilhões nos processos de desapropriação de terras e assentamentos de trabalhadores sem terra.

– Na habitação rural e urbana de interesse social, e nos investimentos em saneamento, o governo Lula não só inovou na relação com os Movimentos Sociais, com essas políticas, como para elas direcionou recursos muitas vezes superiores ao governo FHC. Os movimentos sociais, pela primeira vez depois do regime militar, são incorporados num diálogo respeitoso com o poder público federal, que substituiu a repressão pelo respeito e legitimação das suas demandas.

13. O PT contribuirá para o enfrentamento das limitações e erros, valorizando nossas instâncias partidárias; mantendo nossa autonomia política em relação ao governo, para que possamos interferir positivamente no seu apoio e na sua sustentação na sociedade e no parlamento; perseverando na defesa de uma política de transição para um modelo de desenvolvimento com altas taxas de crescimento, juros baixos e fortes políticas públicas de distribuição de renda, com base numa política de alianças afinada com os partidos do campo popular e democrático.

14. Referendo: Menos armas, mais vidas

O Partido dos Trabalhadores defende o voto no SIM no referendo do próximo dia 23 de outubro. O PT acredita que a proibição da venda é um instrumento importante na diminuição do número de mortes causadas por armas de fogo. A vitória do SIM é um passo importante na direção de dificultar o acesso às armas de fogo e munição, reforçando mecanismos democráticos de restrições e controle das armas já consolidados no Estatuto do Desarmamento.

A campanha dos defensores do ‘não’ tem assumido um caráter cada vez mais conservador, protagonizada por setores e discursos autoritários, nitidamente contrários a uma política de defesa dos direitos humanos e valorização da vida.

Neste sentido, o PT orienta seus diretórios estaduais e municipais, parlamentares, lideranças e dirigentes a reforçarem, nesta reta final, a campanha do SIM.

O PT orienta a realização de atos públicos, manifestações e mobilizações de todos os tipos em defesa do SIM. Além disso, o PT considera importante que sua militância vá votar, deixando clara nossa opção em defesa da vida, contra a lógica mercantil e em defesa de controles democráticos e civilizatórios por parte do Estado. É fundamental a mobilização cidadã em defesa do SIM no próximo domingo, 23 de outubro.

Menos armas, mais vidas.

São Paulo, 22 de outubro de 2005.’