Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Terra Magazine

TECNOLOGIA
Silvio Meira

latitude e privacidade

‘juliana carpanez, do G1, produziu uma reportagem muito legal sobre o novo serviço de google, latitude, que anuncia para o mundo [se você permitir] onde é que seu celular está.

o esquema tem óbvias vantagens e desvantagens nem tão óbvias assim. para montar a conversa, juliana entrevistou andré lemos, bia kunze, ethevaldo siqueira e o autor deste blog. vá lá no G1 ver o trabalho dela, que mostra muito bem um apanhado das respostas dos entrevistados.

abaixo, a partir das perguntas de juliana, as minhas respostas, na íntegra. leitores habituais do blog hão de notar que, ao contrário do texto corrente aqui, o material enviado para o G1 usa a grafia normal do português [como eu escrevia quando estava por lá], com maiúsculas e tudo mais…

Juliana Carpanez, G1: Com a ferramenta do Google, o usuário tem controle sobre sua privacidade (ele pode optar por não mostrar a determinadas pessoas onde está). Ainda assim, você considera o serviço invasivo? Por quê?

Silvio Meira: Imagine que empresas -e pessoas- interessadas na sua localização tenham um pouco mais do que apenas interesse, tenham algum tipo de poder, ou capacidade, para impor que sua localização seja conhecida por elas… Daí, de que adianta você ‘poder’ controlar sua privacidade se, de fato, não ‘poderá’? Isso pode acontecer em casa, nas empresas, na escola, nos relacionamentos…

JC, G1: Com esse serviço, o usuário só será localizado por pessoas conhecidas (que, teoricamente, não representam uma ameaça à segurança). Dessa forma, acredita que só deve se preocupar com o uso do Google Latitude aquele que tem algo a esconder (por exemplo: mente para o chefe ou para a esposa sobre seu paradeiro)?

SM: O argumento ‘só quem tem algo a esconder’ é equivalente a dizer [segundo Daniel Solove, em ‘I’ve Got Nothing to Hide’ and Other Misunderstandings of Privacy] que todos têm algo a esconder; quem pensar que não tem que se imagine fotografado nu, na privada, e a foto publicada no G1. Assimetria de informação [nem eu nem ninguém que se relaciona comigo sabe de tudo um do outro] é parte essencial da infraestrutura de relacionamento da humanidade. Privacidade é um assunto muito sério e essencial para todos e devemos nos preocupar -sempre- com ela antes que a percamos e tenhamos que lutar para recuperá-la.

JC, G1: Por enquanto, esse tipo de serviço ainda é uma novidade e muitos resistem a ele, principalmente por causa da privacidade. Mas você acredita que, com o tempo, as pessoas se acostumarão com essa forma de monitoramento e se preocuparão menos com a privacidade (assim como aconteceu com as redes sociais, onde os usuários freqüentemente expõem muitas informações pessoais a seus conhecidos)?

SM: Eu acho que muita gente vai se surpreender, no médio e longo prazo, com a volta à tona de suas inconfidências juvenis na rede. Há um texto meu no G1, onde cito Viktor Mayer-Schönberger [este link, de 2007], que defende a tese de que os sistemas de informação [como as redes sociais e os bancos de dados do governo sobre nossas histórias e vida] devem, necessariamente, esquecer. Acontece que as tecnologias para captura, publicação, armazenamento, replicação, busca e disseminação de informação, combinadas na rede nos últimos anos, criaram uma nova capacidade: a incapacidade de esquecer. Nunca, em nenhuma época, ninguém teve tanta informação sobre tantas pessoas e seus hábitos como certas empresas -e sistemas de governo- estão começando a ter, na rede. Provavelmente mais tarde do que cedo, as pessoas vão se preocupar com sua privacidade.

JC, G1: Que tipo de utilização esse serviço terá, se ele for além do monitoramento gratuito de amigos? Acha que ele pode ser realmente útil para seus usuários?

SM: Sim, muita gente vai querer saber por onde andam seus filhos, empresas de transporte [de todos os tipos, inclusive taxi] vão querer saber onde estão seus veículos, vamos querer saber onde estão nossos celulares e laptops, mas isso pode ser feito por serviços de localização vários, e não necessariamente por este, de Google. Localização, em escala e de qualidade industrial, está aí há muito tempo e já é usado por empresas de segurança, transportes, governo… A ‘novidade’ do serviço do Google é tornar uma pequena parte das funcionalidades disponíveis em serviços, digamos, profissionais, com uma precisão de localização bem menor, para um número potencialmente muito maior de pessoas.

JC, G1: Assim como os usuários aprenderam (ou ainda estão aprendendo) boas práticas no uso de telefones celulares e internet, o mesmo deve acontecer com esse serviço de localização, se ele se popularizar. Por isso, propomos um exercício de futurologia de como será o uso adequado da ferramenta (naquela linha de ‘netiqueta’). Abaixo, as situações e gostaria que você dissesse qual sua opinião sobre como proceder em cada caso.

JC, G1: Em que situações o usuário deve deixar o localizador ativado?

SM: Quando realmente quiser ser encontrado. Para muitas pessoas e seus grupos, pode ser sempre; para outras, nunca… Eu acho que localização, na verdade, deveria ser um botão de emergência, para ser usado em situações bem particulares.

JC, G1: Em que situações ele precisa desativá-lo?

Em todas as situações em que a informação sobre sua localização, disseminada para o conjunto de pessoas que pode ter acesso a ela, for comprometer sua privacidade ou a assimetria de informação que lhe protege e às suas histórias. Imagine que você está atrasado para um compromisso e diz pra alguém, X, que está num engarrafamento; X conhece Y, que tem acesso à sua localização… X liga pra Y e por acaso descobre que você, na verdade, dormiu demais… Você vai precisar desligar a informação sobre sua localização em MUITAS situações.

JC, G1: Em que casos alguém (familiar, amigo, colega de trabalho) pode efetivamente cobrar que um usuário do Google Latitude deixe o serviço habilitado?

SM: No meu entender, quase nunca… pelo menos no caso de pessoas emancipadas. Consigo imaginar meu filho de sete anos tendo um localizador ligado… com uma interface não invasiva que me avise se ele sair da rota [onde deveria estar]. Fora isso…

JC, G1: Se o usuário deixar o localizador desativado e for cobrado por isso (mulher, chefe…), o que deve dizer?

SM: Que o serviço estava fora do ar, que seu celular estava com problemas… tudo o que já se diz quando alguém liga e você não quer atender. Uma operadora, por aqui, tinha um serviço que avisava, pra quem lhe ligava quando o celular estava fora do ar, quando você entrava na cobertura ou ligava o celular… Popularidade do serviço? Zero. Isso diz muito sobre o que dizer se você não for localizado…

JC, G1: O localizador do Google permite que o usuário mostre estar em um lugar onde não está. Em que tipos de situação essa ferramenta deve ser usada?

SM: Isso é tecnologia a serviço da mentira… deve ser usada apenas por gente que precisa esconder sua localização e, por outro lado, tem uma memória muito boa e muita sorte. Mudar de um ponto, em São Paulo, para outro, muito longe, às vistas de quem está lhe observando de longe… vai parecer teletransporte. Por outro lado, chegar em casa e o serviço estar lhe mostrando no trabalho vai dar uma bandeira monumental.

JC, G1: Um amigo permite que você veja a localização dele, mas você não quer que ele saiba a sua (o equivalente a não aceitar um pedido de ‘amizade’ no Orkut). O que fazer nessa situação? Se explica, aceita ou simplesmente deixa quieto?

SM: O mesmo que acho que a maioria das pessoas já faz nas redes sociais… Um monte de gente quer se relacionar com você e você… bem, escolhe com quem se relacionar, ficando quieto em boa parte das vezes. O silêncio, na maior parte dos casos, é uma ótima explicação.

JC, G1: Se o usuário mente sobre sua localização, deve desativar o serviço ou fazer com que o localizador mostre o lugar onde ele disse que estaria (ou seja: o localizador deve ‘compactuar com a mentira)?

SM: É muito difícil mentir consistentemente, por muito tempo, pra muita gente. Já é muito complexo, por um número de razões, mentir sobre onde se está. Imagine controlar a tecnologia que habilita a mentira de forma consistente. Dia destes eu vi uma pessoa, num banheiro de aeroporto, dizer pra outra que estava no escritório… exatamente quando anunciaram bem alto o embarque de um vôo… pense no problema. Não vai dar muito certo não…’

 

 

CRISE
Rose Amanthéa

Sobre crises, comunicação e Gramsci

‘É de Gramsci, certamente, uma das melhores definições existentes para crise, palavra tão em evidência na mídia e no mundo. Diz o filósofo italiano, ela consiste ‘precisamente no fato de que o velho esta morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem’. Nada mais atual e mais universal. Aplica-se perfeitamente ao cenário que temos assistido, onde o esfacelamento das bases de um sistema financeiro calcado numa ética elástica e imediatista põe na berlinda os valores da ordem vigente e obriga a uma reflexão profunda sobre os novos caminhos da organização econômica.

No âmbito das corporações, as crises que se sucedem cotidianamente, expondo nas páginas dos jornais as diversas facetas, inconsistências e, não raro, as contradições existentes em seu interior, constituem, em essência, um sinal de alerta para a evidente necessidade de ajuste de rumos e de superação de um antigo modelo. O movimento, em si, não é novo. As crises são cíclicas na historia da humanidade e empurram a sociedade para transformações. O que impressiona nos dias de hoje é a dimensão e a velocidade com que abalam – e algumas vezes destroem – ícones de sustentabilidade e de reputação.

O consultor Francisco Viana, com vasta experiência na gestão de crises de comunicação, aponta em seu recém-lançado livro sobre o assunto, um dos principais fenômenos responsáveis pelas situações dramáticas vividas pelas organizações, estampado em seu próprio título: ‘A surdez das empresas: como ouvir a sociedade e evitar crises’. A tese defendida pelo autor é simples, mas impiedosa: a estrutura das companhias – espelhadas no Exército e da Igreja – tornou as empresas incapazes de ouvir o que a sociedade democrática exige. Há um choque entre a imagem e reputação, um gap entre o discurso e realidade. Em suma, mudou-se a base produtiva, mas não há um sólido alicerce ético e moral para sustentar a mudança, em escala global. Pelo contrário, as companhias cada vez mais tendem a se esconder atrás da imagem e de argumentos jurídicos, esquecendo-se que não há imagem que resista à crítica da opinião pública, cada vez mais bem informada.

Além de uma visão histórica das primeiras crises da era pré-capitalista, Viana relata e analisa experiências práticas em crises recentes. A reflexão histórica começa desde experiência da Companhia das Índias Ocidentais – que por dois séculos dominou os negócios do mundo e terminou com uma simples penada do governo inglês, cansado de vê-la ambicionar ser maior que o Estado. Relata também, em detalhes, o histórico case do grupo Rockfeller – protagonizado por seu líder, David Rockfeller -, que deu origem à comunicação corporativa nas empresas modernas. Graças à comunicação associada com mudanças no modelo de negócios, o empresário deixou de ser o inimigo número um da América para transformar-se no herói do mundo dos negócios. Já na atualidade, no case inédito é o da Bombril, empresa que, dona da marca mais lembrada pelos brasileiros, passou a assídua freqüentadora das páginas policiais, por força dos escândalos que marcaram a gestão de gestão do seu antigo controlador. Ao lado do executivo nomeado para a administração judicial, José Bacellar, o autor conta como a aliança entre qualidade de gestão e qualidade da comunicação levou a Bombril a recuperar a confiança de clientes, investidores, da sociedade e também da mídia.

Mais do que informação de qualidade e compartilhamento de experiência, o livro serve de importante referencial para nossa reflexão, como comunicadores. Não apenas para nortear nossas ações cotidianas, mas, sobretudo no pensar estratégico da comunicação, aliada de um plano de negócios e condutora do alinhamento entre discurso e prática, entre os valores éticos da organização e as ações efetivas desenvolvidas junto a clientes, fornecedores e comunidades onde nossas corporações estão inseridas. Convoca-nos, enfim a assumir a responsabilidade devida neste interregno, na transição gramsciana entre o velho e o novo modelo de organização.

Em tempo: ‘A surdez das empresas: como ouvir a sociedade e evitar crises’, que chega às livrarias na próxima semana, editado pela Lazuli, inclui um case inédito: ‘Bombril, Das páginas policiais à recuperação econômica’, relatado por José Bacellar, executivo que comandou a administração judicial da empresa. No case da Bombril, José Bacellar relata uma experiência singular: como a aliança entre qualidade de gestão e qualidade da comunicação levou a Bombril a recuperar a confiança de clientes, investidores, da sociedade e também da mídia. Ressalta que a companhia, embora fosse um símbolo da cultura brasileira – devido em grande parte ao sucesso conquistado com a campanha do garoto Bombril, protagonizada pelo ator Carlos Moreno – não tinha experiência na área de comunicação corporativa. Bacellar soube tratar a comunicação como valor, harmonizando-a com a modernização da gestão.

O resultado é que a companhia, que chegou a assídua freqüentadora das páginas policiais, por força dos escândalos que marcaram a gestão de gestão do seu antigo controlador, Sérgio Cragnotti, voltou ao lugar onde permanece nos dias atuais e de onde nunca deveria ter saído: as páginas do noticiário econômico. ‘A Bombril contava a seu favor com uma excelente imagem, fortalecida pela popularidade da marca, mas carecia de alicerce consistente de relacionamento com a mídia. Consequentemente com sua reputação ameaçada porque todos estavam falando muito mal dos seus negócios, mesmo com as mudanças feitas pela administração judicial. O trabalho de torná-las visíveis foi decisivo para que a sociedade ficasse informada do que realmente estava acontecendo. Nosso grande trunfo foram os fatos’, conta José Bacellar.

Também conta com artigos de Leonardo Mancini, professor da ESPM-RJ e de Matheus Furlanetto, gerente de Relações Públicas da ABERJE. São, ao todo, quatro capítulos que se somam para traçar um amplo painel das diferentes formas de crise de comunicação que hoje abalam as empresas.

Rose Amanthéa é jornalista e Diretora da Pallas Comunicação’

 

 

 

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