Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Uma história marcada por censura e resistência

A Imprensa no Brasil surgiu em 1706, em Pernambuco. Depois, em 1747, no Rio de Janeiro. Mais tarde, em 1807, em Vila Rica, Minas Gerais. Essas três tentativas foram suprimidas por ordem do governo português. O objetivo da Coroa era manter a Colônia atada a seu domínio, nas trevas e na ignorância. Manter as colônias fechadas à cultura era característica própria da dominação. A ideologia dominante deve manter o povo ignorante.


Em 1808, contudo, com a vinda da família real de Portugal para o Brasil, fugindo das forças de Napoleão Bonaparte, Antonio Araújo, futuro Conde da Barca, mandou colocar no porão do navio Medusa o material tipográfico que havia sido comprado para a Secretaria de Estrangeiros e da Guerra. No Brasil, mandou instalar o equipamento nos baixos de sua casa, à rua dos Barbonos, no Rio de Janeiro. Em 31 de maio desse ano, D. João VI oficializou a imprensa mediante o Ato Real.


Nascia a Imprensa Régia, no Rio de Janeiro. Isso aconteceu 308 anos após a descoberta do Brasil. Até então, Portugal não permitia a instalação da imprensa na Colônia. Assim, no dia 10 de setembro saía o primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro, considerado por alguns historiadores o primeiro jornal brasileiro. No entanto, três meses antes, surgira em Londres o Correio Braziliense, que, embora tenha nascido fora da Colônia, é apontado também por historiadores como o primeiro periódico do país.


Marcada pelo oficialismo e pela oposição, a imprensa brasileira viveu assim os primeiros anos. Durante o Brasil Colônia apareceram no país mais de 50 jornais, a maioria de duração efêmera. A censura, que começara com a Imprensa Régia, acabou em 1821, procurando-se caracterizar, porém, os chamados crimes de imprensa com punições.


Em 1811, a Imprensa Régia publicava a primeira revista carioca, O Patriota. Também nesse ano surgia, na Bahia, a Idade de Ouro do Brasil, nos mesmos moldes da Gazeta do Rio de Janeiro, que defendia o absolutismo. A Idade de Ouro nascia para neutralizar o material contrário a Portugal, que chegava ao Brasil com a abertura dos portos.


Independência


A censura prévia, que teve fim em 1821, já tinha sido abrandada seis anos antes, em 1815, sendo permitida a publicação livre de anúncios, convites, letras de câmbio e outros papéis semelhantes. Com a liberdade de imprensa, surgiram vários jornais no Brasil. Boa parte desses periódicos procurava mobilizar a opinião da Colônia contra a dominação portuguesa.


Mas, se vários jornais defendiam a Independência, outros procuravam combatê-la. Na Independência, a imprensa se caracterizava por ser excessivamente doutrinária, relegando a informação para segundo plano. Outro ponto fundamental dos jornais: linguagem violenta. Um dos que ficaram mais conhecidos por essa marca foi o Malagueta, que teve seu redator, Luís Augusto May, espancado por ter criticado o Ministério Imperial liderado pelos irmãos Andradas. May teve suas mãos aleijadas.


Em 1821, nascia o Diário do Rio de Janeiro, precursor dos atuais jornais informativos, o primeiro a publicar notícias do cotidiano, deixando de lado a tendência doutrinária dos outros órgãos. Seu conteúdo era voltado para furtos, assassinatos, diversões, espetáculos, observações meteorológicas, correio, anúncios de venda de escravos, leilões, compras, vendas, achados e aluguéis. Passou a ser chamado de Diário do Vintém, pelo baixo preço, e Diário da Manteiga, porque publicava os preços desse produto. Circulou até 1878.


Também em 1821 nasce, na Bahia, o Diário Constitucional, primeiro periódico criado no Brasil para defender os interesses brasileiros. O jornal apoiava a maioria brasileira na Junta Provisional, que substituía o governador baiano. Essa junta era formada pela maioria de portugueses e tinha o apoio de órgãos oficiais, conhecidos como áulicos, principalmente o Semanário Cívico e Idade de Ouro do Brasil. O Diário venceu essa primeira campanha eleitoral da imprensa brasileira.


Com a Independência, a imprensa intensificou a luta pela normalização da vida política no Império, pregando ordem, liberdade e respeito à Constituição, influindo no curso dos acontecimentos. Com o fim da Gazeta do Rio de Janeiro, em 1822, foram criados diversos jornais da imprensa áulica, entre eles o Espelho, que transcrevia jornais de Lisboa e publicou vários artigos de D. Pedro I, considerado um jornalista panfletário, irreverente e polêmico, que publicava artigos inflamados contra seus adversários. D. Pedro utilizava vários pseudônimos: Simplício Maria das Necessidades, Sacristão da Freguesia de São João de Itaboraí, O Inimigo dos Marotos, Piolho Viajante, O Anglo-Maníaco, O Espreita, o Ultrabrasileiro, O Filantropo e o Derrete Chumbo a Cacete.


Cipriano Barata


O fim da censura não impediu que a Corte tentasse manter a Colônia sob seu domínio, utilizando a imprensa. Para cada jornal que nascia na oposição, surgiam muitos outros combatendo a Independência. Entre os muitos jornalistas punidos por irreverência ou injúria ao governo colonial está Cipriano Barata, conhecido por Baratinha. Nascido em 1762, em Salvador, Bahia, Barata estudava na Universidade de Coimbra, em 1789, quando aconteceu a Revolução Francesa. A primeira vez que manteve contato com a imprensa foi com a distribuição de panfletos durante essa revolução, agitando a burguesia contra a monarquia. Ativista da Conjuração Baiana e da República, em Pernambuco, em 1817, depois deputado constituinte, em 1823, Barata estreava, em 9 de abril desse ano, com o jornal Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco. Defendia a Independência com mudanças radicais e era contra a escravatura.


O jornal saía às quartas-feiras, com linguagem vigorosa e crítica, mostrando as podridões do poder. Preso em várias oportunidades por desafiar e denunciar as mazelas do regime, na medida em que mudava de prisão Barata soltava um novo jornal. Assim, criava o jornalismo do cárcere. O Sentinela da Liberdade, que por tantas vezes teve suas edições interrompidas, recebeu vários complementos em seu nome, de acordo com o lugar em que Barata esteve preso: Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Sentinela da Liberdade na Guarda do Quartel General, Sentinela da Liberdade na Guarita de Villegaignon.


O Sentinela da Liberdade inspirou a criação de dezenas de outros jornais com esse nome pelo país. Barata foi um dos pioneiros da liberdade de imprensa e, em 1823, escreveu: ‘Toda e qualquer sociedade onde houver imprensa livre está em liberdade; que esse povo vive feliz e deve ter alegria, segurança e fortuna; se, pelo fato contrário, aquela sociedade ou povo que tiver imprensa cortada pela censura prévia, presa e sem liberdade, seja debaixo de que pretexto for, é povo escravo que pouco a pouco há de ser desgraçado até se reduzir ao mais brutal cativeiro’.


Em 1825, depois de ser preso na Fortaleza do Brum, em Recife, por participar da Conjuração do Equador (rebelião que reuniu vários estados do Nordeste contra D. Pedro I), Barata publicou um jornal com o título Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, atacada e presa na Fortaleza do Brum, por ordem da Força Armada Reunida. Alerta! Em 1835, Barata escrevia o seu último Sentinela da Liberdade, aos 75 anos. O jornal durou 13 anos, mas outros apareceram em todo o país, mesmo depois de sua morte, em 1º de julho de 1838.


Pasquins


Em outubro de 1822, um mês depois da proclamação da Independência, a liberdade de imprensa voltou a ser cerceada. O clima agitado da época provocou o aparecimento dos pasquins, com característica panfletária e linguagem violenta, que chegava à calúnia e ao insulto pessoal. Seu conteúdo refletia o ardor das facções em divergência. Liberais e conservadores travavam verdadeira guerra de palavras utilizando os pasquins, que, geralmente, tinham vida efêmera.


Os próprios títulos demonstram o que eram os jornais: O Enfermeiro dos Doudos, O Palhaço da Oposição, O Grito dos Oprimidos, O Burro Magro, O Brasil Aflito, O Caolho, O Torto da Artilharia, O Soldado Aflito, O Crioulinho e muitos outros. Pelos títulos, dá para perceber que, freqüentemente, os pasquins recorriam ao preconceito, à aliciação das forças armadas e aos apelidos.


Em agosto de 1827, a censura volta a ser abolida. Isso provocou o aparecimento de novos jornais pelas províncias. Nesse ano, surge o Farol Paulistano, primeiro jornal da Província de São Paulo. Geralmente, os periódicos eram do tipo pasquim, que refletiam o interesse das autoridades, de intelectuais ou de alguns grupos. Também tinham vida efêmera.


Em 1829, começa a circular o segundo jornal da Província de São Paulo: o Observador Constitucional. Em 20 de novembro de 1830, João Batista Líbero Badaró, fundador do jornal, é assassinado. Antes de morrer, deixa uma frase que reforça sua resistência ao governo português: Morre um liberal, mas não morre a liberdade.


As forças políticas da época eram divididas em três grupos: direita conservadora, direita liberal e esquerda liberal (exaltados). A direita conservadora publicava os órgãos da imprensa áulica, como Diário Fluminense, Jornal do Comércio e O Analista. A direita liberal utilizava seus jornais, como o Aurora Fluminense e Astréia, para combater os excessos do governo e a pregação violenta da imprensa liberal de esquerda. Já a esquerda liberal era responsável pelos pasquins, que não poupavam os inimigos.


Enquanto os pasquins tinham vida curta, os órgãos da imprensa conservadora tinham sempre vida longa, como o Diário de Pernambuco (criado em 1825 e que existe até hoje), o Jornal do Comércio e o Correio Paulistano, entre outros. Entre 1832 e 1833, saíram do prelo 35 periódicos: 14 defendiam o governo e 21 faziam guerra aberta. A imprensa refletia as contradições sociais e políticas, além de influir no andamento dos acontecimentos.


A partir de 1837, a imprensa começou a utilizar a caricatura e, três anos depois, passou a circular no Rio de Janeiro A Lanterna Mágica, que marca o início das publicações ilustradas com caricaturas. A partir da metade do século 19, o Império se consolida e a imprensa política, representada principalmente pelos pasquins, esmorece. Com a organização urbana, que começa a se formar, a imprensa reflete as transformações da época. Em 1852, sai o Jornal das Senhoras, com sonetos, cartas de amor e moda.


É a época da conciliação, com o arrefecimento ou fim das lutas partidárias. Começava a predominar o jornalismo mais conservador, exemplificado, principalmente, pelo Jornal do Comércio. Os periódicos atraíam o leitor com os folhetins, que contavam com a participação de escritores da época, como José de Alencar. Começava a crescer a imprensa abolicionista e afloravam os primeiros jornais com idéias republicanas.


Republicanos e abolicionistas


No período que antecedeu a proclamação da República, surgiram jornais com tendências republicanas e abolicionistas. Isso em função de jovens de famílias abastadas que iam estudar na Europa e voltavam ao Brasil com idéias novas e liberais: idéias republicanas. As dificuldades dos transportes e do Correio prejudicavam a chegada de jornais da Corte nas províncias, o que provocava o aparecimento de mais periódicos no interior. Os ideais republicanos conquistaram a imprensa. Jornais defendiam a República e a libertação dos escravos. O movimento abolicionista era cada vez mais forte.


Quintino Bocaiúva, jornalista republicano, fez do jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, uma tribuna para destruição do regime monárquico. Em 1875, nascia A Província de São Paulo, que mais tarde passou a chamar-se O Estado de S. Paulo. A imprensa republicana já contava com 74 jornais: 20 no Norte e 54 no Sul. Em 1891, surgia o Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, montado como empresa. Trazia inovações como distribuição em carroças e ampliação dos correspondentes estrangeiros. Em 1895, era criado em Porto Alegre o Correio do Povo.


A imprensa destacava-se e recebia elogios. ‘Houve uma coisa que fez tremer as aristocracias mais do que os movimentos populares, o jornalismo’ (Machado de Assis).


Foi na Primeira República a fundação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que completou 100 anos em abril de 2008 com uma história de luta pela liberdade de imprensa. Em fins do século 19, a imprensa artesanal começou a ser substituída pela industrial. Em 1900, a República e a imprensa estavam consolidadas. A imprensa torna-se empresa. O jornalismo individual estava superado. Mas, ao virar empresa, a imprensa fica sob o domínio do estado e do capital.


Progresso


A evolução da imprensa, no fim do século 19 e início do século 20, depois da proclamação da República, aconteceu junto com o progresso do mundo ocidental. Os jornais se multiplicaram, aumentando as tiragens. As causas estão ligadas à generalização da instrução, democratização da vida política, urbanização crescente, desenvolvimento dos transportes e redução do preço de venda, devido ao barateamento da produção dos jornais e também à elevação do nível médio das massas.


Paralelamente a esses fatos, o progresso das técnicas foi fundamental no desenvolvimento da imprensa, como a invenção de tinta para impressão com secagem mais rápida e a substituição do papel de madeira por outro de fabricação mais barata. Além disso, houve a mecanização do sistema de composição com a invenção da estereotipia, que transformava a página em flãs de papelão, reduzindo o número de prensas, e a invenção de novas impressoras, que ampliaram o número de exemplares.


Na metade do século 19, a popularização do telégrafo favoreceu a transmissão rápida das informações. O telégrafo elétrico facilitou o trabalho das agências de notícias e agilizou ainda mais a informação a longa distância. Todos esses fatores levaram o jornal a tornar-se produto de consumo.


Imprensa anarquista


Com a chegada dos colonos europeus, que substituíram os escravos, começou a crescer a imprensa operária ou imprensa anarquista. Para falar da imprensa anarquista, criada por imigrantes deportados por razões políticas, no fim do século 19 e início do 20, é fundamental explicar o que é anarquismo: um movimento de idéias e de ação que, rejeitando toda a dominação exterior ao homem, se propõe a reconstruir a vida em comum sobre a base da vontade individual autônoma. Cada comunidade, cada indivíduo deve determinar sua vida. O homem precisa ser livre para viver feliz e em paz. O anarquismo nega o estado porque dá continuidade à existência de uma classe dirigente. As minorias que dominam os estados dirigem o destino das maiorias. Proposta do anarquismo: dissolução do poder do estado, do Parlamento, das representações e da burocracia. São instituições que vivem parasitariamente às custas do trabalho do proletariado. Elimine-se o estado e a propriedade privada e o homem será livre de carência, livre de dominação, livre para desenvolver suas potencialidades.


Isso colocado, é importante ressaltar que, através dos jornais, os anarco-sindicalistas, um segmento anarquista que teve maior repercussão nos países da América Latina, tentavam conscientizar não só os trabalhadores, mas também suas famílias sobre a doutrina e incitá-los à liberdade. No anarquismo, os jornais eram fatores fundamentais de mobilização operária. Instrumentos de conscientização da classe obreira e do alargamento de suas discussões. A missão do jornalismo não se limitava a difundir idéias, a educar politicamente, a atrair aliados políticos. Jornal não é somente um agente coletivo de propaganda, mas também um organizador social.


De 1890 a 1920 surgiram no Brasil 343 jornais. Desses, 149 eram de São Paulo, 35% destes, em idioma estrangeiro. Outros 100 eram do Rio de Janeiro e os 94 restantes estavam espalhados por todo o Brasil. Dos 343 títulos, 60 eram editados em outros idiomas: um em alemão, quatro em espanhol e 55 em italiano.


Uma característica marcante: a não-existência de repórter. As redações recebiam farto material sobre o movimento operário, incluindo cartas, relatórios de sindicatos, denúncias etc. Geralmente em formato tablóide e em quatro páginas, esses veículos nem sempre tinham publicidade, viviam das contribuições dos trabalhadores e da renda dos sindicatos e associações. Quando existia um anúncio de um produto, surgia com a recomendação da própria redação, dando um caráter de escolha política. Seu conteúdo não era meramente noticioso. Normalmente reproduziam na íntegra textos e conferências, além de charges reforçando o editorial. Não havia preocupação de recursos estéticos, os textos intensos ocupavam toda a página.


O caráter panfletário era demonstrado em frases alinhadas sob o nome do jornal: Um por todos, todos por um – Um panfleto de crítica social – A união faz a força. Outra marca desses periódicos eram denúncias de arbitrariedades no trabalho de menores e das mulheres.


Poucos jornais conseguiram certa regularidade de sobrevivência por período longo. A irregularidade na periodicidade devia-se às dificuldades financeiras e à perseguição do sistema estabelecido. A polícia apreendia o material nas gráficas, quebrava as máquinas e prendia os responsáveis.

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Professor do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP