Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tonica Chagas

‘Se por acaso alguém não entendeu o que Gilberto Gil quis dizer com ‘glocal’ na sua palestra sobre A Diversidade Cultural e a Política na América Latina, feita no fim da tarde de anteontem na New York University (NYU), o conceito ficou esclarecido pela ‘canja’ que o ministro da Cultura deu no fim, cantando Chuck Berry Fields forever, com um violão trazido por uma professora, para cerca de 400 pessoas que lotaram o auditório do Silver Center for Arts and Science. ‘A rumba, o mambo, o samba, o rhythm’n’blues/ Tornaram-se os ancestrais, os pais do rock and roll’, diz a composição, síntese da miscigenação musical criada por Gil em 1976 e vertida para o inglês por ele mesmo no ano seguinte. ‘Acho que, em termos poéticos, esta música responde às questões de como conciliar o local e o global ao mesmo tempo’, disse o ministro.

Gil esteve no mesmo auditório em 1971, na condição de exilado, falando sobre a ditadura então vigente no Brasil e o movimento tropicalista. Desta vez, como representante do governo brasileiro, ele abriu a série de debates Voices of Latin American Leaders, organizada pelo cientista político, escritor e ex-ministro das relações exteriores do México Jorge Castañeda, que é professor de Ciências Políticas e Estudos Latino-americanos na NYU.

‘Temos de interagir no nível internacional com outras manifestações humanas e, ao mesmo tempo, sermos capazes de proteger a dimensão local para dar atenção à diversidade que a história produziu na América Latina, na África, na Ásia e em todo lugar. Isso é fundamental’, sublinhou o ministro em sua palestra.

Para ele, é inevitável o paradoxo de um país abrir-se para culturas estrangeiras e proteger a indústria cultural doméstica. ‘Os ministros da Cultura têm de desenhar políticas públicas para cuidar desses problemas.

Temos de dar corpos, identidades para o processo de globalização e isso virá da dimensão local e original’, disse Gil. A política governamental brasileira de apoiar o software livre e a decisão dele, como artista, de participar de uma rede mundial de autores que abrem mão dos direitos autorais para ampliar a divulgação de suas obras foram os dois principais exemplos citados por ele como meios de democratização da cultura. ‘Se eu tenho falado tanto da cultura dos outros e ela tem sido tão importante para a minha arte, por que não deveriam os outros também proporem novos usos para o que criamos no Brasil?’, argumentou.

Em Nova York, além de acompanhar o presidente Lula na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas e fazer a palestra na NYU, Gil também tinha na agenda, ontem à noite, uma apresentação do seu show Eletracústico, no Town Hall. Na sexta-feira, ele leva o mesmo show para a Cidade do México.’



Jamil Chade

‘País vai a ONU pelo software livre’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/09/04

‘O Brasil defendeu, na ONU, a adoção do software livre nos sistemas de informática do governo como alternativa estratégica para países em desenvolvimento, em reunião com representantes de países, empresas e entidades especializadas.

O software livre possibilita ao usuário acesso ao códigos de programação e, na avaliação de seus defensores, liberta o usuário da dependência de programas elaborados por empresas estrangeiras, que exigem pagamentos de royalties. No Brasil, a substituição de programas ocorre desde o ano passado, mas funcionários de Brasília acreditam que 2005 será ‘o ano’ do software livre na administração pública federal.

Segundo Sérgio Amadeu da Silveira, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, com o software livre o governo deverá economizar entre R$ 900 e R$ 1,1 mil em cada estação de serviço nos órgãos públicos. Em cada servidor, a economia deverá ser de R$ 10 mil. Além disso, a idéia de equipar as cem mil escolas públicas com computadores se tornaria mais viável, já que não seria necessário desembolsar US$ 200 milhões só em softwares.

Amadeu também afirmou que dominar o software é uma das questões ‘mais estratégias da era da informação’. Por isso, a idéia não é apenas a de economizar recursos. Membros do governo reconhecem que o movimento é para possibilitar que o Brasil tenha o domínio da tecnologia e possa controlar seu sistema de informática. ‘A escolha do modelo não é uma questão técnica, mas uma política de desenvolvimento.’

Na usina hidrelétrica de Itaipu, alguns setores já começaram a substituir os atuais programas por software livres. No Serpro, a idéia é de que a administração conte com software livre até o final do ano.’

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‘O pai do Linux defende a liberdade’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/09/04

‘No meio de diplomatas e executivos engravatados na ONU, Richard Stallman se destaca com seus longos cabelos e vestindo apenas camiseta e calças largas. E, quando fala, chama ainda mais as atenções. O americano Stallman, 51 anos, criou, em 1984, o programa que o governo brasileiro quer implementar nos seus sistemas de informática: o software livre, conhecido como GNU/Linux. Em entrevista ao Estado durante reuniões nas Nações Unidas, o pesquisador afirma que deixou seu emprego no Massachussets Institute of Technology (MIT) para evitar que seu trabalho lhe fosse tomado e garante que o software livre é a possibilidade de o usuário finalmente controlar o que tem no computador. Obcecado pela liberdade, Stallman elogia o Brasil, mas diz que não virá ao País enquanto for exigido que americanos deixem as impressões digitais nos aeroportos. Eis os principais trechos da entrevista:

Estado – O sr. foi o criador do movimento pelo software livre. Por que surgiu essa necessidade?

Richard Stallman – Há 20 anos, todos os softwares eram privativos e não havia como rodar um computador sem esses programas. Temos de respeitar a liberdade do usuário de computadores. O software privativo não é ético. Ter controle sobre essa nova tecnologia deve ser visto como um direito humano e hoje já podemos ter isso, mas as pessoas precisam aprender a usar, o que não é difícil. A grande maioria ainda usa, porém, sofwares privativos. Hoje, existem escolas que dão aulas de informática com computadores que usam os programas das empresas multinacionais. É como ensinar uma criança a fumar cigarro. É ensinar a ser dependente. Mas é mais fácil deixar de usar o Windows do que deixar de fumar.

Estado – O governo brasileiro quer implementar o software livre nos órgãos federais. Como o sr. vê isso?

Stallman – O Brasil é positivo e o País deve promover a liberdade na informática. Isso ajudará a emancipar a sociedade do atual modelo que predomina. A iniciativa ainda irá ajudar o setor de tecnologia da informação no Brasil. Hoje, as empresas precisam pagar por licenças estrangeiras para usar programas. Mas comprando das companhias locais, o dinheiro irá permanecer no País e serão criados novos postos de trabalho.

Estado – Mas diante do pouco uso dos software livre, o Brasil não corre o risco de se isolar em termos de informática?

Stallman – Prefiro estar isolado e com liberdade do que unido em um esquema de escravidão. Prefiro estar isolado em um modelo de prosperidade e não sob um império.

Estado – O sr. tem algum plano de visitar o Brasil para conhecer melhor essa iniciativa do governo?

Stallman – Eu já fui várias vezes convidado a ir ao Brasil, mas me recuso, enquanto tiver de dar minhas impressões digitais à polícia. Sei que a culpa é dos Estados Unidos e que a medida é uma retaliação, mas sou contra o monitoramento do governo sobre as pessoas.’



Renato Cruz

‘Software livre: governo nega discriminar múltis’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/09/04

‘‘Não vamos cair na armadilha de sermos chamados de xenófobos’, afirmou Renato Martini, diretor-presidente em exercício do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), ligado à Casa Civil.

‘O software livre é um fenômeno da globalização, filho da internet e da sociedade global.’ Martini respondeu à afirmação do presidente da Microsoft Brasil, Emilio Umeoka, publicada ontem pelo Estado, de que as multinacionais sentem dificuldade de participar dos programas sociais do governo.

‘O governo não discrimina empresas conforme sua nacionalidade, mas também não modifica sua política para agradar a uma única empresa’, continuou Martini. Por trás da discussão, está a opção do governo federal em adotar o software livre, como o sistema operacional Linux, principal concorrente do Windows, da Microsoft. O software livre pode ser usado, copiado e modificado livremente, sem pagar licença. O software proprietário, como da Microsoft, é pago e não pode ser modificado.

Na quarta-feira, a Microsoft anunciou apoio a um programa de inclusão digital, com a instalação de 18 centros públicos de acesso à internet, com duas organizações não-governamentais, o Sampa.org e o Cemina. O diretor-presidente do ITI disse que o objetivo do governo não é interferir na estratégia das empresas, ou mesmo do terceiro setor, e sim pôr em prática as políticas públicas, como a do software livre. ‘O terceiro setor segue o caminho que quiser, mas, na minha opinião, um projeto de inclusão digital com software proprietário é natimorto.’

O Brasil deve defender hoje o uso do software livre na ONU. A Microsoft participa das negociações.’