Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja

‘A credibilidade fez de VEJA a quarta maior revista semanal de informação do mundo, depois de Time, Newsweek e U.S. News

Uma reportagem da presente edição é dedicada a mostrar a nossos leitores, assinantes e anunciantes as manobras escusas da revista IstoÉ que resultaram em infundados ataques à credibilidade de VEJA. A revista semanal da Editora Três acusou VEJA de ter cometido, em 1993, um ‘erro proposital’ que visaria a destruir a figura política do deputado Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara. VEJA comete erros. VEJA não comete erros propositais. No caso de Ibsen Pinheiro, como se poderá ler na reportagem que começa na página 36, VEJA não cometeu erro jornalístico de nenhuma natureza.

O episódio é duplamente entristecedor. Primeiro porque é produto de uma fraude construída por IstoÉ. Segundo porque mostra que parte da imprensa é mesmo propensa a fazer julgamentos apressados e avessa à prática da checagem das informações que publica. Prova disso foi a leveza de alma com que alguns jornais e articulistas se apressaram a condenar VEJA sem antes verificar os fatos. Se tivessem realizado um procedimento básico do jornalismo, como se certificar do que eles próprios publicaram sobre o caso no passado, teriam se livrado de cometer o mesmo deslize que IstoÉ falsamente tentou imputar a VEJA. Teriam verificado, primeiro, que VEJA utilizou dados da CPI que investigava Ibsen Pinheiro e, segundo, que esses mesmos dados embasaram as reportagens de todos os veículos de comunicação de circulação nacional, entre eles a própria IstoÉ. Cabe aqui acrescentar que, na semana seguinte, VEJA informou que a CPI errou nas contas, resultando em que, em vez de 1 milhão de dólares de movimentações bancárias suspeitas, Ibsen deixara de explicar 230.000 dólares. IstoÉ sonegou essa informação a seus leitores.

No momento em que o governo propõe a sério a idéia de criar mecanismos de cerceamento da liberdade de expressão no Brasil, é imperativo que todos os veículos de comunicação sejam ainda mais cuidadosos em suas reportagens. Agir de outra forma só serve para minar a indispensável credibilidade da imprensa e fornecer argumentos aos liberticidas.’

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‘Uma farsa chamada IstoÉ’, copyright Veja, 24/08/08

‘No momento em que o governo tenta amordaçar a imprensa, por meio de um projeto de lei que cria um conselho federal para ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a atividade dos profissionais de jornais e revistas, o mau jornalismo da revista IstoÉ tentou massacrar o bom jornalismo de VEJA, fornecendo munição aos adversários da liberdade de informação e opinião. Em sua edição da semana passada, numa fraude jornalística que lhe serviu de capa, IstoÉ retomou o episódio do processo contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados Ibsen Pinheiro, ocorrido em 1993, para afirmar que Ibsen, acusado de participar do esquema da Máfia dos Anões do Orçamento, havia sido ‘massacrado’ por uma reportagem de capa de VEJA, na qual uma movimentação financeira do ex-deputado equivalente a 1.000 dólares havia se transformado em 1 milhão de dólares, em virtude de um erro grosseiro no cálculo de conversão, procedimento comum à época, por causa das sucessivas trocas de moeda que ocorriam no Brasil. IstoÉ afirma que esse erro de VEJA foi decisivo para a cassação, em 1994, de Ibsen, então um forte candidato a presidente do Brasil. E o mais grave: que o erro foi proposital. Para embasar sua fraude jornalística, IstoÉ lançou mão de uma carta endereçada a Ibsen Pinheiro por Luís Costa Pinto, o Lula, na época editor da sucursal de VEJA em Brasília e autor da reportagem sobre Ibsen. Nessa carta, escrita onze anos depois do episódio, Lula diz que o ex-editor executivo de VEJA Paulo Moreira Leite, ao ser informado pelo chefe da equipe de checagem da revista, Adam Sun, de que a movimentação era de 1.000 dólares, e não de 1 milhão de dólares, sugeriu que Lula encontrasse alguém para sustentar a cifra milionária. Por medo de perder o emprego, segundo ele próprio, Lula então recorreu ao deputado Benito Gama, que teria se disposto a cacifar a falsa informação.

A FRAUDE

Como se verá nesta reportagem, a peça de Lula usada de modo fraudulento por IstoÉ seria apenas cômica se não tivesse se transubstanciado num ato irresponsável e criminoso perpetrado pela direção de IstoÉ, para destruir o maior patrimônio de VEJA, aquele que a transformou na maior revista brasileira e na quarta do mundo: sua credibilidade. A regra mais elementar do jornalismo manda que uma denúncia, seja ela qual for, deve ser apurada com rigor. Se assim não fosse, pululariam na imprensa acusações feitas por malucos e gente desonesta. A carta de Luís Costa Pinto é uma peça falsa, indevidamente amplificada pelo mau jornalismo de IstoÉ. Costa Pinto foi um bom profissional do jornalismo, participou de apurações de reportagens em VEJA, inclusive a entrevista com Pedro Collor, irmão de Fernando Collor, uma das mais importantes realizações da revista. Depois deixou de servir ao jornalismo para se servir do jornalismo, tornando-se marqueteiro, consultor de políticos e lobista, pronto a se engajar em operações pangaias. Imerso nessa confusão profissional, ele produziu a carta que serviu aos interesses mesquinhos de IstoÉ. Se o diretor de redação de IstoÉ, o fotógrafo Hélio Campos Mello, tivesse se dado ao trabalho de mandar um de seus repórteres apurar as afirmações de Lula, chegaria à conclusão óbvia de que a carta é repleta de absurdos. Se tivesse se dado ao trabalho, ainda, de dar uma olhadela nos arquivos de sua própria revista, veria que IstoÉ, em 1993, publicou na mesma semana que VEJA que Ibsen havia movimentado 1 milhão de dólares – por ironia do destino, a matéria de IstoÉ trazia o mesmo título da de VEJA, ‘Até tu, Ibsen’. E só mais um pouquinho de trabalho seria suficiente para constatar que jornais como Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo também haviam noticiado a mesma quantia. A razão é simples: a cifra de 1 milhão de dólares não foi um erro de VEJA, e muito menos intencional. Foi um erro da CPI do Orçamento, divulgado, repita-se, por todos os grandes órgãos de imprensa. Esse erro foi corrigido por VEJA na edição da semana seguinte. Correção que foi sonegada por IstoÉ. Mas o fotógrafo Hélio Campos Mello estava ocupado demais para fazer o trabalho certo.

O MAU JORNALISMO DE IstoÉ

Como IstoÉ faz mau jornalismo, cabe a VEJA fazer a lição de casa da suposta concorrente e desmontar a peça caluniosa e amalucada de Luís Costa Pinto, marqueteiro quando lhe convém, lobista quando lhe convém, jornalista quando lhe convém e ético quando lhe convém.

Em sua carta, Lula diz que foi acordado antes das 8 da manhã do sábado seguinte ao fechamento da revista, por toques insistentes da campainha do apartamento onde morava, pela repórter Silvania Dal Bosco, sua colega de sucursal de VEJA em Brasília. De acordo com Lula, Silvania lhe disse que, como não havia conseguido contatá-lo por telefone (fora do gancho, segundo Lula), Paulo Moreira Leite havia lhe pedido que fosse até a casa dele. Lula, então, telefonou para a redação em São Paulo, onde foi informado, ‘aos gritos’, pelo chefe da checagem de VEJA, Adam Sun, de que a conversão estava errada – de que 1.000 dólares haviam se transformado em 1 milhão.

Se IstoÉ tivesse entrevistado Silvania, depararia com a primeira informação contraditória. A ex-repórter de VEJA, hoje assessora de imprensa, nega que tenha acordado Luís Costa Pinto a pedido de Moreira Leite. ‘Não me lembro de ter sido mandada à casa de Lula para avisá-lo sobre o tal erro. A história é incompreensível do começo ao fim. Os fatos citados por Lula são do meu total desconhecimento. Nunca falamos sobre esse suposto erro. Naquela noite, a sucursal preparava uma matéria sobre Ibsen. Eu sabia disso, mas nunca fiquei sabendo se houve algum problema de edição nem que Adam Sun havia identificado algum engano na matéria. Fui envolvida nesse episódio por Lula sem ao menos ter sido avisada.’

‘É UMA INJUSTIÇA IGNÓBIL’

IstoÉ também não entrevistou o ex-checador de VEJA Adam Sun. Indignado por ter sido usado maldosamente por Lula, Sun endereçou uma carta a IstoÉ, na qual rebate ponto por ponto as fantasias delirantes e os detalhes mentirosos do ex-jornalista. Procurado por VEJA, Sun repassou sua carta, dizendo que dela constava tudo o que tinha a dizer sobre o assunto. E o que diz a carta? Diz, em resumo, que:

Não é verdade que ele tenha gritado: ‘Lula, essa soma não dá 1 milhão de dólares. Dá 1.000’.

Não é verdade, como afirma Lula, que a checagem tenha recebido um prêmio de 1.000 dólares por ter detectado e corrigido um erro. O prêmio foi de 500 dólares, e quem o recebeu não foi Sun, e sim a checadora Maria Margarida Negro, Margô.

O que a checadora Maria Margarida Negro corrigiu foi a soma dolarizada de dois cheques embolsados por Ibsen. No relatório de Lula, enviado à redação em São Paulo, constava que os dois cheques totalizavam o equivalente a 600.000 dólares, quando na verdade a cifra era de 600 dólares.

A referência a esses cheques não está na matéria de VEJA nem na capa da revista, uma vez que a checagem havia detectado o erro de Costa Pinto e impedido que VEJA o publicasse.

A checagem de VEJA não descobriu que qualquer soma de cheques de Ibsen dava 1 000 dólares, e não 1 milhão de dólares.

Adam Sun conclui sua carta afirmando: ‘Sempre me pautei pelo rigor da verdade dos fatos. Todos os erros de informação quando detectados pela minha equipe, tanto em VEJA como em Época, eram sanados antes de a matéria ser publicada. Afirmar que a checagem sob a minha responsabilidade deixou de corrigir uma informação errada intencionalmente e ainda por cima ser conivente com esse tipo de mau jornalismo é uma injustiça ignóbil’.

Como não entrevistou Sun, IstoÉ também não ouviu Margô, ex-checadora de VEJA. VEJA a entrevistou. Margô não só confirma tudo o que Sun diz em sua carta, como acrescenta um detalhe que ilustra o bom jornalismo praticado por VEJA: um elogio de Ibsen à revista. ‘No final de 1993, eu estava checando a edição de fim de ano, sobre Betinho, quando o então diretor de redação de VEJA, Mario Sergio Conti, foi à minha mesa, o que me surpreendeu. Ele me disse que Ibsen Pinheiro havia agradecido a um órgão de imprensa por ter descoberto e evitado que saísse um erro em suas contas’, diz Margô. Esse órgão de imprensa evidentemente era VEJA.

O DIRETOR DE IstoÉ É MÍOPE OU ANTIÉTICO

O milhão de dólares de movimentação que consta da primeira matéria de VEJA, assim como da de IstoÉ e dos jornais, foi passado pela CPI como saldo das contas de Ibsen e não se referia exclusivamente aos cheques em questão, que contabilizavam, afinal, apenas 600 dólares, como descobriu a checadora Margô. Esse milhão de dólares, como VEJA viria a esclarecer na matéria seguinte, era na verdade o total da movimentação das contas de Ibsen entre 1989 e 1993, e somente isso. Movimentar, no jargão bancário, não significa ter, explicou VEJA, diante da confusão da CPI.

Lula, que chegou a ser chefe da sucursal de VEJA em Brasília, aparenta desconhecer o funcionamento e a hierarquia da revista em que trabalhou. Em VEJA, nenhuma matéria de capa é publicada ou alterada sem a participação do diretor de redação. No entanto, na carta de Lula, a revista parecia um pasquim à deriva. Ela não cita Mario Sergio Conti, que ocupava o cargo de diretor de redação. Pela carta de Lula, a sucursal de Brasília também parecia não ter chefe. Ele não faz nenhuma menção a Eduardo Oinegue, atual diretor de Exame, que na época comandava a sucursal de VEJA em Brasília. ‘Naquele tempo, assim como hoje, todos os contatos importantes de São Paulo com a sucursal de Brasília eram feitos através do chefe da sucursal. Eu não participei de nenhuma discussão como a descrita na carta’, diz Oinegue. A hipótese mais provável é que, ao omitir os nomes de Conti e Oinegue, e concentrar toda a responsabilidade sobre Moreira Leite, Lula tentou diminuir o espectro das reações a suas mentiras.

Um dos dois protagonistas do episódio contatados por IstoÉ foi Benito Gama. Ele pretende processar Lula por calúnia e difamação. ‘Esse episódio é um delírio, uma fantasia de Lula, que me causa um enorme constrangimento’, diz Benito. O outro foi Paulo Moreira Leite, atual diretor de redação do jornal Diário de S. Paulo. Na véspera da publicação da fraude, IstoÉ deu a Moreira Leite uma hora para escrever uma declaração sobre o caso. Não lhe deram o direito de ler a carta de Lula que o caluniava. Diz Moreira Leite em artigo para VEJA (veja a íntegra abaixo): ‘Afirmei que a versão da matéria lida estava errada, mas não conseguia recordar detalhes de um diálogo absurdo, inventado, que diziam ter ocorrido havia onze anos. Não podia aceitar a versão de que VEJA trouxera na capa a informação de que Ibsen tinha 1 milhão de dólares nas contas. Eu sabia que a checagem apanhara o erro estúpido. Liguei para o diretor de redação de IstoÉ, Hélio Campos Mello, para perguntar: ‘Você tem certeza de que a capa de VEJA falava em 1 milhão?’. Sempre com o telefone na mão, ele disse que ia verificar na mesma hora: ‘Peraí… Estou vendo aqui a foto da capa. Está meio escura… Não consigo ler tudo… Mas dá para ler a palavra dó-la-res’. Assim se produziu e publicou uma fraude em forma de reportagem’.

Das duas uma: ou Hélio Campos Mello tem um problema de visão, e precisa ir ao oftalmologista, ou sofre de falta de ética. Como é um bom fotógrafo… A capa de VEJA que traz a matéria sobre Ibsen não fala em 1 milhão de dólares. A chamada é ‘Até tu, Ibsen? Um baluarte do Congresso naufraga em dólares suspeitos’. Lula diz em sua carta que, para evitar que fosse jogado fora 1,2 milhão de capas de VEJA já rodadas, Moreira Leite teria sugerido que ele colocasse na boca de alguém a falsa informação do milhão de dólares. Além de essa cifra não constar da capa, como perceberia qualquer fotógrafo com ética, há outro detalhe que ajuda a explicitar a malícia da farsa de IstoÉ/Lula: a tiragem de VEJA em 1993 girava em torno de 800.000 exemplares. A da edição de número 1.314, que traz a matéria de capa sobre Ibsen, foi precisamente de 834.119 exemplares, como está impresso no índice daquela revista. A tiragem que Lula coloca na boca de Moreira Leite é a média de hoje. É indício de mentira fabricada às pressas.

O 1 MILHÃO DE IstoÉ VIROU 2,3 MILHÕES

Dizer que a reportagem de VEJA foi responsável pela cassação de Ibsen Pinheiro é uma falsificação jornalística e uma mentira histórica. VEJA não é o terrorista turco Ali Agca, nem Ibsen é o papa João Paulo II. Ibsen não foi alvejado por VEJA no auge de sua carreira política. Ele vinha se arrastando em acusações e acabou cassado porque não soube explicar a seus pares a origem de determinadas quantias depositadas em suas contas – depósitos e movimentações que variavam a cada semana, por absoluta inépcia da CPI do Orçamento. Em certo momento, a movimentação de Ibsen, de acordo com a CPI, teria atingido 2,3 milhões de dólares. Aliás, IstoÉ registrou essa quantia em sua retrospectiva de 1993, colocando Ibsen ao lado dos integrantes da Máfia do Orçamento, num quadrinho intitulado ‘Dinheiro farto’ – Hélio Campos Mello também não viu isso.

É entristecedor que Lula, um repórter brilhante na juventude, tenha enveredado pelo caminho da fraude. Sua carta a Ibsen cortou definitivamente sua trajetória no jornalismo, colocando-o no limbo onde transitam pessoas que, por terem sido jornalistas de alguma expressão, hoje se oferecem como lobistas e ‘apaziguadores de crises’. Em e-mail endereçado a VEJA, Lula nada acrescentou que esclarecesse as circunstâncias em que ele produziu sua fábula.

Tomada de surpresa pela fraude de IstoÉ, VEJA, em sua edição passada, pediu desculpas por eventuais erros que tenha publicado no caso de Ibsen e em outros daquele período tormentoso. Mas eles jamais foram intencionais – e quase sempre foram compartilhados por outros veículos, como a própria IstoÉ, que também se alimentavam das informações fornecidas pelos integrantes da CPI. O julgamento de Ibsen foi eminentemente político. Cassado, ele teve arquivado em 1999, pelo Supremo Tribunal Federal, um inquérito que o acusava de sonegação fiscal. Ibsen pagou à Receita Federal 6.847 reais. Ao pagar o débito, evitou ser punido pelo crime de sonegação. Quantos às outras irregularidades apontadas pela CPI, o Ministério Público não encontrou provas suficientes. Só para lembrar, Fernando Collor de Mello não recebeu condenação também por falta de provas. Hoje, Ibsen quer voltar à política. Candidatou-se a vereador em Porto Alegre. A fraude de IstoÉ/Lula é, assim, uma peça de propaganda política – a carta mentirosa irá constar também de uma biografia que Ibsen diz que se prepara para lançar.

A fraude de IstoÉ ganhou os holofotes de parte da imprensa. Alguns jornais e articulistas se apressaram em condenar VEJA sem antes verificar os fatos. Se tivessem realizado um procedimento básico do jornalismo, o de certificar-se do que eles próprios publicaram sobre o caso no passado, teriam se livrado de cometer o mesmo deslize que IstoÉ falsamente imputou a VEJA. Chegou-se a dizer que o episódio era fruto de uma disputa comercial entre IstoÉ e VEJA. Trata-se de uma manobra encobridora. Não há disputa comercial entre as duas revistas. A circulação total de VEJA é quase quatro vezes maior do que a de IstoÉ, hoje a terceira semanal do Brasil, atrás de Época. E VEJA só vende assinaturas e exemplares em bancas.’

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‘‘QUANTOÉ’’, copyright Veja, 24/08/08

‘A capa da edição da revista IstoÉ que chegou às bancas no dia 24 de julho, intitulada ‘Rio trabalhador’, trouxe evidências de que a publicação entrega a seus leitores material publicitário disfarçado de reportagem. O informe publicitário com 21 páginas de elogios ao desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro chamou a atenção de dois jornalistas de veículos diferentes: Milton Coelho da Graça, do site Comunique-se, e os responsáveis pela coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo. O primeiro, em artigo veiculado no dia 26 de julho, pergunta: ‘Como uma revista pode ter credibilidade em suas reportagens investigativas enfiando no meio delas matérias pagas desse tipo?’. Uma semana depois, a coluna de Monica Bergamo informou que a ‘reportagem’ de IstoÉ teria sido paga pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Em carta a VEJA, a Firjan explica o episódio, mas não melhora em nada a situação de IstoÉ. Fica claro que a revista usa métodos heterodoxos: a redação faz e o comercial cobra pelas reportagens. A Firjan diz que um repórter de IstoÉ solicitou entrevista com seu presidente, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, para uma ‘reportagem especial sobre o Rio de Janeiro’ e que, ‘depois da entrevista, o comercial da IstoÉ procurou a área de marketing da Firjan oferecendo espaço publicitário para apoiar a publicação’. O ‘jornalismo’ praticado por IstoÉ já rendeu à revista, em círculos bem informados, o apelido de ‘QuantoÉ’. Os esquemas de IstoÉ já haviam sido denunciados pelo jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, no ano passado. Em reportagem que lhe rendeu o Prêmio Esso de melhor contribuição à imprensa em 2003, Rodrigues investigou o uso de dinheiro público por parte do governo do Paraná, em 2002, na compra de matérias jornalísticas favoráveis à gestão de Jaime Lerner, à época seu titular. Rodrigues registrou que o único veículo de circulação nacional pago para elogiar Lerner fora a IstoÉ Gente, também da Editora Três. Nota fiscal obtida pelo repórter mostrou que, para publicar ‘reportagens’ elogiando as atrações turísticas do Estado, a revista cobrou 500 000 reais.’



Paulo Moreira Leite

‘‘Estelionatários de factóides’’, copyright Veja, 24/08/08

‘Fui informado da fraude publicada pela revista IstoÉ à meia-noite, numa quinta-feira, pelo celular, quando recebi o prazo de uma hora para redigir uma declaração sobre o caso. Não pude ler o artigo de Jayson Blair Costa Pinto (Jayson Blair é o nome do repórter que, até ser desmascarado recentemente, inventou personagens, situações e escreveu reportagens inteiramente falsas no jornal americano The New York Times). Ainda incrédulo no que me diziam, consegui ouvir algumas frases ao telefone. Afirmei que a versão da matéria lida estava errada, mas não conseguia recordar detalhes de um diálogo absurdo, inventado, que diziam ter ocorrido havia onze anos. Não podia aceitar a versão de que VEJA trouxera na capa a informação de que Ibsen tinha 1 milhão de dólares nas contas. Aquilo não era possível. Eu sabia que a checagem apanhara o erro estúpido de Jayson Blair Costa Pinto. Liguei para o diretor de redação de IstoÉ, Hélio Campos Mello, para perguntar: ‘Você tem certeza de que a capa de VEJA falava em 1 milhão?’. Sempre com o telefone na mão, ele disse que iria verificar na mesma hora: ‘Peraí… Estou vendo aqui a foto da capa. Está meio escura… Não consigo ler tudo… Mas dá para ler a palavra dó-la-res…’.

Assim se produziu e se publicou uma fraude em forma de reportagem.

Entre 1993 e a semana passada tive vários contatos com Jayson Blair Costa Pinto. Dez dias antes da publicação da fraude, conversamos no saguão de um hotel no Rio. Provavelmente porque continuava ‘pensando no emprego’, como diz ter feito por onze longos e sofridos anos, Blair Costa Pinto agiu de modo covarde e dissimulado. Nada me disse nem perguntou sobre o episódio. Deu um abraço largo, sorriu, falou amenidades simpáticas. Em 2001, me procurou quando estava de novo ‘pensando no emprego’. Queria trabalhar sob minha direção numa revista. Não se mostrava atormentado pelas alegadas lembranças e culpas do caso Ibsen Pinheiro. Recusei seu pedido de emprego.

Estelionatários de factóides como Blair Costa Pinto trabalham com facilidade quando a imprensa está de guarda baixa e o jornalismo amolece. Os jornais não precisam ser tutelados por um Conselho Federal de burocratas, na realidade um júri do Chacrinha pago com nosso salário. Os jornais precisam de mais leitores e mais anúncios, e mais jornalistas. Viveram dez anos de emagrecimento, cortes e ajustes. Não têm revisão. A maioria não tem checadores. Nunca tiveram um número tão reduzido de repórteres. Ficaram desprotegidos.

A farsa de Jayson Blair Costa Pinto embrulhou boa parte da imprensa por vários dias, embora não passasse de um agregado de mentiras, confusões e erros grotescos. Os estelionatários são vorazes, têm o bolso cheio e adoram sinais de fraqueza. Mais do que nunca a imprensa terá de reaprender a lição de Adam Sun: investigar é muito importante, mas checar é essencial.’