Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja

A TRAJETÓRIA DE OCTÁVIO FRIAS…
Mario Sabino

O capitalista da Folha

‘‘É muito bom para o empresário produzir coisas palpáveis, como leite, carne, frango. Jornal não é uma coisa palpável’, diz a certa altura Octavio Frias de Oliveira no livro que trata de sua vida (A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira, de Engel Paschoal; Mega Brasil; 332 páginas; 44 reais). A frase ilustra aquela que é, segundo registra o autor da biografia, a grande frustração profissional de Frias: o fim da Granja Itambi, de sua propriedade. Soa estranho que o dono da Folha de S.Paulo se sinta tão frustrado com o fechamento de uma granja e considere impalpável o negócio do jornalismo, mesmo que o jornal em questão seja o de maior circulação do país. Mas esse estranhamento desaparece quando se examina de perto o seu percurso. Na verdade, a vida de Frias esteve longe de ser, com o perdão do trocadilho profissional, pautada pelo jornalismo. Tornar-se integralmente um homem de imprensa deveu-se mais às contingências do que a uma vocação. Foi o negócio que deu certo, depois que outros, bem palpáveis, falharam. Entre eles, o de banqueiro, incorporador imobiliário, dono de corretora e proprietário da rodoviária paulistana. Em outras palavras, o que sempre animou Frias, hoje com 94 anos, foi o espírito empreendedor, a vontade de ganhar dinheiro – as possibilidades, enfim, propiciadas pelo capitalismo.

Tem-se no dono da Folha um caso extraordinário de empresário brasileiro que não tem medo de dizer que gosta de lucro. O receio da maioria dos semelhantes a Frias é compreensível: paternalismo, compadrio governamental e esquerdismo disseminado contribuem para a formação de um ambiente muito hostil ao capitalismo – àquele de verdade, frise-se, de extração bem ‘neoliberal’, no qual empresas fecham, abrem e o contribuinte não tem de pagar por isso. Frias não fez jornalzinho na escola, jamais teve veleidades políticas ou mostrou ‘paixão pela notícia’. Aos 50 anos recém-completados, decidiu comprar a Folha apenas porque lhe pareceu uma boa oportunidade de faturar alto. O jornal, do qual ele vendia assinaturas por meio de sua corretora, foi adquirido em agosto de 1962, em parceria com Carlos Caldeira, um empresário santista que era seu sócio na antiga rodoviária paulistana.

Fecharam o negócio numa sexta-feira, por meio de um cheque que teria fundos na segunda seguinte. A dúvida se havia dado um passo certo logo assaltou Frias: ‘Na primeira semana que eu passei lá eu só queria saber para quem eu ia empurrar a Folha. Porque me arrependi, e como. É verdade que logo no primeiro mês deu lucro operacional, mas tinha um passivo grande. Eu e o Carlos Caldeira pensamos: ‘Que besteira nós fizemos’. Se era para tocar o jornal, e não empurrá-lo para um incauto, que fosse, então, do jeito certo – capitalista. Antes de mais nada, os dois empresários se lançaram à tarefa de organizar as finanças e melhorar a distribuição da Folha. Somente em 1965 contrataram um jornalista experiente para tocar a redação: o mercurial Cláudio Abramo, que havia dirigido o Estadão, publicação da qual todas as demais comiam a poeira em São Paulo. Na contratação de Abramo, Frias deparou com uma peculiaridade do ramo – havia um ‘comitê de redação’ que rejeitava o novo diretor. Para contornar o problema, o jornalista foi deixado na geladeira, até que a área fosse limpa e Abramo pudesse fazer o seu trabalho.

Um ano depois da compra que causou o arrependimento inicial, com o trabalho de estruturação ainda em andamento, a Folha já havia se tornado o maior jornal de circulação paga do Brasil. Desde então, a empresa não perdeu o ritmo, apesar dos percalços da economia nacional, criando outros jornais e explorando novas áreas ligadas à informação. Não há quem não reconheça que, ao lado de Victor Civita, fundador da Editora Abril, que publica VEJA, e de Roberto Marinho, das Organizações Globo, Frias compõe a tríade de empresários que imprimiram profissionalismo à imprensa brasileira a partir da segunda metade do século XX.

O grande salto comercial e institucional da Folha ocorreria no início da década de 80, com a abertura política. O jornal tornou-se, então, uma espécie de porta-voz dos anseios democráticos da sociedade. O dado curioso é que pouco antes, em meados dos anos 70, a Folha fora acusada de colaborar com os porões do regime militar, depois que se descobriu que carros da empresa estavam sendo usados para caçar terroristas de esquerda. Ameaçado de morte por integrantes da tal luta armada, embora jurasse nada saber do assunto, Frias, juntamente com a família, viu-se obrigado a entrincheirar-se na sede do jornal, no centro de São Paulo, onde morou por alguns meses. O afrouxamento da ditadura propiciou que o empresário concretizasse, agora na sua encarnação editorial, uma lição do capitalismo americano que ele gosta de recitar – ‘If you want to make money, find a need and fill it’. A necessidade que foi preenchida e que ajudaria a sua empresa a crescer ainda mais: a de um canal de expressão para as opiniões dissonantes que se levantavam contra a ditadura, depois que a tampa da panela de pressão fora retirada. Surgem, assim, o ‘pluralismo’ e o ‘apartidarismo’ da Folha (‘cacofonia’, dizem os críticos mais acerbos do jornal).

A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira esmiúça a contento a vida pessoal e empresarial de seu protagonista, embora peque, como é natural em se tratando de biografia autorizada, pelo tom hagiográfico. Tom que é quebrado justamente pelos depoimentos de Frias, que pontuam o livro. Não parece haver ninguém menos interessado na automitificação. Sua sinceridade é uma delícia. Ele confessa ter sido usurário quando acumulava capital, ainda jovem (‘Esse crime de usura eu pratiquei muito. Mas nunca fiz isso com pessoa física, só com empresa. Eu não queria ter que apertar o miserável’), e narra divertido a parceria comercial, na década de 50, com aquele que é considerado a besta-fera do conservadorismo brasileiro, Carlos Lacerda (‘Eu bolei placas para o Carlos Lacerda e cobrava as placas. Inundei o Rio de placas do Carlos Lacerda, com 30% de comissão. Tudo o que imaginava com a efígie de Carlos Lacerda, eu vendia. Vendi o Lacerda de tudo que era jeito, em placas, em emblema, em tudo. E com 30% de comissão, como sempre. Era uma loucura de dinheiro. Então, ficamos muito amigos’).

‘É imoral perder dinheiro em negócios’, também gosta de dizer Frias. Quando um capitalista não perde dinheiro graças à liberdade de expressão e de opinião, todo mundo sai ganhando.’



TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Repulsa à comédia

‘Uma das regras não escritas da teledramaturgia brasileira diz que a novela das 8 sempre deve reservar um espacinho para a comédia. Quase todos os autores de sucesso desse horário seguem tal diretriz à risca e escalam alguns atores para um núcleo cômico. O noveleiro Manoel Carlos é a grande exceção. Adepto ferrenho do realismo, ele jogou fora essa página do manual de instruções e não dá lugar para personagens malucos ou exagerados em seus folhetins. Um toque de humor, vá lá que seja, porque o humor faz parte do cotidiano e é isso que Manoel Carlos quer retratar. Mas nada de casais que derrubam o prédio de tanto fazer sexo ou de bicheiros de vocabulário esdrúxulo, como fariam seus colegas Silvio de Abreu e Aguinaldo Silva. Ultimamente, a novela Páginas da Vida tem levado às últimas conseqüências essa ‘repulsa à comédia’. A trama girou em torno do embate entre a infeliz Nanda (Fernanda Vasconcellos) e sua mãe, Marta (Lilia Cabral), uma figura tão gélida que uma corrente de ar frio ameaça escapar da TV cada vez que ela entra em cena. Os temas foram a gravidez acidental, a morte por atropelamento e o nascimento de uma criança com síndrome de Down. Nesse vale de lágrimas, a única graça foi involuntária. Deveu-se à atriz Regina Duarte, que interpreta a médica Helena. Depois de fazer o parto da pobre Nanda, e vê-la morrer, seu rosto transformou-se na própria máscara da dor (sobrancelhas erguidas, boca caída, e a cabeça inclinada como a de um cocker spaniel). Mas dava vontade de rir.

O clima funesto que tomou conta de Páginas da Vida não passou despercebido pelos humoristas. Numa animação veiculada na internet pelo site charges.com.br, do cartunista mineiro Maurício Ricardo Quirino, Nanda emerge de uma TV como a fantasma do filme de terror japonês O Chamado. Ao vê-la, Marta se estressa. ‘Ah, não, é muita cara de pau sua. Me deixou falando sozinha e foi atropelada num ponto de ônibus. Morte de pobre, só para me humilhar’, diz a megera à filha. A piada faz referência ao fato de Nanda agora reaparecer do além a toda hora para falar com o pai (consta que ela também assombrará a mãe). Apesar dos indícios, Nanda não é um fantasma, sustenta Manoel Carlos. Ela é só uma morta que conversa com os vivos. ‘Não sou espírita, mas acredito que isso pode acontecer’, diz o autor. Ah, sim: a ausência de humor não tem sido um problema para a Globo. Na segunda-feira, Páginas obteve a média de 56 pontos no Ibope – um índice de reta final de novela das 8. Para o público, desgraça pouca é bobagem.’



OSESP SOB SUSPEITA
Sérgio Martins

Notas suspeitas

‘No próximo domingo, o Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos deverá anunciar seus premiados. Seja qual for o resultado, um processo de seleção de competidores que resultou em escândalo já deixou o evento da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) marcado como um vexame. Uma medida do descrédito em que caiu o concurso está na desistência da competidora Inna Faliks, pianista americana de 27 anos, premiada no circuito erudito. Na terça-feira passada ela anunciou que não viria ao Brasil. ‘Ainda bem que fiquei doente’, diz. ‘Um concurso manchado por fraudes não iria acrescentar nada à minha carreira.’ As desistências também aconteceram entre os jurados. A última foi do crítico americano James Keller, que cancelou sua participação em 18 de julho. No total, sete dos onze julgadores originalmente escalados deixaram o barco – nem sempre de maneira cordial. ‘Ouvi xingamentos incríveis ao anunciar minha saída’, afirma um deles. O pior é que a Osesp ainda tem muito que esclarecer sobre o concurso.

Em 17 de julho, a orquestra divulgou uma nota em defesa da ‘lisura’ da competição e atribuiu ao israelense Ilan Rechtman, ex-diretor do concurso, toda a culpa pelas irregularidades na seleção de competidores. Rechtman cometeu um erro imperdoável: alterou, por conta própria, a lista de classificação entregue pelo pianista brasileiro Gilberto Tinetti, que trabalhou como avaliador naquela fase do concurso. Segundo a Osesp, a demissão de Rechtman, em 23 de abril, pôs ordem na casa. Mas não é bem assim. No tiroteio que se seguiu, Rechtman revelou que Tinetti lhe havia confessado conhecer a identidade de alguns competidores brasileiros, supostamente escondida por um código numérico nos discos de seleção. Essa quebra de sigilo teria sido relatada ao diretor artístico da orquestra, o maestro John Neschling. Uma medida prudente teria sido afastar Tinetti – mesmo que se acredite que o julgamento desse músico veterano não foi afetado pelo fato de ele conhecer a identidade dos inscritos. Curiosamente, Tinetti foi promovido a jurado também da segunda fase. O trabalho do outro julgador contratado, o americano Jeffrey Moidel, é que acabou sendo descartado.

A orquestra afirma que agiu assim por dois motivos. Primeiro, porque o americano, enquanto esteve no Brasil, se hospedou no apartamento de Rechtman – dá-se a entender que ele teria feito isso em segredo e seria uma espécie de conspirador. Em segundo lugar, Moidel teria deixado de entregar ‘tempestivamente qualquer documento oficial contendo as notas’ que atribuiu aos competidores. As duas afirmações são capciosas. O endereço de Moidel no Brasil não foi segredo. Se ele não ficou num hotel, foi a pedido da orquestra e para poupar dinheiro, como comprovam e-mails trocados pelos organizadores do concurso. ‘Pediram que fosse assim e eu concordei’, diz Moidel. ‘Foi um motorista da Osesp que me pegou no aeroporto e me levou à casa de Rechtman.’ Em segundo lugar, o contrato firmado por Moidel não falava em notas. ‘Lista de notas é coisa de concurso de calouros’, diz o americano. De acordo com as regras originais, a tarefa de cada avaliador seria ouvir cinqüenta CDs e pinçar os 25 melhores. Em seguida, eles trocariam entre si os escolhidos, para chegar a um time final. A Osesp mudou os parâmetros no meio do caminho. Cobrou a tal lista de notas de Moidel, e ele a entregou dias antes do anúncio dos finalistas. Mas a lista não foi usada. Nesse momento, a ex-pianista Rosana Martins já trabalhava numa avaliação alternativa. Depois de concluir essa tarefa, ela se tornou funcionária da Osesp. A orquestra se negou a comentar as afirmações de Moidel e os documentos que ele apresentou a VEJA.

Durante esta semana, é provável que música de boa qualidade seja apresentada pelos pianistas que participam do concurso Villa-Lobos. Infelizmente, isso não cancela o desastre de organização do evento – que teve um diretor demitido, dois avaliadores postos sob suspeita, uma nota de esclarecimento público com passagens duvidosas (se não mentirosas), uma mudança de regras de seleção feita de última hora e sem transparência e uma lista de finalistas que inclui a pianista da própria Osesp (a russa Olga Kopylova). É uma lástima que jurados e uma competidora tenham desistido do concurso nos últimos dias. Mas surpresa não é.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

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