Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Tom Zeller Jr.

"Pode ser que muitas pessoas, encarando o brilho emitido por suas televisões durante a madrugada, precisem de resgate. Poucas, porém, esperariam que uma televisão clamasse por ajuda.


No começo do mês passado, a televisão de Chris van Rossman silenciosamente apresentou um defeito, emitindo um sinal que ativou dois satélites, alertou equipes na Força Aérea em Langley, na Virgínia (EUA) e levou um grupo de policiais a baterem na porta do seu apartamento.


Ele foi aconselhado a desligar a televisão para evitar o pagamento diário de uma multa de US$ 10 mil por alarme falso. A Toshiba, fabricante do aparelho, está substituindo o sistema defeituoso.


A televisão -como geladeiras e aspiradores de pó- fazia apenas o que se espera de equipamentos elétricos: emitir energia. Mas alguns circuitos eletrônicos simplesmente passaram a gerar uma freqüência -121.5 megahertz- reservada a sinais internacionais de emergência.


A cada ano, milhares de sinais direcionam equipes de resgate pelo mundo. Com freqüência, os sinais levam não a uma emergência, mas a uma ativação acidental em avião ou navio, ou ao mau funcionamento de um aparelho.


Incidentes como o de Van Rossman têm atrapalhado o trabalho de busca e resgate que se baseia na freqüência de 121,5 MHz.


Especialistas dizem que, em 2009, quando as agências de resgate pararem de consultar a antiga freqüência, o objetivo é ter todos os sistemas de alerta emitindo um sinal digital em 406 MHz.


Embora o novo sistema não seja imune a alarmes falsos, seu sinal será distinguível da trepidação eletromagnética de um forno de pizza (sim, já aconteceu). ‘Vemos isso umas duas vezes por ano’, disse o major Allan Knox, do Centro de Coordenação de Resgates da Força Aérea dos EUA.


Em 2000, por exemplo, o sistema de emergência começou a receber semanalmente chamadas de um estádio no Arkansas, depois que um novo placar eletrônico foi inaugurado. Seu sistema de processamento de vídeo, aparentemente, estava emitindo sinais de 121,5 MHz.


Agências internacionais tentam prevenir o problema e garantir que tudo, seja uma babá eletrônica, uma estação de rádio ou um alerta, esteja nas faixas corretas. Contudo, a quantidade crescente de eletrônicos aumenta as chances de vazamento de sinais.


‘Não me surpreende que um aparelho de TV emita sinais em alguma banda que não deveria’, afirma Peter B. Ladkin, professor de ciências da computação na Universidade de Bielefeld, na Alemanha, que estuda interferências de sinais. ‘Isso acontece toda hora com aparelhos pessoais.’


Antes da década de 1970, encontrar um avião caído era como buscar uma agulha em um palheiro. Depois que um avião com dois políticos americanos sumiu no Alasca, o governo federal pediu que todos os aviões civis no país carregassem localizadores que emitissem sinais de emergência. Os localizadores iniciais foram programados para 121,5 MHz, freqüência usada por aviadores.


O sistema funcionava bem, mas o lançamento de satélites na década de 1980 tornou o sistema global. Antecipando a situação, EUA, Canadá, França e URSS formaram em 1979 uma organização chamada de Cospas-Sarsat e adotaram a freqüência de 406 MHz.


Com o sinal, é possível enviar um identificador digital que acelera o resgate e elimina alarmes falsos de, digamos, luzes de Natal.


A freqüência de rádio mais antiga, no entanto, ainda é muito usada e a Cospas-Sarsat monitora globalmente os dois canais. Mas o grupo tenta popularizar a nova freqüência e avisa que, a partir de fevereiro de 2009, nenhuma equipe vai responder o chamado feito pela outra freqüência.


Um fator que atrapalha mudança é o preço da aparelhagem nova: cerca de US$ 1.500, contra US$ 500 dos sistemas antigos.


A Força Aérea americana estima que 134 vidas a mais e milhões de dólares seriam salvos a cada ano se todos adotassem a freqüência de 406 MHz.


Não que o identificador digital elimine alarmes falsos. Apenas nos EUA, em 2003, 369 (ou 3%) de mais de 12 mil sinais errados emitidos na antiga freqüência provaram ser emergências reais. O índice não é muito melhor com a aparelhagem nova: de mais de 3.000 sinais captados em 406 MHz no ano passado, apenas 167 (ou 5%) eram situações de perigo."



OPERAÇÃO VAMPIRO

Delmo Moreira


"‘Sou inocente’", copyright Época, 1/11/2004


"Ele quase virou símbolo da Operação Vampiro. E comeu o pão que o diabo amassou. Reginaldo Muniz, ex-diretor da Fundação Nacional de Saúde, apareceu em maio como o segundo nome graúdo do PT envolvido na quadrilha especializada em roubar no Ministério da Saúde. O primeiro acusado foi Luiz Cláudio Gomes da Silva, chefe da Coordenadoria-Geral de Recursos Logísticos (CGRL) do ministério, petista de longa data, preso junto com outras 17 pessoas num arrastão da Polícia Federal.


Muniz, que tinha sido afastado preventivamente do cargo, era citado 11 vezes no inquérito da PF revelado por ÉPOCA em maio. Contra ele, havia uma gravação de conversa telefônica em que um dos vampiros presos, o lobista Laerte Corrêa Júnior, afirmava: ´Tudo aquilo que me foi prometido, que o Reginaldo falou que estava empenhado, aconteceu´. Além da citação, a PF identificava Muniz como receptador de uma remessa de R$ 723 mil, destinada a subornar funcionários públicos responsáveis pelas compras governamentais de medicamentos e hemoderivados. A Justiça Federal determinou o bloqueio de bens e da conta bancária de Muniz. ´Foi um soco no estômago´, relembra ele.


Quase cinco meses depois, nada foi provado contra Muniz. Nem sequer houve uma denúncia formal. Por isso, a Justiça já determinou o desbloqueio das contas. ´Não há motivos para a manutenção das medidas restritivas´, definiu o juiz federal Cloves Barbosa de Siqueira. Há duas semanas, Muniz, de 55 anos, economista, militante comunista nos Anos de Chumbo, pai de cinco filhos e avô duas vezes, comemorou a decisão numa mesa de bar em Brasília. Reuniu-se com colegas de trabalho que, segundo ele, o ajudaram a suportar os dias de suspeição pública.


Solidariedade não lhe faltou. Uma semana após as denúncias, centenas de amigos, sindicalistas e ativistas políticos de diversas entidades publicaram anúncios em jornais se manifestando em defesa de Muniz. A Coordenadoria Ecumênica de Serviço, organização que congrega representantes de cinco igrejas, chegou a divulgar uma nota classificando-o como ´vítima´ de armações e disputas no governo.


Neste mês, Muniz será reconduzido ao trabalho no Ministério da Saúde. Acredita que estará acabado, então, um dos períodos mais duros de sua vida. A seguir, os principais trechos de sua entrevista a ÉPOCA.


ÉPOCA – Restou alguma acusação contra o senhor?


Reginaldo Muniz Barreto – Não, nenhuma. Eu não fui chamado a depor, não sofri busca e apreensão, não fui indiciado pela Polícia Federal, não fui denunciado pelo Ministério Público e minha conta e bens foram desbloqueados. O único elo que, de alguma maneira, me ligava àquele processo foi extinto.


ÉPOCA – O senhor voltará, então, ao Ministério da Saúde?


Muniz – Devo voltar, sim, mas isso não é uma reivindicação. Apenas será coerente com a posição tomada pelo governo, pelo ministro Humberto Costa, de me exonerar preventivamente. Quero colaborar com este governo.


ÉPOCA – Não foi o senhor que pediu a exoneração preventiva?


Muniz – Coloquei a possibilidade de ser afastado para deixar o ministro livre, sem constrangimentos, no processo de investigação. Eu tinha sido o coordenador da CGRL de abril a junho de 2003. E o processo todo começou quando eu estava lá: fui eu que iniciei a denúncia, encaminhando-a à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao TCU.


ÉPOCA – Em que se baseavam as denúncias?


Muniz – Era em cima do caso dos hemoderivados, num processo de licitação iniciado em setembro de 2002, no final da gestão do governo anterior. No dia da abertura das propostas, logo que cheguei à coordenadoria, a Baxter (um dos laboratórios que concorriam) encaminhou uma denúncia dizendo que havia ocorrido a violação dos envelopes. Consultada a Consultoria Jurídica do ministério, decidiu-se abrir os envelopes sem violentar os lacres para serem periciados pela Polícia Federal. Era importante identificar os preços, até porque a Baxter poderia estar fazendo isso só para complicar o processo. Depois de algum tempo, a PF disse que havia indícios de violação num dos envelopes, o da quarta empresa colocada. Mas já que os preços tinham caído de US$ 0,41 para US$ 0,16 por unidade, o TCU autorizou a compra da empresa que tinha apresentado o menor valor, suspendendo-se o processo para uma nova licitação, pelo pregão. Aí eu já tinha deixado a coordenadoria, nomeado diretor do Fundo Nacional de Saúde.


ÉPOCA – O ministério já desconfiava de vício nas compras de hemoderivados?


Muniz – Estávamos recém-chegando. Havia um processo de concorrência em curso e uma história de licitação, que vim a pesquisar depois. Nos últimos cinco anos, ocorria um padrão absolutamente homogêneo de compras do ministério: as mesmas empresas ganhavam e pelo mesmo preço. O Ministério Público já investigava a possibilidade de formação de cartel por parte das empresas de hemoderivados. No final do governo passado, a Anvisa e o Ministério da Saúde alteraram as regras de compra e isso produziu um novo cenário, com aquela grande redução dos preços.


ÉPOCA – A prisão de Luiz Cláudio Gomes da Silva foi uma surpresa para o senhor?


Muniz – Completamente. Conhecia o Luiz Cláudio lá do Recife. Eu era secretário de Finanças da prefeitura e ele o diretor-administrativo financeiro da Secretaria de Saúde. Nos encontrávamos eventualmente. Era uma pessoa de confiança. O papel dele no ministério, como disse o próprio ministro Humberto Costa, era o de moralizar a CGRL. Mas não quero antecipar julgamentos antes da Justiça. Minha situação é muito paradigmática para fazer isso. Não me sinto capaz de julgar ninguém, levando em conta tudo o que sofri.


ÉPOCA – Nem quanto aos lobistas?


Muniz – Eles são lobistas e tiveram conversas gravadas.


ÉPOCA – Como o senhor explica o fato de seu nome ter sido citado pela PF?


Muniz – Não tive acesso ao processo, mas, segundo o que saiu publicado, eu teria recebido uma propina de mais de R$ 700 mil por favorecer a compra de um novo medicamento de um grande laboratório. Estava colocado sob suspeita. A polícia fez uma ilação entre dois fatos, segundo ÉPOCA publicou. O primeiro era uma saída de dinheiro em Jacarepaguá, que teria sido filmada pela PF. Da chegada do dinheiro, ninguém sabe. O outro era o telefonema gravado do Laerte Corrêa Júnior, dizendo ter falado comigo e que eu estava me empenhando para resolver demandas dele.


ÉPOCA – O senhor o conhecia?


Muniz – Sim, conhecia lá do ministério. No começo da gestão, ele aparecia na CGRL falando em nome dos laboratórios, dizendo que eles teriam interesse num projeto para o ministério e tal. Ele circulou por lá durante um tempo. Tive duas ou três vezes com ele.


ÉPOCA – O senhor facilitou alguma vez algo do interesse dele?


Muniz – Em nenhum momento. Nunca discuti com ele nenhum processo de compra. Em janeiro de 2004, data da gravação, eu já estava há sete meses afastado da CGRL, portanto longe de qualquer processo de compra do ministério, que é uma coisa muito complicada. Envolve definições na Anvisa, na Secretaria de Ciência e Tecnologia, na Assessoria Jurídica. ä Qualquer ingerência minha para facilitar um processo sobre o qual não tinha responsabilidade provocaria um redemoinho no ministério. Todo o mundo sabe o que está acontecendo.


ÉPOCA – Então, o senhor não é o Reginaldo da gravação?


Muniz – Acho que não. Não pode ser. Os demais envolvidos eu nem conheço, nunca tive nada com eles nem direta, nem indiretamente. Falarem em meu nome é algo muito estranho. Suspeito que seja outra pessoa, ou um codinome.


ÉPOCA – Como o senhor encarou o aparecimento de seu nome no caso?


Muniz – É muito difícil falar nisso. Fiquei absolutamente chocado. Foi um soco no estômago. Ser acusado de receber um volume de dinheiro significativo como aquele sem ter culpa nenhuma… A partir da matéria de ÉPOCA, cada veículo queria enfatizar mais ainda a minha culpa no processo. E eu nem sabia que aquela matéria estava sendo publicada. Foram semanas muito duras. A primeira coisa que me sustentava era minha consciência. Mas isso não é suficiente, porque a gente sabe que muitos inocentes são transformados em culpados. Acho que aqui estamos fazendo História. Estou encarnando um fato histórico, neste momento: uma revista de grande circulação se dispõe a recolocar uma realidade que refaz a minha imagem pública. Não é uma coisa fácil, simples. Estou valorizando-a neste momento. Acho que isso é importante para mim, para a revista, para a democracia no Brasil. Quando a imprensa divulgou o relatório da PF, ela assumiu a responsabilidade por uma hipótese que não se confirmou. Esse é o risco do jornalismo investigativo. Acerta algumas vezes, noutras não.


ÉPOCA – Como reagiram as pessoas mais próximas?


Muniz – Ninguém que me conhecia acreditava. Tive solidariedade do alto escalão do ministério, o ministro nunca duvidou da minha inocência. Na Bahia, no Recife, onde trabalhei, o movimento sindical inteiro que me conhecia, o pessoal da CUT, da Força Sindical, do PT, do PMDB, me apoiou. Recebi milhares de e-mails de solidariedade. Isso foi um consolo para mim. Entre eles eu me senti à vontade. Todos me viam como alguém que estava sendo injustiçado. Tenho uma história, afinal. Desde meus 14 anos faço política, me identifico com a luta por mudanças. Deixei de ter cargos de chefia para trabalhar com os trabalhadores rurais. Nunca dei importância para o dinheiro, mas para uma relação ética com as pessoas. Não se muda 40 anos de história por causa de um negócio desses. Tem também a dimensão espiritual, que é fundamental na minha vida. Jamais tive preocupação em possuir bens materiais, ou de ter uma vida de luxo. Terminei saindo disso até fortalecido, moralmente, espiritualmente. Precisei trabalhar com uma situação que não é fácil: você ter uma imagem pública que não corresponde ao que você é.


ÉPOCA – O senhor sofreu constrangimentos?


Muniz – Depois da publicação de ÉPOCA, na noite daquele domingo, eu fui para Brasília. Sinceramente, entrei no avião com medo de ser reconhecido. Preferi viajar à noite.


ÉPOCA – Depois de tudo isso, o senhor acredita que agora o Ministério da Saúde está imune à ação dessas gangues de vampiros?


Muniz – O governo tem de manter aquela insígnia de escoteiro, estar sempre alerta. Essa coisa envolve muito dinheiro. Sei que o ministério tomou providências administrativas, mudando critérios de licitação, alterando a composição da comissão e mesmo a relação com as empresas. Mas no mundo todo é complexa essa relação entre Estado e empresas privadas no fornecimento de serviços e matérias-primas.


ÉPOCA – Por que é particularmente complicada com os hemoderivados?


Muniz – Porque são poucas empresas fornecedoras no mundo. Veja aqui: quando mudaram as regras de licitação, os preços caíram para menos da metade. Acho que tem de haver uma investigação disso. Precisamos ainda aperfeiçoar o processo de licitação no Brasil, pois ele não tem a capacidade de alterar práticas do capitalismo. As empresas atuam como cartel para atingir seus interesses e uma legislação não vai criar anjos num ambiente de concorrência empresarial. Já houve avanços, como o pregão. É uma espécie de leilão às avessas: todos numa sala oferecendo seu preço. É melhor que os envelopes. Mas, no caso de oligopólios, quando são poucas empresas a oferecer determinado produto, esses mecanismos não têm efeito. Se são oito empresas só, não importa se vão para um pregão eletrônico. Se quiserem, elas se articulam. Temos de discutir o mecanismo de licitação diante disso, com uma gestão própria, talvez. Precisamos juntar especialistas para resolver a questão. E quando se trata de um monopólio, de uma só empresa que fornece o medicamento? Há um caso desses aqui: um laboratório que é o único fabricante de um medicamento essencial para quem tem síndrome de Gouchier (uma doença que degenera o fígado), fornecido de graça pelo SUS. No Brasil são 600 pessoas que sofrem dessa doença e o SUS gasta R$ 500 mil por ano por pessoa. A empresa montou até um esquema para identificar o doente."