Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Terra Magazine

CASO ISABELLA NARDONI
Daniel Milazzo

´Mídia tem agido com cautela´, opina promotor, 19/4

‘Pai e madrasta de Isabella, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, prestaram depoimento na sexta-feira, 18, no 9º DP (Carandiru, zona norte de São Paulo) e foram indiciados por homicídio, em meio a um clima de hostilidade de populares.

O promotor de justiça Rogério Sanches Cunha ressalta que não está envolvido no caso Isabella e, portanto, não avalia seu mérito. Porém, em entrevista a Terra Magazine, ele condena o prejulgamento imposto pela sociedade a Alexandre e Anna Carolina Jatobá:

– Eu gostaria de ver a sociedade parar de prejulgar (…) A sociedade deve condenar moralmente o casal depois que a justiça, monopólio do Estado para punir, decidir se eles são ou não culpados – atenta o promotor.

Cunha aprova a cobertura da mídia sobre o caso, pois, segundo ele, ela tem agido com cautela e tem evitado sustentar prejulgamentos:

– Eu vejo a imprensa sempre ressaltando a presunção de inocência. Esse cuidado evita o excesso de prejulgamento, mas o prejulgamento já existiu, porque a sociedade não soube compreender essa mensagem da mídia.

A morte de Isabella chocou todo o País e há quase três semanas tem ocupado as manchetes da imprensa brasileira. Cunha também analisa essa enorme exposição do episódio:

– Não há dúvida de que o Brasil é reconhecido por uma mobilização da imprensa e da sociedade quando o crime atinge a classe média e a classe alta, que então exige justiça. Inúmeras Isabellas morrem na classe pobre e não existe nenhuma mobilização.

Leia a entrevista com o promotor de justiça Rogério Sanches Cunha:

Terra Magazine – Até aqui, as investigações do caso Isabella foram bem conduzidas?

Rogério Sanches Cunha – Uma análise sobre o mérito da investigação, se foi ou não foi conduzida de forma correta, compete especificamente a quem participou da investigação. Então, eu não posso analisar o mérito do caso. Mas o que eu posso assegurar é que inúmeras Isabellas são mortas no Brasil e nós não vemos. Quem nos dera que nossa Polícia Civil fizesse esse trabalho que fez, ou seja, mobilizando toda a polícia científica, com aparelhos modernos e sofisticados para desvendar o que aconteceu. A Polícia Civil está de parabéns, pois entendeu a importância do caso, mas que fique claro que inúmeras Isabellas morrem por dia até em situações muito análogas. E nós não vemos uma mobilização até por falta de aparato e não por falta de vontade.

E qual o motivo de toda essa mobilização da Polícia no caso Isabella?

Não há dúvida de que o Brasil é reconhecido por uma mobilização da imprensa e da sociedade quando o crime atinge a classe média e a classe alta, que então exige justiça. Inúmeras Isabellas morrem na classe pobre e não existe nenhuma mobilização.

A exposição da mídia atrapalhou o processo?

Eu acho que a mídia tem agido com cautela. Lembro do caso da Escola Base, onde houve um prejulgamento equivocado, mas foi o suficiente para acabar com a vida de dois suspeitos. Agora, eu vejo a imprensa sempre ressaltando a presunção de inocência. Esse cuidado evita o excesso de prejulgamento, mas o prejulgamento já existiu, porque a sociedade não soube compreender essa mensagem da mídia. Eu gostaria de ver a sociedade parar de prejulgar, ou passar a prejulgar os políticos e parar de votar neles.

Independente do veredicto do delegado Calixto Calil Filho, responsável pelo caso, o senhor diria que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá já estão pagando sua pena perante a sociedade?

Essa não é uma pena da justiça. Essa pena imposta pela sociedade é uma pena totalmente inconstitucional pois fere o devido processo legal. A sociedade deve condenar moralmente o casal depois que a justiça, monopólio do Estado para punir, decidir se eles são ou não culpados. Tudo caminha para a responsabilização do casal, porém, eles têm o direito de defesa.

Hoje Isabella completaria 6 anos de idade, e esse dado será usado no novo depoimento dos acusados. Como o senhor enxerga essa exploração emocional no processo de investigação?

A tática da investigação, se ela não é cruel, não é desumana, não é degradante, não traz provas obtidas por meios ilícitos ou ilegais, qualquer tática, seja ela qual for, é bem-vinda. Todos queremos saber a verdade. Antigamente se falava que a polícia torturava, isso é repugnante. Agora, utilizar uma data que pode causar no casal uma maior emoção e com isso afrouxar uma defesa natural e acabar obtendo uma confissão, ainda que indireta, é muito bem-vinda. É a polícia atuando com inteligência e nós temos que ovacionar esse tipo de comportamento.’

 

Claudio Leal

Populares gritam ´Assassinos!´. E sorriem, 18/4

‘´Assassinos! Assassinos!´. Uma senhora se enrosca num poste e dá uma parcela de sua voz: ´Assassinos!´. Berros do coro greco-paulista em novo clímax da tragédia da garota Isabella, que caiu do apartamento do pai, na zona norte de São Paulo, em 29 de março. A rua do 9º DP, no bairro do Carandiru, volta a ser palco, e tribunal.

Alexandre Nardoni, o pai de Isabella, entra na delegacia aos empurrões de policiais do GOE (Grupo de Operações Especiais); na seqüencia, Anna Carolina Jatobá, aos solavancos, sob idêntica provação popular. Potentes carros da polícia paulista envolvidos na operação sugerem que a segurança pública da capital se limita, hoje, ao depoimento-espetáculo. Ao castigo de um crime ainda não esclarecido.

Quatro helicópteros de emissoras de televisão compõem o cenário. O barulho das hélices traz uma música de fundo à catarse.

No momento da chegada do pai e da madrasta, suspeitos da morte de Isabella, a platéia exibe uma contradição, daquelas atordoantes: os populares sorriem enquanto gritam ´Assassinos!´. Senhoras acenam para as câmeras.

– Estamos famosos! – grita um garoto, com o celular na mão.

E mais ´assassinos!´. Outros sorrisos. Inseparáveis. O casal já entrou na delegacia, mas a folia do depoimento ainda motiva gritos. Jornalistas se encaixam em qualquer fresta suficiente para registrar o menor movimento. Habilidade semelhante à de um atirador de elite. O número de repórteres, cinegrafistas, produtores e fotógrafos, às 10h40, supera o de curiosos. Os julgamentos se sucedem.

– Quero falar, quero falar! Trabalho muito pra sustentar meus filhos e aqueles vagabundos, ricos, matam a menina. E ela é a assassina – depõe voluntariamente uma ambulante ao canal de TV.

No final da manhã, o noticiário da televisão, o cenário da rua do 9º DP e o plantão jornalístico na casa dos Nardoni demonstram que a morte de Isabella virou algo além de um crime. E o sorriso já uniu à sentença.’

 

Diego Salmen

Vizinha: cobertura do Caso Isabella ´parece show´, 18/4

‘O café da manhã na padaria já sinaliza que o dia será diferente:

– Esse pai não tem nada na cabeça – comenta uma mulher, saco de pães na mão.

O pai, no caso, é Alexandre Nardoni, suspeito de ter matado a própria filha, Isabella, de 5 anos – atirada do 6º andar de seu apartamento na zona norte de São Paulo.

Nesta sexta-feira, 18, Alexandre e Anna Carolina Jatobá, mulher de Nardoni e madrasta da vítima, prestam depoimento sobre o caso no 9º Distrito Policial do Carandiru, também na zona norte da capital paulista.

Em frente à delegacia, uma manada de repórteres, cinegrafistas e produtores à cata de informações. São mais de 30 carros de reportagem; estima-se mais de 100 profissionais em ação. Câmeras, gravadores e microfones em punho, trocam idéias entre si enquanto esperam, pacientemente, pela chegada do casal.

´Parece um show´, critica a cabeleireira Jerry, dona de um salão em frente ao distrito e que vem sendo utilizado pela imprensa para a captura de imagens no local. Na assistência, quatro helicópteros sobrevoam a área em busca do melhor ângulo.

Jerry cobrou aproximadamente R$ 500 de cada uma das equipes instaladas na varanda do estabelecimento. ´É, foi por aí´, desconversa sobre o valor, rindo. Estavam presentes Gazeta, Band, Globo, Record e Grupo Estado.

– Assim dá pra tirar um pouco do prejuízo; o movimento caiu uns 80% desde que começou essa coisa toda aqui – lamenta. O salão está fechado à clientela.

Observações midiáticas

Os repórteres estão separados da multidão por uma faixa de segurança. Dispõem de uma tenda com água mineral à vontade.

Também na casa dos três dígitos, populares observam atentamente a movimentação dos jornalistas. Enquanto isso, comentam a morte da menina Isabella:

– Tem que matar tudo esses p… – diz um deles.

– Só vim aqui pra ver a movimentação e a cara da desgraçada – conta uma mulher para as câmeras do SBT.

– Se eu pudesse, dava um soco no meio da fuça dela – brada, em referência a Anna Carolina Jatobá.

Cabelos vermelhos, rugas que denunciam seus quase 50 anos e bolsa em mãos, dona Márcia faz um paralelo para justificar sua indignação:

– Teve aquela moça que ficou sei lá quanto tempo presa por causa (do roubo) de uma margarina. Só porque é rico, o casal tá embaçando; se fosse pobre, já tava fedendo na cadeia – critica.

– Se eu não sair na TV, vou desligar tudo essas câmera aí – ameaça outro, para em seguida fazer uma observação midiática do caso:

– Dá um Ibope do caramba…

Água e chapéu

João e Chico vendem chapéus e cintos em frente ao DP por R$ 15 cada. Os chapéus são de lona, os cintos de couro. Ele não contava, no entanto, com a avareza da classe jornalística. ´Não vendeu nada´, resigna-se João.

– Olha a água, água, água! Água é R$ 1,50 e refrigerante é R$ 2, olha a água, água, água – grita outro vendedor.

Uma repórter da RedeTV! pede uma entrevista. Ele se nega.

– Fala pra gente vai, a gente não tá aqui pra acusar ninguém – insiste a jornalista, enquanto outro colega, desanimado, reclama.

– Que que eu tô fazendo aqui?

Confusão

São 10h30, horário marcado para o depoimento de Alexandre e Anna Carolina. Apesar do excesso de gente, reina a mais absoluta tranqüilidade e cordialidade em frente à delegacia. Transmitindo ao vivo, um radialista contesta:

– Muita confusão aqui no distrito…

Com quase meia hora de atraso – provocado pela confusão na saída da casa de Antonio Nardoni, pai de Alexandre -, o casal enfim chega para prestar depoimento. Cadeiras e escadinhas a postos, cinegrafistas e fotógrafos enfileiram-se à grade de ferro que os separa do distrito. Alguns colegas os acompanham das janelas e telhados nas residências e prédios vizinhos.

A multidão, catártica, grita:

– Assassino! Assassino! Assassino!

– Há um grande clamor popular – narra o radialista. Depois, lamenta:

– Infelizmente, parece que a população já fez seu julgamento.

O depoimento começa. Mas o dia não acabará cedo para a maioria dos profissionais de imprensa que ali estão. ´Você tá armado de guarda-chuva aí?´, pergunta uma produtora ao telefone.

– É porque esse sol é de chuva, viu.’

 

GREVE
Francisco Viana

O exemplo do Le Monde, 19/4

‘O Le Monde, de Paris, está em greve. Protesta contra a demissão de funcionários. Desde de 1976 não acontecia nada semelhante. Não vou falar da greve do Le Monde, mas do seu significado simbólico. No dia seguinte à queda do Muro de Berlim, as companhias fizeram soar o toque de avançar do neoliberalismo. Isto significou a transformação da política em algo abstrato. O individuo pode se manifestar, o coletivo não.

Com isso, toda a energia do trabalhador foi canalizada para a lucratividade máxima. A produtividade máxima. Voltou-se à época da primeira revolução industrial, só que acondicionada na pós-modernidade computadorizada. Os mecanismos de controle passaram a ser invisíveis: a competição por carreiras, os orçamentos centralizados nas matrizes, as metas muitas vezes inalcançáveis, as pressões de toda ordem contra qualquer ambição associativa. Aboliram-se os limites da vida privada e o ambiente de trabalho estendeu-se por toda parte. É fonte de angústia e prazer, mais angústia do que prazer. Substitui a família, o lazer, o amor, o ´eu´.

Rompidos os laços de solidariedade, o capital tornou-se a força absolutamente dominante, ao ponto de conseguir tirar de cena palavras como capitalismo e burguesia. Não é verdade? Hoje, fala-se não mais em capitalismo, mas em mercado. Fala-se em gestores, investidores, executivos. A burguesia tornou-se quase uma relíquia histórica. Em síntese, modelou-se novos padrões culturais, novos continentes de poder, uma concepção de produção que abstrai o labor abstrato de toda a cadeia produtiva para colocar em seu lugar a miragem de uma suposta força do indíviduo.

Caiu o Muro, o mundo tornou-se uma Roma sem Cartago. Quer dizer, sem visão crítica. Sem alternativa à realidade imposta pelo universo das corporações. O exemplo que vem do Le Monde mostra que é possível haver um renascimento, um relacionamento dialético entre os imperativos da globalização e os imperativos da construção de relações humanísticas no ambiente das companhias. A greve é contra a demissão de 130 funcionários. Uma greve de solidariedade, melhor dizendo.

No Brasil precisamos retomar esse caminho. Dizer não a uma lógica que ninguém quer – a lógica da desumanização em prol do capital -, mas que expressa a vontade de todos, na medida em que existe porque todos se mantêm em silêncio. Essa visão crítica bem que poderia ter a bandeira dos partidos que se alinham em defesa do progresso e da democracia. Há alguns dias os jornais publicaram noticias informando que o brasileiro trabalha sete meses por ano para pagar dívidas. Se somados aos outros quatro meses que trabalha para pagar impostos, são 11 meses perdidos.

Portanto, onze meses sem gerar riqueza com o valor do trabalho. Por que os partidos políticos, em lugar de mensagens vazias como as que caracterizam os programas eleitorais, não usam seus espaços para educar o cidadão? Por que não colocam em prática o discurso crítico desvendando a porção invisível do crédito fácil e abundante, do consumismo irracional, de um narcisismo que nada constrói?

É esse um dos grandes desafios da campanha política que se aproxima. Os comunicadores precisam estar mais atentos para a realidade profunda da sociedade. Deixar a mesmice do marketing e trabalhar para apresentar propostas concretas a esse mal estar oceânico que inibe avanços socais e nos vende a ilusão de que estamos bem, só porque a economia emite tíbios sinais de vitalidade. Se preponderar a visão critica, veremos que o Estado precisa ser revigorado e a política voltar a ocupar posição central na vida da sociedade. É o que os funcionários do Le Monde expressam ao dizer não. Não à demissão dos colegas. Não à Roma sem Cartago.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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