Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Todd Gitlin

‘A mídia está sob ataque – de novo (e de novo). Na semana passada, a CBS News foi punida oficialmente por Louis Boccardi, ex-presidente da Associated Press, e por Richard Thornburgh, ex-procurador-geral dos EUA, por reportagem falha seguida de obstrução sobre o histórico de George W. Bush na Guarda Nacional Aérea. Como resultado, vários executivos e produtores foram defenestrados. Em 2003 e 2004, respectivamente, os principais editores do jornal The New York Times (NYT), Howell Raines e Gerald Boyd, e Karen Jurgenson, do USA Today, caíram por ignorar (em vez de vigiar) as mentiras em série de seus funcionários Jayson Blair e Jack Kelley.

Enquanto isso, a esquerda acha que a grande mídia inflou as histórias sobre as armas iraquianas e as fraudes das lanchas rápidas – até o editor do NYT aceitou a primeira acusação – e a direita, que a mídia defendeu John Kerry na eleição do ano passado. Não se encontra praticamente ninguém, em nenhum dos lados, para defender o comentarista Armstrong Williams por ter recebido US$ 240 mil do Departamento de Educação para promover o programa governamental Nenhuma Criança Deixada para Trás.

Entretanto, a circulação dos jornais despenca ano após ano, assim como a audiência, cada vez mais velha, dos noticiários das redes de TV. É como se o público desse um voto de censura às antiquadas instituições noticiosas – certamente é nisso que a Fox News faria o público acreditar.

Alguns chegam ao ponto de sugerir que o próprio ideal da notícia imparcial, inteligente e abrangente está e deve estar no lixo. Mas os rumores da morte da verdade – ao menos da morte da aspiração à verdade – em favor da mera ‘opinião’, ‘perspectiva’ ou ‘tomada’ são muito exagerados.

O ideal máximo do empreendimento noticioso americano – o de que existe isso que chamamos de jornalismo objetivo – persiste em meio às terríveis pressões para que se tomem atalhos na cobiça míope da vantagem competitiva. Apesar das evidentes fragilidades do jornalismo dominante, até mesmo aqueles que operam à sua margem – bloggers, articulistas e até alguns dos setores mais opinativos da televisão a cabo – ainda dependem totalmente dele e acreditam colher dele alguma verdade (onde estariam Bill O´Reilly ou Al Franken sem um jornal diário?).

E é assim até para a reportagem do escândalo no meio noticioso. Se você é um dos muitos que, por uma razão ou outra, duvidam que a CBS News, digamos, seja objetiva, ou chegam ao ponto de argumentar que, para começar, não existe essa tal objetividade, não recorra ao relatório Boccardi-Thornburgh para confirmá-lo.

Na verdade, o relatório ilustra o oposto. Boccardi, Thornburgh e seus advogados colaboradores se basearam em fundamentos jornalísticos para tentar chegar ao fundo do que deu errado na CBS News. Eles entrevistaram fontes, analisaram suas motivações, discutiram com especialistas, tentaram resolver discrepâncias. E fizeram alegações factuais, perguntando por que e também como, o que, onde e quando. Eles não foram irrefletidos – investigaram. Tampouco foram culpados pela ‘ânsia míope’ por um furo, de que acusaram convincentemente os produtores do programa. Eles buscaram não atitude, mas a verdade.

Numa de suas afirmações menos notadas, também admitiram parte do que não sabiam. Eles não foram ‘capazes de chegar a uma conclusão definitiva sobre a autenticidade dos documentos de Killian’ – a controversa base para o grosso da notória reportagem no 60 Minutes Wednesday. E também podem ser criticados justamente – como grande parte do jornalismo em geral – por se recusarem a ir além da história imediata a fim de ligar os pontos. No furor em torno dos documentos de Killian, deixaram de lado uma montanha de outras evidências sobre as irregularidades do histórico de Bush na Guarda Nacional Aérea.

Ainda assim, dentro de seu limitado privilégio, eles honraram a crença jornalística de que reportagens mais abrangentes são preferíveis às menos abrangentes; o exame cético das fontes, à credulidade; o contexto, à declaração curta.

Esses ideais de veracidade, que estão no coração do jornalismo como o conhecemos nos EUA há muito tempo, persistem – até mesmo entre uma população que, dizem, se tornou furiosamente cética ou indiferente. O noticiário das emissoras abertas, que ainda almeja a objetividade (embora em geral caia na armadilha da superficialidade), ainda atrai cerca de 30 milhões de espectadores todas as noites – na Fox, em horário nobre, a média é de menos de 2 milhões para seus programas exuberantemente mais opinativos.

Em outras palavras, como acontece com a hipocrisia, o vício e a virtude, as recentes controvérsias são o tributo que a exposição da má reportagem rende ao mérito e à possibilidade da boa matéria. A crença na objetividade (por mais retorcida que uma definição rebuscada possa ser) persiste – até mesmo, perversamente, naquele falso slogan da Fox News, ‘justa e equilibrada.’ Ataquem a CBS News o quanto quiserem – mas em nome do melhor jornalismo, não do vencer no grito.

Todd Gitlin é professor de Jornalismo e Sociologia na Universidade de Colúmbia’



William Safire

‘A imprensa deprimida’, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 19/1/05

‘A mídia de qualidade dos Estados Unidos atravessa hoje o vale de lágrimas. Nossa autoflagelação, angústia e narcisismo ameaçam nossa missão de atuar como contrapeso do poder governamental. Ouçam os lamentos. Os bloggers estão chegando! Aqueles que brandem a Bíblia amaldiçoam nossa desumanidade secular! Os juízes encanadores estão tampando nossos vazamentos! As notícias se tornam furtivamente tendenciosas, pois o preconceito mostra suas garras! Animem-se. Apesar dos recentes lapsos na CBS e infortúnios anteriores no New York Times e USA Today, eis porque o grande jornalismo tem futuro:

1. Sobre o desafio dos bloggers: a plataforma – mídia impressa, TV, internet, telepatia, o que for – mudará, mas a fome do público de informações confiáveis crescerá. Os blogs vão competir com as colunas de opinião pelas ‘opiniões úteis’ e os melhores emergirão para fornecer análises sérias e informações novas, algum dia prosperando com anúncios e assinaturas. Nos eventos nacionais ou globais, no entanto, o consumidor de notícias precisa de repórteres treinados presentes na cena para transmitir os fatos e de editores dignos de confiança para julgar sua importância.

2. Sobre o ressentimento de vozes culturais e religiosas com o elitismo da mídia: eles não são loucos. Suas opiniões sobre as células-tronco e o casamento entre pessoas do mesmo sexo são notícia, e não um ataque à separação entre Igreja e Estado. Mas os seculares sensatos da grande mídia não precisam sentir-se na obrigação de serem justos com a religião. Tudo bem dizer ‘feliz Natal’ no fim de um noticiário sem se preocupar em fazer saudações semelhantes para o Ramadã, o Chanukah, e todo o resto.

3. Sobre os juízes que mandam prender jornalistas por se recusarem a revelar suas fontes: a grande mídia tem bons motivos para se revoltar por ser atacada injustamente e nenhum para ser deprimida e dócil por medo de parecer egoísta. Se a imprensa não pode prometer às fontes que elas não serão traídas, a cobertura deixará de ser resoluta e desimpedida; a corrupção não será noticiada.

Mas por que a grande mídia precisa estar sozinha na resistência a este assalto judicial contra o direito das pessoas de saber dos crimes? Onde está a profissão legal, que deveria não só enxergar perigo num Judiciário sem freios, mas também saber que é a próxima na fila para perder grande parte de seu privilégio de confidencialidade com os clientes? E onde estão os religiosos, que podem ser acusados de contumácia por não testemunhar sobre penitentes envolvidos em peculato?

4. Sobre a sensação da grande mídia de que o presidente Bush não dá a mínima para ela: pior para ele do que para nós. Ele pode fazer um segundo discurso de posse empolgante, mas ainda não parecer disposto a responder a perguntas. A razão: Bush realiza entrevistas coletivas trimestrais, e não mensais, como é tradicional. Esta falta de treino lhe custa familiaridade com as questões. Como mostraram os debates, Bush melhora com a prática.

5. Sobre a suspeita disseminada de tendência política na cobertura noticiosa: a boa notícia é que a má notícia é mais notícia que a boa. Mesmo quando tenta ser ‘justa e imparcial’, a mídia provavelmente irrita, e não agrada, o partido no poder. Isso porque o governo limpo precisa de um adversário bisbilhoteiro, não de uma líder de torcida; os que estão fora do poder precisam da ajuda da imprensa para fazer os que estão dentro prestar contas.

Hoje, a tendência da mídia é inegavelmente liberal. Isto é natural quando os conservadores estão no poder. Há cinco anos, era o contrária. Quando as futuras eleições se aproximarem, essa inclinação precisará desaparecer do noticiário, para que os eleitores a determinem. Alguns jornalistas da grande mídia falharam na imparcialidade requerida na eleição de 2004 e deveriam agradecer pelo duro ataque corretivo de outras mídias, bloggers e direitistas íntegros. Saiam deste vale, aconselha o sábio: o jornalismo digno do Pulitzer está logo ali.’



LIBÉRATION
Reali Júnior

‘Rothschild no capital do `Libération´’, copyright O Estado de S. Paulo, 22/1/05

‘Grupo financeiro adquire 37% de participação no jornal francês e anuncia investimento inicial de US$ 20 milhões

Desde quinta-feira, 37% das ações do jornal fundado pelo filósofo de esquerda Jean-Paul Sartre, o Libération , pertence a um importante grupo financeiro francês, o dirigido por Edouard de Rothschild.

Quando de sua fundação, em 1973, na cauda do movimento de maio de 1968, poucos poderiam imaginar que, quase 40 anos depois, esse matutino nascido da contestação passaria a ter o grupo Rothschild como um de seus principais acionistas.

Inicialmente, o investimento feito pelo grupo Rothschild é limitado – apenas US$ 20 milhões – mas, trata-se unicamente do início de uma parceria que deverá se desenvolver nos próximos anos.

Diante da gravidade da crise que atravessa a imprensa escrita, a decisão de transferir 37% das ações para esse grupo foi assumida pelo voto de 57% dos assalariados que constituem a sociedade do pessoal e que conserva uma minoria de bloqueio. O jornal contratou também um empréstimo de 3 milhões para poder enfrentar suas dificuldades de caixa mais urgentes.

VIDA NOVA

Descrito como um homem de negócios atípico, o próprio Edouard de Rothschild admite que esse é o começo de uma nova vida , mas seus planos em relação a esse jornal continuam mal definidos e pouco transparentes.

De qualquer forma, os jornalistas do Libération garantem que o ingresso do grupo não altera o conteúdo do jornal. Apesar disso, Edouard de Rothschild afirma estar disposto a desempenhar plenamente seu papel de acionista em matéria de gestão financeira, reafirmando que ‘o jornal representa uma marca forte, dotado de uma grande notoriedade’.

O novo acionista prefere, por enquanto, falar pouco, mas mostra-se confiante no futuro dos jornais: ‘ Não acredito na morte da imprensa. O sucesso dos gratuitos prova a disposição de manter a tradição da imprensa escrita. ‘

Para Rothschild, a partir de agora, vai ser preciso fazer com que as pessoas comprem mais os jornais ao lado dessa informação gratuita.

Ele tem repetido o desejo de respeitar integralmente a independência da redação, mas pretende também desempenhar plenamente seu papel de acionista. A seu ver, ‘a ruptura com o passado não é total’ , convencido de que as atividades de um banco de negócios e as da imprensa podem ter aspectos semelhantes e que tudo depende dos homens que participam do processo.

Edouard de Rothschild, antigo banqueiro, gosta da imprensa e não é um desconhecido no setor, pois aconselhou diversas operações financeiras do jornal Le Monde , cujo capital conta também, hoje em dia, com a presença de um outro grupo importante, o de Jean Luc Lagardère, que, desde sua morte, está sendo dirigido por seu filho, Arnaud Lagardére.

O ano de 2004 constituiu um marco significativo com o controle de 82% da Socpresse ( Le Figaro ) pelo grupo Dassault ( aeronáutica e armamento ).

Com essa operação, a Dassault reúne hoje 70 publicações, além do Le Figaro, títulos como o Express, L’ Expansion , mas numerosos outros regionais como a Voix du Nord e o Le Progrés.

LAGARDÉRE E PINAULT

Dassault é hoje um dos grupos de maior peso da imprensa francesa ao lado do grupo Lagardére, que controla numerosos outros títulos nacionais e regionais: Journal de Dimanche, Elle, Paris Match, Nice Matin, etc…, além de emissoras de rádio, Europe 1 , e de televisão, entre eles, a emissora por assinatura Canal Plus.

Um outro industrial , François Pinault, detém controle ou uma forte participação no semanário Le Point e no Magazine Literaire.

Os grupos familiares ainda resistem, como o responsável pelo diário Le Parisien, e o jornal esportivo L’Equipe, ambos controlados, com 75%, por Philippe Amaury. Mesmo o jornal comunista Humanité, desde 2001 fez apelos a grupos industriais – Hachette, por exemplo –, para reunir fundos que garantissem sua sobrevivência.

O Humanité lançou uma subscrição junto a seus leitores com o mesmo objetivo, quando das comemorações de seu centenário em 2004. Esta situação financeira desconfortável de numerosos jornais franceses deverá durar algum tempo, pois a recomposição da paisagem da imprensa francesa e de outros países da Europa ainda não chegou ao fim.’