Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja

VEJA vs. CHÁVEZ
Duda Teixeira

O coronel agora é censor

‘O que um ditador de um país periférico faz dentro de suas fronteiras é, desde que não cometa crimes contra a humanidade, um problema de seu povo. A situação é totalmente diferente quando Hugo Chávez desembarca no Rio de Janeiro e se põe a clamar contra a liberdade de imprensa no Brasil. Convidado a receber uma homenagem na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro no dia 19, Chávez exibiu um exemplar do jornal O Globo, cuja primeira página comentava a escalada autoritária na Venezuela. O presidente venezuelano acusou o periódico carioca de ‘inimigo do povo brasileiro, do povo latino-americano’. Não se trata de uma disputa pessoal entre um presidente estrangeiro e um jornal, e sim de uma postura recorrente de Chávez, sob dois aspectos: primeiro, seu desrespeito à livre opinião e, segundo, seu hábito de interferir nos assuntos internos de outros países.

O venezuelano não tem o direito de trazer esses desmandos para o Brasil, onde a liberdade de imprensa é um valor enraizado e conquistado a duras penas, depois de duas décadas de ditadura. ‘Atacar um jornal dentro do Brasil foi uma improbidade que deveria ter sido condenada claramente pelo governo brasileiro’, diz o ex-chanceler Luiz Felipe Lampréia. Eleito para seu terceiro mandato, Hugo Chávez anunciou um novo formato para seu governo. Resumindo, trata-se de partido único, socialismo e presidente vitalício com poderes para governar por decreto. Regimes com tais características são chamados de ditadura. São, obviamente, incompatíveis com uma imprensa independente. No pacote de inauguração de seu ‘socialismo do século XXI’, Chávez também anunciou o fim da concessão do canal de televisão RCTV, um dos mais populares do país e crítico de seus demandos. O golpe prenuncia o fim da liberdade de expressão na Venezuela.

Uma forma eficiente de calar a imprensa venezuelana têm sido as ameaças e pressões feitas diretamente contra os jornalistas. Desde 2000, quando Chávez iniciou seu segundo mandato, registraram-se 1 500 agressões físicas a repórteres, operadores de câmera e fotógrafos, a maioria delas praticada por chavistas motivados pelas acusações nominais que Chávez faz a jornalistas em seu programa dominical de televisão. ‘Fomos todos obrigados a tirar a identificação de imprensa dos carros para evitar ataques’, diz o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda, da Unión Radio, de Caracas. Em 2005, com a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Social – mais conhecida como ‘lei da mordaça’ -, começou uma avalanche de processos contra jornalistas, acusados de promover ‘ameaça à segurança nacional’ ou ‘desrespeito a instituições e autoridades legais’. O objetivo implícito da lei é levar os jornalistas à autocensura.’



INTERNET
Laura Ming

Postar e aparecer

‘Sabe aquele sonho secreto que todo jovem tem, de que algum dia alguém descobrirá o seu trabalho (sua foto, seu site, sua banda) e o revelará para o mundo? Quatro meninas comuns, que nunca fizeram nada de especial – a paulista Mariana de Souza Lima, ou Mari Moon, 24 anos, a carioca Ana Paula Matta, apelido Apê, codinome Ímpar, 20 anos, Shana Andressa Roeder, 17, a Maluka, de Pomerode, em Santa Catarina, e Carolina Lira Alves, a Lolly, que tem 16 anos e mora no Recife -, estão aí para testemunhar que o improvável acontece. Em comum, cada uma tem seu fotolog, um blog com muitas fotografias e algumas palavras, ao qual dedicam horas e horas de seu dia. A dedicação é justamente seu diferencial, num ambiente coalhado de, como dizem, fotologgers (ou, abreviando, floggers) – segundo o Fotolog, site americano que aloja esses diários fotográficos, são 1,2 milhão de adeptos no Brasil, 20% do total mundial. Enquanto um logger comum posta (outro termo em bloguês) uma foto de vez em quando, as quatro meninas trocam a sua todo dia e gastam horas se aprontando, fazendo caras e bocas, apontando a câmera para si mesmas e clicando (um dedinho aparecendo no canto é charmoso), para escolher e postar a imagem que melhor combina com seu estado de espírito. Também atualizam sempre as outras fotos – do seu quarto, do seu cachorro, da sua casa. Enquanto a maioria responde a um ou outro comentário de visitantes, as quatro, atenciosas e simpáticas, dão atenção a todos, opinando, elogiando, aconselhando (tudo em poucas palavras e sinais cifrados para o leigo, visto que a escrita não é o forte do bando). De mensagem em mensagem, viraram uma espécie de musas para milhares de fãs, a quem ditam modo de vestir, de falar e de se comportar. Sendo sua área de influência justamente aquela faixa etária em que vende seus produtos, a Melissa, fabricante de calçados de plástico para jovens, tratou de cooptar as celebridades virtuais para o mundo muito real dos negócios: Mari Moon, Apê, Maluka e Lolly acabam de assinar contrato para prestar assessoria e divulgar a marca. ‘Comecei como uma brincadeira. Ainda não acredito que virou uma coisa tão séria’, diz Lolly, que nem de internet gostava antes de um amiga lhe fazer um fotolog.

Quem se dispõe a acompanhar assiduamente o dia-a-dia de uma desconhecida? Quase todo mundo entre 12 e 18 anos. Funciona assim: uma amiga indica um fotolog, a menina acessa, comenta, visita o fotolog de outros visitantes, comenta, faz o seu próprio, recebe comentários, e pronto – o vínculo virtual está formado. Foi dessa maneira que a jovem Kaminsky Gilbert, 12 anos, de Campinas, virou amiga do peito de Apê, de quem copia as roupas e com quem ‘conversa’ todo dia. ‘Ela é demais. Quando estou triste, me dá conselhos, melhora o meu dia’, conta Kaminsky, que nunca ficou frente a frente com Apê, mas tem absoluta certeza de que ela é ‘gente boa’. ‘Os adolescentes querem ídolos acessíveis. Que conversem com eles, sejam parecidos’, diz Fernanda Bruno, professora de pós-graduação em comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ‘Eles estão divididos em muitas tribos, e as estrelas da música e da televisão não os representam mais.’

De modo geral, a tribo é melancólica. Manifestações como ‘Tenho me sentido deprimida’ e ‘Será que a vida vale a pena?’ ensejam intensa troca de mensagens. Abrir o coração e compartilhar as angústias que o assaltam é outro tema freqüente. Mari Moon, estudante de moda, cabelo colorido (atualmente, pink) e pele branquíssima, campeã de acessos no país (70.000 por semana), teve depressão e dividiu dia a dia o problema com seus interlocutores. Popularíssima, ela também tem mais de 6.000 amigos e cerca de cinqüenta comunidades em sua homenagem no site de relacionamentos Orkut. Antes do contrato com a Melissa, era a única que ganhava algum dinheiro com a fama: percebeu que as meninas queriam ser iguais a ela e montou uma lojinha virtual de roupas. Outra atribuição imprescindível dos loggers de sucesso é freqüentar o fotolog dos outros para saber as novidades. ‘Hoje em dia o legal não é o bom, é o novo’, diz Luli Radfahrer, professor de comunicação digital na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. ‘Essas meninas funcionam como curadoras, selecionando as novidades.’

Os vínculos virtuais podem ser fortes. Mari Moon e a carioca Apê (35.000 acessos por semana) são hoje em dia melhores amigas, que se visitam quando dá e teclam-se todas as novidades. De conversa em conversa, a catarinense Maluka (4.000 acessos por semana) não sai do computador. ‘Posso passar até dez horas sentada direto na frente do PC. Desde que criei meu fotolog, comecei a ir muito pior na escola’, confessa. Maluka tem mais amigos chegados na internet do que fora dela. Há duas semanas, recebeu em Pomerode a visita de Renan Rodrigues, de Santos, em São Paulo, que nunca tinha visto em pessoa. ‘Foi muito legal. Passamos um bom tempo no computador, comentando e mexendo no fotolog um do outro. Na minha cidade não tem muito que fazer’, relata. Ana Paula, que se apelidou Ímpar ‘porque sou única’, conheceu por fotolog até o namorado, Gabriel, que ela foi (de ônibus) conhecer em Belo Horizonte. ‘Acho que consigo perceber como é a pessoa pelo computador’, diz Apê-Ímpar, que se veste, maquia e posa para umas oitenta fotos todo dia. O esforço compensa: ‘Tem gente que, quando me vê, age como se eu fosse a Nicole Kidman’, esnoba.’



MAINARDI PERSEGUIDO
Diogo Mainardi

Os cães de gravata

‘Cada um escolhe seu próprio inimigo. O meu morreu no mês passado, aos 95 anos. Era Joseph Barbera, um dos fundadores dos estúdios Hanna-Barbera. No começo de janeiro, morreu também um de seus principais colaboradores, Iwao Takamoto, criador do Scooby-Doo. Estou com sorte. Livrei-me de dois inimigos em menos de um mês.

Atribuo grande parte do meu fracasso pessoal aos desenhos animados de Hanna-Barbera. O fato de ter assistido a todos os episódios dos Herculóides, da Tartaruga Touché e dos Flintstones comprometeu meu futuro. O dano causado por horas e horas de Space Ghost, de Wally Gator e de Jonny Quest foi definitivo. Muitas de minhas falhas intelectuais e de personalidade podem ser imputadas a eles. De nada adiantou ler Montaigne mais tarde. No deserto mental provocado por Frankenstein Júnior, pelos Irmãos Rocha e pela Formiga Atômica, Montaigne simplesmente não frutifica.

Até a década de 1960, um episódio de Tom e Jerry ou de Pernalonga era feito com algo entre 25.000 e 40.000 desenhos. Joseph Barbera e seu sócio bolaram um jeito de produzir suas séries com menos de 2.000, abatendo seus custos. A técnica recebeu o nome de ‘animação limitada’. Os personagens permaneciam estáticos. A única parte de seu corpo que se movia era a cabeça, que pulava compulsivamente da direita para a esquerda, ora com a boca fechada, ora com a boca aberta. Para facilitar o corte, todas as figuras tinham o pescoço encoberto por um colarinho ou por uma gravata. Nos desenhos da Hanna-Barbera, sempre há um cachorro de gravata, um super-herói de gravata, um dinossauro de gravata.

As paisagens sofreram o mesmo tratamento reducionista. Os personagens dos desenhos de Hanna-Barbera habitam um mundo claustrofobicamente circular. De dois em dois segundos eles passam pela mesma pedra, pelo mesmo veículo espacial, pelo mesmo homenzinho careca e bigodudo de terno azul. A angústia de pertencer a um universo que se repete continuamente só é superada pelo fato de que ninguém se dá conta disso. Maguila, Simbad Júnior e os Brasinhas do Espaço parecem desprovidos de memória. As tramas também se repetem de uma série para a outra. Muda apenas o mote de cada personagem, a sua frase característica, como ‘Saída pela esquerda’, ‘Shazam!’ ou ‘Oh, querida Clementina’, recitada por um mau dublador.

Joseph Barbera e Iwao Takamoto empobreceram minha vida. Assim como empobreceram a vida de todos os meus contemporâneos. Há fases em que a humanidade melhora e há fases em que ela piora. Nada representa com tanta clareza o barateamento intelectual do nosso tempo quanto os desenhos animados de Hanna-Barbera. Cada quadro economizado por eles significou para nós uma idéia a menos, um pensamento a menos, uma sinapse a menos. Os pioneiros de Hanna-Barbera acabam de morrer, mas nossa época está irremediavelmente perdida. O único consolo é que esquecemos a miséria em que vivemos de dois em dois segundos.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Veja

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