Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO
Alberto Dines

As lógicas da guerra, 19:44 05/08

‘Vitórias, sobretudo vitórias fulminantes, são as inimigas da paz. Batalhas longas, sangrentas, sofridas, com resultados dúbios, facilitam as negociações. As dúvidas dos generais abrem caminho para a ação de políticos e diplomatas.

Cada guerra é um delírio que só pode ser curado quando não há triunfantes ou derrotados, quando todos sofrem. De forma proporcional ou desproporcional. Esvaziada a arrogância, evapora-se a humilhação e só então os beligerantes prestam atenção às suas feridas. Guerreiros também cansam.

A Guerra do Iom Quipur, em Outubro de 1973, pegou Israel de surpresa, neutralizou a sua aviação e nos primeiros momentos parecia que o Egito e a Síria estavam prestes a vingar-se da derrocada dos Seis Dias (1967). Um audacioso movimento de tanques liderado por Ariel Sharon colocou os blindados israelenses no caminho do Cairo. O pragmático Henry Kissinger não deixou que prosseguissem.

Israel e Egypto concordaram com um cessar-fogo cerca de um mês depois de iniciado o conflito. Sem vitoriosos nem derrotados, quatro anos depois (1977), o presidente egípcio Anwar Sadat assinava em Israel um tratado de paz, até hoje intacto.

Esta guerra de 2006 completará um mês no próximo dia 12 e ainda não tem nome. Nem vencedor. Aumenta a intensidade e, junto, aumentam os temores de que possa converter-se num conflito generalizado e incontrolável.

O Hizbullah admite que foi surpreendido pela reação israelense e Israel reconhece que o grupo continua em ‘boa forma’. Os adversários já não se ignoram, percebem os perigos que correm, as pré-condições e exigências se atenuam. A escalada das últimas horas pode ser o prenúncio de que as partes estão prontas para um cessar fogo. Hora de chorar os mortos, hora de cuidar dos sobreviventes.

Hora de conversar. Estabelecida uma trégua, a primeira providência será definir o status do Hizbullah dentro do Líbano. É uma questão de soberania: o país não pode ficar a reboque dos desígnios e interesses de um grupo paramilitar autônomo apoiado ostensivamente por outras nações (Síria e Irã).

Foi assim quando da criação do Estado de Israel em 14 de Maio de 1948. Quatro meses depois da Indendência, os grupos guerrilheiros de extrema direita (Irgun e Stern) foram obrigados a depor as armas e juntar-se às forças de defesa nacionais (Haganá).

No Líbano, o que parecia impossível antes de 12 de Julho agora ficou menos complicado: o Hizbullah tornou-se uma força política inquestionável no xadrez libanês e mesmo os cristãos ou drusos mais renitentes já se conformam com algum tipo de integração.

Como se processará o seu desarmamento é uma incógnita, mas não se pode perder de vista o fato de que, pela primeira vez em sua história, o Líbano consegue resistir de dentro de suas fronteiras ao poderoso vizinho do sul e atacar suas principais cidades. Feito sangrento, mas as nações em guerra precisam de façanhas insanas pelas quais logo arrependerão.

O Hizbullah não poderá manter-se como entidade clandestina, marginal, alheia aos interesses da república libanesa. Seu apetite hegemônico terá que ser refreado, assim também o radicalismo religioso que o inspira e compromete o frágil equilíbrio que durante algumas décadas converteu o Líbano na Suíça mediterrânea.

A idéia de que o sofrimento compartilhado pode ser o caminho para o fim da beligerância entre nações segue a lógica de que a humanidade prefere viver a morrer. O fanatismo, às vezes, tem outras lógicas.’



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