Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Último Segundo

MERCOSUL NA MÍDIA
Alberto Dines

O espírito de Munique, 19/01/07

‘A alegre capital da Bavária, München, entrou na história do mundo por diversas portas. A mais trágica, por ironia, foi consumada em Setembro de 1938, a pretexto de evitar a guerra, quando a Inglaterra, secundada pela França, entregou parte da antiga Tchecoslováquia à Alemanha nazista.

‘Paz em nossos dias’ justificou-se o premiê britânico Neville Chamberlain ao retornar a Londres. Não poderia prever que o pacto com Hitler e Mussolini, a cidade onde foi negociado e, sobretudo, a sua justificativa, entrariam para o léxico político mundial como sinônimos de cinismo, capitulação, covardia e despudor. Com a luz verde acesa em Munique, dias depois, Hitler abocanhou os Sudetos e não aplacado pela pusilanimidade anglo-francesa, menos de um ano depois invadiu a Polônia e desencadeou a 2ª Guerra Mundial.

A declaração final da 32ª Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro encerrada nesta sexta-feira reitera o seu compromisso democrático, mas na véspera a estrela do encontro, o presidente venezuelano Hugo Chávez conseguiu aprovar por unanimidade na Assembléia Nacional em Caracas, o seu projeto de governar por decreto nos próximos 18 meses.

Poderiam ser 18 dias, 18 horas ou até mesmo 18 minutos caso Chávez seja suficientemente veloz para assinar e rubricar aquela dúzia de estatutos legais destinados a transformar a república bolivariana numa ditadura real.

Por enquanto trata-se de uma ditadura virtual, projeto autoritário em construção, visivelmente despreocupado com as aparências de uma ‘democracia burguesa’ o que não chega a impressionar nossa trinca de ministros do exterior (os diplomatas Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e o professor Marco Aurélio Garcia).

Como o Tratado de Assunção de 1991 não explicita qual o tipo de regime político dos ‘Estados Partes’ do Mercado Comum do Sul, vulgo Mercosul (a Cláusula Democrática só foi instituída em 1998), os negociadores brasileiros e argentinos não parecem preocupados em parecer ‘herdeiros de Munique’ nem obrigados a estranhar a volúpia totalitária do ex-coronel Hugo Chávez.

Deveriam. A assimetria institucional (não confundir com o pluralismo político mencionado pelo presidente Lula) será fatal a uma entidade econômica multinacional. Democracias não conseguem aliar-se a estados totalitários e isso se evidencia com a relutância da União Européia em aceitar a semi-democrática Turquia.

Por isso Evo Morales reclama da ‘burocracia’ que atrasa o ingresso da Bolívia no Mercosul. O boliviano é mais frágil e menos hábil do que o bolivariano Chávez que está conseguindo confundir os seus atarantados adversários com o ritmo e a diversidade de suas ações.

As promessas chavistas de estatizar as empresas de energia e telecomunicações, descontaminar a América Latina do neoliberalismo e implantar um ‘socialismo do século XXI’ são disparatas mas opções soberanas. A total desregulamentação dos mercados e o privatismo sem limites ainda não mostraram a sua eficácia. São temas em aberto, legítimo examiná-los, discuti-los ou mesmo experimentar alternativas desde que garantidos os direitos das partes envolvidas.

Intocáveis são o Estado de Direito e a liberdade de imprensa. Chávez, caudilho messiânico clássico, incapaz de filtrar os delírios, confunde alhos com bugalhos, coloca tudo no mesmo saco, seus adversários fazem o mesmo e seus parceiros no Brasil e na Argentina, com medo de encará-lo ou diminuir a sua petro-generosidade não conseguem estabelecer as diferenças.

Sem uma defesa intransigente dos valores democráticos (neles compreendidos a plena liberdade de expressão) e sem uma simetria institucional entre os seus sócios, o Mercosul será um clube sujeito às pressões hegemônicas. As mesmas que tornaram Munique o prólogo de um grande conflito.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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